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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24029: Notas de leitura (1549): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte X: a importância da acção psicossocial: pondo as mulheres a voltar a pescar... peixe e camarão


Guiné > s/l> s/d> Mulheres a pescar no rio... Cortesia do nosso camarada Carlos Rios [ex-fur mil, CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66] (*)


Pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército).

Na foto da capa, podemos ver o "capitão Cristo", sentado ao centro, com a mão direita no rosto, visivelmente bem disposto, em agradável convívio na casa do Zé Saldatnha [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia]. Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o dono da casa, o Zé Saldanha (antigo militar que esteve em Bedanda). 

Recorde-se o que escrevemos na primeira destas notas de leitura (***):

(---) O livro, composto por cerca de 70 curtos capítulos, pode ser considerado como um "diário de bordo", embora não datado, do autor (ou do seu "alter ego"), que foi o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (...)

A intensa atividade operacional é intercalada com pequenas, saborosas (e algumas pícaras) histórias do quotidiano do quartel, da tabanca e seus "vizinhos" (que o autor nunca trata por "turras")...

(...) O estilo narrativo é poderoso. Seco, assertivo, direto, às veses quase telegráfico. A escrita é, visivelmente, de um militar, com experiência operacional, e forte espírito de liderança, que quer "chegar, ver e vencer", mas que vai encontrar uma companhia em farrapos (equipada ainda com a velha Mauser, sem fardas novas, mal alimentada, isolada, desmoralizada, mal vista pelo comando do setor, sediado em Catió).

É decididamente um militar que sabe que uma companhia vale pelo seu comandante operacional, e que quer fazer jus à sua divisa "Aut Vincere Aut Mori" (Vitória ou Morte). Pelo que nos é dado inferir da leitura do livro, é um militar de "mão cheia", para usar uma expressão cara ao cor inf ref Arada Pinheiro, seu amigo e camarada (um ano mais novo na Escola do Exército), e que não regateia apoio aos seus soldados, mesmo que com isso tenha que enfrentar a incompreensão e até a desconfiança da hierarqui militar (em Catió e em Bissau). (...) 

1. Continuação da leitura do livro de  Manuel Andrezo, pseudónimo literário de Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref, que foi cap inf no CTIG, o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (a 4ª Companhia de Caçadores passou, a partir de 1 de abril de 1967, a designar-se por CCAÇ 6, "Onças Negras"). Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967. 

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e  outra em Angola, já como major (1971/73), é um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª classe, Ordem Militar de Avis, grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª classe e Prémio Governador da Guiné. 

Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra. Em esposta ao "Inquérito a 13 generais de Abril", por Adelino Gomes, jornalista do "Público", respondeu, à pergunta "O que sonhava enquanto militar, enquanto cidadão e enquanto indivíduo, no 25 de Abril?", o seguinte: 

"Mais igualdade, melhores condições de vida, encontrar uma solução que não nos desonrasse nem o povo nem os militares, para o Ultramar."

Está à beira de fazer 90 anos (nasceu em Viseu, em 11 de maio de 1933). Vive em Lisboa, víuvo mas rodeado de bons filhos e netos. Em sua honra e para nosso prazer e conhecimento, publicamos  mais um pequeno apontamento das suas memórias, neste caso relativo ao seu dia-a-dia em Bedanda, à frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, entre meados de 1965 e meados de julho de 1967. 

O seu "alter ego", cap Cristo, mesmo sem orientações superiores, já na altura procurava pôr em prática a "ação psicossocial" que alguns de nós pensa(va)m ser obra de Spínola e do seu estado-maior... No essencial, e desde cedo, os militares portugueses (a começar pelos comandantes operacionais) se aperceberam que aquele tipo de "guerra subversiva" não se podia ganhar só pela força das armas, e que era preciso ir muito mais longe, ou seja, conquistar ou reconquistar (no caso de balantas, biafadas, mandingas, nalus...) a confiança das populações... O episódio chama-se "Um dia diferente" (pp. 337/339).


Pondo as mulheres a voltar a pescar... 
peixe e camarão

por Manuel Andrezo / Aurélio Manuel Trindade

A alimentação em Bedanda era deficiente, tanto para os militares como para a população civil. Para atenuar tais deficiências o capitão incentivou a cultura do arroz, a plantação da mandioca e da mancarra, essenciais para a alimentação da população nativa. 

Para acompanhar o arroz, o capitão entendeu que era preciso peixe à refeições, e que isso seria resolvido se as mulheres fossem pescar. Após uma conversa com a Tia e outras mulheres grandes, ficou decidido que as mulheres de Bedanda iriam pescar quando quisessem e que o capitão daria uma secção de escolta sempre que a solicitassem. 

Esta decisão caiu tão bem entre as mulheres que passaram a ir pescar todas as semanas pelo menos uma vez. Juntamente com o peixe vulgar também pescavam camarão. Por decisão das mulheres o camarão seria oferecido ao capitão como agradecimento por tudo o que ele estava a fazer em prol da população.

Uma vez, logo nos primeiros dias de pesca, compareceu no quartel a Tia com meia dúzia de mulheres e informaram o Lassen que queriam partir mantanhas ao capitão. E o Lassen informou o capitão. O capitão mandou entrar a Tia e as outras mulheres.

─ Nosso capitão, as mulheres da tabanca estão muito contentes com nosso capitão. Tudo que nosso capitão quiser das mulheres elas fazem.

─ Obrigado, Tia. O que eu quero é que mulheres da tabanca ajudem nosso capitão pescando e trabalhando na bolanha, para haver muito peixe e muito arroz para alimentarem marido e filhos. Vocês têm pescado muito.

─ Temos, nosso capitão. Quando vamos à pesca trazemos muito peixe para comer e mulheres muito contentes por nosso capitão dar protecção com soldados quando elas vão pescar. Elas decidiram que quando vão pescar também trazem camarão que é para nosso capitão. Não é muito mas foi o camarão pescado hoje de manhã.

─ Tia, muito obrigado pelo camarão. Nosso capitão está muito contente com Tia, com mulheres grandes e com todas as mulheres da tabanca por me oferecerem camarão. Nosso capitão gosta muito de camarão e isso vai matar-lhe saudades de Lisboa. Logo nosso capitão vai a tua casa falar contigo e agradecer o camarão que trouxeste.

─ Fico muito contente por nosso capitão ir na minha casa. Nosso capitão não tem que agradecer à Tia ou mulheres da tabanca. A Tia e mulheres da tabanca é que agradecem muito nosso capitão. Nosso capitão pode contar sempre com mulheres da tabanca.

─ Obrigado, Tia. Agradece por mim às mulheres da tabanca. Até logo.

─ Até logo, nosso capitão.

Assim se estabeleceu uma norma em Bedanda. Todas as vezes que as mulheres iam à pesca, traziam camarão para nosso capitão. Camarão muito pequenino, diferente do que se comia em Lisboa mas a que os oficiais da Companhia chamavam um figo. Como nestas coisas não havia propriedade privada, o capitão levava sempre o camarão para a messe, mandava-o cozer e todos petiscavam acompanhando o petisco com cerveja.

Tinha sido de facto um dia diferente. Surgira algo que justificava uma paragem na rotina de todos os dias e que permitia que os oficiais, com um copo de cerveja na mão e um prato de camarões, conversassem amenamente sobre as suas recordações. Um elo que os unia a todos, eles que quase todos os dias jogavam a sua vida em combate e a que tudo se agarravam para se sentirem vivos tanto física como psicologicamente.

Procedendo com a delicadeza tradicional da Guiné que exige que nada se ofereça na hora a uma oferta acabada de receber, porque isso seria ofensivo, o capitão mandou preparar uma encomenda para à noite a levar à Tia, e que seria a retribuição da delicadeza e nobreza de alma que a Tia e as mulheres da tabanca demonstraram. Nessa noite o capitão foi a casa da Tia para partir mantanhas e levou-lhe azeite, arroz, açúcar, conservas e pão. Eram as coisas que os homens e as mulheres da tabanca mais apreciavam. A Tia ficou muito contente por receber o capitão em sua casa com as lembranças que lhe levou.

─ Obrigado, nosso capitão. É uma honra para a Tia receber em sua casa nosso capitão, principalmente quando vem de propósito partir mantanhas. Nosso capitão pode sempre dispor casa da Tia como se fosse sua.

─ Obrigado, Tia. Se me deres licença gostaria de me sentar contigo na varanda um pouco, para conversar, descansar e apanhar o fresco da noite,

─ Fico contente nosso capitão querer ficar sentado comigo na varanda. Vamos, nosso capitão, vamos sentar.

Aí ficaram, capitão e Tia, a conversar como dois bons e grandes amigos, mais de duas horas. Em dado momento, porque a noite já ia avançada, o capitão despediu-se da Tia.

 ─ Agora vou-me embora, Tia. Vou até ao quartel e vou dormir. Obrigado por me receberes em tua casa e por me fazeres companhia. Até amanhã.

─ Até amanhã, nosso capitão. Venha sempre pois tenho muito gosto em o receber.

[Seleção / revisão e fixação de texto / título / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 - P9362: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (11): Fragmentos Genuínos - 9

(**) 20 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23997: Notas de leitura (1544): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: o vagomestre e o petisco que não podia ser para todos: o caso da mão de vaca com grão...

(***) Vd. poste de 5 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23553: Notas de leitura (1478): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): as aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte I: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos."

(****) Último poste da série "Notas de leitura" > 30 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24023: Notas de leitura (1548): História de Portugal e do Império Português, Volume II, por A. R. Disney; Guerra e Paz Editores, 2011 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23903: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (14): "Cobarde num dia, herói no outro" (João Seabra, ex-alf mil, CCav 8350, 1972/74)


João Seabra, hoje advogado;  foi alf mil, CCAV 8350 (1972/74). Tem apenas 15 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 3/2/2009.


1. Carta ao Director do Público, enviada pelo João Seabra, advogado com escritório em Lisboa, ex-alf mil, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73); não sabemos se chegou a ser publicada naquele jornal, nem quando. 

Ele facultou-nos uma cópia, que publicámos em 27/1/2009, sob o poste P3801 (*). Por ocasião da morte do cor art ref Coutinho e Lima (Viana do Castelo, 1935 - Lisboa, 2022), justifica-se plenamente voltar a dar a conhecer, sobretudo para os mais novos, alguns dos acontecimentos de maio / junho de 1973, relatados na primeira pessoa do singular por aqueles que os viveram. No próximo ano comemoraremos os cinquenta anos da chamada batalha dos 3G (Guidaje, Guileje e Gadamael) (**).

Escusado será lembrar as regras do nosso blogue: as opiniões aqui expressas, sob a forma de postes ou de comentários, assinados, são da única e exclusiva responsabilidade dos seus autores, não podendo vincular o proprietário e editores do blogue e demais colaboradores permanentes. Mantemos o subtítulo original: "Cobarde num dia, herói no outro"... E quem o ler percebe que é um documento para a história, desassombrado,  frontal e corajoso.. 

Senhor Director,

Tendo lido as peças de Eduardo Dâmaso “A nave dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos” e “Ninguém entregou a condecoração ao coronel”, publicadas no “Público de 26/6/2005”, achei conveniente pôr à sua disposição as tardias considerações que se seguem, às quais dará o destino que bem entender.

Fui alferes miliciano na CCav 8350, retirada de Guileje, em 22/5/73, por sensata decisão do comandante do então COP5, sr. major (coronel) Coutinho e Lima.

Nunca estive a bordo da “fragata Orion” (não seria uma LFG – lancha de fiscalização grande?), pela simples razão de que nunca me ausentei de Gadamael na sequência dos ataques dos dias 1/6/73 (uma quinta-feira) e seguintes.

Escreve-se numa das peças em causa: “os três ou quatro soldados que sobraram da tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva, ficaram sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem posto de rádio ...”.

Não foi assim. Para além de mim próprio, permaneceram no interior do destacamento, o alferes Luís Pinto dos Santos, comandante do pelotão de artilharia do Guileje e o alferes Rocha, comandante de um pelotão de canhões sem recuo 57 mm (e já vão três oficiais), e ainda, pelo menos, um furriel, e algumas (poucas) praças desta mesma unidade e da CCaç 4743 (a companhia originariamente de guarnição a Gadamael).

Além disso, encontravam-se em patrulha próxima do aquartedamento um pelotão da CCaç 4743 (com o seu alferes) e outro da CCav 8350 (alferes Reis).

Sou portanto uma das raras pessoas, que reúne em si a dupla qualidade de “cobarde” que, sob as ordens do major (coronel) Coutinho e Lima, retirou do Guileje,  e de pretenso “herói” de Gadamael. Nesta última condição fui louvado por despacho do General Comandante-Chefe de 28/8/73.

E não saímos de Gadamael por razões de decência básica (havia mortos e feridos que não podiam ser abandonados) e de elementar sensatez (uma retirada, devidamente comandada, é uma manobra militar, mas não consigo imaginar nada de tão perigoso como uma debandada).

Acontece que, na situação que se gerou em 1/6/73, só por comodidade de expressão se poderá falar em “tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva”.

Para o perceber, há que retroceder às peripécias que determinaram a retirada de Guileje, e às que se lhe seguiram.

Ao contrário de Guileje, Gadamael era uma posição sustentável, com poços de água potável muito próximos do perímetro exterior do aquartelamento, dotada de um cais acostável, acessível por via fluvial através de LDM, que na praia-mar navegavam sem dificuldades no braço do rio Cacine em cuja margem se situava.

Já Guileje era um destacamento absurdo, necessitando de organização de colunas escoltadas para reabastecimento de água a 3,4 Km, dependente, para o seu aprovisionamento, de complicadas colunas rodoviárias múltiplas, de e para Gadamael, com uma pontualidade que poderia servir de exemplo à CP, e que ficava completamente isolado na época das chuvas.

O inimigo (termo convencional pelo qual designarei a entidade que nos pretendia matar, estropiar ou capturar, e a quem, se tivéssemos oportunidade, faríamos outro tanto) conseguiu conjugar duas vastas operações, praticamente simultâneas, ao norte sobre Guidage e ao sul sobre Guileje.

A primeira dessas operações, quase esgotou a chamada reserva do Comando-Chefe, em tropas especiais.

Os meios utilizados pelo inimigo, tanto em artilharia como em infantaria, eram quantitativa e qualitativamente muito superiores aos das nossas guarnições de quadrícula.

A este propósito, tem interesse a leitura do artigo, publicado no Público, de 26/7/2004, pelo comandante Osvaldo Lopes da Silva do PAIGC, se bem que a desenvoltura com que este oficial transita da astronomia para a geografia e da geografia para a topografia, me sugira não ter sido ele o autor do plano de fogos na operação sobre Guileje.

Seja como for, dada a prioridade à defesa de Guidaje, Guileje foi isolado mediante a interdição dos seus acessos rodoviários a Gadamael e à água potável, através de emboscadas permanentes, por unidades de infantaria do inimigo, numerosas e dotadas de superior poder de fogo, minagem em profundidade dos itinerários, e sujeito a contínuo bombardeamento por todas as armas pesadas de que o inimigo dispunha.

Retirada a guarnição, e população, de Guileje, através de um itinerário ainda não reconhecido pelo inimigo, foi recebida em Gadamael, pelo então coronel (agora brigadeiro na reserva) Rafael Durão 
 [Comandante do CAOP 1, e não 3 (lapso do autor) ], com sede em Cufar). Esclarecido oficial, cuja primeira medida consistiu em promover uma formatura da CCav 8350, para ademoestar os respectivos oficiais, sargentos e praças, em bom vernáculo militar. O major Coutinho e Lima foi enviado para Bissau, onde permaneceu detido, pelo menos até ao 25/4/74.

Ainda hoje estou para perceber por que razão, confirmada a sua evacuação, o aquartelamento de Guileje não foi imediata e intensivamente bombardeado pela Força Aérea. Provavelmente havia quem acalentasse a fantasia de uma reocupação imediata. Certo é que o inimigo continuou a flagelar a posição após a nossa retirada, e só nela entrou dois a três dias depois (como diria Alves a C.ª: “ que coisa prudente é a prudência!”).

Dir-se-ia que, naquela conjuntura, se afigurava, pelo menos, bastante provável que o inimigo procurasse balancear, sobre Gadamael, os abundantes e sofisticados meios que tinha reunido para a operação de Guileje.

Nessa eventualidade – e sem prejuízo do indispensável patrulhamento em profundidade – eram necessárias providências urgentes.

Antes de mais – porque em Gadamael não havia obras ou abrigos adequados a uma guarnição entretanto duplicada – impunha-se a necessária actividade de organização do terreno, fortificando o destacamento, reforçando os espaldões de armas pesadas, abrindo trincheiras eficientes, enquadrando as subunidades, dotando-as de postos de combate defensivos bem determinados e interligados entre si e com o comando.

Em vez disso, o pessoal da CCav 8350 foi caoticamente disperso, em alojamentos de ocasião, pelos cerca de 40.000 m2 do aquartelamento, sem contacto com os seus oficiais e com o comando. Não se iniciaram quaisquer obras defensivas.

Por iniciativa de alguém que não consigo identificar, nas semanas anteriores operou-se uma radical alteração do material à disposição dos pelotões de artilharia de Guileje e Gadamael: as peças 114 mm (Guileje) e 105 mm (Gadamael), foram substituídas por obuses de 140 mm.

Ora, tanto as peças de artilharia de campanha como as próprias armas pesadas de infantaria, quando instaladas numa dada posição, necessitam de regulação do tiro, mediante a observação dos respectivos pontos de impacto, geralmente através de observação aérea, que já se sabia ser impraticável a partir do momento em que o inimigo passou a dispor de misseis solo-ar Strela-SA7.

As causas da desregulação são variadas, tendo a ver, designadamente, com choques sofridos pelas armas durante o serviço, com as condições meteorológicas, com insuficiências de cartografia, etc..

Os nossos obuses 140 mm (modelo 1943), tinham portanto a interessante função de fazer barulho e, nos casos em que abriam fogo de noite, de fornecer indicações de ajustamento do tiro do inimigo.

Nesta prometedora situação, o coronel Durão – certamente a benefício do brio e da disciplina – pôs de parte qualquer trabalho de organização defensiva, determinando um patrulhamento que se pretendia agressivo e que envolvia, em permanência, dois a quatro pelotões de entre as duas companhias.

De tal actividade resultaram dois contactos com pequenos grupos de reconhecimento do inimigo (os quais, por definição, evitam empenhar-se em combate), a quem foram capturadas três espingardas automáticas Kalashnikov.

No dia 31 de Maio de 1973 (uma quarta-feira), de manhã, o coronel Rafael Durão, retirou-se para Cufar, tendo chegado à lúcida conclusão que o inimigo, em consequência dos nossos “sucessos”, tinha retraído o seu dispositivo, sendo improvável um esforço sério da sua parte sobre Gadamael. Tratou-se evidentemente de uma bazófia só comparável com a sua idílica ignorância das intenções e do sistema de forças do inimigo.

Em sua substituição deixou o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva. Nesse mesmo dia, à tarde, iniciou o inimigo uma forte flagelação sobre Gadamael, utilizando, sobretudo, morteiros 120 mm, mas também foguetões Katyusha de 122 mm e peças de 130 mm, com uma qualidade de tiro surpreendente.

No dia 1 de Junho, o fogo da artilharia do inimigo intensificou-se qualitativa e quantitativamente e, entre as 10 e as 13 horas, uma área de 20.000 a 30.000 m2 do destacamento de Gadamael encaixou, seguramente, entre 350 e 400 impactos de morteiro 120 mm, provocando consideráveis baixas na guarnição.

Os dois capitães (comandantes, respectivamente, da CCaç 4743 e da CCav 8350), foram evacuados entre as 10,30 e as 11,00 horas, e não “ao princípio da tarde”.

Apercebendo-me de que se estava a gerar uma debandada, tentei impedi-la, pelas razões acima expostas, com resultados muito limitados.

O pessoal estava completamente entregue a si próprio e a falta de condições de comando era total: só conseguíamos transmitir ordens a quem nos passasse ao alcance da voz.

Dois dos três espaldões das peças de artilharia receberam granadas de morteiro 120 mm, que feriram, mataram ou dispersaram a totalidade das respectivas guarnições.

O pessoal que ia debandando dizia-me que o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva tinha dado ordens para se “sair do quartel”.

Dirigindo-me a uma das posições da artilharia, encontrei o alferes Luís Pinto dos Santos, que sobreviveu, com ferimentos ligeiros, e resolvemos ambos procurar o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, para lhe perguntar se tinha ordenado a evacuação do aquartelamento. Respondeu-nos que tal não era a sua intenção, tendo apenas recomendado ao pessoal que se deslocasse temporariamente “para fora do arame”, isto é, para o exterior do perímetro do destacamento, uma vez que o seu interior estava a ser intensamente batido pela artilharia inimiga.

Fizemos-lhe saber que tal “deslocação temporária” tinha degenerado em debanda incontrolável.

O alferes Pinto dos Santos, com a minha ajuda, conseguiu improvisar um mínimo de serventes (entre os quais o furriel de transmissões da CCav 8350) para activar um dos três obuses 140 mm, à cadência de um tiro de quarto de hora em quarto de hora.

Tudo visto, recolheram-se os mortos, evacuaram-se os feridos por via fluvial, e garantiu-se, com fogo esporádico de obus 140 mm, de morteiro de 81 mm e de canhão sem recuo de 57 mm, uma aparência de capacidade de reacção que dissuadisse um eventual reconhecimento em força por parte do inimigo (que aliás não se mostrou muito afoito).

Enfim: o trivial. As munições para as armas pesadas eram transportadas do paiol em uma viatura Berliet temerariamente conduzida por um cabo escriturário (Raposo) da CCaç 4743, o qual, na volta, também transportava feridos para locais de embarque.

Nesse mesmo dia 1 de Junho à tarde:

Reentraram no quartel os dois pelotões que estavam em patrulha exterior; desembarcaram, de helicóptero, dois oficiais de confiança do Comando-Chefe (capitães Caetano e Manuel Soares Monge) e o coronel Rafael Durão (pessoa dotada de coragem física em proporção inversa à do respectivo discernimento).

No dia 3 de Junho (Sábado), desembarcou a companhia 122 de paraquedistas (capitão Terras Marques), e no dia seguinte a 123 (capitão Cordeiro).

Uns dias mais tarde chegou a companhia de paraquedistas nº 121 (comandatada pelo então tenente, e hoje tenente-general, Hugo Borges), o que significa que foi deslocado para Gadamael um batalhão completo de paraquedistas (BCP 12).

Entre sexta-feira, dia 2/6/73 e o domingo seguinte, a presença do major Pessoa, do BCP 12, pôs termo ao efémero comando do capitão (coronel /dr.) Ferreira da Silva) no, assim chamado, COP5.

Um verdadeiro e próprio comando das forças de Gadamael foi estabelecido no domingo (4/6/73) na pessoa do tenente-coronel Araújo e Sá (comandante do BCP 12).

Nesse mesmo dia – por razões que, para mim, permanecem obscuras – o major Pessoa (era o 2º comandante do BCP12) retirou-se de Gadamael.

Apesar de não figurarem habitualmente como “heróis de batalha de Gadamael”, as operações das diversas companhias paraquedistas, em cerca de duas semanas, desarticularam o dispositivo inimigo, sofrendo baixas moderadas (uns 25 a 40 feridos, na maior parte ligeiros, com estilhaços de RPG 7).

Nunca será demais sublinhar a qualidade destas tropas de elite. Recordando os contactos que mantive com os seus oficiais (designadamente os capitães Terras Marques e Cordeiro), anoto, como curiosidade, que se mostravam extremamente críticos (no limiar do humor negro) em relação aos fundamentos e à condução da guerra, sendo a sua considerável eficiência, fruto exclusivo de um extraordinário brio profissional.

O corpo de tropas pára-quedistas – das melhores que se poderiam encontrar, inclusivé a nível da NATO – foi destroçado, como unidade combatente, em 1975. Ao que me consta o brigadeiro Rafael Durão e o major Pessoa tiveram, nessa meritória obra, a sua função, cada um do seu lado, respectivamente, no “11 de Março” e no “25 de Novembro”.

Não sei se o tenente-coronel Fabião tinha condecorações para atribuir. Recordo que o alferes Pinto dos Santos e eu próprio fomos ouvidos como testemunhas num processo de averiguações para atribuição de condecoração militar ao capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, pelo major (brigadeiro) Manuel Soares Monge, no quartel general do Comando-Chefe, em Bissau.

A nenhum de nós dois pareceu que fosse caso de condecorações a propósito do que se passou em Gadamael no dia 1 de Junho de 1973 (excepção feita ao cabo Raposo, atentos o seu posto e especialidade).

Recordo-me que, na altura, o então capitão Caetano me disse que tinha chegado a “fase dos baldes de plástico” (brinde comercial muito apreciado à época). Temíamos o aproveitamento de tal “fase” para transformar o capitão Ferreira da Silva numa espécie de contra-exemplo, em relação ao major Coutinho e Lima.

A serem atribuídas condecorações, deveriam elas ser, obviamente, atribuídas a oficiais, sargentos ou praças das tropas paraquedistas.

A partir da chegada do BCP 12, a CCav  8350 e a CCaç 4743 não tiveram qualquer actividade operacional de relevo.

Aliás nem poderiam ter, uma vez que não tinham treino, nem armamento, para se defrontar com a infantaria inimiga em reconhecimento avançado, do que foi feita a (desnecessária) demonstração no dia 4 de Junho, quando um pelotão da CCav 8350, reduzida a uma dúzia de elementos, caiu numa emboscada a menos de 1 km do aquartelamento, sofrendo quatro mortos (entre eles o respectivo alferes) e cinco feridos graves.

Será a este episódio que o dr. Ferreira da Silva, por equívoco, se quererá referir quando alude a “seis paraquedistas mortos no mesmo dia” (os cadáveres foram efectivamente recuperados por um pelotão de paraquedistas).

O objectivo desta pretensa patrulha era o de “descongestionar” o aquartelamento da sua, por assim dizer, densidade humana, face à eficiência do tiro da artilharia inimiga. Em suma: a CCav 8350 e a CCaç 4743 tinham passado a desempenhar a proverbial função de carne para canhão.

Note-se que a nossa tropa de quadrícula (companhias tipo caçadores), nem sequer estava dotada de uma metralhadora ligeira decente (a nossa inacreditável HK-21 encravava ao fim de cinco ou seis tiros).

As tropas especiais usavam as metralhadoras ligeiras MG 42 e, em considerável quantidade, equipamento capturado ao inimigo: metralhadoras ligeiras Degtyarev, lança granadas RPG 2 e RPG 7, espingardas automáticas Kalashnikov. Excelente material que, ainda hoje, está ao serviço, do Iraque ao Afeganistão, do Sudão à Libéria.

Tive a inspiração de selecionar, de entre os meus pertences, que carreguei de Guileje, um grande livro: Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert.

Quando saí de Gadamael, faz agora trinta e dois anos, tinha chegado a uma passagem célebre: “alors une faculté gênante se développa dans leur esprit, celle de percevoir la bêtise e de ne plus pouvoir la tol
érer.” [“então uma faculdade embaraçosa se desenvolveu em suas mentes, a de perceber a estupidez e não mais ser capaz de tolerá-la.” [tr. do editor LG ]

Dê a este enfadonho relato, Sr. Director, o destino que bem entender.

João Seabra

Antigo Alferes Miliciano da CCaV 8350 (1972/74)

P.S. - Porque, em certos aspectos factuais, confirma algo do acima relatado, junto segue extracto da minha folha de matrícula. 

[Revisão e fixação de texto / Negritos , para efeitos de publicação deste poste: LG]



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art ali destacado.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012).   Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

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Nota de L.G.:

 (*) Vs. poste de 
27 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

)**) Último poste da série > 21 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22116: Recortes de imprensa (115): Relembrando o nosso saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (Jornal Público de 18 de Abril de 2021)

1. Com a devida vénia à Tabanca do Centro e ao Jornal Público, transcrevemos o artigo da jornalista Susana Moreira Marques que homenageia, na sua secção Obituário de 18 de Abril, o nosso já saudoso amigo e camarada de armas José Eduardo Oliveira (JERO).

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2. Do blogue da Tabanca do Centro

Uma justa homenagem ao nosso saudoso camarada José Eduardo Reis Oliveira, que todos conhecíamos como JERO, através de um texto publicado hoje no Jornal Público, que transcrevemos com a devida vénia àquele jornal e à jornalista Susana Moreira Marques, autora do texto.




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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22011: Recortes de imprensa (114): O Capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta, "preso político antes do 25 de Abril", "prisioneiro de guerra" depois... libertado em 15 de setembro de 1974 (Diário de Lisboa, 16 de setembro de 1974)

domingo, 9 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)


Mensagem do José Martins, nosso colaborador permanente, ex.fur mil trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70), ex-técnico oficial de contas, reformado, residente em Odivelas, com mais de 410 referências no nosso blogue [, foto acima]:

Data - 08/08/2020, 23:50
Assunto - Artigo do Público sobe álcool e drogas na guerra colonial (*)



Boa noite.

Segue abaixo o texto do meu comentário que, por duas vezes tentei colocar no post, que entretanto foram retirados.

Abração, Zé Martins


O comentário que ia tecer, não era para este post. Era para o que foi substituído por este. Este está mais elaborado, e coloca a questão de outra forma. O anterior estava simples, directo e objectivo.

Porém, o que pretendia/pretendo dizer é que não deve ter sido por acaso que, Patrícia Carvalho, jornalista do Público, apresente uma entrevista sobre Cannabis  e Álcool (*), que foi tema de tese de doutoramento e publicada em livro em Junho do corrente ano, quando desde o inicio do ano parlamentar, se tem falado “vigorosamente” o Estatuto do (Antigo) Combatente". Coloquei propositadamente “antigo” entre aspas, porque não concordo com essa palavra no título do estatuto.

De tempos a tempos, vem “à baila” a questão dos militares que estiveram envolvidos na Guerra do Ultramar  – Guerra Colomial  – Guerra de Libertação, pois assim dá para todos os “gostos”.

Os militares que estiveram na guerra, não estiveram lá por gosto. Foram para lá porque, a constituição que vigorava no país assim o determinava. 

Não foram só os nascidos a partir de 1940, cujo número de matrícula militar correspondia ao sufixo “61” que foram para África.

Pode-se observar que, na longa lista dos “Tombados em Campanha”, muitos dos número terminam em 60, 59 ou mesmo de antes. Isto quer dizer que o contingente que era normal incorporar por 18 meses, era pequeno para a necessidade do contingente a mobilizar e enviar para África. O exército teve de ir buscar “a casa” os militares que já tinham passado à disponibilidade.

Foram os “militares colonialistas” que deram tempo ao governo de então, para encontrar uma solução política e, como tal não aconteceu, foram os militares que avançaram com o 25 de Abril, sob o comando e orientação de capitães e outras patentes, com três ou mais comissões cumpridas.

Depois dos últimos militares terem deixado África, faz quase 50 anos, outros já regressaram há 50 anos e, os que foram primeiro, há quase 60 anos, é que vêm, mais uma vez levantar questões que nunca foram assinaladas porque, mesmo que as houvesse, eram irrelevantes. 

Por outro lado, entre os militares há Espírito de Corpo. Mesmo que não fossem versados na matéria, haveria sinais que não passariam despercebidos aos seus camaradas que, por uma questão de princípio, se não soubessem resolver essa questão, a colocariam a quem os pudesse orientar.

Concluindo:

A senhora jornalista escolheu muito mal o tema, mesmo que no mês de lançamento do livro que o autor. O jornal também lançou a “produto” na primeira página do jornal e no cabeçalho;

Do novo Doutor,  para se entender tudo, basta ler o início:

«Nunca tive qualquer fascínio por guerras, lutas ou soldados. Nem mesmo na infância, quando via outras crianças brincarem aos exércitos e às batalhas, com armas imaginárias ou de plástico. Eu não. Mais tarde, na adolescência, passei por uma fase ferozmente antimilitarista.» 

E por aqui me fico.

Sempre estive, e estarei, de CONSCIÊNCIA TRANQUILA. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21230: Casos: a verdade sobre... (11): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte III


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > Uma pausa nos trabalhos ciclópicos de construção do famoso "Forte Apache"

Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Foto do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de comentários ao poste P21222 (**) - Parte III (***)

(xv) Hélder Sousa

Comecemos pelo princípio.

O Carlos Pinheiro fez bem em trazer para aqui esta questão que teve então a relevância que lhe foi dada pelo artigo do "Público". E fez bem, não só a avaliar pela quantidade (e qualidade) de comentários já existentes, alguns colocados de forma "apaixonada", mas principalmente por, a partir dele, se poder escrever mais alguma coisa sobre o tema.

Várias coisas entrelaçadas aparecem por aqui. Por um lado é costume haver lamúrias sobre o desprezo, o esquecimento, o mal-tratamento com que a questão das "guerras africanas" e principalmente os seus protagonistas são tratados e/ou ignorados. Por outro, sempre que aparece qualquer coisa (atenção! não estou a dizer que seja boa ou má) que pode servir para aumentar, ampliar ou dar maior visibilidade ao debate, costumam vir as observações de que "querem destruir a nossa imagem", "deturpam tudo", etc.
Muitas vezes os comentários (os mais indignados) partem da leitura de títulos (já de si concebidos para chamariz) bombásticos, a puxar para a polémica por causa das audiências e "shares"...

E uma coisa será a entrevista de uma pessoa e outra a tese escrita pela equipa que a produziu e não são as mesmas pessoas.

Num primeiro impulso rejeitei a ideia/tese em si mesma e nos "considerandos" que li nos resumos. Mas será pouco, deverei ter que ler mais.

Claro que, obviamente, não conheci o que se passava ou passou em Angola e/ou em Moçambique, pois não estive lá. E mesmo que tivesse estado como se pode "conhecer" tudo, quando uma pessoa individualmente estaria em apenas alguns, poucos, locais? Teria certamente uma visão muitíssimo limitada e seria desonesto fazer generalizações. Se por acaso visse algum consumo de droga (e parece que o foco é na "liamba") era abusivo dizer que todo o TO consumia. Se por acaso não tivesse visto nada, também não poderia dizer mais nada a não que "onde estive, não vi" e não fazer generalizações.

No meu caso particular, em que estive na Guiné, sabemos todos que não havia "liamba" e, como tal, não havia o seu consumo. Por extensão, os nossos militares não a consumiriam como forma de se alienarem, fosse para "ganhar coragem", fosse "para esquecer", fosse lá para que raio fosse. A ausência de "liamba" (que parece ser o foco) na Guiné é referida no artigo, ou pelo menos, no resumo que li. Portanto, de forma geral, não temos com que nos preocupar com "enxovalhos" desse tipo.

Mas a insinuação de que tais processos "aditivos" (como modernamente se referem a esses casos) era para a superação psicológica é muito "forçada" para não dizer desonesta e com pouca inspiração, parecendo aparecer na senda do que se disse, escreveu e viu, com os militares americanos no Vietnam.

Sobre a "cola", na forma de "noz de cola" já foi por aqui falado bastante. Também quis experimentar mas não "pegou". Sabor amargo.

Aquando da estadia em Piche havia um estabelecimento comercial (digamos assim...) onde para além de venda de artigos vários também serviam refeições (normalmente "frangos") e bebidas entre as quais o café.

O proprietário, sr. Tufico, costumava perguntar, quando lhe pedia café, "com bolinha ou sem bolinha?". Disseram-me para pedir "com bolinha" pois aquilo era bom, saboroso e "animador". Claro que experimentei mas nunca senti qualquer efeito especial a não ser ter ficado com a ideia que aquilo que ele colocava no café (as tais "bolinhas") eram pequenas sementes de anis. Pelo menos era esse o sabor que memorizei.

Não posso jurar que em alguns locais, em Bissau, pessoal mais abastado (lá está, o consumo das "drogas" não poderia ser assim, generalizado, ao militar comum, com poucos recursos), com mais acesso a "modernices", com maior integração em "certos ambientes", não pudesse fazer outro tipo de experiências mas, obviamente sendo humanamente impossível falar por todos os locais do interior, é minha forte convicção de que o "acesso a drogas" não foi utilizado e muito menos para os "objectivos" propalados.

Quanto ao consumo de álcool.... entendido aqui como "bebidas alcoólicas em geral"... Ao lermos (no resumo, insisto) uma pequena frase "mortal", a qual pelo seu tom dá logo a entender a tendência/conclusão do que se pretende, de que "a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis" revela ignorância dos ambientes e um grande desfasamento dos costumes da época, apreciados à luz dos conceitos e preconceitos actuais.

Não resulta seriedade quando se apreciam e/ou valorizam comportamentos passados há 50 anos, quando se os avaliam com os "olhos de hoje". A frase insinua que o "consumo de álcool" era incentivado e estimulado pela hierarquia militar, através da logística militar. Por extensão pode-se concluir que isso era propositado e objectivamente para "embebedar" os militares.

Vamos lá a ver, "bebidas alcoólicas" vão desde o vinho às aguardentes, passando pela cerveja e também bebidas espirituosas. O vinho, convém lembrar, para além dos seus efeitos benéficos para a saúde, agora tão defendidos em artigos mais ou menos científicos, era uma situação bem aceite na nossa sociedade de então, mesmo para além daquele velho slogan de que "beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses". Os militares no interior pediam e bebiam vinho à refeição nas messes, não para ganharem "coragem para as missões".

A cerveja não era distribuída insidiosamente pela "logística militar" mas sim fortemente exigida pelos militares no mato. No regresso aos aquartelamentos, após as missões, encontravam de facto conforto numas "bejecas" bem fresquinhas. E isso era recompensador.

As outras bebidas mais "finas", principalmente os wiskies foram, realmente, oportunidade de "descoberta" para a generalidade dos nossos militares oriundos de zonas menos citadinas do nosso Portugal mas, lá está, mais uma vez como forma de "ascensão social" e não para "ganhar coragem".

Hoje por hoje há imensos cursos de antropologia, de sociologia, teses de mestrado, disto e daquilo e, como é natural e acho bem, embora com descoberta tardia, o(s) tema(s) das "guerras africanas" podem estar na ordem do dia.

Não deve haver "condenação" por esse facto. É muito melhor que se debrucem sobre esses tempos do que se continue a ignorá-los. É claro, também, quem nos tempos de feroz concorrência que os académicos e também os livreiros vão vivendo, parece ser uma atracção fatal a procura de "temas fracturantes", ou apresentados de forma polémica. Mas para isso devemos ter a serenidade necessária (e a firmeza) para desmontar o que for preciso e dar o desconto ao que tiver menos importância.

Em resumo:

O título da entrevista é bombástico/provocador. Não conheço (não li) essa entrevista nem a tese a que se refere. Do que me apercebi dos resumos há algumas "falhas" que se podem perfeitamente corrigir.
O problema é "onde", "como" e "quem", pois o jornal tem a audiência que terá e nós aqui "falamos" uns com os outros.

Tenho como posição que é melhor falarem e abordarem as questões que nos dizem respeito, mesmo com falhas e/ou erros do que manterem a ignorância e ostracismo habitual.

Hélder Sousa
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9360: Operação Tridente, Ilha do Como, 1964: Terminada a operação, a luta e a labuta no Cachil continuam (CCAÇ 557): Parte II (José Colaço)

(**) Vd poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)

(***) Vd. os dois últimos postes da série:

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)


Recorte da edição do Público, 2 de agosto de 2020: Texto de Patrícia Carvalho e fotografia de Daniel Rocha. O artigo só está disponível para assinantes. (Excerto reproduzido com a devida vénia...)  


1. Mensagem do nosso camarada e amigo de Torres Novas, Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70)

Date: segunda, 3/08/2020 à(s) 18:23

Subject:  Artigo no jornal "Público" sobre álcool e droga na guerra colonail

Caros companheiros e amigos

Peço imensa desculpa de vos estar a incomodar, mas o trabalho que abaixo partilho, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto.

Ele, segundo diz, nunca se tinha interessado pela Guerra Colonial, e só agora, não sei porquê, realizou o tal trabalho e chegou a estas "esplêndidas" conclusões.

Não me quero alongar mais, mas permito-me perguntar se este senhor não mereceria que lhe fosse dirigida uma reacção que desmontasse o que o senhor afirma doutoralmente.

Já me têm feito confusão algumas teses de doutoramento, mas esta suplantou todas as medidas.

Se algum ou alguns dos meus amigos se quiserem dar ao trabalho de alinhavar algumas palavras acerca do assunto, fico grato.

Cá fico à espera.

Um grande abraço, virtual

Carlos Pinheiro

 PS - Vd. artigo no jornal Público de 2 do corrente:

2.  Nota do editor LG:

Obrigado, Carlos pela tua oportuna chamada de atenção. Mas é preciso ir  às fontes, ler em primeira mão o autor, para depois se ter uma opinião fundamentada.  O tema é delicado mas não é tabu. Temos, no nosso blogue,  30 referências sobre alcool, mas apenas duas sobre drogas... 

Percebo, pelo título do artigo, que possa desencadear reações emotivas (, já me chegaram ecos de Trás-os-Montes...), porque mexe com a nossa autoestima e pode ferir a honra da generalidade dos combatentes. Mas não vamos provocar aqui uma "caça às bruxas"... Há 16 anos que falamos, aqui, no nosso blogue, de tudo ou quase tudo, com frontalidade e verdade. Mas o nosso blogue não tem por missão produzir "trabalho científico", apenas partilhar "memórias"... A ciência é com os cientistas,,,

Começo por dizer que não li a entrevista do "Público", nem o livro, mas vou consultar a tese de doutoramento, do Vasco Gil Calado,  em antropologia, pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, defendida em provas públicas em 17/9/2019.  Temos que separar o artigo de jornal (e os títulos de caixa alta dos jornais provocam muitas vezes leituras enviesadas) e o trabalho académico.

Este é um trabalho com arbitragem científica. E terá por certo méritos e desméritos. Não há trabalhos científicos perfeitos.  E é bom desde já chamar a atenção que não é um trabalho de  investigação (quantitativa) em epidemiologia mas um trabalho de investigação (qualitativa) em antropologia. Portanto, é preciso ter cuidado com as eventuais generalizações abusivas.

Este trabalho académico pode ser consultada no Repositório desta instituição ["O Repositório Institucional do Iscte tem como objetivo preservar, divulgar e dar acesso à produção intelectual do Iscte em formato digital. Na medida em que reúne o conjunto de publicações académicas e científicas do Iscte, contribui também para o aumento da visibilidade e impacto do trabalho de investigação a nível nacional e internacional."]

Referêmcia bibliográfica:

CALADO, Vasco Gil Ferreira - Drogas em combate: Usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa [Em linha]. Lisboa: ISCTE-IUL, 2018. Tese de doutoramento. [Consult. 3 de agosto de 2020 ] Disponível em www: http://hdl.handle.net/10071/18841. 

O acesso é restrito, por vontade expressa do autor (, por razões que desconheço, talvez relacionadas com a proteção das fontes e a confidencialidade da informação...),  podendo ser lhe pedida uma cópia em formato digital. Os trabalhos académicos, produzidos no âmbito das universidades públicas, devem estar ( e em geral estão)  em "open acesso", isto é, abertos à consulta pública.

Aqui fica o resumo da tese, o que é que está disponível "on line" no repositório, a par das palavras-chave: Antropologia cultural | Guerra colonial | Colonialismo português | Abuso de drogas | Memória coletiva | Usos e costumes | Portugal.

A Guerra Colonial Portuguesa foi um conflito de guerrilha marcado pelo desgaste físico e psicológico, tendo decorrido a milhares de quilómetros da «metrópole», em territórios inóspitos e em muito diferentes do que os jovens portugueses conheciam. 

Entre as novas experiências que tiveram lugar durante a comissão militar em África conta-se a descoberta da cannabis, uma planta de consumo tradicional em Angola e Moçambique, e a adoção de padrões de consumo intensivo de bebidas alcoólicas que a logística militar distribuía pelos quartéis. 

De acordo com as narrativas dos ex-combatentes, os usos de cannabis e álcool desenvolvidos pelos militares portugueses estão intrinsecamente relacionados com as circunstâncias do conflito, com as normas sociais e com as motivações de consumo. Na guerra, os militares portugueses recorriam às duas drogas como forma de ultrapassar as dificuldades, vencer o medo e lidar com uma realidade difícil de suportar, fosse pela omnipresença da violência, do tédio ou da tensão emocional. 

Embora a cannabis fosse uma planta que o olhar europeu historicamente associou à desordem e ao comportamento bárbaro, a partir do final da década de 60 do século XX os militares portugueses deram-lhe um uso diferente, consumindo-a de forma terapêutica, sem que isso desse aso a castigos disciplinares. No entanto, ao mesmo tempo, na «metrópole» o poder político iniciava uma «guerra às drogas», criminalizando o uso de cannabis e de outras substâncias psicoativas e fazendo da droga um problema social, associando-a à contestação social. 

Tudo isto permite perceber que a droga é um constructo social e um objeto eminentemente político, pelo que nada no uso de drogas é um facto adquirido ou algo que decorra exclusivamente das propriedades farmacológicas de cada uma, antes é condicionado histórica e socialmente, nomeadamente em função do contexto político. [Fonte: http://hdl.handle.net/10071/18841]

Há também um artigo do mesmo autor,  disponível em texto integral, "on line", na revista "Etnográfica" [Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia], e que já li em tempos (**).

Vasco Gil Calado, « As drogas em combate: usos e significados das substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa », Etnográfica [Online], vol. 20 (3) | 2016, Online desde 27 novembro 2016, consultado em 04 agosto 2020. URL : http://journals.openedition.org/etnografica/4628 ; DOI : https://doi.org/10.4000/etnografica.4628

Resumo: Apresentam-se as principais questões suscitadas pelo trabalho em curso acerca do uso de substâncias psicoativas na Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). São identificados alguns aspetos-chave que emergem das narrativas dos ex-combatentes acerca da sua experiência de guerra e que contextualizam um conjunto de práticas, entre elas o uso de drogas. Confirma-se o abuso de álcool e o uso de canábis entre os militares das forças armadas portuguesas envolvidas no conflito, numa altura em que em Portugal surgiam as primeiras iniciativas de combate às drogas. Tanto o consumo de bebidas alcoólicas como de outras drogas pode ser entendido como uma forma de lidar com a ansiedade e a violência do quotidiano.

Em tempos, o Gil Vasco Calado pediu-nos ajuda para  este trabalho académico (**). Já não me lembro se me chegou a entrevistar, nem tenho a certeza de o conhecer pessoalmente,  O poste P16807 teve 12 comentários.
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(**) Vd. poste de 6 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16807: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (39): pedido de ajuda para tese de doutoramento em Antropologia, pelo ISCTE-IUL, sob o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial (Vasco Gil Calado)

(...) Chamo-me Vasco Gil Calado, antropólogo e técnico superior do SICAD [Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências]. 

Estou a fazer o doutoramento em Antropologia, no ISCTE, sobre o tema do uso de álcool e drogas na guerra colonial. Foi o Renato Monteiro quem sugeriu que o contactasse, na condição de grande especialista e dinamizador de um blog essencial sobre a guerra colonial. No âmbito académico da tese, gostava de o entrevistar, de forma anónima e confidencial, naturalmente.

O meu orientador é o Prof. Francisco Oneto, do departamento de Antropologia do ISCTE.
Nós cruzamo-nos no ISC-Sul, numa pós-graduação de Sociologia da Saúde, em que deu um módulo sobre Educação para a Saúde, se bem me lembro, para aí em 1999 ou algo do género. (...)

terça-feira, 17 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18853: Manuscrito(s) (Luís Graça (143): "No coração da escuridão" (filme de Paul Shrader, 2017): Quando a razão nos mata e a fé já não nos salva, o que nos resta ? ... Resta-nos a esperança.

Luís Graça, 2011, Candoz
1. Público > Cinecartaz > No Coração da Escuridão
Título original: First Reformed
Género:Drama, Thriller
Classificação:M/16
Outros dados:EUA, 2017, Cores, 133 min.


Ernest Toller (Ethan Hawke) é um ex-militar que, após a morte do filho na Guerra do Iraque, se refugiou na fé. É assim que, tornado pastor, acaba por ser colocado numa pequena localidade a norte de Nova Iorque. Lá, conhece Mary (Amanda Seyfried), uma jovem a atravessar um momento difícil com o marido, um ambientalista radical. Através deles, Toller descobre uma série de negócios obscuros entre a Igreja que representa e algumas empresas pouco escrupulosas da região. Ao perceber a sua impotência para resolver o caso, o reverendo vê-se a colocar em causa as suas mais profundas convicções...
Em competição no Festival de Cinema de Veneza, um filme dramático sobre fé e moralidade, escrito e realizado por Paul Schrader – conhecido como argumentista de "Taxi Driver" (de Martin Scorsese) e "Obsessão" (Brian De Palma), e como realizador de "American Gigolo", "Mishima", "Adam Renascido" ou "Vingança ao Anoitecer". PÚBLICO


2. Comentário de Luís Graça > Quando a razão nos mata e a fé já não nos salva, o que nos resta ?

... Resta-nos a esperança, é a leitura que eu faço, depois de sair da sala de cinema... E confesso que há muito não via um filme que me tirasse o sono. Sou de um geração que foi perdendo sucessivamente a fé, no singular e no plural, as crenças, as referências, os heróis, os mitos, as bíblias, as igrejas, os rituais... E, no entanto, nunca como hoje a ciência ocupou o lugar da transcendência... Mas temos tudo para nos destruirmos enquanto espécie humana... Que planeta vamos deixar aos nossos filhos, netos e bisnetos, se ainda houver lugar para eles ? E será que Deus vai perdoar-nos pela destruição da sua criação ?

A esperança é a filha de ambos, da razão e da fé. Mesmo órfã, é a esperança que nos pode conduzir não ao niilismo mas à redenção, ao amor, à vida, à liberdade, à equidade, à acção colectiva organizada e solidária...

Sociologicamente falando, está ali também muito da América que elegeu Trump... Enormes, a realização e o argumento de Schrader, e a interpretação de Hawke.
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18773: Manuscrito(s) (Luís Graça) (142); Autobiografia: no tempo em que havia um santo para cada estação, do são Sebastião ao são João... e os soldados partiam para a Índia

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15694: E as nossas palmas vão para... (11): Catarina Gomes, a nossa amiga jornalista do "Público" que venceu o Prémio Rei de Espanha, na categoria imprensa escrita, com o trabalho "Quem é o filho que António deixou na Guerra?"... (Trata-se da segunda parte de um trabalho, iniciado em 2013, sobre os "Filhos do Vento")

1. Mensagem da nossa amiga Catarina Gomes
jornalista do "Público", com data de hoje:

 Professor,


A minha história do furriel e do filho em Angola ganhou recentemente o Prémio de Jornalismo Internacional Rei de Espanha: https://www.publico.pt/sociedade/noticia/publico-vence-premio-rei-de-espanha-1719968

Por causa disso, há uma jornalista brasileira que quer fazer uma peça sobre este tema dos filhos do vento, a ver se damos visibilidade ao tema. Falei-lhe em si e do blogue e em como há quem, entre os ex-militares, defenda que estes filhos devem ter nacionalidade e queira fazer por isso. Posso dar-lhe o seu número? Chama-se Marana Borges e trabalha para o maior site de conteúdos do Brasil, o UOL, que é como se fosse o nosso Sapo.

Abraço

Catarina

2. Recortes de imprensa > Jornalista do PÚBLICO vence Prémio Rei de Espanha

PÚBLICO 12/01/2016 - 15:50 [reproduzido com a devida vénia]


Catarina Gomes é a vencedora com o trabalho Quem é o filho que António deixou na guerra. Há 23 anos que um português não era premiado na categoria de imprensa escrita.



O encontro do pai (António Graça Bento, 63 anos) e do filho (Jorge Paulo
Bento, conhecido por o "Pula",na Unidade de Intervenção Rápida,
de Luena, a que pertence; tem agora 40 anos e 4 filhos; a mãe,
Esperança, já morreu em 2005). Foto de Manuel Roberto, fotojornalista
do Público, reproduzida com a devida vénia.
A jornalista do PÚBLICO Catarina Gomes é a vencedora do Prémio de Jornalismo Rei de Espanha na categoria Imprensa com o trabalho Quem é o filho que António deixou na Guerra?, a segunda parte de um trabalho iniciado já em 2013 sobre os filhos nascidos de relações entre ex-combatentes da guerra colonial e mulheres africanas, os Filhos do Vento. Ambos os trabalhos foram publicados na Revista 2.

A reportagem conta a história do ex-furriel António Bento, que viveu durante a guerra com uma angolana chamada Esperança Andrade e que sempre soube que tinha deixado um filho para trás. A reportagem acompanhou este reencontro. Mas a maior parte dos filhos de ex-combatentes na Guiné-Bissau não teve a mesma sorte. Até hoje, continuam sem saber quem é o seu "pai tuga", revelou a primeira parte deste trabalho que ganhou em 2014 o prémio Gazeta Multimédia, na primeira vez que foi atribuído a um órgão de comunicação social.

O trabalho de Catarina Gomes, que é jornalista do PÚBLICO desde 1998, mereceu a unanimidade do júri dos Prémios de Jornalismo Rei de Espanha 2015, organizados pela agência de notícias espanhola EFE e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional, que esteve reunido entre segunda-feira e hoje em Madrid. Em acta, o júri menciona "uma reportagem que narra com uma linguagem emocionante a história de António Bento e da sua busca pelo filho que teve juntamente com uma angolana durante a guerra. É uma história que ilustra a proximidade entre dois povos e o sarar de feridas passadas.” A história de António Bento foi fotografada pelo fotojornalista do PÚBLICO Manuel Roberto e filmada pelo videojornalista Ricardo Rezende. A última vez que um jornalista português tinha sido distinguido com este galardão na categoria imprensa escrita foi em 1993, um trabalho de Maria Augusta Silva para o Diário de Notícias.

Os Prémios de Jornalismo Rei de Espanha receberam 185 trabalhos de 18 países, entre os quais seis trabalhos de jornalistas portugueses (dois na categoria imprensa escrita, dois em televisão, um na categoria rádio e outro na de jornalismo ambiental). Os países que mais trabalhos apresentaram foram a Colômbia (44), seguido do Brasil (39) e de Espanha (32).

O mesmo júri — que este ano integrou jornalistas espanhóis, um peruano e um português — também deliberou sobre o Prémio Don Quixote de Jornalismo 2015 (12.ª edição), tendo decidido atribuí-lo à crónica Cusco en el tiempo, do peruano Mario Vargas Llosa, publicada no diário espanhol El País.

Cada premiado receberá uma escultura em bronze do artista Joaquín Vaquero Turcios e uma verba de 6000 euros. O Prémio Don Quixote ascende a 9000 euros e uma escultura comemorativa. Os prémios serão entregues pelo rei de Espanha em data ainda a definir.

Catarina Gomes recebeu o prémio Gazeta Multimédia (2014), com a reportagem Filhos do Vento, juntamente com Manuel Roberto e Ricardo Rezende, que veio dar a conhecer as histórias de filhos de ex-combatentes de militares portugueses com mulheres africanas, deixados para trás nos tempos da guerra colonial. O interesse por este tema começou durante a pesquisa do livro que escreveu em 2014, Pai, tiveste medo?, editado pela Matéria-Prima, que reúne 12 histórias sobre a experiência da guerra colonial vista por filhos de ex-combatentes.

Com a reportagem Infâncias de Vitrine, que conta histórias de vidas de filhos separados à nascença de pais doentes com lepra, adultos que passaram as suas infâncias a vê-los através de um vidro, recebeu em 2015 o Prémio AMI-Jornalismo contra a Indiferença – a par com a reportagem Perdeu-se o pai de José Carlos – trabalho que foi também um dos finalistas mundiais, na categoria do texto, do Prémio de Jornalismo Iberoamericano Gabriel García Márquez. Foi argumentista do documentário Natália, a Diva Tragicómica, produzido pela RTP2 e pela Real Ficção.

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14420: E as nossas palmas vão para... (10): João Crisóstomo e António Rodrigues, amigos da causa de Aristides de Sousa Mendes (Parte II)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15468: Recortes de imprensa (78): O colonialismo (suave) nunca existiu... Leopoldo Amado, atual diretor do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, entrevistado em Bissau por Joana Gorjão Henriques ("Público", 6/12/2015, série "Racismo em português")

Excerto da reportagem de Joana Gorjão Henriques  (texto, em Bissau, Bafatá e Cacheu), Adriano Miranda (fotos) e Frederico Batista (vídeo). Série: Racismo em português

Público, 06/12/2015 - 00:00 


1. Excerto da reportagem, com a devida vénia, destacando as declarações do Leopoldo Amado, que é membro da nossa Tabanca Grande [, tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue; foi cronologicamente  um dos 30 primeiros membros da Tabanca Grande (*)]:


Leopoldo Amado ma Feira do Livro de Lisboa, em 2012,
posando ao lado da Alice Carneiro, do Luís Graça
e do João Graça. Foto de LG
(...) Leopoldo Amado, historiador, director do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) [, desde 13 de janeiro de 2015], lembra a época em que um apito dava ordens de entrada e saída da população negra na cidade. Bissau começou a desenvolver-se a partir do porto e no porto havia um muro para separar as populações africanas dos moradores, que eram os comerciantes portugueses.

 “Em 1940, este muro ainda existia, foi derrubado quando o nacionalismo começou a despertar”, no final dos anos 1950, explica. “Nesse território com o muro em Bissau, na pequena cidadela, alguém usava um apito às seis da tarde e os africanos sabiam que era hora de saíram daquele espaço, a urbe colonial. Voltava-se a apitar às seis da manhã para entrarem e darem início aos trabalhos domésticos. A presença dos negros era admitida apenas para os trabalhos domésticos” ou de baixa qualificação.

A época colonial de que Fodé Mané, 50 anos, se lembra é a do governador António de Spínola (1968-73), altura em que estava em marcha a política Por Uma Guiné Melhor (que ficaria registada em livro, 1970). “Já não havia a implementação da segregação do indígena”, comenta. Era a política de criar mais escolas, mais infra-estruturas para travar a luta de libertação que estava a crescer. “Mas uma revogação não desaparece da mentalidade das pessoas”, continua. “Vivemos a diferenciação entre os que tinham beneficiado do estatuto do indigenato, dos que não tinham a possibilidade de ser assimilados e de ter o estatuto de cidadãos com plenos direitos, e aqueles que eram filhos de funcionários públicos e podiam estudar nas escolas do Estado. Para estudar, a pessoa tinha de ter registo ou certidão de nascimento ou um conjunto de documentos que o grosso da população não tinha.” (...)

Com pouco mais de 1,6 milhões de habitantes, a Guiné-Bissau foi a primeira colónia portuguesa a obter a independência em 1973, fruto da luta de libertação liderada por homens como Amílcar Cabral, iniciada no princípio dos anos 1960. Tem uma história marcada pela resistência, orgulho de muitos guineenses. Tendo feito parte do Império Mali e do Reino Gabu, a Guiné-Bissau nunca seria ocupada totalmente pelos portugueses. Historiadores como Leopoldo Amado defendem que a colonização efectiva durou apenas de 1936 (a data oficial do final das campanhas de pacificação) até ao despertar do nacionalismo, por volta dos anos 1960.

A Guiné foi administrada por Cabo Verde até 1879 como Guiné de Cabo Verde e até à descolonização eram os cabo-verdianos que formavam o grosso da administração pública colonial — daí dizer-se que a Guiné era uma colónia da colónia.

Com mais de 30 etnias, a língua portuguesa é falada por uma minoria de 14%, vigorando o crioulo. A política colonial portuguesa usou a divisão étnica a seu favor, criando cisões e adoptando aliados como os fula.

(...) Leopoldo Amado (n. 1960) é hoje um dos mais conhecidos e respeitados historiadores bissau-guineenses e é ele quem afirma: a partir de determinada altura, a Guiné era um fardo para o sistema colonial português. É uma terra com tradição guerreira que não permitiu que a colonização fosse efectiva e há relatórios que, a dada altura, mostram Portugal a ter mais despesa do que lucros com o país. Portugal não se desfez da Guiné apenas porque o império colonial era tido como um todo: se a Guiné-Bissau caísse, as restantes colónias tentariam seguir-lhe os passos, acredita.

Como Portugal tinha muito poucos meios, usou o sistema de “engavetamento étnico”: inventou etnias; dividiu para melhor reinar. “Houve casos em que os portugueses tiveram o desplante de colocar fulas a dirigir manjacos, manjacos a dirigir bijagós, provocando movimentações de etnias com o propósito de os dividir, e colocando sobre eles uma autoridade a que chamavam Assuntos Indígenas.”

No colonialismo existiam quatro categorias raciais, contextualiza: os grumetes (permaneciam na tradição, viviam à beira das cidades), tangomãos (participavam no comércio e eram uma espécie de assimilados), os brancos, e os lançados, os filhos da terra (brancos que nasceram na Guiné-Bissau). “Um dos factores de submissão foi exactamente a interiorização no negro da sua inferioridade pela via da separação”, sublinha. Por isso usavam o muro de Bissau, por exemplo. “Não que os portugueses fossem mais racistas que os outros, mas tinham de utilizar isso como método, a ideia de inferioridade para levarem avante os seus propósitos. Tudo isso foi feito num ambiente em que os portugueses, eles próprios, assimilavam valores africanos. Os colonos que se deixavam levar pela cultura africana e viviam com os africanos eram considerados ‘cafre’, o termo para classificar as pessoas que se tinham degenerado, e eram considerados do ponto de vista religioso como almas perdidas porque se submetiam à forma de estar do africano — aliás, criou-se o termo ‘cafrealização’. (...)

Como estratégia, os portugueses aproximaram-se dos fula, criaram exércitos de fula, de balanta, de outras etnias, com o objectivo de acicatar as diferenças. Com o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, criado em 1945, forneciam-se elementos ao poder político para melhor compreender as dinâmicas étnicas. “O contrário do racismo é exactamente isso, trazer à nossa convivência, viver com eles, permitir que tenham acesso à escola, à saúde, que melhorem as condições de vida. Na Guiné-Bissau isso não aconteceu: as poucas infra-estruturas só foram construídas porque havia necessidade de dar vazão às questões da guerra.”

Apesar de tudo, o sistema dava oportunidade de ascensão social a alguns guineenses. O pai de Leopoldo Amado, por exemplo, era director dos correios, posição à qual chegou no final da carreira, “não sem problemas pelo meio”, sendo “alvo de discriminação de todo o tipo”. A ideia era o sistema colonial usar uma parte ínfima da população como intermediária entre os seus interesses e as populações.

Depois apareceu uma literatura colonial etnográfica para estudar a psique do negro, adianta o historiador. “O negro praticava a gula, o pecado dos cristãos, logo era preciso civilizá-lo. O negro é um ente que tem uma potência sexual acima da média, quase boçal, quase um animal, que tem atitudes animalescas. Todas estas ideias foram reproduzidas nesta literatura colonial. Reproduziu-se também a ideia de que o negro é um irresponsável, propenso a bebedeira; no caso das mulheres, são lascivas, têm propensão para promiscuidade sexual, vivem na degenerescência moral. A par de tudo quanto era racismo, criava-se uma ideologia para poderem continuar com a empresa da colonização.”

A teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre (1900-1987) suportou a ideologia do Estado Novo sobre a excepcionalidade portuguesa de estar nos trópicos, baseada na cordialidade, miscigenação, capacidade de adaptação e assimilação. Tem, para Leopoldo Amado, “algum substrato” porque “há uma maneira particular de ser português”: mas “isso não isenta de maneira nenhuma” o “ser racista”. “Salazar e Marcelo precisavam de uma teoria como a de Gilberto Freyre. A tese de Salazar era a de que havia portugueses de outra cor, mas isto era para consumo externo, porque entre os portugueses de outra cor existia o trabalho forçado, o sistema que substituiu a escravatura.” (...)


Ler aqui o resto do excelente trabalho de investigação jornalística de Joana Gorjão Henriques

Vd. também os vídeos de Frederico Batista, que estão disponibilizados no portal do Público Multimédia, com os diferentes entrevistados (onde se incluem alguns dos melhores e promissores quadros guineenses como o sociólogo e diretor executivo da ONGD Tiniguena,  Miguel Barros, o historiador Leopoldo Amado, diretor do INEP, o antropólogo Fodé Mané, a arquiteta Djamila Gomes, o sociólogo Dautarin Costa, o escritor Abdulai Sila, o investigador e doutorando Saico Baldé, o economista e político Mário Cabral (, velho militante do PAIGC), a Augusta Henriques, neta de colono português, fundadora da ONG Tiniguena, o gestor Mamadu Baldé, a jurista Samantha Fernandes, etc.:  No tempo em que ser guineense não era suficiente para ser cidadão  (**).

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P159: Tabanca Grande: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia 

(...) Caríssimo Leopoldo:

Fui com alegria que, ao chegar de férias, vi na minha caixa do correio a sua mensagem. Começo por dizer-lhe que as suas palavras me sensibilizaram. De facto, eu e a generalidade dos meus camaradas, ex-combatentes da guerra colonial (ou do Ultramar, como outros preferem dizer), que vivemos quase dois anos das nossas vidas na Guiné, sentimo-nos guineenses e nada do que se lá passou (e até do que se lá passa hoje) nos é indiferente. É impossível não amar a Guiné e o povo guineense. E nessa medida todos somos guineenses, de alma e coração… A história aproximou-nos e afastou-nos. O nosso modesto contributo, através dos nossos escritos na Net, visam de algum modo manter e se possível fortalecer os laços (que são sobretudo culturais e afectivos…) que nos unem às gentes da Guiné.

Leopoldo: O seu nome e alguns dos seus escritos já não nos eram desconhecidos. Fico entusiasmado ao saber que tem um longo trabalho de investigação sobre os aspectos políticos e militares da guerra colonial na Guiné, e que está é está a ultimar uma tese sobre este tópico. O que é ainda mais interessante (e inédito) é a sua dupla abordagem da guerra, vista pelos dois lados. Além disso, você era djubi nesse tempo (tal como o nosso amigo de tertúlia o José Carlos Mussá Biai, natural do Xime) e, como criança, foi uma vítima especial da guerra, tal como nós fomos actores.

É, por isso, que me sinto honrado em aceitá-lo na nossa tertúlia. Falo, em meu nome pessoal. Mas creio também interpretar o sentir dos restantes membros da tertúlia (que já são quase treze dezenas). Seja bem vindo. Temos muito que conversar. Um abraço e até breve. Luís Graça (...) (***)




(**) Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso

(***) Vd. também entrevsita de Leopoldo Amado ao semanário O Democrata, de 29/9/2014: "Grandes comandantes do PAIGC estavam com a PIDE".

(...) O PAIGC nunca teve mais de cinco mil homens em armas e nos picos da guerra o exército português chegava aos 40 mil homens. Mas o partido que nunca chegou mais de cinco mil homens criou uma estrutura de Estado, fez uma guerra exemplar e do ponto de vista diplomático fez uma guerra extraordinária, dado que conseguiu convencer até os aliados dos portugueses na altura a se colocarem do lado dele. Foi o caso da Dinamarca que passou a apoiar o PAIGC e as Agências das Nações Unidas já colaboravam com o PAIGC. (...)