segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21218: Efemérides (332): Foi há 51 anos a emboscada noturna de Sinchã Lali, no subsetor de Piche, a um grupo IN que fora roubar a população... Participação, entre outros, do 3º Gr Comb da CART 11, "Os Lacraus", com os fur mil Abílio Duarte e Cândido Cunha (mais a sua cadela 'Judy'), o Pel Caç Nat 65, e uma secção da CART 2440 (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Gabu > Piche > CART 11 > Agosto de 1969 >  O regresso das NT...  O fur mil Cândido Cunha, do 3º Gr Comb, é o primeiro do lado esquerdo. Ao fundo, os "djubis", os putos, da povoação, aclamando as tropas vitoriosas...

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Mapa de Piche (1957) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Piche e das tabancas de Copiró e Sinchã Lali, bem como dos rios Perade e Caium, este delimitando a fronteira.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais de 110 referências no nosso blogue]

Date: domingo, 2/08/2020 à(s) 17:52
Subject: Emboscada feita pelas NT

Faz 51 anos este mês, que o 3º. Pelotão da CART 11, "Os Lacraus",  fez parte de uma emboscada ao IN, perto de Sinchã Lali,  na zona de Piche.(*)

Julgo serem muito raras as emboscadas feitas ao IN pelas NT e muito mais raras seriam as feitas de noite. Nunca se saía do Quartel para o mato durante a noite.

A nossa CART 11 estava em intervenção em toda a zona Leste e 3º. Pelotão dos ex-fur mil Cândido Cunha (**) e Abílio Duarte foi o escalado para esta acção de combate.

As NT, comandadas pelo Capitão Paquim, saiu do Quartel de Piche já de noite, tendo o grupo do IN entrado na zona de morte da emboscada  perto da meia-noite.

O Cunha contou um pormenor da nossa cadela Judy, que o acompanhou desde a viagem no Timor até ao fim da comissão, sem ninguém se aperceber também seguiu com eles e teria rosnado  quando a frente do grupo IN entrou na zona de morte precipitando/iniciando assim o nosso ataque.

O outro nosso ex-fur mil Abílio Duarte que também fez parte da emboscada,  foi atingido várias vezes na cara, sem gravidade, pelos cartuchos em brasa vindos das nossas armas. O Cunha e o Duarte poderão explicar tudo muito melhor, por terem tido parte activa nesta acção de combate.

Esta emboscada  ficou por nós baptizada com o pomposo 'A Batalha de Sinchã Lali'.

Anexo o texto, da nossa "História da Unidade", sobre a emboscada e uma fotografia do regresso da NT pela manhã a Piche em que aparece o Cunha (1º. no lado esq.).

A fotografia é uma das grandes fotografias do nosso blogue. O regresso dos nossos soldados e alegria habitual dos 'djubis'  a recebê-los, que merece ser comentado.

 Valdemar Queiroz
2. CART 11 > História da Unidade > Agosto de 1969 > A emboscada de Sinchã Lali

O 3º. Gr Comb [da CART 11], com o Pelotão de Caçadores Nativos 65 e uma secção da CART 2440, comandados pelo Snr Capitão Paquim da Costa, comandante da CART 2440, toma parte na montagem duma emboscada na região do Rio Perade (Piche), a fim de interceptar na retirada um grupo IN não estimado, que tinha sido referenciado por alguns elementos da população em Sinchã Lali, as quais informaram o Comando do Batalhão.

Aproximadamente às 24h00, parte do grupo IN entrou na zona de morte. Iniciado o fogo das nossas NT, o IN ripostou utilizando armas ligeiras, morteiros, lança-roquetes e metralhadora pesada, acabando por dispersar precipitadamente, deixando um morto no terreno e sinais de arrastamento de oito corpos com grande quantidade  de sangue. 

Abandonou o produto do roubo (vacas, galinhas, artigos de vestuário e domésticos, géneros alimentícios, etc.) efectuado em Sinchã Lali e Copiró.


As NT permaneceram emboscadas até ao amanhecer, executando então uma batida à região e recolhendo material diverso e documentos, tendo  regressado ao Aquartelamento às 08h30 sem registar qualquer baixa. O material apreendido foi uma espingarda Simonov 10 granadas de RPG  e várias munições de Kalashnikov.

______________

Notas do editor:


Sobre o Cândido Cunha [, o nº 3, nesta foto de grupo, em Silvalde, Espinho, em fevereiro de 1969], que ainda não é membro (registado) da Tabanca Grande, escreveu o Valdemar Queiroz o seguinte (em comentários a um poste de de 1 de julho de 2019);

(...) Ainda estou à espera de um relato dele sobre a Judy, a cadela setter que foi connosco para a Guiné e que ele cuidava amorosamente, principalmente o relato do que se passou na viagem no Timor e numa emboscada feita numa noite da zona de Piche em que a cadela também foi com a nossa tropa.

Já tenho alinhavado a "A 'Judy' também foi prá guerra" mas faltam estes importantes relatos.

Quanto ao resto o Cunha é uma pessoa extraordinária. Eu costumo dizer que ele teve comportamentos surrealistas/naïfs que não lembrou aos verdadeiros autores desses movimentos artísticos. (...)


(...) O  Cunha é meu 'irmão siamês' na tropa. Entramos os dois na parte da tarde do mesmo dia em Santarém, na  EPC, depois fomos para Vendas Novas, EPA, tirar a especialidade, depois fomos colocados na Figueira da Foz (RAP3) mas ele ficou na EPA a dar instrução, depois fomos para Silvalde, Espinho, e por fim para a Guiné. Sempre Juntos.

O Cunha era músico e tocava nas boîtes noturnas, durante vários anos perdi o contacto ele, há anos que nos juntamos nos Convívios anuais e sei que é já há muitos anos afinador de pianos, profissão que ainda desempenha.

Por várias vezes tenho lhe pedido para ele escrever para o nosso Blogue, mas ele não gosta de exibições. Ainda estou à espera. (...)

(...) Coronel Miliciano Lukas Titio, assim é que era. Temos que concordar que era uma alcumha surrealista. 'Cor Mil' [, coronel miliciano,]nnão lembra ao diabo. 

Uma das máximas do Cunha e bem surrealista passou-se na EPA - Vendas Novas, quando ele lá ficou a dar Instrução depois de acabar a Especialidade.

Foi numa reunião da Bateria de Instrução com todos Aspirantes, Furriéis e Cabos Milicianos que tratavam sobre as tarefas do dia, que o Cunha mandou um VRRRRRRR!!!!,  assustando os presentes. 'Mas o que se passa,  Cunha?',  perguntou um dos Aspirantes. 'Como estou a desenhar este novo modelo Lukas Titio, experimentei os motores', respondeu o Cunha, apontando para os desenhos de carros que estava a fazer enquanto decorria a reunião. (...)

(...) Mas com todo o seu [ar] surrealista não deixou de ser um grande exigente nas várias acções de combate na Guiné, incluindo ter feito parte da célebre emboscada de Sinchã Lali feita ao IN na região de Piche. (...)

12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Oh Valdemar,até a cadela não levou um louvor ?!...

Sabes a data exata da emboscada ?... Ab. Luís

Cherno Baldé disse...

Caro Valdemar,

Aqueles "Djubis" que receberam os "heróis" da "batalha de Lali", concerteza que não chegaram a usar o camuflado e a G3, mas acredite que todos seriam candidatos para nos anos seguintes servirem nos comandos africanos do Gen. Spínola.

Outra coisa que queria esclarecer é sobre a toponimia do sitio onde decorreu a emboscada, seria Sintchã Lali ou Dadi como consta no mapa ?

Na nossa língua, Lali é a designação do Imbondeiro, ou Calabaceira (na Guiné), a árvore cujas folhas, ricas em vitaminas, são abundantemente utilizadas como condimento na preparação da farinha do milho na zona Leste do país entre fulas e mandingas. A sua fruta (Cabacera em Crioulo), que é utilizado na preparação de sumos, hoje é muito disputado na sub-região.

Enquanto que o "Dadi" é nome de pessoa e significa aquele que escapou, que não sucumbiu a morte. De recordar que antes da introdução das vacinas em finais dos anos 1960, as epidemias de Variola, Cólera e Sarampo faziam estragos entre as populações indígenas sem falar do Paludismo que ainda hoje continua endémico.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, estás-te a rever naquela foto... Mas na tua Fajonquito. Na altura terias 9 anos... Só que esta CART 11 era uma "africana", formada na altura que a CCAÇ 12, em Contuboel... Os soldados guineenses da foto tanto são do 3º Gr Comb da CART 11 como do Pel Caç Nat 65.

Quanto ao topónimo, Sinchã Dari, és capaz de ter razão... Não encontrei nenhuma "Sinchã Lali" (sic) no enfiamento de Copiró e do rio Perade (afluente de um faluente do rio Caium, fronteira naturaol com a Guiné-Conacri... por onde o pessoal do PAIGC se terá retirado... As "barracas" (as bases...) só podiam ser no outro lado da fronteira... E em agosto os rios ainda eram transponíveis nesta região...No setor L1 (Bambadinca), na península do Corubal (subsetores de Xime e Xitole) nem pensar andar no mato em agosto!...Não era savana arbustiva, mas floresta galeria, e com um hidrografia tramada...

A avaliar pelo mapa de Piche (que é de 1957), Sinchã Dadi, a menos de 10 km (talvez 7 ou 8) a nordeste de Piche, ficava no lado esquerdo da estrada Nova Lamego - Piche Buruntuma e teria 10 a 50 moranças... Do lado lado esquerdo, havia outra Sinchã Dadi, mas abandonada... E perto havia outra Sinchã, sem mais, igualmente abandonada... Estamos a falar muito antes do início da guerra....

O Valdemar que esclareça, conheceu bem o subsetor de Piche... Pode ter havido um erro de datilografia na elaboração da História da unidade... Alguém que trocou os "D" (Dadi) pelos "L" (Lali),,,

A toponímia da Guiné era tramada para os cabos escriturários que batiam à máquina estes documentos na secretaria... Os relatórios das operações eram manuais, e só depois datilografados... Há muitos erros destes...

Mantenhas do mano Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, se confirmas o topómimo, "Sincha Dadi" e nºao "Sinchã Lali", temos que corrigir o título do poste... A verdade também está nos detalhes... Ab, Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não encontro nenhuma Sinchã Lali nesta lista de nomes geográficos de 1948...embora a lista não esteja completa... Sinchã Dadi também nºao vem, podia uma povação, fula, nova, posteriro à portaria do Sarmento Rodrigues:

5 DE OUTUBRO DE 2017
Guiné 61/74 - P17825: Historiografia da presença portuguesa em África (96): primeira relação de nomes geográficos da Guiné Portuguesa, em 1948, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues (Parte II)


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Segundo a portaria nº 71, do Sarmento Rodrigues, "Sinchã" designava sempre uma povoção fula "recente", e "Saré" uma posição fula antiga... Portanto estas tabancas "Sinchã qualquer-coisa", no subsetor de Piche, eram recentes...

Valdemar Silva disse...

Uff!!!
'Abre os olhos....', então, temos no mapa antes da Sinchã Dadi, a SINCHÃ LALI. 'tá bem que é mais pequena mas também havia lá gente, e o Rio Perade é lá perto. Prontus.
Pois, a cadela 'Judy' não levou um louvor e teve muita sorte não levar uma porrada, por causa dela quase teria havido um grande fiasco. Contaram que alguns minutos antes, no silêncio da noite, começou a ouvir-se a aproximação do IN e a 'Judy' a ficar nervosa teve que ser presa e com o fio da pistola enrolado ao focinho/boca.
Quanto ao pomposo "A Batalha de Sinchã Lali", julgo que terá sido arranjado por causa da outra celebre batalha de La Lys na Guerra Mundial (1914-18).
Não se percebem bem, mas parece que foi a 26 de Agosto de 1969 que foi feita esta emboscada.
Cherno Baldé, por ventura aqueles alegres 'djubis' também quereriam ser tropas, todas as crianças gostam de brincar às guerras, e ainda bem que a guerra acabou cerca de cinco depois, que ou seriam 'mobilizados' com 14/15 anos como as crianças alemãs nos finais da Guerra Mundial (1939-45) ou teriam de seguir, como de certo aconteceu, o seu destino de jovens cidadãos do novo País independente.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

p.s. Cherno o uso de máscara protectora do contágio covid é só passageira, nada de aproveitamento/imposição religiosa para 'uso obrigatório' futuro nas belas bajudas do Gabu.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, tive que ir buscar uma lupa... A qualidade (gráfica) deste mapa de Piche não é boa... As letras são muito pequenas, a princípio paraceu-me "Sinchã Lali" mas também podia os l podiam ser parentes retos, com um "a" no meio, a querer dizer: tabanca abandonada...Mas realmente não faz sentido haver um tabanca só com este top+onimo, "Sinchã" (tabanca fula de imlantação recente...). Faltava o nome...

Sim, confirmo que havia um "Sinchã Lali", abaixo da estrada Piche-Buruntuma" e uma "sincha Dadi", acima da estrada...Esta mais populosa do que aquela...E a distância a Piche é mais curta (cerca de 5 km)... Quer dizer que o Zé Turra andou por lá a "aviar-se de mercearias", nas vossas barbas... Deixa lá, isso também acontecia em Bambadinca, nas chamadas "tabancas sob du'lo controlo"... Claro, de balantas: de dia, tudo senhor furriel, à noite, temos que receber os nossos parentes que estão no mato... Simples dever de hospitalidade...

Foi por isso que se fez o reeordenamento de Nabijões, 300 casas, o maior ou um dos maiores da "spinolândia"... Nesse tempo não havia tribunal de contas, foi fartar, vilanagem!

Luis Guerreiro disse...

Pel Caç Nat.65
Dizer que nunca se saía do quartel para o mato durante a noite não é verdade.
Na minha estadia no Pel.Caç. Nat.65,tanto em Piche, Buruntuma e Bajocunda,
saíamos aquase todas as noites,fazer emboscadas noturnas.

um Abraço

Luis Guerreiro

Valdemar Silva disse...

Luís, tive que abrir bem os olhos para descobrir Sinchã Lali, o tipo de letra é muito miúdo, mesmo com zoom não era perceptível, mas como o redactor da nossa "História da Unidade" era o 2º.Cmdt da Comp., Alf. mil. Pinheiro, não podia haver engano. E estava mesmo ali à frente dos olhos.
Não me recordo e a "História" também não explica bem, como é que tudo se passou, desde o assalto às tabancas, o virem avisar o Quartel e a preparação da nossa saída para o mato.

Luís Guerreiro, não sei se estavas em Piche no tempo desta emboscada.
O que eu disse foi a NT ter saído do Quartel já noite dentro e isso raramente acontecia. Isso daria azo a ser-mos nós os emboscados.
Muitas vezes a minha CART 11 montou emboscadas de noite, mas saíamos sempre durante o dia do Quartel.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Abilio Duarte disse...

Valdemar,
ainda me recordo das cenas, com o Capitão Aniceto Pinto, em Paunca.

Era acordado que a malta que saia, ainda de dia,para determinado local, teria de fazer, uma pequena patrulha até anoitecer, e instalar, e ele dentro do aquartelamento, a mudar os Obuses, e os morteiros, para local diferente,dizia que era para enganar os turras.

O meu receio por vezes era se o gajo se enganava, e nós é que levava-mos, com os projecteis.

Passei bons bocados, com o nosso Capitão. Boa pessoa, e era miliciano como nós.

Valdemar Silva disse...

Duarte
O nosso Capitão Pinto era um miliciano chapado, até quando saiamos a nível de dois Pelotões ele ia connosco, incluindo, como foi no caso, da ida de dois Pelotões para Canquelifá. Podia ter ficado na 'base' em Nova Lamego com o resto de toda a nossa Companhia. Aquela dele para os soldados de cá ou os africanos 'houve lá ó pá' é mesmo de miliciano. Só ficou 'manchado' com a porrada que deu ao Monteiro, mas houve muita pressão, ou alta pressão, na decisão daquele caso de chacha em Piche.
Então, e 'elas' a passarem por cima na 'Batalha de Sinchâ Lali'? Tu andaste com 'elas' bem próximo, e também no cerco e na recuperação a Guiro Iero Bocari, onde veio a morrer em combate o nosso soldado Aladje Silá, cujo nome faz parte dos mortos em combate na guerra da Guiné, no Memorial em Belém.
Fica bem, e a sardinhada ou outro peixe ainda tem que ser 'emboscada' este ano.
Abraço e cuidado com o cornodovirus
Valdemar Queiroz