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sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27421: Notas de leitura (1864): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2025:

Queridos amigos,
No final desta digressão, pode dizer-se sem nenhuma tibieza que este exercício coletivo de investigação sobre o Património Histórico e Cultural de Lisboa cruzado com uma vastidão de ramificações com a história colonial e imperial portuguesa foi a bom porto. Quanto a vastidão e ramificações houve bastante acerto na escolha dos espaços, dos atores, das instituições e na pluralidade de reverberações contemporâneas. Viajámos desde o Arquivo Histórico Ultramarino até à Sociedade de Geografia de Lisboa; indagaram-se nomes de ruas, entidades bancárias, estatuária, museus, palácios, tomou-se conhecimento do seu papel no passado e como podem ser cruciais para melhor entender o que a memória colonial representa na sociedade portuguesa, já que hoje não se pratica uma investigação ou uma historiografia da grandeza imperial, o que se pretende interrogar é a linha histórica de Portugal e o desempenho nevrálgico que tiveram os tempos imperiais - porque eles repercutem-se no tempo presente.

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 6

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

Este será o último texto que dedicaremos a esta obra, falaremos do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, do político e poeta angolano Viriato da Cruz e da Sociedade de Geografia de Lisboa. No site Lisbon Rio, escreve Cláudia Castelo a propósito da Rua Gilberto Freyre:
“A proposta de atribuição do nome Gilberto Freyre a uma rua de Lisboa foi apresentada pelo jornalista e olisipógrafo Appio Sottomayor e por José Esteves Pereira, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e aprovada pela Comissão Municipal de Toponímia na sessão de 16 de Novembro de 2001. A rua Gilberto Freyre situa-se entre a rua Jorge Amado e a avenida Vergílio Ferreira, no Bairro do Armador (freguesia de Marvila), um bairro de habitação económica de promoção pública municipal e cooperativa, que começou a ser edificado no final dos anos de 1990 na antiga zona “M” de Chelas. Destinado a realojamento de famílias de bairros precários, acolheu pessoas de diversos grupos étnicos".

Segundo o site Toponímia Lisboa, a inscrição do nome do cientista social brasileiro no espaço urbano lisboeta deveu-se ao facto de Freyre ter criado o luso-tropicalismo. Em traços gerais, trata-se de uma doutrina assente numa leitura essencialista do carácter português, que postula que o povo português tem uma especial capacidade para se adaptar aos trópicos, por uma relação de amor e não de interesse, fruto das suas origens étnicas remotas entre a Europa e a África, e do convívio com mouros e judeus na Península Ibérica medieval. Nenhuma referência é feita à apropriação das ideias de Freyre pela ditadura do Estado Novo, a partir da década de 1950, para fazer frente ao crescente anticolonialismo internacional e ao surgimento de movimentos de libertação em Angola, Guiné e Moçambique.

 A criação no espaço da cidade de um lugar de memória em torno do criador do luso-tropicalismo revela a persistência pós-colonial de um discurso sobre a suposta excecionalidade da colonização portuguesa e o suposto não-racismo inato dos portugueses, com ressonâncias num largo espectro político-partidário, mas sem bases históricas e sociológicas. A mesma autora faz uma reflexão sobre a obra de Gilberto Freyre em Ecos Coloniais. No ensino universitário, Freyre era estudado sobretudo pela sua interpretação da história e da identidade nacional brasileira, patente na sua mais aclamada obra, Casa Grande & Sanzala, que teve primeira edição no Rio de Janeiro em 1933. “Ao abordar as relações entre os senhores portugueses, os escravos negros e os povos indígenas do território durante o período colonial, celebrou a miscigenação e exaltou o contributo dos africanos e ameríndios para a formação do Brasil. Inicialmente, este livro não foi bem acolhido pelos ideólogos do Estado Novo, a preferência era para a fundação de Portugal pela reconquista cristã. Mas Freyre passou a ser visto de outra maneira face ao anticolonialismo internacional. A reflexão e a discussão da sua obra continuam a ser atuais.

Viriato da Cruz criou o Partido Comunista Angolano, envolvendo-se com vários grupos anticoloniais, antes de partir para Lisboa em 1957. É aqui que vai estabelecer contactos com Amílcar Cabral e também com outras figuras da história da política angolana recente, caso de Mário Pinto de Andrade e Lúcio Lara. Sentindo-se frustrado pelo facto de o Partido Comunista Português não ter apreciado a ousadia da criação de um partido congénere sem autorização prévia, Viriato da Cruz irá passar a sua vida no exílio. Estará presente em Tunes na II Conferência de Solidariedade dos Povos Africanos, terá sido aqui que pela primeira vez se pronunciou o nome do MPLA, à semelhança do PAI, nome que se transformará em PAIGC. Entrará em oposição à nova direção do MPLA, esta favorável à posição soviética, ele favorável à posição chinesa. “Essas divergências irão manifestar-se de forma cristalina na história de luta da libertação angolana e da guerra civil que se lhe seguiu, com a União Soviética e a China a patrocinarem diplomática e militarmente movimentos nacionalistas rivais.”

Viriato da Cruz parte para a China, será testemunha de todo o processo da Revolução Cultural, trabalhando para o bureau dos escritores afro-asiáticos. Até à sua morte, em 1973, viverá numa quase reclusão. Porquê o seu nome em Corroios, concelho do Seixal? Se o seu nome é sobejamente conhecido em determinados círculos políticos, é praticamente ignorado mesmo na colónia de imigrantes angolanos. “Viriato da Cruz deu-nos a visão de um projeto diferente de organização social e política. Participou em processos que nalguns aspetos foram libertadores, noutros, brutais. É na sua globalidade que Viriato da Cruz se torna ator de pleno direito da história portuguesa.”

Fechamos esta viagem com chave de ouro. A Sociedade de Geografia de Lisboa foi criada a 10 de dezembro de 1875. É uma das organizações mais frequentemente associadas À formulação, institucionalização e disseminação de um pensamento colonial em Portugal e no Império. Há que concordar com o autor do texto quando ele diz que a ação da Sociedade de Geografia esteve associada, direta ou indiretamente, a inúmeras atividades que contribuíram para o enraizamento de uma expressão duradoura de nacionalismo imperial em Portugal. Não se pode entender a formação do chamado Terceiro Império Português sem a atividade, ao longo de décadas, dos sócios que apresentaram aos poderes políticos argumentos e propostas de peso, promoveu-se inclusivamente na Sociedade de Geografia a Escola Colonial, havia que formar uma administração específica, pôr este funcionalismo a conhecer as línguas nativas, incluindo as do Oriente. A Sociedade promoveu e financiou expedições a África, cujas figuras mais destacadas foram Ivens, Serpa Pinto e Hermenegildo Capelo. Uma das grandes preocupações destes associados era a missão civilizadora, elaboraram-se inúmeros argumentários em defesa dos chamados “Direitos Históricos” de Portugal.

Como é evidente, a alavanca das primeiras décadas tinha como pano de fundo as exigências postas pela Conferência de Berlim de 1884-85 – para ter colónias havia que as ocupar, civilizar, desenvolver, conhecê-las aprofundadamente. E foi assim que se foram formando coleções – de arte, etnográficas, numismáticas, científicas. Criou-se uma Comissão Africana, o departamento mais ativo da Sociedade, pôs-se de pé o Boletim, tornou-se uma publicação regular em 1880, aqui se publicavam informações culturais, económicas, relatórios, o trabalho das missões religiosas, dava-se conhecimento da expansão dos caminhos-de-ferro, do conhecimento e do gráfico e cartográfico.

A vida da Sociedade de Geografia foi-se constituindo, depois do 28 de maio de 1926, paredes meias com os ideais do Estado Novo, tal como tinha aparecido irmanada com a propaganda e os desígnios da Monarquia Constitucional e a Primeira República. Direi que é extremamente difícil estudar sobretudo o Terceiro Império sem conhecer o impressionante acervo documental da Sociedade de Geografia. Com o distanciamento dado por meio século de democracia, é também necessário compreender como esta instituição moldou a história e memórias coloniais. Os seus associados podiam ser políticos do regime, funcionários da administração colonial, militares no ativo ou reformados, investigadores… vamos encontrar o que fizeram ou pretenderam fazer em artigos do Boletim, na inúmera documentação depositada nos Reservados, na caterva de obras de grandes ou pequenas edições, trazidas de todas as partes do Império e que por vezes não chegaram à Biblioteca Nacional ou não foram depositadas no Arquivo Histórico Ultramarino.

Falando por mim não me imagino a investigar a História da Guiné sem estar sentado nas amplas instalações de uma biblioteca que infelizmente não é tão silenciosa como devia ser, devido ao alarido que tem do Teatro Politeama.

Rua Gilberto Freyre, no Bairro do Armador, Marvila
Imagem da viagem de Gilberto Freyre à Angola
Imagem de Viriato da Cruz
Imagem da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa
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Nota do editor

Vd. post de 7 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27397: Notas de leitura (1860): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27408: Notas de leitura (1862): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27370: Notas de leitura (1857): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
A obra Ecos Coloniais é um exercício coletivo, os investigadores debruçaram-se sobre espaços, atores, instituições e símbolos em Lisboa que revelam a diversidade de reverberações contemporâneas do nosso período imperial e colonial. Inequivocamente, a vastidão destas memórias espalha-se por arquivos, instituições bancárias, esculturas singulares ou em monumentos, museus, palácios, ruas, acervos naturalmente ligados à história do império e da vida colonial, como é o caso da Sociedade de Geografia de Lisboa. Como escreve o historiador Miguel Bandeira Jerónimo, "Pensar seriamente os legados contemporâneos do colonialismo e, em parte, interrogá-los de forma sustentada e multifacetada, implica estender o escrutínio histórico aos momentos posteriores à abolição". É o que aqui fazemos, de forma muito resumida, convidando o leitor mais interessado a debruçar-se na leitura integral desta obra.

Um abraço do
Mário


Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 4

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

A que propósito nesta viagem nos devemos deter diante do quadro “Os Pretos de Serpa Pinto”, de Miguel Ângelo Lupi? Lupi celebrizou-se na pintura de retrato e foi professor na Academia de Belas-Artes de Lisboa. Passou por Luanda entre 1851 e 1853, nesse período realizou um conjunto de desenhos a lápis, giz branco e aguada que representam costumes locais, paisagens ou monumentos que analisam a presença portuguesa no território. No seu livro Como eu atravessei África (1881), Serpa Pinto refere Catraio e Mariana, esta possivelmente mulher dele. Serpa Pinto deu incumbências de responsabilidade a Catraio. Analisando este quadro que ficou incompleto, vê-se que as figuras estabelecem um diálogo visual que exclui o observador; as roupas da figura feminina, os adornos e a cesta surgem como uma espécie de marcadores culturais que reverberam as ligações entre o europeu e o africano, veja-se a utilização de tecidos e colares de missangas como moeda de troca ou presente nos contactos com as sociedades africanas.

Escreve a autora deste texto que a leitura desta pintura convoca a presença do passado na atualidade, permite chamar a atenção, por exemplo, para a estátua do Padre António Vieira erguida em 2017 fronte da igreja de São Roque; neste caso concreto do quadro de Lupi, a presença de duas figuras negras no acervo do museu é uma raridade, mas este material artístico possibilita que a sociedade pode pensar-se a si própria no contexto da sua diversidade e do seu passado histórico.

Viajamos agora para o Palácio Nacional de Sintra, onde trabalharam pessoas escravizadas. No inventário de despesas das obras realizadas em 1784-1787 constam os serviços de 12 homens negros; no final do século XIX, ainda se encontram sinais da presença negra neste Palácio, nomeadamente nas cartas enviadas ao Administrador da Fazenda da Casa Real, onde se fala claramente do serviço de pretos. O sinal mais visível da presença negra é no chamado Jardim da Preta como escrevem as duas autoras, “As peças de vestuário sugerem tratar-se da representação de uma mulher do século XVIII dedicada aos serviços domésticos. Junto dela está a figura de um homem branco, provavelmente um pajem. As duas figuras são particularmente expressivas e encenam um dia a dia marcado pelas desigualdades étnico-raciais e de género, onde a exploração laboral e a violência sexual marcam o quotidiano das mulheres negras e estruturam todo um modo de vida.”

A última itinerância de hoje é até ao Palácio Vale Flor, um edifício que até em determinado momento foi pensado para sede do Conselho de Ministros. Este Palácio e o seu conjunto (as antigas cocheiras, o jardim murado e a chamada Casa do Lago, um pavilhão de estilo oriental) é hoje um hotel de luxo no Alto de Santo Amaro, em Lisboa. O Palácio foi mandado dirigir por José Luís Constantino Dias (1855-1932), um conhecido roceiro de São Tomé e Príncipe. De Murça emigrou para África, em 1871. Ao fim de alguns anos, adquiriu a roça de Bela Vista, quando já explorava a roça Rio de Ouro. Enriqueceu, criou a Sociedade Agrícola de Vale Flor, adquiriu património em Portugal; por via do casamento, privou com a realeza, D. Carlos atribuiu-lhe o título de Visconde, tornando-o Marquês de Vale Flor, em finais de 1907.

O edifício que teve projeto do arquiteto veneziano Nicola Bigaglia, foi obra acabada do arquiteto português José Ferreira da Costa, é hoje Monumento Nacional. Em vida, o Marquês criou a Fundação Vale Flor e a sua viúva criou o Instituto Marquês Vale Flor. O Marquês, observa o autor deste texto, não foi apenas um roceiro, foi também um ator central de uma das atividades mais rentáveis associada aos projetos de expansão e consolidação nacionais. E o autor refere que a primeira década do século XX marcada por intensas e repetidas acusações sobre a existência generalizada de escravatura moderna, citando-se o caso do cacau de São Tomé e Príncipe. A legalização do trabalho forçado sucedera à abolição formal do tráfico de escravos e da escravatura.

Houve internacionalmente boicote ao cacau de São Tomé, o Marquês foi o primeiro subscritor de um documento enviado em 1911 ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português pelos “agricultores e outros interessados dos progressos das ilhas de São Tomé e Príncipe”. Aludiram estes subscritores à não veracidade das denúncias, houvera pequenos abusos e factos insignificantes, nada mais. Politicamente, ficou tudo na mesma, só se voltará a falar de São Tomé e Príncipe, em termos de brutalidade colonialista, aquando do massacre de Batepá, no início da década de 1950.

E finaliza o autor dizendo que “Escrutinar os sistemas e as sociedades escravocratas e as suas consequências não é o mesmo que interrogar as formações sociais que lhes sucederam, apesar de ser possível identificar inúmeras continuidades. Mas pensar seriamente os legados contemporâneos do colonialismo e, em parte, interrogá-los de forma sustentada e multifacetada, implica estender o escrutínio histórico aos momentos posteriores à abolição. As formas de dependência, desigualdade, exploração, marginalização e desumanização que lhe sucederam precisam de ser abordadas com o mesmo rigor, entre outras razões por que foram elas que propiciaram a formação histórica de algumas fortunas, a edificação do que é hoje considerado património cultural e histórico em Portugal e, sim, a reprodução de hierarquias sociais, económicas e políticas difíceis de combater, que resistem ao vagar da história, ainda que em circunstâncias diferentes”.

A viagem prossegue na Praça do Império, na rua do Poço dos Negros e na Sociedade de Geografia de Lisboa.

Retrato de Catraio e Mariana, conhecido por "Os pretos de Serpa Pinto", por Miguel Ângelo Lupi, c. 1879

“Excelente exemplar de uma atenção ao pitoresco que não fascinou Lupi, a avaliar pela quantidade de pinturas que realizou dentro do género, mas que aqui tem a particularidade de apresentar dois jovens angolanos, conhecidos por Catraio e Mariana, contratados por Serpa Pinto para o acompanharem na sua viagem de expedição científica à África Central, em 1879. Desempenharam um papel fundamental na concretização desta exploração geográfica, ao evidenciarem importantes cumplicidades, descritas no diário de Serpa Pinto, "Como atravessei África", publicado em 1881. O retrato, provavelmente encomendado por Serpa Pinto, encontrava-se no atelier do autor, em 1883, quando morreu.”

Esta citação foi retirada do site do Museu Nacional de Arte Contemporânea, com a devida vénia.
O explorador Serpa Pinto com alguns homens da sua confiança que o acompanharam do princípio ao fim
O chamado Jardim da Preta no Palácio Nacional de Sintra
Palácio Vale Flor

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 24 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27348: Notas de leitura (1855): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27357: Notas de leitura (1856): Escritos de médicos que viveram a guerra colonial (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27314: Notas de leitura (1850): "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins; posfácio de Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2.ª edição, 2014 (1) (Mário Beja Santos)


>1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Vamos agora discorrer sobre o Terceiro Império ilustrado em jornais e revistas, desde a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa até à Exposição do Mundo Português, houvera invasões francesas, a independência do Brasil, guerra civil, e depois da Regeneração, inicia-se um processo de atração africana, a Sociedade de Geografia de Lisboa e a sua atividade desempenharão um papel primordial. Há relatos de explorações e de viagens, surgem livros da mais diversa índole colonial, mas são os jornais e revistas que darão a conhecer ao grande público essa África misteriosa, mostrando os heróis de ocupação, as fazendas, os caminhos de ferro, Serpa Pinto, Capelo e Ivens, virão a ser recebidos na metrópole em delírio, a mesma imprensa que desancará nas ambições britânicas, terá mesmo um papel de mostrar os britânicos como gente brutal, impiedosa que nos sujeitou a um ultraje e que nós ressarcimos com heróis como Mouzinho Albuquerque. A autora, Leonor Pires Martins, revelou-se esmerada no inventário e no tratamento desta iconografia sobre o Império. Aspeto curioso, até à chegada da televisão, nem o cinema, nem a literatura conseguiram ir mais longe que a imprensa periódica, que a autora aqui mostra com imagens que, para além de serem históricas, possuem uma indiscutível qualidade artística. É uma obra digna de constar nas nossas estantes.

Um abraço do
Mário



Um Império ficcionado em jornais e revistas, livros e álbuns, um Império de e em papel (1)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma obra esmerada pelo conteúdo e apresentação, "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins, posfácio de Manuela Ribeiro Sanches, Edições 70, 2ª edição em 2014. A autora visionou e analisou publicações entre 1875 e 1940 e diz que vem ao mesmo tempo propor uma revisitação crítica da iconografia. “Com esse objetivo, procurei fazer um enquadramento histórico de imagens aqui reproduzidas, assinalando as circunstâncias políticas, culturais, mas também da ordem tecnológica, que marcaram – e possibilitaram – a sua produção e circulação. Considerei os temas mais recorrentes e as motivações dos diversos artistas e fotógrafos. O papel diligente e ideologicamente empenhado da generalidade da imprensa periódica ilustrada na disseminação de ideias e conhecimentos.“

Porquê 1875 e até 1940? Em 1875 é criada a Sociedade de Geografia de Lisboa, a quem caberá o papel catalisador para a construção do Terceiro Império, funcionará como o lobby junto do poder soberano, contribuirá para expedições, congregará intelectuais, diplomatas, agentes dos negócios e da finança, escritores, tem no seu comando uma figura excecional, Luciano Cordeiro - 1940 é a data da maior obra ideológica da construção e mentalização de que o Mundo Português ia do Minho a Timor, o regime de Salazar não poupou esforços para o grandioso espetáculo que ofereceu na Praça do império.

A autora cita a propósito a definição proposta por Thomas Richards, um Império é uma nação em excesso, uma nação que foi demasiado longe, que se apossou de demasiados territórios, demasiado longínquos, para os controlar com eficácia. Daí as dificuldades em exercer o domínio à distância. Foi preciso esperar pelo último quartel do século XIX, também no caso português, e por grande pressão internacional, para haver a ocupação formal de territórios remotos, por via da presença militar, religiosa, administrativa e civil. Mas havia que divulgar junto da opinião pública não só o que se fazia como o que passava a existir, apareceram relatórios, estudos, mapas, desenhos, fotografias, apareciam em jornais e revistas, era preciso gerar familiaridade na metrópole, fazer chamariz para imigrantes e negócios, atrair investigações, abriam-se as portas ao exotismo, havia geografia, botânica, zoologia, climatologia e etnografia à espera dos interessados. O que a autora visa neste seu livro é apontar para a natureza impressa e documental, mostrar como estas regiões africanas foram tomando forma na cabeça de muitos portugueses.

O leitor perguntará, então, qual o papel da imprensa periódica. Ao germinar a ideia do Terceiro Império, registou-se em todo o país um crescimento de publicações, a generalidade da vida efémera, mas desse surto resultou, como observa a autora, não só um fluxo de notícias mais abundante e variado, como também um mercado editorial mais dinâmico e mais competitivo. A revista "O Ocidente" foi um veículo da maior importância, mostrando o nascimento e desenvolvimento de povoações, as pontes, as expedições. Era o tempo da corrida a África, notabilizaram-se Serpa Pinto, Capelo e Ivens.

Em 1881, surgiram relatos das expedições: "Como Eu Atravessei Áfric", por Serpa Pinto e "De Benguela às Terras de Iaca", por Capelo e Ivens, relato da primeira expedição, segue-se a segunda de que resultou "De Angola à Contracosta", 1886, entre estas expedições realizaram-se outras, por exemplo Henrique Dias de Carvalho chega ao império Lunda. Importa não esquecer que Luciano Cordeiro era um dos colaboradores da revista "O Ocidente", daí as facilidades que a revista teve em acompanhar a expedição de Capelo, Ivens e Serpa Pinto, chegando a revelar algumas imagens inéditas dos exploradores em África e de alguns pontos do trajeto da viagem, quando esta ainda decorria.

Vamos ter a iconografia das exposições, tanto Serpa Pinto como Capelo e Ivens serão incensados em conferências e sessões de homenagem, aplaudidos nas ruas, os seus documentos, desenhos e estratos de diário mostrados com enorme devoção e admiração. A autora destaca todas essas imagens, irão mostrar elementos da população, cenas do quotidiano, caminhadas pela floresta, as equipas dos exploradores, os jornais e revistas destacarão com manchetes as ameaças que impendem sobre os nossos interesses em África, é o caso do Tratado de Lourenço Marques (1879), o Tratado do Congo (1884), a Conferência de Berlim (1884-85) ou ainda o Ultimato Britânico (1890).

Mostrar-se-ão imagens de gente famélica ou brutalizada pelos britânicos, não havia ilusões que a Grã-Bretanha, que já havia consolidado a sua posição colonial na Ásia, e que permanecia indiferente ao que restava do nosso império português no Oriente, lançava um olhar cobiçoso na África austral, havia colónias inglesas no Cabo e em Natal, foram-nos afastando do Transval, e quiseram ocupar Lourenço Marques. O ultimato provocou furor, os partidos do rotativismo sofriam com os desenhos cáusticos de Rafael Bordalo Pinheiro, e como uma forma para superar esta tremenda humilhação procurou-se um novo folgo imperialista, será Mouzinho de Albuquerque o grande protagonista da operação militar em Moçambique prendendo Gungunhana que virá a ser exibido em Lisboa e levado para os Açores, os Vátuas tinham sido subjugados. Como observa a autora, a imprensa, com destaque para O Ocidente, publicava imagens alusivas à guerra na África Oriental, falavam das operações militares, eram mostrados os retratos dos vencedores e do vencido e depois o cortejo dos deportados.

E a autora fala-nos igualmente da ocupação imagética: “No último quartel do século XIX, as viagens de exploração portuguesas ao interior do continente africano foram o motor de arranque para uma produção e disseminação mais profusa e regular de imagens alusivas aos territórios onde Portugal exercia, ou pretendia exercer, direitos de influência e de soberania.” Chegam a Portugal, nomeadamente às redações dos periódicos ilustrados, desenhos e clichés fotográficos de África, enviados por artistas e fotógrafos profissionais, mas também por particulares. Há acontecimentos políticos que merecerão imenso relevo, será o caso de visita do príncipe Luís Filipe, então com vinte anos, na visita que fez a São Tomé, Luanda, Lourenço Marques, passou pela Beira, ilha de Moçambique, regressou à Angola, parando em Moçâmedes e Benguela, e depois São Vicente, tudo documentado, os desembarques, as decorações, as receções, o património edificado.

Outra vertente desta atração por África era mostrar-se o chamado pitoresco e o exotismo, como diz a autora: “É a ideia de uma África romântica e aprazível, de um território repleto de potencialidades económicas ainda pouco exploradas, enfim, de uma paisagem virginal, que se mostra disponível à intervenção alheia, que surge transmitida através destas várias imagens (fauna, palmares, rios, culturas)”, vamos ver as grandes fazendas agrícolas humanas, o projeto de construção da linha ferroviária de Benguela, fortalezas.

Importa relevar que a invenção da fotografia vai assumir em todos este processo a construção de uma visualidade ligada ao Império uma importância decisiva. Até então, a generalidade dos periódicos ilustrados socorria-se da técnica da gravura para produzir as imagens fotográficas que chegavam às redações, com a fotografia esta substitui a gravura na imprensa escrita, a técnica da gravura em madeira bem como o desenho livre vão sendo substituídos, sem nunca serem eliminados por completo. Vale a pena continuar a falar desta ocupação imagética em jornais e revistas no nosso império de papel.

Exposição do Mundo Português, indígena Bijagó
Plano geral da Exposição do Mundo Português, 1940
Exposição do Mundo Português, outra vista panorâmica
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de10 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27304: Notas de leitura (1849): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27240: No céu não há disto: Comes & bebes; sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (49): Peixinhos fritos, no Douro Bar Petiscaria, junto à Barragem do Carrapatelo; à mesa, os fantasmas do Zé do Telhado e do Serpa Pinto


Foto nº 1 > Cinfães > São Cristóvão da Nogueira > Barragem do Carrapatelo > Douro Bar Petiscaria > 18 de setembro de 2025 > Entrada: fritada de peixe-rei e diversos ciprinídeos, apresentada com limão e salsa. 



Foto nº 2 > Cinfães > São Cristóvão da Nogueira > Barragem do Carrapatelo > Douro Bar Petiscaria > 18 de setembro de 2025 > Entrada: enguias fritas... (durante muito tempo a enguia andou desaparecida do rio Douro, devido às barragens, tal como a lampreia e o sável)


Foto nº 3 > Cinfães > São Cristóvão da Nogueira > Barragem do Carrapatelo > Douro Bar Petiscaria > 18 de setembro de 2025 > Prato principal: peixe frito (boga, lúcio e outros), acompanhado com arroz de tomate e feijão.




Foto nº 4 e 4A > Cinfães > São Cristóvão da Nogueira > Barragem do Carrapatelo > Douro Bar Petiscaria > 18 de setembro de 2025 > Vinho de autor, "Terras de  Serpa Pinto" (*)... Um agradável surpresa.

Fotos (e  legendas): © Luís Graça  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Cinfães, em matéria de viticultura, pertence à subregião de Baião, Região Demarcada dos Vinhos Verdes... enquanto a nossa Quinta de Candoz pertence à subregião de Amarante...  Em São Cristóvão de Nogueira, na margem esquerda do rio Douro, junto à Barragem do Carrapatelo, fui lá descobrir duas coisas que não há no céu:

(i) peixinho do rio Douro (!), frito, incluindo como entrada umas "enguias fritas" que estavam simplesmente  "divinais" (parece que a enguia-.europeia já estava  a voltar ao Carrapatelo em 2022, diz a EDP!)

(ii) um vinho branco, de autor (!), "Terras de Serpa Pinto"...

Éramos seis (cinco mulheres, incluindo a "chef" Alice, mais eu)... As entradinhas foram uma travessa de peixinhos fritos, juvenis, só com molho de limão e salsa, e mais um prato de enguias fritas; "peixe-rei", disse-me a simpática jovem senhora que nos serviu à mesa, cá fora, sob um toldo, em dia de calor, com vista para a albufeira e a Casa do Carrapatelo (na outra margem).

 E quem diz Casa do Carrapatelo diz logo ( ou pensa no) Zé do Telhado, cujo fantasma continua a povoar a serra de Montedeiras e estas terras das bacias do Douro, Tâmega e Sousa (**).

O prato principal foi uma travessona de peixe frito do rio (lúcio, boga e outros), acompanhada de um tacho de arroz de tomate e feijão... 

Bebemos duas... garrafas do "Terras de Serpa Pinto". Mais o pão,  a salada e os cafés. No final, pagámos 110 euros, com gorjeta.

 Seguramente que no céu, condomínio de luxo, será mais caro (***)...

Aqui fica o nome e o endereço deste achado: 

Douro Bar Petiscaria,
São Cristovão da Nogueira, Cinfães,  
Telemóvel: + 351 916 093 515


Tem página no Facebook. Diz que está sempre aberto. Mas não: fecha á terça.

2. Os nossos "vagomestres" deviam ser  especialistas em peixe de rio (e de... bolanha). Mas infelizmente não o são...

Aqui vão então algumas dicas para suprir essa falha. Com a ajuda do assistente de IA / Perplexity.

O melhor peixe do rio Douro, especificamente na albufeira da Barragem do Carrapatelo, para fritar, é a boga.  É de pequeno porte e sabor delicado. É tradicionalmente servida frita em casas ribeirinhas da região que deviam abundar, em tempos, mas hoje não. 

Hoje em dia  aqui apanham-se várias espécies de peixe, tanto autóctones como exóticas.  As principais espécies invasoras são o lúcio-perca, o achigã e o lúcio. A sua introdução nas nossas albufeiras teve um impacto muito negativo.

Peixinhos bons  par fritar: 

  • a boga (Pseudochondrostoma polylepis) é muito apreciada frita, crocante por fora, é tradicional nas margens do Douro;
  • barbo (Barbus bocagei) também pode ser preparado frito ou em caldeiradas, sendo consistente e saboroso; 
  • enguia (Anguilla anguilla), embora menos comum, também é servida; 
  • peixinhos do rio (vários ciprinídeos, da família da Carpa,  de pequeno tamanho), usados para frituras rápidas, apresentados, com limão e salsa, e normalmente acompanhados com arroz de tomate ou migas.

Espécies que se apanham hoje (mas um crescente número são espécies exóticas):

Os peixes nativos de maior destaque são o barbo, a boga e a enguia:
  • Barbos (Barbus spp.);
  • Boga (Pseudochondrostoma polylepis);
  • Enguia (Anguilla anguilla).

A carpa (Cyprinus carpio) não é nativa.  Entre os peixes exóticos capturados, nomeadamente na pesca desportiva e artesanal, estão: achigã, lúcio-perca, carpa e pimpão, sobretudo nas zonas profundas da albufeira:
  • o siluro (Silurus glanis), o grande peixe-gato europeu, predador de topo, pode chegar a medir mais de 2 metros e pesar até 100 kg: é uma ameaça crescente para o rio Douro;
  • o achigã (Micropterus salmoides) é outra "praga", sendo originário da América do Norte: é um predador voraz de ovos e juvenis de peixes nativos; 
  • o lúcio (Esox lucius): espécie da Europa Central e Norte da Ásia, foi introduzida para a pesca desportiva.
Todos estes peixes têm valor algum comercial e são apreciados na gastronomia local. E inclusive já aparece nas bancas de peixe dos nossos hipermercados.

Outras espécies exóticas que representam ameaça ao ecossistem
a: 
  • Lúcio-perca (Sander lucioperca)
  • Ruivaco (Rutilus rutilus)
  • Alburno (Alburnus alburnus)
  • Pimpão (Carassius carassius)

3. A  EDP  diz que está a fazer a  monitorização das eclusas de peixes no Douro (esperemos que não seja "show-off"). É  um mecanismo que facilita a migração de peixes no rio; os resultados recentes são positivos e mostram que há espécies nativas a transpor as barragens; o projeto da EDP esteve em destaque na celebração do "World Fish Migration Day",  em 2022.


Num artigo publicado há mais de 3 anos, a EDP Global disse:

(...) Criadas para facilitar a passagem de peixes, as eclusas são um mecanismo essencial para garantir a biodiversidade e a proteção das espécies fluviais. 

A monitorização da ictiofauna que utiliza as eclusas de peixes está atualmente em operação em cinco barragens: Crestuma-Lever, Carrapatelo, Régua, Valeira e Pocinho.

Os resultados deste projeto demonstram, por exemplo, que uma espécie migradora em risco de desaparecimento, como é o caso da enguia-europeia, tem utilizado as eclusas para chegar à albufeira da Valeira, a 145 quilómetros da foz do rio Douro. 

É nas áreas a montante que crescem e se preparam para voltar ao mar, onde se reproduzem – no espaço de ano e meio, foram contabilizadas quase 25 mil enguias na barragem de Carrapatelo.

 Também já se observou o aparecimento de outras espécies nativas, como a solha das pedras, a truta marisca, o peixe-rei ou o robalo-legítimo.(...)

O investimento que foi feito para modernizar o funcionamento das eclusas, espera-se que venha a contribuir para que "outras espécies migradoras, como a lampreia e o sável, possam também transpor as barragens do Douro num número expressivo". 

Oxalá assim seja, senhores da EDP, de quem eu sou fidelíssimo cliente até agora!

 O projeto também permite detectar a presença de espécies invasoras (como a achigã ou o peixe-gato-negro).

(...) A presença do lúcio, lúcio-perca e achigã na bacia do Douro representa um dos principais desafios ecológicos contemporâneos da região. 

Proteger as espécies autóctones exige um esforço coordenado entre cientistas, autoridades locais e a sociedade civil. (...)

(Pesquisa: LG + Assistente de IA / Perplexity)

(Condensação, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

________________

Notas do editor LG:

(*) Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto,(1846-1900),  militar, explorador e administrador colonial, é filho de Cinfães.

(**) Vd. poste de 21 de setembro de 2025 Guiné 61/74 - P27238 : As nossas geografias emocionais (58): Rio Douro: Nos caminhos do Zé do Telhado: Barragem e Casa do Carrapatelo

(***) Último poste da série : 7 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27193: No céu não há disto: Comes & bebes; sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (48): Jaquinzinhos da "arte xávega" da Praia da Vieira, azeitonas, arrozinho de tomate, pão, e vinho... Um home mata a sua fome e a sua sede..

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Devo aos técnicos da Sociedade de Geografia de Lisboa a atenção de me indicarem a bibliografia mais pertinente que pudesse de alguma forma trazer outros olhares sobre os conteúdos das atas das sessões do período referente desde a fundação da Sociedade até 1900. Obviamente que o leitor interessado tem ainda ao seu dispor o boletim da Sociedade, outro complemento útil para ir verificar os interesses científicos, as obras de engenharia, os rudimentos da Antropologia, o estudo das línguas étnicas, e muito mais. A questão central posta neste modesto levantamento foi o que pensavam, em termos de ideologia imperial, os fundadores da Sociedade de Geografia, e um conjunto de autores aqui indicados parece contextualizar bem as grandes pressões internacionais. Há, no entanto, uma lacuna que, em meu modesto entender, tem que ser preenchida por outra via historiográfica. Com efeito, não existia somente a via migratória para o Brasil, sucediam-se as crises políticas, e se é facto que o fontismo gerara a Regeneração, o sistema de alternância, o rotativismo, revelou-se incapaz de fazer associar a generalidade do país a poder abraçar, com genuíno entusiasmo, a causa do III Império, foi necessário produzir heróis entre exploradores das travessias africanas e conquistadores, como Mouzinho de Albuquerque. Mas toda aquela África Portuguesa teve uma ocupação incipiente, com todas as consequências que iremos conhecer em meados do século XX e que desaguarão nas independências da década de 1970.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16)

Mário Beja Santos

"Viagens de Exploração Terrestre dos Portugueses em África", por Maria Emília Madeira Santos, conheceu duas edições, a que me foi dado ler na Biblioteca da Sociedade de Geografia é da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, dada a ligação que a investigadora tinha com o Centro de Estudos de Cartografia Antiga, mas como o leitor pode ver na imagem há duas edições.

Classifico este trabalho como da maior importância, logo pelo seu sumário, tão atrativo para quem queira conhecer as ligações entre a Expansão Portuguesa e África ao longo dos séculos: fontes do conhecimento de África na Europa cristã antes da Expansão Portuguesa; primeiras viagens em terras do noroeste africano; caminhos para desvendar África no final do século XV, penetração na Guiné; o reino do Congo; o império do Preste João – mito e realidade; revelação do império de Monomotapa: missionários, soldados e mercadores neste império; o Cabo da Boa Esperança; Madagáscar e as naus da Índia; a Etiópia e o Nilo: dois enigmas; projetos de travessia – conquista da África Austral no século XVII; governantes, sertanejos, engenheiros, pilotos preparam a travessia de África; a expansão sertaneja no final do século XVIII a caminho da África Austral; a primeira tentativa de travessia científica da África Austral – o Dr. Lacerda e Almeida e a via Cazembe-Muatiânvua; a Lunda aceita o comércio português mas não a influência política; Portugal e o movimento geográfico europeu: expedição portuguesa ao interior da África Austral em 1877; Serpa Pinto atravessa África; a corrida a África: Capelo e Ivens executam a ligação das duas costas; Henrique de Carvalho explora a Lunda; expedição Pinheiro Chagas – a nova exploração africana.

A investigadora recorda-nos que entre 1876 e 1885 triunfara na Europa a ideologia colonial. Além da procura de matérias-primas e de novos mercados, os países europeus desejavam garantir-se pelo poder político e arvoraram-se em executivos predestinados de uma missão civilizadora. Em 1875, a Enciclopédia Britânica ao dar a explicação da palavra África insistia várias vezes no desconhecimento sobre aquele continente. As tentativas de penetração operaram-se através do Mediterrâneo, pela Tunísia e o Egito, foram pontos de partida para penetrações em direção à África Negra. A França utilizou a Argélia para atingir a foz do Níger e o oeste africano. A Inglaterra utilizou o vale do Nilo para penetrar na África Oriental. E, entretanto, apareceram novos competidores, a Bélgica e a Alemanha. Era exatamente na África Austral que o Império Colonial Português possuía as suas maiores colónias, era o polo de atração. Apercebendo-se desses apetites internacionais, gerou-se um entusiasmo em Portugal, era preciso conhecer a geografia e demarcar o nosso império africano. Teve entre nós forte repercussão a Conferência Geográfica de Bruxelas, convocada por Leopoldo II da Bélgica, em 1876 e em que tomaram parte a anfitriã, a Bélgica, a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia, Portugal não foi convidado. Leopoldo II criou a Associação Internacional Africana destinada a servir os seus projetos colonialistas e surgiu um fenómeno novo, apareceram exploradores ao serviço das grandes potências, dispondo de muitas facilidades: Brazza, ao serviço da França, Stanley contratado por Leopoldo, disputam o domínio do Zaire, a grande via para o interior de África. A Inglaterra, pressionada pelas aspirações dos colonos do Cabo, segue o movimento dos Bóeres em direção ao Norte e lança as vistas para a Bechuanalândia, que se estendia do Zambeze até ao Orange. Progressivamente, entre 1876-1884, a África Central iria transformar-se no campo de rivalidades das potências europeias. Portugal ou era ignorado ou denegrido. Exploradores prestigiados, como Livingstone e Cameron, lançaram fortes críticas à administração portuguesa em África, acusavam o Governo Português de continuar a permitir o comércio de escravos. Portugal tinha uma questão de emigração que não era de fácil alteração: o polo de atração continuava a ser o Brasil, só a classe mercantil e um grupo de cientistas se interessava por África. Impunha-se uma nova via, veja-se os antecedentes do estudo da Geografia.

Estes estudos estavam muito prejudicados desde o encerramento da Sociedade Real Marítima, no princípio do século XIX. Em 1876 fundava-se a Comissão Central Permanente de Geografia, que surgiu pouco depois da Sociedade de Geografia de Lisboa. Nesse tempo o principal problema da geografia africana era ainda o estudo da sua complexa hidrografia. O curso do Zaire fora apenas contornado por Cameron, desconhecia-se a sua nascente. Na opinião de Luciano Cordeiro, a expedição portuguesa devia internar-se na bacia do Zaire, descobrindo-lhe as origens e quais as relações com o Zambeze e com os grandes lagos. Estes sócios-fundadores da Sociedade de Geografia acalentavam a esperança de ver os portugueses encontrarem melhores caminhos entre Angola e Moçambique. A opinião de Luciano Cordeiro era que se deveria fazer a travessia, opinião que contrastava com a de José Júlio Rodrigues, secretário da Comissão Central Permanente de Geografia, este considerava que o centro de África estava irremediavelmente perdido para Portugal, advogava que a expedição devia fazer somente o reconhecimento geográfico e económico das partes menos conhecidas.

O principal objetivo da expedição de 1877 acabou por ser o estudo do rio Cuango nas suas relações com o Zaire e com os territórios portugueses da costa ocidental. Nomearam-se três exploradores: Serpa Pinto, oficial do Exército, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, oficiais da Marinha. Desconhecia-se por esta altura que Stanley já tinha iniciado a descida do Grande Rio, o que tornava assim extemporâneos os projetos dos portugueses. Encetada a viagem, encontraram Stanley em Cabinda, ele acabava de descer o curso do rio. Decidiram então os exploradores portugueses fazer a viagem pelo Sul, partindo de Benguela e daqui dirigiram-se ao Bié. Começaram aqui os desentendimentos entre Serpa Pinto, Capelo e Ivens. No Bié, em casa de Silva Porto, manifestas as divergências, Serpa Pinto optou pela travessia de África enquanto que Capelo e Ivens definiram como objetivo da viagem o estudo do Cuango. Já separados, Capelo e Ivens dirigem-se para as nascentes do Cuanza, seguem depois para os Quiocos, um vai estudar o curso superior do Cuango e o outro segue a linha divisória das águas do Cuanza e do Cuango. Passaram por inúmeras dificuldades, atingem Malange, encontram o rio local e chegam à Fortaleza do Duque de Bragança e daqui seguem para o Cuango. Concluíram que era impossível o levantamento do Cuango.

Quanto a Serpa Pinto, ele atravessou o rico país dos Ambuelas, desceu o rio Ninda e chegou ao Zambeze; daqui alcançou o reino de Barotze onde obteve pirogas e navegou pelo Zambeze abaixo. Próximo da confluência do Cuango com o Zambeze encontrou os primeiros ingleses. Depois de muito penar chegou ao Transval. Em Pretória envia um telegrama para Lisboa, sossegou quem andava inquieto, o seu paradeiro era desconhecido. A parte da viagem que apresenta maior interesse, como Serpa Pinto reconheceu, é o percurso entre o Bié e o Zambeze, região completamente desconhecida dos geógrafos. Estava feita a travessia de África, mas a ligação entre Angola e Moçambique mais uma vez falhara.

A Sociedade de Geografia de Lisboa pede ao governo em 1880 a continuação das explorações geográficas e a fundação de missões religiosas e estações civilizadoras. Foi durante o ministério de Manuel Pinheiro Chagas que se pôs em marcha o vasto plano mais tarde conhecido pelo Mapa Cor-de-Rosa. Neste tempo o objetivo era bem claro: tentava-se definir o domínio português em África. Em novembro de 1883, Pinheiro Chagas criava a Comissão de Cartografia junto do Ministério da Marinha e Ultramar. Iniciaram-se imediatamente os trabalhos para a elaboração de um atlas geral de todas as colónias. Em 1884 organizaram-se nada menos do que três grandes exposições: Capelo e Ivens cruzaram a África de Angola a Moçambique; Serpa Pinto e Augusto Cardoso exploraram o norte de Moçambique, tendo o segundo atingido o Niassa; Henrique de Carvalho percorria a Lunda até ao Muatiânvua. António Maria Cardoso viajava nas terras de Gaza e Inhambane, Paiva de Andrade avançava de Quelimane até Gaza, Artur de Paiva explorava o Cubango, e enquanto tudo isto se passa as missões católicas de S. Salvador do Congo e do Huíla entraram em intensa atividade.

Com a recensão desta obra de Maria Emília Madeira Santos dá-se por concluída a apresentação de uma bibliografia complementar que permite aos interessados encontrar fontes documentais que expliquem com mais desenvolvimento o pensamento imperial destes fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, eles foram determinantes para a consolidação do III Império Português.

Mapa do continente africano do século XVII, elaborado por Guilherme Blaeu (1571-1638).
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22503: Historiografia da presença portuguesa em África (278): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (15) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22483: Historiografia da presença portuguesa em África (277): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Continua-se a passar em revista uma certa bibliografia complementar que possa ajudar o leitor interessado a aprofundar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia. Faz-se uma resenha de um trabalho de Mestrado assinado por José Manuel da Silva Veríssimo, onde salienta claramente que depois de uma opção estratégica de travessias gloriosas que serviam para justificar e legitimar o território colonial português em África se seguiu uma mudança de tática pelas explorações parciais, onde se impuseram vultos como Henrique de Carvalho ou Norton de Matos. E justificava-se uma referência à obra dos 140 anos da Sociedade de Geografia que de forma didática permite aos potenciais interessados saber o que podem encontrar na Biblioteca, na Cartoteca, na Fototeca e no Museu Etnográfico e Histórico. É, felizmente, do mais alto nível, é património único dentro de um espaço que há muito devia estar classificado como monumento nacional.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14)

Mário Beja Santos

Continuando as referências à bibliografia que permite complementar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa relembramos a dissertação para a obtenção de Mestre em História e Filosofia da Ciência, é seu autor José Manuel da Silva Veríssimo e intitula-se "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1875 e 1926", a edição é da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 1999, exemplar policopiado que pode ser lido na Biblioteca da Sociedade de Geografia.

Na introdução, o autor recorda-nos o despertar dos interesses europeus para os recursos africanos em simultâneo com a possibilidade de se encontrarem novos mercados para se escoarem os excedentes do segundo surto industrial europeu – estão aqui as alavancas decisivas de todo o processo de expansão europeia em África, na segunda metade do século XIX. Estamos na época das grandes iniciativas exploratórias de caráter científico, resultantes de uma curiosidade genuína por parte de grupos de cientistas prontos para abrir novos trilhos, gente imbuída pela curiosidade, com grande vontade de investigar, pronta a irromper pelas florestas. Há convergência de elementos, esta época não surgiu ao acaso, como observou o historiador Fernand Braudel: “O tráfico negreiro europeu cessou no preciso momento em que a América já não tinha necessidade urgente dele. Para o Novo Mundo, o emigrante europeu foi substituir o negro na primeira metade do século XIX para os EUA, na segunda para a América do Sul”.

Atendendo a este contexto, a Sociedade de Geografia soube impor-se pelas iniciativas e pelas pontes que estabelece com as principais academias e sociedades mundiais e pelo dinamismo que imprime a toda a problemática colonial africana. O autor, depois de nos apresentar a aventura exploratória de Silva Porto e outros continuadores, faz o seguinte comentário: “É notável o quase desdobramento dos exploradores: Henrique Dias de Carvalho, que empreende a viagem ao Quimbundo, Cubango e Cassai, em Angola; Silva Porto e Augusto Cardoso, ao Niassa, em Moçambique; Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo que, com Serpa Pinto, empreendem a travessia de Angola à contracosta. A diplomacia portuguesa consegue o reconhecimento pela Inglaterra da soberania portuguesa nas duas margens do rio Zaire, até às fronteiras do Estado do Congo, em troca de facilidades concedidas por Portugal, ao comércio e navegação do Zaire e Zambeze".

Depois do Ultimatum deu-se um abrandamento do surto expedicionário, num cenário de crise. Neste contexto, dever-se-á incluir o papel dos interesses das companhias comerciais que após terem sobrevivido à crise financeira de 1891 despertaram para as promissoras fontes de rendimento. É o caso da Companhia Majestática para a Ocupação e Exploração da Região do Niassa (1891), a Companhia de Cabinda (1903), a Companhia dos Diamantes de Angola (1917) e a Companhia Colonial de Navegação (1922). Lembra-nos o autor que a I República não alterou o sentido da política colonial em curso. E mais, apesar de todas as dificuldades que a sociedade republicana irá atravessar, a Sociedade de Geografia logra manter à sua volta a mais importante plêiade de investigadores, quadros académicos, administrativos e militares, capazes de globalizar o saber colonial. Este é no fundo o quadro introdutório dado pelo autor e vejamos agora em síntese a matéria que nos interessa até 1900.

No arranque do seu trabalho, o autor equaciona a Sociedade de Geografia com as etapas de reconhecimento do império português em África, tudo isto na segunda metade do século XIX. Deve-se ao Marquês Sá da Bandeira a viragem para esta política africana. Em 1844-45, Sá da Bandeira promove, com um atraso de 87 anos, a publicação do diário de Lacerda e Almeida e do Padre Francisco João Pinto, seu companheiro de viagem. Este diário constituirá um guia essencial no desbravamento dos esforços africanos pelos europeus. Será a Sociedade de Geografia a publicá-lo em 1883 bem como o diário dos pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José que, partindo de Cassange em novembro de 1802, atingem Tete em fevereiro de 1811. Será Luciano Cordeiro o elemento aglutinador, à sua volta constituir-se-á um grupo de 74 individualidades ligadas aos mais diversos da investigação científica e intelectual da sociedade revolucionada por Fontes Pereira de Melo. O autor fará depois a descrição dos primeiros tempos de atividade da Sociedade, vê-se que no seu trabalho de investigação acompanhou de perto as atas das sessões da Sociedade bem como os respetivos números do Boletim. Noutro capítulo abordará as expedições africanas portuguesas, como se irá processar a delimitação europeia das fronteiras em África e qual o quadro de agudização das rivalidades entre as potências imperiais (1884-1890). De facto, tinham surgido novos concorrentes: Leopoldo II da Bélgica e Guilherme I da Alemanha. Em 1887 a Sociedade de Geografia assinalou uma alteração à opção estratégica, passara o tempo das gloriosas travessias, impunha-se fazer explorações menos ruidosas, optou-se pelas explorações parciais, mais modestas na aparência mas com resultados funcionais, com provas de ocupação efetiva, como escreve outra autora a que iremos fazer referência, Maria Emília Madeira Santos, em Viagens de Exploração Terrestre dos portugueses em África, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1978. E de facto ir-se-ão multiplicar as explorações limitadas ao quadro regional. Perante a posição britânica Portugal teve que recuar e buscar consolidação pela ocupação efetiva.

Fez-se referência às evocações dos 50 e 75 anos da Sociedade de Geografia. Manuela Cantinho, Diretora do Museu e o Presidente da Sociedade de Geografia, Luís Aires-Barros são os autores da obra alusiva aos 140 anos da Sociedade de Geografia (1875-2015). Acrescenta-se sempre um ponto ao que ficou já registado em olhares anteriores. Recorda-se o expressivo atraso com que criámos entre nós a Sociedade de Geografia, cerca de 50 anos face a franceses, ingleses e alemães, que se lançaram a organizar expedições. Diz acertadamente o presidente Aires-Barros que a Sociedade de Geografia é património cultural da Nação e contém vasto património da Nação, e escreve: “É património cultural e material da Nação na medida em que foi nela que germinou e floresceu, na sequência do pensamento de Luciano Cordeiro e companheiros, seus fundadores, a ideia da promoção de conhecimento e de desenvolvimento socioeconómico e técnico-científico dos vastos territórios ultramarinos, principalmente africanos”. Não deixa de referir a riquíssima documentação existente na Sociedade, incluindo os cadernos de campo e documentação diversa de Serpa Pinto, Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo, Henrique de Carvalho, Silva Porto e Gago Coutinho. E faz-se o histórico deste período de lançamento inicial da Sociedade de Geografia que vai até à morte de Luciano Cordeiro em 1900. Manuela Cantinho debruça-se sobre o espólio cultural da Sociedade de Geografia nesta edição graficamente irrepreensível onde qualquer leigo pode constatar a riqueza patrimonial da Sociedade. E agora a nossa leitura vai orientar-se para os trabalhos de Maria Emília Madeira Santos.

(continua)
Uma das preciosidades do Museu da Sociedade de Geografia, arte guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Pareceu-me da maior utilidade complementar as Actas das sessões do período fundador da Sociedade de Geografia, onde pontificou Luciano Cordeiro, seu primeiro secretário perpétuo, com leituras complementares. Este é o segundo trabalho editado pela própria Sociedade, é referente aos 75 anos de atividade, obviamente que nos cingimos ao período que vai até 1900. Seguir-se-á uma interessante dissertação de mestrado que foi apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia por José Manuel da Silva Veríssimo. Ele dirá que "A Sociedade de Geografia de Lisboa é a referência incontornável para o estudo aprofundado das relações e da conjugação entre Ciência, Tecnologia e Império". Esta conjugação de curiosidades científicas, de interesse e de conjuntura, estabeleceu-se entre 1875 e 1926. O leitor ficará assim com um leque abrangente de interpretações sobre o período de arranque do pensamento imperial e quem o protagonizou, até ao dobrar do século.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13)

Mário Beja Santos

Antes de continuarmos as referências à bibliografia complementar para este conjunto de artigos referentes aos sócios fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, no período estimado entre 1875 e o dobrar do século, recorde-se que já se fizeram alusões a duas obras: "Uma Corrente do Colonialismo Português", por Ângela Guimarães, Livros Horizonte, 1984; e "A Sociedade de Geografia, As Suas Origens e a Sua Obra de 50 Anos (1875-1925)", por António Ferrão, sem data, como se disse obra incompleta. Iremos hoje referir outra edição da Sociedade de Geografia alusiva aos "75 anos de Atividades ao Serviço da Ciência e da Nação", edição interna com data de 1950. Mais adiante, daremos ao leitor a súmula de duas obras que reputamos como importantes para o estudo do pensamento dos pais-fundadores e que são "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1855 e 1926", dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, por José Manuel da Silva Veríssimo (pode-se consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia); e "Nos Caminhos de África, Serventia e Posse, Angola, Século XIX", por Maria Emília Madeira Santos, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1998.

Vejamos agora a súmula desta obra dos 75 anos da Sociedade de Geografia. O autor (desconhecido) retoma o tema da fundação e os fins da Sociedade, recordando que a assembleia-geral dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, em que foram eleitos os primeiros corpos gerentes, reuniu em 3 de abril de 1876 na Sociedade de Ciências Médicas, que então ocupava um prédio da Rua do Príncipe, sito no local onde hoje se encontra a Estação Central dos Caminhos-de-Ferro. A primeira sede da Sociedade funcionou no segundo andar do prédio n.º 89 da Rua do Alecrim, na esquina para o Largo do Barão de Quintela, onde a Sociedade se manteve com notório desenvolvimento até 1883, ano em que se transferiu para o primeiro andar do prédio n.º 5 da Travessa da Parreirinha (depois Rua Capelo) e transferiu-se em 1891 para o palacete da Rua das Chagas n.º 5 (onde mais tarde funcionará o Instituto Comercial de Lisboa) que ocupou até à sua instalação, em 1897, no edifício da Rua das Portas de Santo Antão. Nesta data, no vestíbulo, havia duas pequenas peças de artilharia e nas paredes havia panóplias de armas gentílicas, algumas das quais são verdadeiras raridades. No primeiro andar existiu um salão de leitura de jornais, bem como um ginásio, mais tarde em duas divisões deste primeiro andar funcionaram a Escola Superior Colonial e a Escola Superior de Educação Física; o segundo andar albergou sempre a Sala Portugal, as salas Algarve e Índia. A biblioteca que está hoje no primeiro andar chegou a estar no andar superior, bem como secções do museu. O Museu Colonial tem a sua história, vale a pena aqui uma referência. Chamava-se Museu Colonial e Etnográfico, foi criado em janeiro de 1871, e foi afetado à Direção-Geral do Ultramar, da Secretaria de Estado dos Negócios, da Marinha e Ultramar, tendo sido transferido para a Sociedade de Geografia de Lisboa em março de 1892.

Este historial dos 75 anos procede a uma descrição de como funcionou a Escola Superior Colonial e a Escola Superior de Educação Física. O leitor interessado encontrará também aqui uma nota breve sobre o intercâmbio científico internacional; uma relação das atividades de Defesa, Vulgarização e Propaganda Ultramarina.

Tal como já se verificou da apreciação das atas das sessões, logo nessas primeiras reuniões, a preocupação dos sócios-fundadores manifestou-se em prol da defesa dos nossos interesses ultramarinos e daí se ter sugerido ao governo a conveniência de se realizar uma expedição portuguesa a África, cujo plano o sócio H. Bandeira de Mello Madureira apresentou na sessão de 28 de outubro de 1876. Nesta mesma sessão se tomou conhecimento das atas da conferência que, durante cerca de um ano, se reunira em Bruxelas, a convite do rei Leopoldo II, para se ocupar do seu projeto de ocupação pacífica da África Central. Os sócios aperceberam-se dos perigos para as nossas possessões, e a provou-se um voto para que “o Governo e a Ciência Naval se empenhassem em manter vigorosamente a honra e o direito da Nação”, sugerindo-se que esta reclamada exposição a África procedesse à ratificação definitiva dos limites do território sob a nossa soberania. E também se apelou à redação em várias línguas uma memória descrevendo o que Portugal tinha feito em matéria de estudos respeitantes à geografia africana.

Como já se percebeu, as preocupações com a geografia em Portugal continental e insular vão sendo preteridas toda a questão africana. O sócio Pinheiro Baião salienta “a conveniência de se promover o reconhecimento e ocupação efetiva do território ao norte de Ambriz, devendo uma expedição explorar a ligação das duas costas, aproveitando-se o curso do Cunene, Cubango e Zambeze”.

Em junho de 1877, comunicava o governo à sociedade terem sido nomeados Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens para levarem a efeito a expedição, “devendo os ditos oficiais, antes da sua partida, fazerem na sociedade uma expedição do seu programa e itinerário provável”. Dão-se, nas sessões da Sociedade, ao longo de 1877, 78 e 79 informações sobre as viagens dos exploradores. É neste ambiente de natural exaltação patriótica que a recém-criada “Comissão Africana” da Sociedade lança a ideia da constituição de um fundo africano destinado a incentivar a obra de exploração e civilização de África. Decidiu a Comissão Administrativa deste Fundo apelar ao país, numa exposição da nossa situação em África, acompanhada de um mapa em que se apresentava, colorida, a larga faixa territorial que nos levaria de Angola a Moçambique, o “Mapa Cor-de-Rosa”. A viagem de Henrique de Carvalho, através da Lunda, de 1884 a 1888, obedece também à doutrina que presidiu ao estabelecimento de estações, que eram verdadeiros marcos de ocupação pacífica.

E findamos aqui porque chegámos a 1900, ano em que se realizou o primeiro Congresso Colonial Nacional, o pensamento imperial está em mutação.


Carta de Angola, Sociedade de Geografia de Lisboa

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22449: Historiografia da presença portuguesa em África (275): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12) (Mário Beja Santos)