sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26420: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (3): Estimativa: podemos apontar para 2,6 evacuações, em média, por dia, só de militares gravement feridos, entre princípios de 1963 e meados de 1974 ?


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Quem seria a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu, do Pel Caç Nat 52 ?  Tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço mas, que nos informou, nunca usou pulseira (para mais na mão esquerda).



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > O fotógrafo, o Jaime Machado,  estava lá!... Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241...  O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat  52,   À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, reordenamento a  escassas centenas de metros do quartel de Bambadinca, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida.  Apesar da evaciação Y, ele irá morrer na viagem, tal a gravidade do do seu estado. (`De pé, em tronco, por detrás da enfermeira que está debruçada sobre o ferido, reconheço o Fernando Sousa, o 1º cabo aux enf, fa CCAÇ 12).

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva, já falecido. À esquerda do Beja Santos, de camuflado ensanguentado (pelo transporte, às costas, do gferido), sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, o fur mil enf da CCAÇ 12, o João Carreiro Martins. Ao fundo estão camaradas do infortunado Sambu, do Pel Caç Nat 52.

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Queridas senhoras enfermeiras paraquedistas, boas amigas, camaradas e grã-tabanqueiras Giselda, Arminda, Rosa, Aura:

Não importa que um deus menor tenha ordenado a vossa extinção, há 40 anos atrás...Ou que a tropa vos tenha maltratado... Uma vez enfermeiras pqdt, enfermeiras pqdt para a vida...

Ninguém ficará com ciúmes com este título antológico aplicado a vocês... Se pensarem nas vidas que ajudaram a salvar (nos 3 TO), não é nenhuma "boutade", ou enormidade, dizer-que, no vosso caso, "Nunca tantos ficaram a dever tanto a tão poucas", parafraseando o grande estadista inglês Winston Churchill...

Vocês foram 46, e agora são bem menos... Há saberes que se perderam irremediavelmente com a extinção do corpo de enfermeiras paraquedistas... Saber-ser, saber-fazer, saber-estar...Na guerra, nos cuidados de saúde aos feridos,  militares e civis, a bordo do AL III ou da DO-27, no hospital, no quartel, na base, no mato, na cidade...

No vosso livro coletivo (que faz inveja a outros "corpos" que não conseguiram fazer nada parecido, por exemplo, os médicos, os capelães...), vêm ao de cima muitas dessas competências cognitivas, técnicas, relacionais, humanas, psicossociais... imprescindíveis a um profissional de saúde, na paz e na guerra,,,

Vocês ainda "não fecharam o livro", e até aos 100 (!) ainda irão surgir, bem "espremidinhas", outras histórias, memórias, "cenas"... Penso que faltam sobretudo histórias "sobre" vocês, contadas por nós...Daí o duplo desafio desta série, que tem um título que até pode parecer provocatório...

Andamos todos a "rapar" os baús da memória...Mas a questão não é tanto a falta de material como a "mudança de perspetiva"...Os acontecimentos, os factos, as situações, os lugares, as pessoas, etc. não têm uma única e definitiva leitura...Por isso, "não deitem nada fora", por enquanto...Tudo pode ser "reciclado"...

Será que vamos conseguir material para uma boa dúzia de postes ? O blogue precisa, e vocês merecem o palco (e a nossa gratidão)...

Boa continuação da caminhada pela "picada da vida", agora mais minada e armadilhada... Sobretudo, saudinha.


2. Quantas evacuações terão feito as nossas enfermeiras paraquedistas no TO da Guiné, entre 1962 e 1974 ? (1962 foi o primeiro ano em que se regista a presença de uma enfermeira paraquedista, a Maria Arminda,  no CTIG, aonde chegou em julho,  e a Eugénia, a seguir, quinze dias depois: foram elas que assistiram aos primeiros feridos da guerra, evacuados em Tite, em 23 de janeiro de 1963).

Impossível saber o número de evacuações sanitárias realizadas por elas, embora se possa tentar estimar, com a ajuda delas (enfermeiras) e deles (pilotos e especialistas  da FAP)...

É uma pena que a FAP não tenha esses registos. Ou se tenham perdido. Ou não possam ser discriminadas as evacuações sanitárias dos restantes transportes de pessoal. (E se calhar até tem, é uma questão de ir procurar...)

Sabemos que o HM 241, em Bissau, tinha uma razoável capacidade de internamento: 320 camas.  Sabemos que no TO da Guiné,  se terão registado (só entre as NT)

  • 2854 mortos (dos quais 1717 em combate);
  • 9400 feridos graves (7200 em combate e 2200 em acidentes)
O Pedro Marquês dos Santos, no seu livro "Os números da guerra dce África" (Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2021), que estamos a citar,  diz que  rácio na Guiné foi de 1 morto para 3,6 feridos graves (superior ao rácio de Angola, 3,2, e de Moçambique, 1,4) (pág. 143).
  • e perto de 20 mil feridos ligeiros, segundo rácio 1 morto / 3 feridos graves e 1 morto / 10 feridos ligeiros: no entanto, para a Guiné, estimam-se em 34 mil o número de feridos.
Em teoria poderíamos apontar para cerca de 10 mil evacuações, ao longo de 11 anos e meio de guerra  (princípios de  1963 / meados de 1974) (c. 3800 dias), o que daria, grosso modo, 2,6 evacuações de militares feridos gravemente durante o conflito...Os mortos em princípio não podiam "roubar" lugar aos vivos, no heli ou na DO-27, mas também eram evacuados nalguns casos.

Mas faltam também aqui as evacuações de feridos e doentes da população civil bem como dos guerrilheiros do PAIGC, aprisionados pelas NT e feridos... Impossível saber quantas foram.

Por outro lado,  também não sabemos quantas enfermeiras paraquedistas (46 ao todo, de 1961 a 1974, nos 3 TO) poderiam  estar em média na BA 12, em cada ano...

Num recente poste que publicámos com dados sobre transportes (aéreos e marítimos) do BCAÇ 1860 (Tite, abril 65/ abril 67), ficámos a saber que houve as seguintes evacuações sanitárias (no setor S1, neste período de tempo):

A = 6
B= 28
Y = 10

Achamos pouco para um batalhão que teve 16 mortos e 6 "desaparecidos em combate" (**)... 16 mortos a multiplicar pelo rácio 3,6, daria cerca de 58 feridos graves... Ora durante a comissão só terá havido 10 evacuações Y... (podendo o heli ou a DO-27 levar duas macas).

Recorde-se que havia três tipos de códigos para as evacuações sanitárias

  •  Tipo A;  militares ou civis  com necessidade de serem evacuado para o hospital: (i) no mesmo dia do pedido; (ii) ou no dia seguinte; (iii) para consulta urgente; (iv) não exigindo a presença de enfermeira;
  • Tipo B: (i)  transporte para consultas ou tratamentos programados (anteriormente, pelo próprio hospital), de modo a dar continuidade à vigilância ou tratamento em curso;  (ii) não exigia a presença de enfermeira;
  • Tipo Y (ou "Zero Horas", em Moçambique): (i) a mais urgente; (ii) de execução imediata; (iii) feita em helicóptero ou avioneta, passível de aterrar em pequenas pistas de mato; (iv) o ferido precisava logo de levar soro e/ou sangue; e (v) era  obrigatório uma enfermeira a bordo.

Na carlinga do pequeno Dornier DO-27  e na caixa (acanhada) do heli AL III as enfermeiras só tinham espaço para colocarem duas macas sobrepostas. Como equipamenmto dispunham ainda de um gancho ou argola no teto onde se pendurava o frasco de soro.

O essencial da tarefa da enfermeira podia resumir-se ao controlo de três parâmetros:

 (i) conseguir combater o choque, repondo a volémia (aumento de líquidos circulantes), e tentando ao máximo  mantê-la estável;

 (ii) aliviar a dor; 

e (iii)  manter as vias aéreas respiratória permeáveis. 

Mantendo estes 3 parâmetros sob controlo, havia maiores probabibilidades dos feridos ou doentes chegarem com vida ao HM 241 e serem de imediato intervencionados  no hospital e no bloco operatório. 

Claro que havia outros casos, em que era  preciso muito cuidado no manuseamento e posicionamento dos feridos,muitos deles com hemorragias muito ativas e graves traumatismos músculo-esqueléticos. (Fonte:  adapt. de "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira; Porto: Fronteira do Caos, 2014,   pág. 214).

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(***) Último poste da série > 15 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26392: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (2): O que é feito de ti, Maria Rosa Exposto ?... "Nunca vos esqueci nem esquecerei", escreveu ela em depoimento para o livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas", 2ª ed., 2014, pág. 403)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cá está a "armadilha" da média (2,6 evacuações Y por dia ao longo do tempo) (sem o devido desvio-padrão ou medida de dispersão da distribuição da frequência):

(i) numa mina A/C podia haver um morto e bastantes "feridos graves";

(iii) numa ataque ou flagelação a um quartel ou destacamento podia haver "feridos graves e ligeiros", entre as NT e civis, e não haver mortos (dependendo dos abrigos e valas, da pontaria dos artilheiros do IN, da sorte, etc.);

(iv) numa emboscada no mato podia haver tantos mortos quantos "feridos graves;

(v) por outro lado, nem todos os dias felizmente havia mortos e feridos (e portanto evacuações Y): estamos a falar de 11 anos e meio de guerra "de baixa intensidade", correspondentes a mais de 3800 dias (de princípios de 1963 a meados de 1974)...

Os "feridos graves" dos nossos números da guerra (no CTIG) (rácio de 3,6 por cada morto) podem não ser feridos graves de acordo com os critérios de emergência médica:

(i) havia situações de "urgência" (e outras de "emergência" (risco de vida imediato);

(ii) as evacuações Y em princípio eram pedidas para estes feridos graves, em risco de vida imediato;

(iii) as situações de urgência eram/são aquekas que o doente ou ferido tem de ser observado numa unidade hospitalar para receber o tratamento adequado, mas não corrua/não corre risco de vida imediato;

(iv) o problema é que só havia um hospital central (o HM 241, em Bissau)...

Mas as nossas enfermeiras Rosa, Arminda, Giselda, Aura... terão melhor opinião do que eu...

Anónimo disse...

Uma imagem que vale por mil palavras.
Apesar da limpida explicação, aquilo que se vê é sempre bem diferente (para pior) so que se lê. Eu também vi o meu comandante de batalhão numa maca, com as pernas ao dependuro e as cuecas todas furadas nos genitais.
Não tive coragem, ou por pudor, de bater a chapa, apenas ao Heli que o transportou.
Não me lembro de ter visto qualquer enfermeira paraquedista. São Domingos, dia 20 de Novembro de 1968.
Bem hajam todos os que pelos outros tanto fizeram!
VT.

Anónimo disse...

O Batalhão de Caçadores 2852, foi render o meu batalhão 1933 em Nova Lamego em 26fev68.
Julgo não estar enganado, ainda toda a zona era L1 com uma extensda área, desde Pirada, Bajocunda, Buruntuma, Medina do Boé, Beli, Cabuca, Paunca, Piche, Canquelifá, etc.
VT.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Salvo melhor opinião (dos camaradas da FAP, a começar pelas nossas enfermeiras paraquedistas), não tínhamos os meios logísticos (helis, avionetas, tripulações, enfermeiras, médficos e outro pessoal..) para fazer 2,6 evacuações Y em média por dia (na realidade, estamos a falar de 2,6 feridos ou doentes evacuados para o HM 241, o heli ou a DO-27 podia levar 2 macas...).

A verdade é que também não havia mais hospitais, com a capacidade do HM241 (em termos de camas, bloco operatório, serviço de imagiologia, banco de sangue, etc., incluindo os indispensáveis recursos humanos qualificados: médicos, cirurgiões, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, etc.).

Se o PAIGC tivesse posto uma bomba no HM 241, podia ter... "acabado com a guerra". Ainda bem que o Amílcar Cabral era vaidoso mas não era doido...

Além disso, o rácio 3,6 "feridos graves" por cada morto (no CTIG) pode ser discutível...Não temos a certeza da validade e fiabilidade deste indicador... Os dados que o Pedro Marquês de Sousa recolheu são de fonte administrativa, e não clínica...Os mortos (têm nome e nº mecanográfico, filiação, naturalidade, posto, unidade pou subunidade, causa da morte, local onde foram inumados...) são mais fáceis de identificar e contabilizar do que os "feridos graves" (não eram identificados, em geral, nos relatórios das operações: "as NT tiveram um morto, o fulano de tal, três feridos graves e vários ligeiros"...).