quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21225: Casos: a verdade sobre... (9): Álcool & drogas na guerra colonial: de consumidores a traficantes de canábis... Seleção de comentários ao artigo do Público, de 2/8/2020 - Parte I


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Fevereiro de 1967 > Cristal ou Sagres ? O "lobby" da cerveja na guerra... N a foto, o gen Arnaldo Schulz ao lado do piloto do helicóptero AL II... No banco de trás, duas caixas de cerveja, Sagres e Cristal... À direita, o fur mil Viegas, do Pel Caç Nat 54.

Comentário (humorístico) (*):  "Como se pode ver por esta foto, na Guiné, durante a guerra colonial, toda a gente se embebedava, do general ao soldado... E os que faziam a guerra eram os sodlados de 2ª linha, os guineenses, e nomeadamente os fulas, que, sendo muçulmanos, não bebiam, mas passavm todo o tempo a mascar cola...


Que fique bem claro para a a História: a haver atrocidades, só a eles podem ser imputadas...

A culpa foi toda da Intendência Militar que democratizou o uso de substâncias psicoativas: eram tão baratas, que eram acessíveis mesmo ao soldadp básico mais mal pago...

Não havendo 'liamba' na Guiné, o segredo da excessiva duração daquela guerra (que alguns queriam que fosse como a guerra dos 100 anos), tem um segredo: a "água de Lisboa, manga di sabe" e a "noz de cola" que dava um tusa do caraças: era como as pilhas Duracell... Podia faltar tudo, de antiaéreas a camisas de Vénus, menos a água de Lisboa e a noz de cola".
 

Foto (e legenda): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > Novembro de 1968 > "Água de Lisboa" (, ou melhor, "vinho do Cartaxo"...). O alf mil SAM Virgílio Teixeira (o segundo a contar da esquerda), a ajudar a descarregar garrafões de vinho, alguns dos quais têm o rótulo do Cartaxo (presumivelmente, da Adega Cooperativa do Cartaxo).


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné). 

1. Seleção de comentários ao poste P21222 (*) - Parte I (**)


(i) Diconário Priberam da Língua Portuguesa:

ca·ná·bis
(latim cannabis, -is, cânhamo)
nome feminino de dois números

1. [Botânica] Designação dada a várias plantas do género Cannabis, da família das moráceas, em especial a Cannabis sativa, de folhas palmadas, cultivada pelo seu caule, que fornece uma excelente fibra têxtil, e pelas suas sementes, que dão um óleo; as flores e folhas são também usadas como droga entorpecente.= CÂNHAMO

2. Conjunto de folhas secas de cânhamo-indiano preparadas para mascar ou fumar. = MARIJUANA

3. Droga feita da resina das inflorescências dessa planta que produz sonolência ou outras alterações do sistema nervoso central. = HAXIXE

[ Palavras relacionadas: haxixe, maconha, cânabis, cangonha, marijuana, cânhamo-indiano, pango, erva, liamba,  diamba, riamba, soruma...

"canábis", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/can%C3%A1bis [consultado em 05-08-2020].
______________

co·la |ó|
(latim científico Cola, do quicongo nkola)
nome feminino

1. [Botânica] Designação comum a várias plantas do género Cola, da família das esterculiáceas. = COLEIRA

2. [Botânica] Fruto da coleira, cujas sementes são ricas em alcalóides estimulantes, como a cafeína. = NOZ-DE-COLA

3. Bebida refrigerante, doce, gaseificada e de cor acastanhada, preparada com uma substância extraída desse fruto ou com aromas sintéticos (ex.: pediu uma cola com limão).

"cola", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/cola [consultado em 04-08-2020].


(ii) Carlos Pinheiro:

(...) O  trabalho que a seguir partilho [, Cannabis e álcool: as companheiras esquecidas dos combatentes da Guerra Colonial, jornal "Público",  domingo, 2 de agosto de 2020], e que, possivelmente muitos de vós já tereis visto, feito por um fulano para a sua tese de doutoramento, depois de ter entrevistado 200 ex-combatentes, incomodou-me sobejamente porque – posso estar a ver mal – o senhor chegou aquelas conclusões depois de ter falado com uma inexpressiva percentagem daquelas muitas centenas de milhares de jovens que durante 14 anos deram o corpo ao manifesto. (...)

(iii) António J. Pereira da Costa:

(...) Cá estamos perante um doutorado que fez um estudo e tirou conclusões que nós não subscrevemos. Os militares portugueses não sabiam o que era "canábis", donde se extraía e como se preparava. Admito, teremos sempre que admitir, que alguns a conhecessem. Todavia, tudo se passou há 50 anos (mais ou menos) e a popularização da droga não tem essa idade.

O consumo de bebidas alcoólicas será diferente. O povo português consumia vinhos e aguardentes correntes, para além de "bebidas brancas", mais elaboradas. É provável que uma grande parte tenha tenha "descoberto" o whisky "num TO duma qualquer PU", pois na metrópole era caro e lá, com 100 paus, já se tinha uma garrafa...

Não creio que os soldados se embebedassem para ter coragem ou escorraçar a morte. Também nunca vi ninguém que recorresse ao álcool para matar o tédio ou reduzir a ansiedade em vésperas de uma acção.

Parece-me um trabalho bombástico e a crer desfazer tabus. Está na moda. A amostra apresentada será significativa? Em que contexto? O consumo de drogas na guerra, durante uma boa parte da sua duração,  não era praticado por totalmente desconhecido.

É deste tipo de "estudiosos" que eu tenho medo. Têm poder de divulgação e o que disserem, mesmo que pouco correcto,  é que vai valer para o futuro. A opinião de quem lá esteve, como não é cientista, não tem valor. (...)

(iv) Albertino Ferreira:

(...) Li o artigo, pelo menos diz uma verdade, na Guiné não houve consumo de cannabis, só de álcool, mas o clima também ajudava. Quanto à noz de cola,  só me apercebi que a usavam os soldados nativos integrantes das milícias, especialmente na zona de Bigene. (...)

(v) Alberto Branquinho:

(...) Pois é, "a ciência é com os cientistas"... Mas a "ciência" tem que ser a verdade das coisas e, principalmente, na sociologia e "arredores".

Nas minhas memórias não registei drogas nem das leves. Andei por quase 2/3 da Guiné e não cheirei nada. "Cola" sim, vi muita, mas consumida por milícias, principalmente e também soldados nativos. E álcool, muito!!!

De Bissau, não sei nada. Talvez consumissem para matar o "tédio" da ausência de guerra. (...)

(vi) António J. Perereira da Costa:

(...) Efectivamente a cola era muito consumida, mas pelo pessoal da milícia (civis armados) e recrutamento local. Era um hábito daquela sociedade que as autoridades portuguesas nunca tentaram contrariar. Lembro-me de que o chefe da tabanca de Cacine - o velho Aliu - andava com umas nosezitas embrulhadas num paninho muito branco e fechado com nós.
Mas, atenção, a cola era um excitante, um estimulante que não servia "para combater o tédio", tornava o combatente excitado, agressivo e mais "apto" para o combate.

Resultados? Nunca dei por isso. Não me consta que os "colados" tenham, alguma vez, desarvorado em direcção ao IN, estimulados pela droga... Também nunca dei por que tivessem maior resistência física.
E vocês? Alguém se recorda de um Grupo de Combate  devidamente "colado" a ter mais êxito que os não "colados"? (...)

(vii) Tabanca Grande Luís Graça:

(...) Esstou ler a entrevista do "Público" agora mesmo... São 8 (oito!!!) páginas dedicadas aos combatentes da guerra colonial e aos seus problemas psicossociais... É obra!...Ainda há gente que se interessa por este "lixo da história"...

Mas não se tirem conclusões apressadas sobre os comportamentos dos militares portugueses nos TO da Guiné, Angola e Moçambique...O próprio entrevistado previne, contra o enviesamento de umas algumas perguntas da jornalista: 'Foquei-me nos consumidores e tentei perceber o significado do consumo [, nomeadamente da "cannabis", que não havia na Guiné...] e todas as suas circunstâncias, mas deixando  sempre claro que não queria generalizar, não queria dizer que todos consumiram' " (...)

19 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Transcrição de excerto da entrevista:

Público (Jornalista Patrícia Carvalho:

Essa parte da história, a que se refere de forma breve, dos militares que trouxeram a planta [, a "cannabis", a liamba] para Portugal, numa altura em que ela era quase desconhecida e utilizada apenas em alguns nichos muito específicos, também está por explorar...

Entervistado [Vasco Gil Calado];

Completamente. Aliás, se eu pudesse continuar os estudos seria exatamente por aí, pro esse lado do crescimeto do mercado de drogas. Atenção: é um mercado muito embrionário, em pequena escala, mas a verdade é que acho que os militares da Guerra Colonial foram essenciais para começar esse protomercado ilegal, que depois é alimentado sobretudo com a vinda dos chamados 'retornados' " (...)

Fonte: Público, 2/8/2020, suplemento dominical, P2, pág., 8 (com a devida vénia...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vasco Gil Calado_

(i) ntropólogo e investigador no Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), trabalhando na área dos comportamentos aditivos desde 2001;

(ii) Doutorado em Antropologia e pós-graduado em Sociologia da Saúde e em Ciências Sociais, é autor e coautor de diversos relatórios técnicos e dossiers temáticos.

https://luaelectrica.pt/vasco-gil-calado/

SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências

O SICAD, que está integrado no SNS - Serviço Nacional de Saúde, "tm por missão promover a redução do consumo de substâncias psicoactivas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências."

http://www.sicad.pt/PT/Paginas/default.aspx


(...) Com a publicação da nova orgânica do Ministério da Saúde, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro, o Governo procedeu à criação do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), extinguindo, em consequência, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, I. P., cometendo às Administrações Regionais de Saúde, I. P. a componente de operacionalização das políticas de saúde. (...)

Anónimo disse...

Afinal parece que no meu comentário de ontem tinha razão.
Não leio as "merdas" da imprensa escrita nem tão pouco a falada para não me irritar, por isso não sabia que já lá estava o veneno. Fomos nós os ex-combatentes pela difusão das drogas "neste jardim".
Aguentem com mais esta.

AB
JPicado

Anónimo disse...

Caro J.Picado

A ter paciência para esperar por mais uns artigos “jornalísticos” com mui doutas opiniões de investigadores do gênero “Make Portugal Great Again!” lá irá acabar por verificar que os ex-combatentes são ,não só responsáveis pela introdução das drogas mas também das...drogarias!

Um abraço do J.Belo

Carlos Vinhal disse...

Sugiro ao senhor doutor que faça um estudo ao consumo de álcool e drogas nas noitadas da juventude, actualmente, bem mais preocupante do que o álcool e as drogas consumidas pelos combatentes durante a guerra colonial. Já agora, que apresente conclusões e soluções para acabar com este flagelo e sossego dos pais dos actuais e futuros adolescentes. Podia inclusive fazer trabalho de campo na alturas das queimas das fitas.
Já nos chamaram (quase) tudo, só faltava bêbados e drogados.
Carlos Vinhal

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, o essencial do trabalho de investigação (para efeitos de obtenção do grau de doutor) do Vasco Gil Calado, não é sobre "tráfego" de droga, mas sim sobre o "consumo" em meio militar, ao tempo da guerra do ultramar...

Houve alguns "malandros" (que se calhar nem deram um tiro em Angola e Moçambique) que tiveram contavto com a "erva", a liamba (como se chama em Angola à canábis), e perceberam que podia ser o princípio de um bom negócio... Uns trouxeram liamba, outros trouxeram "vidrinhos" (diamantes)...

Este é o lado (perverso) dos nossos contactos com África... E com a gobalização as nossas fronteiras tornaram-se "porosas"...Não vês o caso da nossa querida Guiné-Bissau ? A droga tornou.se a desgraça daquele país... Onde há drogam há manga de patacão, capaz de comprar muita gente...

Mas esse início do tráfico de droga e o papel dos militares e dos "retornados do Uktramar" ainda está por documentar, segundo o nosso doutor, que é um técncio superior da saúde, do nosso SNS, especialista em "comportamentos aditivos", não é dp combate ao tráfico de droga...

Os técnicos desta área da saúde não gostam de usar o termo "drogas", porque a malta reage logo mal...

Este ano não te faço uma visita lá na Costa Nova!... Estamos todos mais ou menos "aquarentenados"... Um grande abraço.Luís

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

É escusado defender o doutorado.
Esta tese poderá estar formalmente perfeita. Porém, quanto ao conteúdo e ao tema está mesmo mal feita e viciada.
Pretendeu-se dar impacte a um assunto "fracturante" e ganhar afirmação, se calhar no meio de trabalho. No SNS? Que interessará um tema destes ao actual SNS?
Admitamos que há 50 anos todos éramos ou drogados ou bêbedos. Que interessaria isso hoje ao actual tratamento destas duas "doenças"? Tenho dúvidas! Muitas dúvidas.
Não tentes branquear aquilo que não tem branqueamento possível. Continuo a insistir que a culpa é do "orientador" que deveria ter recusado o tema, ou melhor, o seu tratamento, mesmo que isso significasse que a tese ficasse vazia.
Escrever 300 páginas sobre um tema balofo como este é o quê?
Ele é da tua Arte, mas a sua defesa nem por solidariedade profissional se justifica. Não procures mais justificações. Por mim até começo a desconfiar... mas isto sou eu a pensar.
Esquece, mas deixa cair.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Ó Carlos Vinhal essa é forte, vamos ver se nos safamos ...da outra.
Quer dizer, vamos ver se não vai aparecer alguma tese sobre "A homossexualidade na guerra colonial'
Fod.....ssssssssssssssssssss!!!!


Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

Li transversalmente a tese do senhor doutor e fiquei muito triste porque a Guiné sai muito mal na fotografia. Por lá não havia nada que verdadeiramente pedrasse a malta. Os depoimentos são na esmagadora maioria de combatentes de Angola e Moçambique, onde, aí sim, valia a pena "viver", aquilo era mesmo um paraíso onde a tropa tinha à mão de semear (e colher) liamba e afins. Alguns, os mais espertos, até viram aí uma oportunidade de se iniciarem no comércio da droga, hoje um poder que compra governos e países. Como sempre, fomos e continuamos a ser uns atrasos de vida e não aproveitámos as potencialidades do "negócio".
Voltando aos raros depoimentos da Guiné, alguns são mesmo caricatos, como aquele combatente que refere o consumo da coca-cola, proibida na metrópole, que como toda a gente sabe, dava cá uma pedalada... Outro refere o mascar da cola, que experimentou mas achou muito duro e sem efeitos colaterais, pelo que ficou por ali mesmo.
Quanto ao álcool, aí posso, em parte, concordar com o senhor doutor já que havia algum consumo mas nada que interferisse com a operacionalidade das tropas em parada. Haveria, julgo eu, uma certa hierarquia, que nestas coisas convém manter, os "visques" e os espumantes, mais para a oficialidade, e a cerveja (surrapa ida da metrópole) para as praças. Os sorjas estariam a meio termo, entre o "visque" barato, o vinho e a cerveja.
Conclusão da "leitura" da tese do senhor doutor: - Combatentes da Guiné, somos os maiores.
Carlos Vinhal
Fur Mil na GUINÉ

Carlos Vinhal disse...

Amigo Valdemar, nem te respondo, não vá o diabo tecê-las.
Abraço
Carlos Vinhal

Anónimo disse...

Voltando à vaca fria ou seja o artigo sobre a "dita droga" o Pereira da Costa colocou o dedo na ferida, (porque se o Calado é um neófito será?)ao referir o seu orientador.Porque o mal está mesmo aí.

Tenho duvidas se isto foi feito sem pensar, porque o assunto é demasiado sério e creio que houve intenção de culpar uma geração pelos males que assolam esta juventude.

O Carlos Vinhal toca também numa outra ferida sobre o consumo do álcool e da droga
cujos disparates e alguns mortais, assolam a juventude sobretudo estudante.E quem vive nos grandes centros é ver o autentico flagelo de indignidade humana falta de
respeito pelo ambiente etc...

Quanto aos pseudos investigadores e pseudo cientistas (pela sua falta de honestidade
só com RPG`S

Abraço
Carlos Gaspar

Anónimo disse...

AH!Esqueci-me do seguinte fala-se na entrada da liamba etc...etc... no continente pelos militares e retornados, mas devo dizer que em 1972 já havia casos detectados
poucos, introduzidos via europa e alguns detectados via aeroporto da Portela e não vinham de áfrica.

E não era o zé que tinha dinheiro para a comprar, porque o dinheiro fazia falta para
outras coisas.

E já agora mais uma acha para a fogueira, estes pseudos estudiosos deviam-se debruçar sobre as elites que adiaram a sua ida para a tropa, que podiam fazer greves na universidade cujos pais tinham poder monetário para prolongarem os estudos, porque os poucos que podiam estudar mesmo em Lisboa assim que faltassem ás aulas ala que é trabalho porque os pais não podiam sustentar vícios.

Carlos Gaspar

Anónimo disse...

Camaradas tenho estado zangado com esta estória da cannabis e o álcool, assim como
vocês, uns mais outros menos.Mas o melhor pensando bem, não vale apenas estarmos zangados com o tema em questão.Temos que perdoar ao autor(actor) que provavelmente com tanta imaginação, leva-me a perguntar se o mesmo não terá elaborado tal estudo debaixo de alguma substância que o tenha conduzido a tal estado psicótico.
Carlos Gaspar

Fernando Ribeiro disse...

Se formos chamar droga à noz de cola, então teremos que chamar droga ao café, ao chá e a muitos outros estimulantes de consumo corrente.

Em Angola, a noz de cola era habitualmente consumida pelas populações do mato logo pela manhãzinha, juntamente com gengibre. Enquanto o gengibre aconchegava o estômago, a cola espantava o sono. Dizia-se, também, que a cola acalmava a sensação de fome, pois a primeira refeição minimamente substancial que os angolanos do mato tomavam só acontecia por volta das dez ou onze horas da manhã.

A liamba (palavra originária da língua umbundo, e não do quicongo, como afirma o dicionário Priberam) era muito comum em Angola. Era consumida por quase todos os habitantes locais e por muitos militares, mas raramente em excesso. Na minha companhia, quase todos os praças fumavam a sua liambazita de vez em quando, mas os poucos excessos que houve ocorreram quase unicamente entre furriéis. O furriel de transmissões, sobretudo, andava quase permanentemente "pedrado" com liamba, mas assim que regressou à Metrópole voltou a ficar fino como se nunca tivesse fumado na vida. Não foi nada de grave, portanto.

Quanto às bebidas alcoólicas, a situação entre os militares em comissão de serviço em Angola devia ser idêntica à dos militares na Guiné. O acesso fácil a whisky escocês verdadeiro a preço de saldo por parte de oficiais e sargentos, levou a que se cometessem inúmeros excessos e abusos por parte de militares destas classes. Os soldados, esses, ficavam-se pelas suas cervejazinhas de fabrico local, quer fossem Cuca ou Nocal, ou mesmo Eka, que nunca conseguiu impor-se no mercado. Por vezes também consumiam bebidas tradicionais, se e quando estas estivessem disponíveis.

Em Angola, praticamente não havia muçulmanos. Quase toda a população se declarava cristã (tanto católica, como protestante), mas ao mesmo tempo praticava a poligamia de modo generalizado... Não existindo motivos religiosos que impedissem o consumo de álcool, este consumo era geral e imoderado. Na verdade, o alcoolismo era um problema muito sério em Angola, com consequências sociais que podiam atingir a maior gravidade. Não era a humilde cerveja a maior fonte de problemas; eram as bebidas tradicionais, sobretudo o caporroto.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

A bebida tradicional mais consumida em Angola, principalmente no Norte, era com certeza o maluvo ou marufo (ou malavo, em quicongo), que consistia em seiva de palmeira em fermentação. O maluvo deve beber-se enquanto dura a fermentação, após a qual a bebida se torna muito azeda e muito alcoólica, a ponto de se tornar imprópria para consumo. Outra bebida muito apreciada, e de cujo nome não me consigo recordar, era feita a partir de cana de açúcar. Era muito doce e com elevado teor de álcool. No Centro e Sul de Angola bebia-se quissângua, que era uma bebida feita a partir do milho. Até aqui, tudo bem. Apanhavam-se umas quantas "pielas" e pouco mais. O maior problema residia numa zurrapa chamada caporroto, que também era feita à base de milho, mas à qual eram acrescentados, por vezes, alguns "ingredientes" verdadeiramente inacreditáveis, como pilhas usadas (!), para apressarem a fermentação. Quando se bebia caporroto, nunca se sabia que raio de mixórdia é que se estava a beber. Muitas pessoas foram parar aos anjinhos por causa de caporroto adulterado.

Isto que acabo de escrever aplicava-se, sobretudo, à população civil negra angolana. A população civil branca, tanto quanto me pude aperceber, era, de longe, a que menos álcool consumia em Angola. Além das inevitáveis cervejas, os civis brancos de Angola bebiam o seu copo de vinho às refeições e pouco mais. Este vinho era exportado da Metrópole a granel, em navios de carga, e só em Luanda ou no Lobito é que era engarrafado. Este é que era o proverbial «vinho para o preto», mas muitas vezes acabava na mesa dos brancos, porque os vinhos engarrafados da Metrópole custavam os olhos da cara. Contavam-se pelos dedos as pessoas que podiam dar-se ao luxo de beber Grão Vasco, Casal Garcia ou Serradayres às refeições. Isso é que era bom! Bebiam o tal «vinho para o preto», da marca Castelo e de outras marcas de que não me recordo. Como se imagina, era um vinho intragável, mas era o que havia ao alcance da bolsa.

Todos os brancos em Angola tinham a sua garrafa de whisky para oferecer às visitas. Muitos negros também. A hospitalidade era sagrada em Angola. Saber receber bem as visitas era uma arte que em Angola se praticava com o maior empenho. Então, todos tinham o seu whisky para oferecer às visitas. Mas não se pense que era whisky escocês. Só quem conhecia alguém na tropa é que poderia arranjar uma garrafa de "scotch" verdadeiro, do tal que era fornecido a preços irrisóros pela Manutenção Militar. De resto, ninguém comprava whisky escocês nas lojas. Haver, havia, mas era a preços estratosféricos; ninguém conseguia chegar-lhe. O whisky que os civis tinham em casa para servir às visitas era um whisky «made in Angola», de uma marca chamada Sbell. Este nome era um acrónimo de "Sociedade de Bebidas Espirituosas do Lobito Limitada". Aqui está uma fotografia de uma garrafa do tal whisky angolano: https://www.garrafeiranacional.com/media/catalog/product/cache/e37fd98e323045f31cb97da19fc50468/2/9/2990007-0.jpg. Como se vê, o rótulo tinha um excelente aspeto, mas o conteúdo era muito mauzinho. Mesmo muito mauzinho. Eu nunca bebi whisky de Sacavém, mas imagino que devia ser parecido com este... Seja como for, ninguém podia levar a mal o facto de o seu anfitrião lhe servir whisky Sbell. Como diz o povo, «quem dá o que tem, a mais não é obrigado».


Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, Angola 1972-74

João Carlos Abreu dos Santos disse...

Se "aquilo' é resultado de um trabalho com carácter supostamente científico, mal se entende como foi aceite na academia...
Em 400 (quatrocentas!) páginas A5, o que p'rali vai de efabulações & nexos causais não consubstanciados!
Apenas um não despiciendo pormenor: o autor, funcionário público (do SNS?), após aturadas buscas só logrou acolhimento junto de totalmente desconhecida e minúscula editora (cuja notoriamente tendenciosa em "obras publicadas"): ou seja, mérito zero.
Resta saber quem lhe terá conseguido enfiar uma tal 'cavação' no corpo redactorial do "púbico".

Carlos Vinhal disse...

Ainda na tese do senhor doutor, página 130, encontramos esta pérola: "Isto é exatamente como viver numa prisão. 50 metros quadrados de arame farpado a confinar-nos, e 100 prisioneiros dentro, à espera de 1973. Foi uma pesada sentença e a evasão é impossível. Os dias passam com uma inconcebível lentidão.
Pouco mais de quatro meses até agora, e ainda mais quase vinte para o fim da pena.
Em outubro um mês de liberdade condicional e é tudo. Depois regresso ao presídio.
Para o ano outra saída meteórica. E só daqui a 20 meses a liberdade final e definitiva. [António Lobo Antunes (2005: 169), alferes miliciano, Angola, 1971-1973]"
.
Não percebi muito bem se os 50 metros quadrados eram destinados aos prisioneiros ou se ainda incluía um pelotão, ou até uma companhia. Partindo do princípio que esses 50 metros quadrados se destinavam aos prisioneiros, temos 0,5 metros quadrados para cada um deles, mais ou menos um quadrado de 70 centímetros que mal dá para se estar de pé.
Mais uma tirada do nosso camarada ALA ou erro de transcrição?
Carlos Vinhal

Valdemar Silva disse...

Carlos Vinhal, julgo que o ALA está a ficcionar comparando a 'como viver', que podia comparar 'como sardinha em lata', e também não percebo ser desprezível quem está integrado no SNS, e siga a marinha.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

Caríssimo Valdemar, talvez o senhor doutor (o do doutoramento) esteja a ficcionar (connosco).
Aquele abraço
Carlos Vinhal