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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27303: A nossa guerra em números (39): E os "retornados" de outros impérios coloniais (França, Holanda, Grã-Bretanha, etc.) quantos foram ?


Bandeira da França, "vandalizada" com o emblema representativos dos "pieds-noirs" da Argélia.   Imagem do domínio público

Fobte: Cortesia de Wikimedia Commons



1. O "boneco" do nosso António Rosinha (*), "tuga", "colon", "retornado", leva-nos a fazer a seguinte pergunta: quantos "retornados" houve, no séc. XX, nos outros países europeus, para além de Portugal, com colónias ou protetorados que acederam à independência política ?  Casos nomeadamente da França, da Holanda, Grão-Bretanha...

Como termo de comparação, partimos da estimativa mais consensual do total geral de “retornados” (1974/76), oriundos de Angola e Moçambique: c. 500 mil / 520 mil pessoas.

Aproximadamente menos de 2/3 vieram de Angola, e pouco mais de 1/3 de Moçambique; das restantes colónias (Cabo Verde, Guiné, São Tomé) os números são residuais (**).


O caso mais notório seria, de entre os colonizadores europeus, o da França, que manteve na Argélia uma guerra prolongada e violentíssima, entre 1954 e 1962. 


 Tal como de resto não o é o termo "retornado" entre nós: de facto, havia  portugueses,  cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos,  goeses, e até chineses, etc., nascidos em África e para quem Portugal era o "Puto",  um país europeu, estrangeiro, distante, física, cultural e afetivamente. 

De facto, havia quem tivesse nascido em Angola ou Moçambique, de pais, avós e até bisavós oriundos de Portugal, continental e ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo-Verde) mas também de outras proveniências, e que se consideravam, a si próprios, depreciativamente, como "portugueses de 2ª"

 Em todo o caso, vinham cá de férias ou de licença graciosa ( os funcionários públicos),  vinham cá consultar o médico, ou estudar cá, etc. A universidade só tardiamente chegou a Luanda,  Nova Lisboa, Lourenço Marques... A formação das elites tinha que ter o "carimbo" de Lisboa...

Esses angolanos e moçambicanos não aceitavam ser tratados como "retornados".  Mas o "Puto" acabou por ser felizmente uma pátria de acolhimento para eles. Seriam hoje apátridas. É verdade que nem todos viajar para a antiga metrópole. Não sabemos quantos foram para  o Brasil, a África do Sul, a Venezuela...
 

A. Quantos foram os "pieds-noirs" que  sairam da Argélia, com a independência em 1962 ? (***)


É arriscado avançar com números, por causa das fontes, das metodologias, dos enviesamentos, etc.  Mas os números são necessários para termos uma noção mais aproximada das realidades complexas. É verdade que também servem para mentir, ocultar, branquear, etc.

A assistente de IA que rapa o tacho aqui e acolá, vasculha o lixo da Net, não tem espírito crítico nem muito menos empatia e compaixão, assim de rajada diz-nos logo que os "pieds-noirs" terão sido entre 650 mil e  1 milhão.  

Pés-negros ? Parece ter um sentido pejorativo, tal como "tuga" (no tempo da guerra colonial).. O nosso "retornado", apesar de tudo, parece ser mais "neutro", mas não é menos impreciso e redutor... A língua tem sempre estas limitações, e a realidade é sempre mais dinâmica, espessa e complexa.

Entenda-se: "pieds-noirs" = colonos europeus, principalmente franceses, que  saíram da Argélia após a independência em 1962, buscando refúgio sobretudo na França. 

Mesmo o termo "colono"  é impreciso: o missionário, o professor, o topógrafo, o médico,  etc., são colonos ?

O número exato varia conforme a fonte:

(i) vários relatos históricos estabelecem que cerca de 800 mil foram evacuados para França e aproximadamente 200 mil  permaneceram temporariamente na Argélia, sendo que o número dos que permaneceram foi se reduzindo rapidamente; 

(ii) algumas fontes falam em “quase 1 milhão” de refugiados (outro termo que também não é "neutro");

(iii) registros administrativos (de 1962)  apontam para  cerca de 650 mil a  680 mil os recém-chegados à França só nesse ano;

(iv) considerando também os judeus argelinos (alguns, seguramente sefarditas, de origem ibérica, c. 130 mil), bem como outros europeus, estima-se que até 1.050.000 pessoas de origem europeia viviam na Argélia no início da década de 1960; 

(v) sabe-se que a esmagadora maioria partiu com a independência, depois de uma guerra que foi uma tragédia.

O êxodo ocorreu de forma acelerada, em poucos meses, tal como em Angola e Moçambique, fruto do temor de represálias e das mudanças políticas, económicas e sociais radicais após o fim do domínio francês.

Claro que a saída dos "pieds-noirs" teve profundas consequências sociais e políticas tanto na Argélia como na França, marcando o pós-colonialismo no Mediterrâneo ocidental.


B. Quanto a holandeses (ou neerlandeses, como se diz hoje), saídos das ex-colónias dos Países Baixos...

O número de "retornados holandeses"  variaram bastante conforme o contexto histórico de cada território. 

Não houve um êxodo tão em massa e tão concentrado como no caso dos "pieds-noirs" da Argélia, nem do "ultramar português" (Angola, Moçambique...).

 Vejamos caso a caso:

(i) Índias Orientais Holandesas (Indonésia)

após a independência (1949), cerca de 300 /350  mil "colonos" emigraram para a Holanda entre as décadas de 1940 e 1960; mas nesse número não estão  apenas holandeses "puros" (de sangue),  mas também mestiços euro-asiáticos (os chamados "indos"), judeus, chineses e outros grupos ligados à administração colonial; os tais "indos " que migraram para a Holanda, serão estimados em 200 mil;

(ii) Suriname: 

com a independência em 1975,  quase metade da população original (estimada entre 100/150 mil pessoas) mudou-se para a Holanda, numa corrida migratória antes do encerramento das fronteiras (foram sobretudo descendentes de holandeses e outros grupos ligados à administração colonial);

(iii) Antilhas Holandesas: 

houve um  fluxo menor, mas constante, das ex-colónias caribenhas (Curaçao, Aruba, Sint Maarten) para a Holanda, especialmente em contextos de crise, totalizando hoje cerca de 200 mil descendentes de caribenhos holandeses  a viver  nos Países Baixos;

(iv) África do Sul: 

após o fim da dominação holandesa no Cabo (1815), muitos dos bóeres (palavra de origem neerlandesa, quer dizer isso mesmo, colono, descendente de holandeses) permaneceram na região e formaram comunidades que deram origem aos atuais africâneres; neste caso,  não houve uma saída massiva para a Holanda.

Mais especificamente os africâneres 
são um grupo étnico  sul-africano descendente de colonos, protestantes calvinistas,  europeus, principalmente holandeses, alemães e franceses (huguenotes), que chegaram ao Cabo da Boa Esperança a partir do século XVII. 

Eles falam africâner, uma língua germânica, que evoluiu do dialeto holandês dessa época;  desempenharam um papel central na história da África do Sul, incluindo o regime do apartheid (que vigorou de 1948 a 1994); historicamente, eles dominavam  setores como a política, o comércio  e a agricultura, mas a minoria branca, incluindo os africâneres,  é hoje uma pequena percentagem da população. 

Em resumo: a saída dos holandeses das ex-colónias foi significativa na Indonésia (após 1949) e em Suriname (após 1975), mas comparativamente menos dramática que a dos "pieds-noirs" na Argélia. ou das colónias / províncias ultramarinas portuguesas (há quem não goste do termo "colónias),

A diáspora holandesa mundial contemporânea reflete essas migrações, com estimativa de até 15 milhões de pessoas de origem holandesa/neerlandesa e seus descendentes vivendo fora da Holanda, incluindo grandes comunidades vindas das antigas colónias.  

C. Quanto aos britânicos, não há um número consolidado ou uma estimativa global de “retornados”, na sequência  das várias independências dos territórios do império onde o sol nunca se punha no tempo da Raínha Vitória...

Os retornos existiram, mas dispersos, com destaque para expulsões pontuais (ex: Uganda, 1972,  cerca de 27.000).

O fenómeno é amplamente documentado no caso português, mas não tem equivalente em escala ou identificação no caso britânico.


D. Os espanhóis, por sua vez,  não tiveram um fenómeno de "retornados" semelhante ao caso português.

A descolonização espanhola  (grande potência imperial) ocorreu maioritariamente nas Américas no século XIX, com processos de independência que resultaram na formação de vários países novos entre 1810 e 1824, e não no século XX como nos impérios britânico, francês ou português; esses processos de independência foram guerras e movimentos políticos e sociais que levaram à saída da Espanha das colónias americanas, mas não provocaram um retorno em massa de colonos espanhóis para a Espanha equivalente ao nosso caso no pós-25 de Abril.

Ainda há os casos residuais dos italianos, alemães, belgas... E até dos suecos, que, ao que parece,  também tiveram colónias.

(Pesquisa: LG + Assistente de IA / Perplexity, ChatGPT, Gemini...)

(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)

____________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27288: Humor de caserna (214): O dono daquilo tudo, do Cuanza ao Cunene, o "colón", o retornado", o "coronel" e o "grão-tabanqueiro" António Rosinha

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27113: A nossa guerra em números (31): Angola e Moçambique: População europeia total: ~535 mil / 600 mil | Total geral de "retornados" (incluindo os restantes territórios): c. 500 mil / 520 mil pessoas

(***) Último poste da série > 7 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27191: A nossa guerra em números (38): Em 27 de maio de 1974, existiriam no CTIG 1960 "bombas de napalm" (1170 de 350 litros e 790 de 100 litros)... ou apenas os invólucros

sábado, 15 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26587: Os nossos seres, saberes e lazeres (673): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (196): From Southeast to the North of England; and back to London (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Havia que acompanhar à última morada uma grande amiga, residente na fímbria de Frankfurt, filho e nora acolheram-me numa localidade a dezenas de quilómetros, Idstein, uma muito agradável surpresa, um impressionante património de séculos idos, cidade próspera onde pontificaram os condes de Nassau-Idstein até chegarem os senhores da Prússia. Procurei reter imagens dessa arquitetura esplêndida, sempre alvo de restauros, tem um belo jardim que data do século XVI, tudo cuidado desde o velho celeiro, à antiga caserna dos bombeiros, à praça do mercado, até a presença romana. Deslumbrou-me a igreja protestante onde se preza a união das igrejas, tem um teto coberto de 38 quadros da Escola de Rubens representando cenas bíblicas do Novo Testamento, é a necrópole dos condes e príncipes de Nassau. Amanhã começo a rever Frankfurt, tive sorte com o tempo, temperaturas quase sempre negativas mas sem neve.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (196):
From Southeast to the North of England; and back to London – 14


Mário Beja Santos


A fabulosa escadaria da Courtauld Gallery
Retrato de Margaret Gainsborough, por Thomas Gainsborough, cerca de 1778.
O retrato pode ter sido pintado para celebrar os 50 anos de Margaret, a mulher de Gainsborough, a sua mulher foi frequentemente sua modelo e este quadro revela o imenso talento como retratista

Retrato de um santo, pelo Mestre do Altar de S. Bartolomeu, cerca de 1494-1500.
É impressionante como o pintor italiano obtém tanto a expressão num quadro quase miniatural. O equilíbrio da face, a cabeleira ondulada, a capa recamada e a simplicidade do fundo paisagístico, é de ficar de boca aberta, só falta ao santo falar e sair da miniatura.

S. Francisco a pregar aos pássaros, Escola Alemã, fim do século XIV, cerca de 1374.
Este quadro faz parte de um tríptico chamado da Crucificação, é um primor de candura, faz parte da representação do santo com um entusiasta dialogante com o mundo natural

Ao visitar a exposição dos desenhos de Henry Moore, veio-me à memória alguns dos aspetos essenciais da batalha da Grã-Bretanha. Em 7 de setembro de 1940, 400 bombardeiros alemães atacaram Londres, durante a tarde; à noite, outra vaga de 250 aparelhos realizaram um novo ataque, centenas de mortos e 1600 feridos graves. Durante 57 noites consecutivas sucederam-se os ataques aéreos. Ao princípio Londres viveu um quase ponto de rutura. Espalhou-se o mito de que toda a população de Londres encontrara abrigo no metropolitano durante o Blitz. Não foi verdade, não terá chegado a 5% da população que procurou abrigo no metro. Os esboços a lápis de Henry Moore mostram as pessoas a dormir nos corredores e escadas rolantes. Nenhuma destas imagens é falsa, mas omitem a realidade do desespero de condições sanitárias inadequadas e consequentemente do cheiro que vinha dos túneis usados como substitutos as casas de banho. Ratazanas, pulgas e piolhos tiveram o seu momento de prosperidade. Um desenho que nos dá calafrios.
Belos tapetes à venda na loja de Courtauld Gallery
Agora sim, já se saiu da Somerset House, sai-se do Strand para o Embankment, é um passeio na margem do Tamisa, houvesse tempo e derivava-se em direção ao Victoria Embankment, para a ponte do Waterloo, resta-me a consolação de se poder ver ao fundo o Big Bem e a Casa do Parlamento à direita e à esquerda a famosa roda gigante, The London Eye.
The London Eye
Impossível captar o esplendor que um dos míticos hotéis de Londres, o Savoy, fico-me com estes pormenores da fachada em arte deco.
Cleopatra’s Needle. Este obelisco de 18 metros pertencia a um par de obeliscos do Palácio de Cleópatra fora de Alexandria e tem mais de 3500 anos. Foi oferecido à Grã-Bretanha pelo Governo do Egito em 1819, mas só 60 anos mais tarde foi finalmente colocado e nessa altura as esfinges que o ladeiam foram fixadas de costas para o obelisco. Havia uma piada da época em que aqui foi montado que circulava na opinião pública: “Este monumento, pensam alguns, foi visto por Moisés. Ao longo da História passou dos gregos para os turcos e foi colocado pelas Obras Públicas.”
Chegou a hora de apanhar o metro e ir até Richmond amesendar, agradecer todo o acolhimento oferecido, pegar nos trastes, tomar o metro até Heathrow. E acabou esta inolvidável viagem em que se mataram algumas saudades de uma Grã-Bretanha que tanto se ama.
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Notas do editor:

Vd. post de 1 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26540: Os nossos seres, saberes e lazeres (671): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (194): From Southeast to the North of England; and back to London (13) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26564: Os nossos seres, saberes e lazeres (672): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (195): Ia passear ao Jardim Botânico, acabei numa exposição sobre fotografia colonial (Mário Beja Santos)

sábado, 1 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26540: Os nossos seres, saberes e lazeres (671): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (194): From Southeast to the North of England; and back to London (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Vejo-me forçado a dar o dito por não dito, fizera uma visita apressada ao acervo fotográfico do que fora a visita à Galeria Courtauld, afinal ficara por mostrar um bom punhado de imagens de obras-primas da pintura europeia. A despedida de Londres fica para a semana, ainda restam algumas imagens do que vi na Galeria Courtauld e o mínimo que posso dizer é que esta galeria é um precioso tesouro. Há visitas gratuitas em Londres ao British Museum, à Tate Gallery, à National Gallery, à National Portrait Gallery, ao Museu Vitória e Alberto, santuários de visita obrigatória; a Courtauld pode custar entre 10 a 12 libras, importância aproximada para visitar o acervo da Royal Academy of Arts. Londres tem aquele tempero das amplas superfícies, da multiplicidade de lugares de oferta completa para qualquer ângulo do lazer, desde uma famosa feira da ladra em Portobello ao Museu Imperial da Guerra, a área dos teatros, a sumptuosidade do Tamisa, a zona residencial das docas, etc. etc. Estou pronto para regressar, haja proventos e saúde.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (194):
From Southeast to the North of England; and back to London – 13


Mário Beja Santos

O homem põe e a câmara fotográfica do smartphone dispõe. Isto de começar a extrair imagens do arquivo e dizer que estava feita a visita à Galeria Courtauld, era uma tirada fora da realidade. Como visitante bem-comportado, e ainda com carga energética, andei por todos os andares e procurei contemplar as obras mais significativas, de acordo com uma leitura prévia que fizera ao conteúdo da galeria. Penitencio-me, por um lado, de dar o dito por não dito, ainda vão sobrar algumas imagens antes de me pôr a andarilhar pelas margens do Tamisa até ao Parlamento, por outro considero que ofereço ao leitor a recordação de um lote de obras-primas que enformam a nossa civilização e cultura, são peças genuinamente representativas. Vamos à visita e deixamos para a semana a despedida de Londres.
Entrada da Courtauld Gallery no edifício da Somerset House
Autorretrato com a orelha cortada, Van Gogh, 1889.
O genial pintor fez este seu autorretrato em janeiro de 1889, uma semana após ter deixado o hospital, fora acometido por uma crise que o levou a cortar uma boa parte da sua orelha esquerda (aqui mostra-se o penso na orelha direita porque ele pintou-se a olhar ao espelho, tivera uma grande crise de desespero depois de uma discussão com o pintor Paul Gauguin. O que assoma frontalmente é a sua vontade de viver e o seu entusiasmo em voltar à pintura.
Ponte de Courbevoie, por Georges Seurat, cerca de 1886-87.
Seurat tinha recentemente desenvolvido a técnica do pontilhismo que registou esta vista do rio Sena, ponto a ponto cria-se uma imagem com uma mistura de cores na paleta. Tinham surgido novas teorias óticas que sugeriam que esta técnica tornava a pintura mais vibrante. Ora o resultado é de uma melancolia e repouso, e ganhou ênfase com as árvores verticais e os mastros dos barcos. A indústria química lá ao fundo é um alerta de que Courbevoie se estava rapidamente a transformar num subúrbio industrial de Paris.
Pintura de Cecily Brown (1969) intitulada Desorientada pela sua reflexão, 2021.
Cecily fez este trabalho num painel curvo no topo da histórica escadaria de Courtauld. Quando o edifício abriu ao público em 1780, o painel continha uma pintura a deusa Minerva e as musas da arte. O trabalho da artista abarca envolve o espetador numa visão sonhadora da pintura trabalhada entre a abstração e a figuração. Alusões a trabalhos artísticos que ela particularmente admira vêm à superfície. Por exemplo, a figura do banhista à direita da parte central faz uma alusão ao quadro Le Déjeneur sur l’herbe de Édouard Manetl. Há em toda a pintura uma flutuação entre o passado e o presente.
A Trindade com Dona Maria Madalena e João Baptista, por Sandro Botticelli, à volta de 1491-94.
Esta peça de altar é uma das pinturas mais importantes de Botticelli no Reino Unido. A visão da Trindade domina a obra: Deus Pai sustenta a cruz com o sacrifício do seu filho enquanto a pomba do Espírito Santo paira entre eles.
Cristo e a Adultera, por Pieter Bruegel o Velho, 1565.
Nos degraus do Templo de Jerusalém, Cristo para a execução da mulher condenada à morte por apedrejamento devido ao adultério. Então que Cristo escreve na areia que quem estiver sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe a pedra. É um trabalho invulgar de Bruegel que usou unicamente cinzentos sombreados, uma técnica conhecida por “grisaille”. De forma genial, Bruegel criou uma multidão, deixando os tons claros exclusivamente para o primeiro plano.
Paisagem com a Fuga para o Egito, por Pieter Bruegel o Velho, 1563.
Trata-se de um recorrente tema presente na pintura medieval e renascentista, Maria, José e Jesus fogem para o Egito devido à perseguição de Herodes. A soberba e dramática paisagem nada tem a ver com a Flandres, talvez Bruegel tenha guardado a sua recordação da travessia dos Alpes, e o que há de muito admirável neste pequeno quadro é a profunda extensão da paisagem, deixando para o primeiro plano a cena da atribulação da viagem.
Adão e Eva, por Lucas Cranach o Velho, 1526.
Cranach pintou o momento fatal da desobediência a Deus, Eva trinca a maçã da árvore da sabedoria, a única árvore proibida no Jardim do Éden. Adão, depois de hesitar, toma o fruto e o casal é banido em castigo. O pintor pretende dar-nos a imagem de animais em paz, uma serenidade que em breve se perderá. Cranach terá feito cerca de 50 versões deste assunto, este é um dos seus maiores quadros e porventura o mais belo.
Retrato de Francisco de Saavedra, por Goya, 1798.
O que há de mais singular na execução desta obra é o contraste entre a falta de pormenores e a sumptuosidade e solenidade habituais dos retratos do tempo. Francisco de Saavedra está centrado numa figura sentada com um braço encostado a uma mesa. Saavedra era o ministro das Finanças da Corte de Espanha, a pintura foi encomendada por um amigo de Saavedra, o ministro da Justiça Gaspar de Jovellanos.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 22 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26519: Os nossos seres, saberes e lazeres (670): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (193): From Southeast to the North of England; and back to London (12) (Mário Beja Santos)

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26519: Os nossos seres, saberes e lazeres (670): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (193): From Southeast to the North of England; and back to London (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
A Galeria Courtauld tem cerca de 33 mil objetos de arte, mas tudo quanto se exibe neste discreto edifício está exposto com um belo aparato museográfico e museológico, desde o período medieval, o renascimento e o barroco, e daqui para as correntes do romantismo, chega-se ao ponto alto da coleção, impressionistas e os pós-impressionistas, e grandes artistas com alvo de pequenas mas bem expressivas exposições como aquela que é dedicada a desenhos de Henry Moore à volta da Segunda Guerra Mundial e a fotografia do aclamado Roger Mayne, um aclamado artista que tem aqui uma exposição sobre os jovens nas décadas de 1950 e 1960, isto para já não falar de uma mostra de recentes aquisições de desenhos e gravuras que vão desde o século XVII à atualidade. Deixa-se no texto referências de consulta para quem queira conhecer melhor no computador os extraordinários tesouros da Galeria Courtauld.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (193):
From Southeast to the North of England; and back to London – 12

Mário Beja Santos

Tudo começou com um grande colecionador que se revelou um entusiasta pelos movimentos impressionista e pós-impressionista. O seu legado é a constituição de um instituto de arte a que se associaram outros amantes das artes plásticas. Hoje em dia, a coleção da galeria Courtauld abrange cerca de 33 mil objetos que vão do período medieval até ao presente século, pinturas, desenhos, cerâmica e escultura de todos os géneros e é possível fazer a exploração deste tesouro grátis através de uma plataforma digital com imagens de alta-definição. Sugerimos a quem quer saber mais o site: http://gallerycollections.courtauld.ac.uk ou ver a bela apresentação que o ator Bill Nighy faz da coleção em: https://www.youtube.com/watch?v=_MFrNueRZqU.
A galeria tem muitas exposições, apresentação de aquisições recentes, conferências, tive a sorte de visitar a exposição do genial escultor Henry Moore com os seus desenhos que elaborou durante a Segunda Guerra Mundial. Por ordem cronológica vamos subindo no tempo, pela galeria medieval no 1.º andar, o renascimento e o barroco no 2.º, o impressionismo e os modernos no 3.º. Como gostos não se discutem, procurei ir diretamente para um conjunto de obras-primas de referência.

O aparatoso pátio de Somerset House
Estudo para ‘Le Déjeuner sur l’herbe’, Édouard Manet, cerca de 1863.
Trata-se de um trabalho preparatório para um dos quadros mais famosos do século XIX, provocou escândalo na época pintar duas mulheres nuas e dois homens vestidos. Manet rejeitou soluções do tipo renascentista e deu maior atenção aos pormenores ambientais, como as árvores
Bailarina olhando a planta do seu pé direito, bronze de Edgar Degas, 1919-20.
Nas suas esculturas de bronze Degas aspirava captar o corpo em movimento ou em difíceis posições baléticas
Mulher com chapéu de sol, Edgar Degas, cerca de 1870
Montanha de Santa Vitória com pinheiro alto, Paul Cézanne, cerca de 1887.
A Montanha de Santa Vitória domina toda esta região de Aix-en-Provence, Cézanne vivia aqui e pintou numerosas vezes paisagens da montanha do povo da região, em diferentes perspetivas. A sua ousadia passa pelas cores, a importância dada à árvore em primeiro plano, a extensão dos campos e o cuidado na conjugação das cores entre o azul, o verde e os cinzentos acastanhados.
Os jogadores de cartas, por Paul Cézanne, cerca de 1892-96.
Cézanne passou muitos anos a desenhar e a pintar trabalhadores rurais quando viveu em Aix-en-Provence. Esta obra é uma das cinco pinturas que ele elaborou com homens a jogar às cartas. Supõe-se que o pintor da esquerda é um autorretrato. Ele esboçou figuras alongadas, desproporcionadas, tudo com uma pincelada muito viva e variada. Os dois homens estão absorvidos e concentrados no seu jogo. Ao contrário da pintura anterior em que os trabalhadores apareciam nas tabernas a jogar às cartas entre vinho e cerveja, Cézanne revela aqui uma visão diferente, são figuras monumentais e dignificadas, como duas estátuas que sofreram o desgaste do tempo.
Georges Seurat, Estudo para um quadro de dançarinos a dançar o Cancan, cerca de 1889.
O Cancan era muito popular nos nightclubs parisienses no final do século XIX. Seurat foi um dos consagrados pintores pontilhistas, conseguindo obter uma composição cheia de divertimento e alegria.
Georges Seurat, Praia de Gravelines, 1890
O que aprecio profundamente nesta obra é o velado anúncio da arte abstrata, o mestre usou contidamente poucas cores, separa a água e o céu com o traço ténue, e regista na perfeição uma atmosfera de nevoeiro, típica do Norte de França. Olhamos para estes grãos de areia e fica-nos na imaginação que o pintor tudo elaborou junto a uma janela.
Paul Gaugin, Nevermore, 1897
Gauguin pintou este quadro quando viveu no Taiti, uma ilha no Sul do Pacífico colonizada pela França. A imagem do nu reclinado tem uma longa tradição artística, o que há aqui de singular é o exotismo, a jovem não está propriamente em repouso, está ansiosa e atenta a duas figuras atrás dela. Sabe-se que o modelo era a companheira de Gauguin, Pahura, uma jovem de 15 anos.
Henri de Toulouse-Lautrec, Jane Avril a entrar no Moulin Rouge, cerca de 1892.
Jane Avril era uma dançarina estrela num dos mais célebres cabarés parisienses, o Moulin Rouge. Toulouse-Lautrec desenhou-a em conhecidos pósteres, aqui dá-se a particularidade de ela não aparecer em espetáculo ou no camarim mas à entrada do local de trabalho, bem indumentada. Não era usual Toulouse-Lautrec pintar quadros tão estreitos como este.
Édouard Manet, Um bar nos Folies-Bergère, 1882.
Os Folies-Bergère era um outro muito popular local de diversão noturna parisiense. Podemos ver a enorme variedade de bebidas e o que há de verdadeiramente espantoso nesta obra-prima é vermos a animação ao fundo, é um reflexo de um enorme espelho que projeta o interior. A barmaid chamava-se Suzon, é o centro da atenção de Manet, as suas costas estão refletidas no quadro, tem uma expressão enigmática. Trata-se de um trabalho complexo pela composição absorvente e os críticos consideram-nos uma das pinturas icónicas onde se projeta a vida moderna.

Está na hora de preparar o regresso, em vez de ir pelo Strand propriamente, caminha-se à beira do Tamisa em direção ao Parlamento. Foram essas imagens que reservamos para a despedida de uma viagem que começou no condado de Oxford, seguir para o norte, e veio por aí abaixo até Londres e manda que se diga a verdade, dentro de horas regressa-se a Lisboa com uma grande carga de nostalgia, ficava-se aqui sem qualquer problema não sei quantos mais dias.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26498: Os nossos seres, saberes e lazeres (669): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192): From Southeast to the North of England; and back to London (11) (Mário Beja Santos)

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26498: Os nossos seres, saberes e lazeres (669): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192): From Southeast to the North of England; and back to London (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
A sugestão de um passeio pela City prevaleceu, bem sonhei ir ver os trastes no mercado de Portobello e passear no Mall, ou olhar embasbacado a entrada do Covent Garden, fiz propostas mirabolantes como a visita da Royal Academy of Arts e até passeio em Hyde Park, vingou a prudência de fazer tudo a direito desde Blackfriars, cirandar pela City, beber um café e morder algo antes de entrar num impressionante museu onde nunca estive, junto de Somerset House. Dele falaremos a seguir, ainda haverá um passeio junto do Tamisa, regressa-se a Richmond, e depois do almoço há o solene adeus e aquele miraculoso metro que nos larga em Heathrow, agora são uns bons quilómetros a pé dentro de um dos maiores aeroportos do mundo.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192):
From Southeast to the North of England; and back to London – 11


Mário Beja Santos

É a minha última manhã de andarilho em Londres, metro de Richmond diretamente para Blackfriars, é o início de uma manhã amena num local que dá pelo nome de City, também conhecida por “milha quadrada”, correspondente à Londinium romana. Ficou praticamente destruída no grande incêndio de 1666, foi brutalmente sacrificada pelos bombardeamentos alemães de 1940, é uma área onde o turista é convidado a visitar a Catedral de S. Paulo, Fleet Street (foi outrora a sede da maioria dos jornais britânicos), Barbican Complex, o Museu de Londres, a Torre de Londres, descendo um pouco mais é a região das docas. Na véspera, procurando acertar agulhas sobre um programa que iniciasse às 9 horas e acabasse às 14, com pesar, desisti do mercado de Portobello, a mais luxuriante feira da ladra do mundo que eu conheço, pensei igualmente no Mall, passar pelo almirantado e visitar o gabinete de trabalho de Winston Churchill, um verdadeiro bunker, venceu a tese de que devíamos andar num terreno plano, começar pela Catedral de S. Paulo e visitar as prodigiosas Courtauld Galleries, com o seu impressionante acervo de obras impressionistas e expressionistas. Foi esta a sugestão que vingou, a minha esperança é um dia aqui regressar com muito mais tempo, poder voltar à região do Westminster, Covent Garden, enfim, umas lambuzadelas também para o Norte, Sul e Sudeste, e meter-me num transporte público para rever Windsor e Hampton Court Palace. Faço figas para este regresso.

Blackfriars Bridge
De Blackfriars caminha-se para S. Paulo, uma fachada de grande ostentação com duas torres barrocas coroadas por uma cúpula de 111 metros de altura (a segunda maior a seguir à da Basílica de S. Pedro em Roma). É obra do maior arquiteto do seu tempo, Christopher Wren. Há já fila à porta, o turista quer entrar e ver lá dentro a impressionante cúpula com os frescos sobre a vida de S. Paulo. Como em Westminster, há estátuas, uma delas prende-se com a nossa história, o duque de Wellington.
Desconhecia inteiramente que a atual Catedral de S. Paulo é a quinta a situar-se neste local, um dos dois pontos mais altos da City. Não querendo aborrecer o leitor contando a história das catedrais anteriores, depois da guerra civil, tempo em que as tropas de Cromwell usaram a nave para guardar os cavalos, e que se vandalizaram a janelas em talhes e efígies, até à demolição do palácio do bispo, pediu-se a Christopher Wren em 1663 que supervisionasse a catedral em ruínas e delineasse um programa para as reparações. Depois de muita discussão, demoliu-se o existente e fez-se a reconstrução. É a obra-prima de Wren, um triunfo da arte, ciência e organização, Wren combinava talentos estéticos, de engenharia e administrativos num grau fora do vulgar. A catedral de Wren foi, e continua a ser, a única catedral inglesa construída durante o tempo de vida do seu arquiteto. Vieram depois os pormenores, o maravilhoso trabalho decorativo em ferro, os sinos. S. Paulo é também um Panteão, ali estão sepultados Nelson, Wellington e Kitchner; há homens de Letras homenageados na Catedral, como caso de Blake, pintores como John Singer Sargeant, o coronel Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia.
Com o tempo contado, dei por mim a homenagear a resistência britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de 65 hectares em volta da Catedral foram desfeitos, a Catedral sofreu danos, as cicatrizes estão à vista.

Os bombardeamentos alemães destruíram muito, mas não deixa de emocionar esta curiosa associação entre a arquitetura antiga e a moderna
Não resisti ao espetáculo das hortênsias no jardim de S. Paulo, só há pouco é que percebi que entrara na fotografia
Agora muda-se de agulha, estamos no Strand que liga Trafalgar Square a Fleet Street, no século XIX era o centro do teatro londrino. Há por aqui relíquias do passado e património de luxo: o Adelphi Theatre, construído em 1806 e remodelado em 1930, e o Savoy Hotel, um dos mais destacados de Londres.
Imagem de um edifício que albergou um conjunto de jornais de que só resta a memória, é assim em Fleet Street
É um imponente tribunal de Londres, no costumado neogótico do século XIX
Somerset House é mais um imponente edifício com um aparatoso pátio central. Construído em 1786 no local do palácio dos condes de Somerset, foi o primeiro edifício importante projetado para escritórios. Uma das alas, originariamente construída para a Royal Academy of Arts, alberga agora as Courtauld Galleries, onde se encontra uma das melhores coleções do país de quadros do impressionismo e do pós-impressionismo. É para onde vou agora, conversar com gente como Modigliani, Renoir ou Gaugin.
Curioso anúncio do museu, mostrando o célebre quadro de Van Gogh, autorretrato com a orelha ligada

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)