sábado, 25 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26423: Os nossos seres, saberes e lazeres (665): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (189): From Southeast to the North of England; and back to London (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Estou esfuziante, mesmo com um dia chocho este centro de Londres chega a intimidar-me pela profusão de riquezas arquitetónicas, museus esplendorosos, as multidões em permanente marcha, o metropolitano à cunha, as variedades, os teatros, quase todos os povos da terra a cirandar por aqui. Abro com o resto da visita à National Portrait Gallery e termino na extensa Charing Cross Road um tanto dececionado, era uma artéria de livrarias, agora as coisas não são o que eram, paciência, Londres continua a surpreender-me e espero aqui voltar a pôr os pés um dia destes, haja saúde. Amanhã começo em S. Paulo, por agora tenho os pés bem cansados e vou entrar num pub, como nas séries da televisão.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (189):
From Southeast to the North of England; and back to London – 8


Mário Beja Santos

Corre-se sérios danos não estabelecer previamente o que é possível, na jornada diária, ver nesta cidade de tantos milhões. Inicialmente pensei começar o dia na Royal Academy, em Piccadilly, e depois de um banho de arte percorrer aquelas ruas tão ruidosas como Oxford ou Regent Street. Depois de muitos sins e nãos, decidi desembarcar em Trafalgar Square, é aquela zona pública que não deixa ninguém dececionado, praça assim batizada depois da vitória naval de Nelson, ir à National Gallery (projeto falhado, multidões à porta), acabei na National Portrait Gallery, depois Saint Martin in the Fields, houve a tentação de ir até Bloomsbury e Covent Garden, mas havia a lembrança de Charing Cross Road, assim se passou o dia, amanhã será diferente, começa-se em S. Paulo, depois o Strand e Westminster. É um fartote de uma Londres muito turistada. Começa-se agora onde se acabou no último texto, na National Portrait Gallery.

Autorretrato de van Dyck. De origem flamenga, foi o mais influente pintor na Grã-Bretanha no século XVII
Autorretrato de Barbara Hepworth, provavelmente a escultora abstrata mais influente da Grã-Bretanha
Autorretrato com Charlie, por David Hockney, renomado artista contemporâneo sempre fascinado por mostrar a vida de relação, vemo-lo aqui com um amigo íntimo
A atriz Judi Dench, pintada por Alessandro Raho
Trafalgar Square, a icónica coluna de Nelson, seguindo à direita vamos até Buckingham, virando à esquerda entramos no Strand, indo em frente vamos para a Whitehall e ver o Cenotáfio, o monumento onde todos os anos, em novembro, se recordam aqueles que deram a vida pela Grã-Bretanha ou vieram da Commonwealth, nas duas guerras mundiais.
No fim de Trafalgar Square temos Saint Martin in the Fields, tenho sido um sortudo, raras são as visitas que aqui faço em que não apanho ensaios gerais de concertos, é uma bela igreja e sala de música. Em finais da década de 1950, um músico, que se veio a tornar celebridade mundial, Sir Neville Marriner, fundou a orquestra e coro, teve um papel fulcral na reabilitação da música barroca, conheço muito pouco outros espaços tão apaziguadores e onde a harmonia entre a música e a oração são tão completas.
Convém explicar a razão desta imagem. Quando em encaminhava para a Galeria Nacional, dei com uma daquelas filas quilométricas que paralisam quem quer que venha animado por conhecer a última obra do genial Caravaggio, ainda por cima a entrada é gratuita. Logo se acendeu no espírito a questão da contabilidade do tempo, as horas de espera, ainda por cima com o céu a desabar uns bons chuviscos, joguei pelo certo e seguro, fui bater ao lado à concorrência, a National Portrait Gallery, onde me senti bem servido; o último Caravaggio fica para um outro dia possível, não se sabe aonde.
O lendário Palace Theatre em Cambridge Circus, o espetáculo do Harry Potter e a Criança Amaldiçoada continua num frenesim já lá vai 4 anos. Os espetáculos teatrais e de variedades britânicos ultrapassam todas as fasquias, há décadas que se representa a peça de Agatha Christie A Ratoeira, para nós é um incompreensível sucesso, duvido que haja outro povo ao cimo da terra com tão forte paixão teatral como este.
Corro o risco de me repetir, paciência. Aqui aportei em 1978, passei uma semana inteirinha a ver filmes da BBC sobre defesa do consumidor a ouvir programas de rádio, conversando com realizadores e apresentadores. Começava habitualmente às 9h00 e saía das 16h30 para as 17h00. Ainda havia luz, e deu-me para fascinar por aquela que era a Meca das livrarias na Grã-Bretanha, Charing Cross Road, além de uma gigantesca livraria, havia um sem número de alfarrabistas e casas que vendiam edições, sobretudo de arte, a muito bons preços. Continuo que não se deve voltar ao local do crime, ao fascínio de uma rua polvilhada de livrarias, o livro deu a volta que todos nós sabemos, as livrarias em Charing Cross Road são praticamente uma raridade. O que me assombra é que nunca se editou tanto como hoje.
Outro edifício que me fascina, o Casino Hipódromo, uma casa de jogo com variedades, continuo a ter náuseas quando espreito uma dessas casas onde vejo pessoas com expressão embrutecida a meter moedas, sonhando com riquezas, guardo na memória a expressão delas, os seus gestos automáticos, decorrente de um processo viciante que pode levar à ruína total. Sinto o peso das muitas horas a andar por aqui e por ali. Vou regressar a Richmond, tenho a promessa de que o dia de amanhã vai também ser de peregrinação pela City, estou entusiasmado, mas com os pés moídos, e concordo com Samuel Johnson, esse grande literato do século XVIII: “Quando um homem se cansa de Londres, está cansado da vida”. Amanhã também é dia.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 18 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26401: Os nossos seres, saberes e lazeres (664): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (188): From Southeast to the North of England; and back to London (7) (Mário Beja Santos)

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