Date: quarta, 5/08/2020 à(s) 18:25
Subject: Cannabis e o álcool na guerra colonial
Caro Luís Graça, boa tarde.
Depois de ler o excerto que publicaste e os comentários sobre o tema (*), acho duma ligeireza a tese de doutoramento, com o devido respeito, resultante de uma entrevista a 200 ex-combatentes, que além do mais com a agravante do distinto doutor declarar nunca ter ido à tropa!
Como foi possível apresentar e defender uma tese com um número tão restrito de entrevistados num universo por onde tantos de nós andámos, aos milhares e, que segundo referes só estão mencionados Angola e Moçambique, a Guiné foi excluída!
Entendo a reacção do nosso camarada Carlos Pinheiro pelo inexpressivo número de testemunhos além do conceito filosófico em que assenta, mas neste Mundo já nada me admira!
Dissertar sobre temas tão sensíveis onde o saber e o conhecimento escasseiam e a ignorância prevalece além de especulativo, é um atrevimento à luz daquilo que nós sabemos pela nossa experiência, porque estivemos lá, não ouvimos histórias!
Ao longo dos tempos tenho lido e ouvido os comentários mais desapropriados, desproporcionados e distantes da realidade sobre a guerra colonial, muitos de Mensagem de ex-fur mil at caves por gente que também lá esteve, outros de familiares e pessoas próximas que de barco só viajaram até Cacilhas!
Não li o artigo, desconheço o carácter científico do mesmo mas daquilo que me lembro de ter contribuído para o nosso bem-estar momentâneo era o efeito da Coca-Cola e da Chandy, fabricadas e importadas da África do Sul que nos davam alento e energia para tudo e mais alguma coisa!
É verdade que tínhamos toda a liberdade para beber toda a variedade e qualidade de bebidas, independentemente do local, situação ou posto. Infelizmente essa liberdade originou alguns momentos de descontração que terminaram em tragédias.
Convivi com um cabo enfermeiro de outra Companhia, competentíssimo, que na vida civil era ajudante de anatomopatologista, que só conseguia ir para o mato com um grãozinho na asa, contingências da vida!
Não tenho meios nem provas para contrariar o ilustre doutor, muito menos conhecimentos científicos onde assenta a sua tese, também não ponho de parte que tenha havido algum contributo ilícito do género, pelos poderes instituídos da altura, nalguns pressupostos onde assenta a tese.
Daquilo que me lembro e que julgo ter resultado positivamente foram os tratamentos profiláticos e preventivos para melhorar a salubridade das águas, para o paludismo além de outros para determinados descuidos em momentos de euforia!...
Também me lembro da má qualidade do vinho tinto que segundo julgo saber era "baptizado" logo à saída de Lisboa com a bênção do Cristo Rei, que nós substituímos com as bazucas da Sagres, Vat 69, Dimple e similares que tinham muito mais qualidade!
Será difícil contar a história da guerra colonial só numa direcção, houve acontecimentos tão díspares, para o bem e para o mal, desde as más condições das estradas, falta de pontes, de transporte, de alojamento, de segurança, da qualidade e quantidade do armamento disponível, por planeamentos (obtusos) elaborados no QG ou na Amura e outros, que cada um de nós teve que interpretar e suportar cumprindo tendo sempre no horizonte a segurança de todos os envolvidos nas acções.
Termino lembrando que a nossa missão em África, hoje ex-combatentes, não foi devidamente reconhecida, começando pela classe política que por desconhecimento, incompetência e falta de respeito, com total e especial relevância para os que lá ficaram e para todos aqueles que regressaram com enormes sequelas físicas e mentais para o resto das suas vidas, esses nunca farão parte da história muito menos de teses de doutoramento.
Tenho uma resposta: estes nossos eleitos nunca foram à tropa, muito menos estiveram na guerra!
Um forte abraço
António Ramalho (membro da Tabanca Grande, nº 757)
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)
(**) Último poste da série > 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)
Como foi possível apresentar e defender uma tese com um número tão restrito de entrevistados num universo por onde tantos de nós andámos, aos milhares e, que segundo referes só estão mencionados Angola e Moçambique, a Guiné foi excluída!
Entendo a reacção do nosso camarada Carlos Pinheiro pelo inexpressivo número de testemunhos além do conceito filosófico em que assenta, mas neste Mundo já nada me admira!
Dissertar sobre temas tão sensíveis onde o saber e o conhecimento escasseiam e a ignorância prevalece além de especulativo, é um atrevimento à luz daquilo que nós sabemos pela nossa experiência, porque estivemos lá, não ouvimos histórias!
Ao longo dos tempos tenho lido e ouvido os comentários mais desapropriados, desproporcionados e distantes da realidade sobre a guerra colonial, muitos de Mensagem de ex-fur mil at caves por gente que também lá esteve, outros de familiares e pessoas próximas que de barco só viajaram até Cacilhas!
Não li o artigo, desconheço o carácter científico do mesmo mas daquilo que me lembro de ter contribuído para o nosso bem-estar momentâneo era o efeito da Coca-Cola e da Chandy, fabricadas e importadas da África do Sul que nos davam alento e energia para tudo e mais alguma coisa!
É verdade que tínhamos toda a liberdade para beber toda a variedade e qualidade de bebidas, independentemente do local, situação ou posto. Infelizmente essa liberdade originou alguns momentos de descontração que terminaram em tragédias.
Convivi com um cabo enfermeiro de outra Companhia, competentíssimo, que na vida civil era ajudante de anatomopatologista, que só conseguia ir para o mato com um grãozinho na asa, contingências da vida!
Não tenho meios nem provas para contrariar o ilustre doutor, muito menos conhecimentos científicos onde assenta a sua tese, também não ponho de parte que tenha havido algum contributo ilícito do género, pelos poderes instituídos da altura, nalguns pressupostos onde assenta a tese.
Daquilo que me lembro e que julgo ter resultado positivamente foram os tratamentos profiláticos e preventivos para melhorar a salubridade das águas, para o paludismo além de outros para determinados descuidos em momentos de euforia!...
Também me lembro da má qualidade do vinho tinto que segundo julgo saber era "baptizado" logo à saída de Lisboa com a bênção do Cristo Rei, que nós substituímos com as bazucas da Sagres, Vat 69, Dimple e similares que tinham muito mais qualidade!
Será difícil contar a história da guerra colonial só numa direcção, houve acontecimentos tão díspares, para o bem e para o mal, desde as más condições das estradas, falta de pontes, de transporte, de alojamento, de segurança, da qualidade e quantidade do armamento disponível, por planeamentos (obtusos) elaborados no QG ou na Amura e outros, que cada um de nós teve que interpretar e suportar cumprindo tendo sempre no horizonte a segurança de todos os envolvidos nas acções.
Termino lembrando que a nossa missão em África, hoje ex-combatentes, não foi devidamente reconhecida, começando pela classe política que por desconhecimento, incompetência e falta de respeito, com total e especial relevância para os que lá ficaram e para todos aqueles que regressaram com enormes sequelas físicas e mentais para o resto das suas vidas, esses nunca farão parte da história muito menos de teses de doutoramento.
Tenho uma resposta: estes nossos eleitos nunca foram à tropa, muito menos estiveram na guerra!
Um forte abraço
António Ramalho (membro da Tabanca Grande, nº 757)
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 4 de agosto de 2020 > Guiné 51/74 - P21222: Recortes de imprensa (112): entrevista ao antropólogo Vasco Gil Calado sobre droga e álcool na guerra colonial, "Público", 2 de agosto de 2020 (Carlos Pinheiro)
(**) Último poste da série > 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)
5 comentários:
Ainda ontem estive com um ex-camarada da FAP, o Tibério, hoje com 67 anos, que foi 1º cabo especialista mecânico em Angola, chegou lá em março de 1974 e voltou a casa na véspera da independência, em novembro de 1975. (Esteve com o Savimbi, duas ou três vezes, em deslocações pelo território, fazia parte de um protocolo das NT com os três movimentos nacionalistas, MPLA, UNITA e FNLA...Ainda chegou a ter um convite para lá fcar na Força Aérea angolana, mas apercebeu-se da gravidade e incerteza da guerra civil...
E, a propósito da limba ou maconha, disse-me que participou, certo dia, numa sessão de chá de maconha no aeródromo de Santa Eulália... Foi convidado para beber um chazinho, com bolachas, com outros camaradas da FAP. Não desgostou do efeito mas percebeu que não devia repetir. Aos 20 anos, estaá-se aberto a "experiências novas", nomeadamente em contexto grupal.
Neste caso não era "charro", mas "chá", com base nas folhas da canábis (em Angola, liamba ou maconha). Estamos a falar já depois do 25 de Abril. Era então já uma "hábito social", masele não pôde garantir que o "chá de maconha" estivesse generalizado entre os militares, quer da FAP que do exército ou da marinha.
Mas também sabemos que há países que já legalizaram a canábis, desde que o uso seja... terapêutico...
Tuo revisitar um texto meu antigo sonte as "drug screening iniatives" nos EUA, ligados à prevenção da doença e à promoção da saúde no locais de doutiramento:
A
(...) "A sua origem remonta a 1981, quando o Departamento de Defesa norte-americano, por alegadas razões de segurança, começou a usar testes para detectar vestígios do consumo de drogas ilícitas na urina do pessoal civil e militar dos estabelecimentos das forças armadas;
"Por volta de 1988, e em grande parte como resultado do clima de guerra contra a droga, criado pela Administração Reagan, muitas empresas do sector privado passaram utilizar o drug screening tanto na selecção de pessoal como na despistagem (raramente aleatória, diga-se de passagem) do consumo nde estupeffacientes, entre o seu pessoal (...) "
81. Graça, L. (1999): A Promoção da Saúde no Trabalho: A Nova Saúde Ocupacional ? 2.2. EUA: Os 'Employee Assistance Programs' e as 'Drug Screening Initiatives' [Workplace Health Promotion: Challenging the Occupational Medicine. 2.2. USA: Employee Assistance Programs and Drug Screening Initiatives ]
https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos81.html
DROGAS
Infarmed já autorizou cinco empresas a cultivar canábis para fins medicinais
As empresas ficam autorizadas a cultivar, importar e exportar a planta da canábis para fins medicinais numa área total de cultivo de 120 hectares.
Lusa 15 de Janeiro de 2020, 8:05
https://www.publico.pt/2020/01/15/sociedade/noticia/infarmed-ja-autorizou-cinco-empresas-cultivar-canabis-fins-medicinais-1900386
Atenção: o cultivo e o tráfico de canábis (liamba,maconha...) dá prisão... Não experimentem. Conheço gente que está a cumprir pena de prisão por ter canábis no quintal...
Recorte do jornal "Público":
SAÚDE
Cannabis provocou mais de 3200 internamentos hospitalares em 16 anos
Os números de internamentos por episódios psicóticos associados ao abuso ou dependência de cannabis aumentam a cada ano, num período em que a toxicidade da substância quintuplicou. Se uso recreativo da cannabis for aprovado, alerta investigador, há que activar os mecanismos de detecção precoce dos problemas.
Natália Faria
Natália Faria 1 de Julho de 2020, 22:52
https://www.publico.pt/2020/07/01/sociedade/noticia/cannabis-provocou-3200-internamentos-hospitalares-16-anos-1922480
Olá Camarada
Quatro comentários da tua responsabilidade, é Obra!
Sinceramente, não me parece que três deles tenham que ver com o problema da "tese de doutoramento".
Isto passa-se fora do tempo, às excepção do depoimento do Tibério, que, como viste, é um caso esporádico que teve pouco ou nenhum valor.
É espantoso como se passa de um assunto a outro através de conversas cruzadas. E já não é a primeira vez. Seria importante que, quando falamos de um problema qualquer, tivéssemos a preocupação de nos mantermos "dentro do assunto", em vez de trocarmos galhardetes acerca de assuntos laterais. Ou será que que o doutor nos montou uma provocação para saber como reagimos a um insinuação de baixa qualidade?
No caso vertente, já deixei críticas à defesa do "colega das artes e ciências" que poderia ter, mas que não tem defesa. Noutro local rebato, ponto por ponto o comentário que fez à reacção do pessoal do blog.
E agora põe-se a questão: o blog reage ou deixa ficar tudo para o esquecimento? Essa reacção terá de incidir sobre a faculdade/orientador do trabalho, com vista à sua desacreditação por falta de qualidade e poderá incidir sobre o "Público" e a sua reportagem? No fundo, o jornal serviu de tambor de bronze, divulgando, em lugar de destaque, um trabalho que não o merecia.
Que fazer? E vale a pena fazer ou começamos já a ceder aos "cientistas"?
Por mim encerro aqui e deixo o assunto "à consideração superior"
Um Ab.
António J. P. Costa
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