Queridos amigos,
O impacto da Primeira Guerra Mundial é notório nos acontecimentos político-militares e económicos da Guiné; não conheço nenhum estudo que avalie o que foi o apresamento do comércio alemão e do encerramento das próprias fábricas germânicas, seguramente que tudo isso veio bulir com um descontentamento nos Bijagós e pesaram nas hostilidades às autoridades portuguesas. Veio um sindicante para o processo instaurado a Teixeira Pinto, acabou por ficar governador interino, era o coronel Manuel Maria Coelho, pediu regresso à metrópole de Sebastião José Barbosa, um secretário geral de longa data, sobre este pendiam múltiplos descontentamentos, Sebastião Barbosa desobedeceu; há também sublevações em chão Felupe, e o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, toma medidas nos Bijagós que o coronel Manuel Maria Coelho anula. Nesse ano de 1917 temos novo ministro das Colónias, o comandante Ernesto Vilhena, quando Ivo Ferreira lhe pede a nomeação de Graça Falcão para secretário-geral, a resposta é terminante, nunca, jamais, em tempo algum. Tempos turbulentos, conforme se vê, e numa grande penúria, não há dinheiro para fazer operações militares.
Um abraço do
Mário
O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto, 1917-1919 (11)
Mário Beja Santos
Todo o contencioso entre o governador Andrade Sequeira e o major Teixeira Pinto acabou num processo arquivado, o governador já deixara a Guiné e o major Teixeira Pinto morrera em campanha. Em 6 de janeiro de 1917 chegou à Guiné o coronel Manuel Maria Coelho, viera como sindicante deste processo que visava Teixeira Pinto, devia trazer mais referências do secretário-geral Sebastião José Barbosa, o coronel Coelho dá a saber ao ministro que não pode começar a trabalhar sem antes assumir o Governo interinamente, havendo que fazer regressar o secretário-geral à metrópole. O coronel teve que se preocupar com a realização de várias operações militares. Havia uma grande agitação na região do Cacheu, mais propriamente em Elia, tinham chegado uns manjacos vindos do território francês, estavam a pôr em polvorosa a etnia dominante, os Baiotes. O governador encarregou o Chefe do Estado-Maior, Ivo Ferreira, de ir averiguar a situação, Ivo Ferreira deu razão à queixa dos Baiotes, lamentava que o administrador de Cacheu não tivesse sabido agir em conformidade. Ainda na sua inspeção, Ivo Ferreira descobriu um roubo que estava a ser feito aos indígenas. “Verifica que toda a escrituração do cofre se achava correta, mas averigua que existia uma espoliação da parte do comércio local, o qual pagava adiantadamente o imposto devido pelos indígenas na importância de um escudo e 50 centavos por palhota, e que depois recebia por cada imposto pago um bushel (cerca de 27 quilos) de coconote cuja cotação é em média de 3 escudos. Era uma usura, com que era necessário acabar, mas que os administradores costumavam aceitar, por lhes ser mais fácil realizar assim a cobrança.” Ivo Ferreira também descobriu que havia grandes desinteligências entre o administrador e o comerciante Graça Falcão, aqui tantas vezes referido quer como herói militar quer pelas suas tropelias, Ivo Ferreira escreve no seu relatório ser do parecer de que o administrador deveria ser transferido para outro local, como aconteceu.
Há igualmente desacatos em Canhabaque, o governador Coelho para obrigar os indígenas à obediência e montar um posto de ocupação da ilha mandou constituir uma coluna comandada pelo tenente Sousa Guerra, que já se tinha distinguido na coluna de Bissau de 1915. A operação não se chegou a realizar porque o ministro não deu dinheiro para tal. Numa tentativa de resolver a situação, o chefe do Estado-Maior alvitrou ao governador que se desanexassem as ilhas rebeldes da circunscrição civil e se instalasse uma guarnição em Bubaque. Ivo Ferreira regressou a Bolama, o coronel Coelho visita Bissau e Ivo Ferreira aproveita para fazer ele próprio a sua política, as tais medidas de desanexação de circunscrição civil, ficam sob o comando militar com sede na ilha de Bubaque, o comandante nomeado é o tenente Gaspar que desembarca em Bubaque onde é informado por um chefe de tabanca que todos tinham fugido para o mato; Gaspar previne os chefes locais que irá fazer o arrolamento das restantes tabancas, a que se seguiria o pagamento do imposto.
O tenente Gaspar procede a um reconhecimento às margens da ilha de Canhabaque, há tiros disparados de longe contra o navio, a resposta são tiros de canhão e metralhadora. Dá-se um desembarque, a coluna é atingida pela fuzilaria dos Bijagós. Instala-se a desorientação na coluna, o tenente Gaspar decide retirar para a Praia, tinham morrido três soldados e ficado feridos 22. O governador Manuel Coelho regressa a Bolama, declara sem efeito as medidas de Ivo Ferreira. Há alterações governamentais em Lisboa, Afonso Costa era agora o presidente do Ministério e Ernesto de Vilhena o ministro das Colónia, o governador Coelho pede exoneração, mas antes disso ordena a Ivo Ferreira para ir a Canhabaque verificar o que se tinha passado, e o que se tinha passado fora um revés, Ivo Ferreira informa o governador que são necessários reforços para satisfazer as despesas das operações, temos uma nova coluna e operações nos Bijagós, nova fuzilaria mas os naturais da ilha fogem, encontram-se inúmeros mantimentos na tabanca de Bini, eram em quantidade tal que deram para sustentar uma força de 350 homens , entre regulares e irregulares, durante perto de 15 dias. Montou-se um posto militar, avançou-se para outras tabancas, o alvo era o rei de Canhabaque. No seu relatório, Ivo Ferreira releva a conduta militar de Sousa Guerra e, pasme-se, menciona com dignos louvores não só o alferes de 2ª linha Mamadu Sissé e o chefe de guerra Abdul Indjai.
Entretanto, Manuel Maria Coelho abandona a Guiné, sugerira ao ministro o nome de Ivo Ferreira, chegando a Lisboa apresenta o seu próprio relatório ao ministro, não deixa de lançar acusações à ação de Ivo Ferreira, acusando este de ser conflituoso e originar indisciplina com outros oficiais e escreve explicitamente que Ivo Ferreira não tinha mostrado as melhores qualidades de chefe. Enquanto isto tudo se passa, há desordens e desacatos de novo em chão Felupe, parte uma força de Arame que é recebida em Nhanbalam a tiro, mas depois os revoltados fogem em debandada, as tabancas são incendidas, os desacatos continuaram, as povoações Felupes foram intimadas em entregarem todo o armamento que possuíssem, todos irão cumprir com exceção de Susana, esta povoação será bombardeada, acabam por pedir perdão. É então que o ainda governador Manuel Maria Coelho manda atacar Nhanbalam, os residentes fogem em debandada, segue-se o incêndio das moranças, haverá festejos no Cacheu.
Armando Tavares da Silva debruça-se sobe o caso de Sebastião Barbosa. O coronel Coelho teria conhecimento de factos passados com Sebastião Barbosa que aconselhavam o seu afastamento da colónia, depois de várias peripécias, manda-o seguir para Lisboa e nomeia substituto interino para as funções de secretário do Governo, Sebastião Barbosa não irá cumprir a determinação do governador. Antes de se ausentar da província este envia um relatório providencial sobre o estado da colónia, aborda a organização dos serviços, fala do valor das riquezas e forma do seu aproveitamento, não deixando de resumir o conflito entre o governador Andrade Sequeira e o capitão Teixeira Pinto. Expressa a sua opinião sobre Sebastião José Barbosa: “É um antigo negociante, com dois ou três anos dos liceus nacionais; antigo escrivão, antigo amanuense da comissão municipal. É republicano antigo também e, por ocasião da proclamação da República, foi nomeado secretário do Governo por ser irmão de um dos membros do Diretório. É inteligente e ilustrado, mais do que o comum dos seus conterrâneos, crê a Guiné ser uma colónia de Cabo Verde.”
Em 13 de julho de 1917, o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira assume o Governo da província. De forma surpreendente a sua primeira proposta ao ministro Ernesto Vilhena era a nomeação para secretário-geral de Graça Falcão. E o ministro responde: “Convém dizer ao governador que o lugar não está vago, mas ainda que estivesse não era este individuo o mais próprio para o ocupar, atenta a circunstância de se ter envolvido, de longa data, em questões locais e de não apresentar bons antecedentes.”
Vamos agora ver a governação de Ivo Ferreira.
Armando Tavares da Silva
Manuel Maria Coelho, Governador interino da Guiné, 1917
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque
Imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida véniaBolama, rua Governador Cattela, em 1892
Com a devida vénia a Wikimedia Commons
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 17 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)
1 comentário:
Este trabalho de Beja dá uma autentica imagem da desordem e confusão, tanto colonial como nacional que reinava em 1917-1919.
Tanto as intrigas e interesses pessoais saltam à vista.´
Dei-me ao trabalho de ir ver qual o ministro ou ministros desses dois anos, ministros das colónias que se dedicavam a tomar conta dos futuros 5 palopes que iam sobrar um dia.
Pois foram nesses dois anos, nada mais nada menos que nove (9)ministros que tiveram a ingrata missão de lutar por aquilo que era nosso.
Era um trabalho tão árduo que alguns só aguentavam poucos meses ou semanas.
Um desses ministros, por curiosidade apenas, menciono que foi o pai de Mário Soares.
Beja Santos não alude, mas em 17-18 além dos "ferozes" bijagós e felupes que os nossos rapazes enfrentavam, tinham ainda os alemães em Angola e Moçambique e em La Lys.
Mas tanto trabalho paranficar na história!
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