sábado, 14 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22456: Os nossos seres, saberes e lazeres (464): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Havendo aqui tantos tesouros botânicos, belíssimos recantos, alguns deles de atmosfera tropical, dragoeiros majestosos, fósseis, troncos ressequidos que podem ser percepcionados como esculturas contemporâneas, palmeiras e afins por todos os lugares do jardim, não resisti a esticar a visita ao Jardim Botânico de Lisboa em dois momentos, talvez para estimular os indecisos a não esperar mais para usufruir de tão espetacular visita. Grandioso e sereno, jardim cheio de pergaminhos, que começam com o Colégio dos Jesuítas na Cotovia, no século XVII, espaço de importância indeclinável a partir do momento em que o ensino liberal quis cuidar de fazer convergir para Lisboa espécies de todo o mundo, e todos os elogios se devem tecer em quem organizou como espaço cénico os patamares, os lagos românticos, havendo sempre aquela envolvente dos edifícios da Rua da Escola Politécnica, o Observatório Astronómico, as construções que aguardam restauro, aquele portão fechado que noutros tempos permitia subir da Avenida da Liberdade até ao Jardim, e não foi por acaso que começamos esta última itinerância que a pandemia fadou por um banco de jardim onde dá para contemplar o que de sereno apetece sentir face à monumentalidade arbórea, concebida como instituição científica e ponto alto de fruição que a Natureza dá. Há visitas guiadas e visitas grátis aos domingos de manhã. Para quem ainda conserva a energia do caminheiro, é possível acoplar no bilhete a visita ao Jardim Botânico e ao Museu de História Natural e da Ciência, tudo somado excede os 20 valores.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11)

Mário Beja Santos

O que chamamos hoje Jardim Botânico de Lisboa foi no passado recente Jardim Botânico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Recorde-se que um incêndio devastador incinerou uma parte importantíssima da faculdade e do Museu, a Faculdade mudou-se para o Campo Grande, deu-se uma centralização de patrimónios, incluindo os laboratórios e as salas de aula da Faculdade de Ciências oriundas do século XIX. Recomenda-se vivamente que esta visita inclua o Museu de História Natural e da Ciência e o Jardim Botânico de Lisboa.

Qualquer adjetivo que se use para empolgar a riqueza patrimonial do Jardim Botânico fica sempre aquém da palpitante experiência de quem o visita. As palmeiras, vindas de todo o mundo, os catos e dragoeiros, o arvoredo, os arbustos, a possibilidade de percorrermos um espaço com reminiscências tropicais mas onde podemos encontrar avencas, boninas, buxos, carrasco, o carvalho português, o cedro do himalaia, o cerquinho, a conteira, a erva-cavalinha, a lucerna, a murta, a purgueira… Estima-se de 1300 a 1500 espécies para deslumbrar o visitante.



Encontrei na Internet alguns elementos úteis acerca deste paraíso natural que tem mais de 140 anos e que já antes da sua fundação era utilizado para o estudo da Botânica. É uma curiosidade, mas o estudo da Botânica começou no Colégio Jesuíta da Cotovia, que ali existiu entre os anos de 1609 e 1759. Mas há mais alguns aspetos curiosos sobre este monumento nacional.

São cerca de 4 hectares de área verde, bem no centro da capital, divididos pela Classe e pelo Arboreto. A primeira, atualmente encerrada ao público, acolhe a biblioteca, o herbário e o Lago de Cima. Já o Arboreto, na parte inferior do jardim, recebe as árvores de grande porte e outras plantas.

A temperatura entre as partes de cima e de baixo do Arboreto pode variar dois ou três graus centígrados. É por isso que nas zonas superiores foram plantadas as espécies que gostam de climas quentes e secos, como as carnudas, enquanto em baixo estão as que precisam de mais humidade.

Junto à escadaria que liga as duas zonas do Arboreto existe um busto de Bernardino António Gomes, médico e farmacologista que teve um papel importante no estudo do paludismo, imagem que publicámos no texto anterior. Este busto está perfurado por uma bala, o que deverá ter acontecido durante o golpe de fevereiro de 1927, que ali colocou frente a frente as tropas revolucionárias e governamentais.

Os investigadores acreditam que o jardim tem um efeito dissuasor na poluição da Avenida da Liberdade, a mais poluída da cidade e uma das mais poluídas da Europa. Há um aspeto pitoresco que veio referido no texto da Internet, uma advertência que eu não recebi na entrada: Cuidado com as pinhas da Bunia-bunia, uma árvore de grande porte australiana. Com cerca de 10 quilos cada, podem magoar seriamente quem levar com uma na cabeça. O jardim tem uma imponente árvore-do-imperador que, segundo dizem, foi oferecida ao conde de Ficalho pelo Imperador Pedro II do Brasil. Só há seis jardins no mundo que albergam um exemplar vivo da árvore-do-imperador. O Botânico de Lisboa é um deles. Muitas árvores do jardim são autênticos fósseis vivos, oriundos de floras antigas, muitas delas já extintas.



É do senso-comum, mas vale a pena insistir que quem se vem deslumbrar com o Jardim Botânico de Lisboa tem um museu valiosíssimo de paredes meias. O Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), cujo acervo conta com quase um milhão de exemplares. Este inclui importantes coleções de história natural (como botânica, mineralogia, paleontologia, zoologia e antropologia) e é complementado com várias exposições temporárias.


Põe-se aqui termo a um conjunto de itinerâncias que a pandemia veio facultar, visitas aqui e acolá. Claro que vamos prosseguir, com ou sem pandemia. Por exemplo, acicatado pela curiosidade, voltei ao Parque dos Poetas em Oeiras, houve alterações, e de vulto, cuidei de as registar. Um grupo de amigos dos jardins de Lisboa anunciou que era possível visitar os jardins da Residência Oficial do Primeiro Ministro. Mais um ponto de curiosidade, nunca lá tinha posto os pés, via-os à distância todas as semanas, quando passava as sextas-feiras a trabalhar num órgão constitucional, na Assembleia da República. Não esperei por segundo anúncio, prantei-me ali à porta, cumpridos os requisitos de segurança, percorri com satisfação o que era possível visitar. E com essa mesma satisfação vos darei conta da visita.


O Jardim Botânico está aberto todos os dias (exceto nos feriados de Natal e de 1 de janeiro), desde as 9h às 17h ou 20h (ver horário em baixo). O Jardim Botânico fica na Rua da Escola Politécnica, 54, no Príncipe Real. O bilhete custa 3€, mas aos domingos de manhã a entrada é gratuita.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22440: Os nossos seres, saberes e lazeres (463): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22455: Passatempos de verão (27): Humor negro: "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... Epitáfios para todos os gostos e feitios...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério de Paredes de Viadores > 1 de novembro de 2017 > O mais sumptuoso jazigo, da família dos "fidalgos da Casa da Igreja", como lhes chamam as gentes locais; grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, outrora exploradas por pobres  rendeiros... (nos tempos da agricultura pré -capitalista em que só havia quatro classes sociais: fidalgos, pequenos lavradores proprietários, rendeiros e cabaneiros).   É um jazigo capela, em mármore, em estilo revivalista, neogótico, com a seginte inscrição em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar) (*)....

Até na morte os homens tentam reproduzir as desigualdades sociais que existiam em vida: esta capela, dos "fidalgos da Casa da Igreja"  é a única que existe, para além da de outra família não fidalga, neste pequeno cemitério rural, cuja construção remonta a 1894... Logo nos finais do séc. XIX, os ricos e poderosos procuraram contornar a aplicação lei liberal do enterramento público (que proibia o enterramento em espaço privado: palácios, conventos, igrejas, ermidas, capelas...) erigindo no espaço do cemitério público uma "jazigo capela", uma espécie de minicasa de Deus, reservada aos seus mortos queridos...

Há algo de patético neste encarniçamento em manter, na morte, a segregação socioespacial que existia em vida... Mas, na realidade, os cemitérios públicos, que só surgem no séc. XIX, com o liberalismo, são (ou deviam ser) verdadeiros "campos da igualdade", já que metaforicamente falando, a "gadanha da morte" ceifa tudo e todos, ceifa rente a vida, e não poupa tanto a espiga de trigo como a erva do campo, o rico e o pobre, o herói e o cobarde, o novo e o velho, o são e o doente, o amigo e o inimigo... Afinal, "na morte ninguém finge nem é pobre"...

Foto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dizem que não se deve brincar com a morte, porque dá azar... O ser humano é um animal supersticioso. E na verdade lidamos mal com a morte... Não conseguimos rir dela. Porque a nossa cultura baseia-se, afinal, na negação e na ocultação da morte, que é parte integrante da vida.

Quando andámos na guerra, não falávamos da morte, tínhamos "vinte anos e a vida toda à nossa frente" (sic)...mas aprendemos a avaliar o risco de morrer ou de ficar para sempre "deficiente", sem uma perna, sem um braço, cegos, surdos, mudos, paraplégicos, tetraplégicos... 

Afinal, "temer a morte é morrer duas vezes"... Pelo que, caros leitores,  em boa verdade não há aqui "humor negro", há apenas humor, puro e duro, humor de caserna:  rindo de nós e da nossa condição mortal, estamos a exorcizar os nossos medos, fantasmas, pesadelos... que esta pandemia (e a morbimortalidade a ela associada) veio reavivar.

Quando dizemos que "o temor da morte é a sentinela da vida", no fundo estamos a querer dizer que "o humor faz bem à nossa saúde mental"....É também um forma de resiliência contra a doença e a morte, no fim da picada da vida, já de si tão cheia de "minas e amadilhas"... 

Os provérbios populares ajudam-nos nessa tarefa, enfatizando a inevitabilidade da morte mas também a igualdade no morrer (e, para os crentes, "a honra e a glória" da eternidade):

"A vida é um sono de que a morte nos desperta"
"Hora de morrer não tem retardo"
"Mais vale andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas"
"Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo!"
"Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte"
"Quem de novo não morre de velho não escapa"
"Só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem".

Passei praticamente todo o tempo desta pandemia, desde março de 2020, na Lourinhã... No adro da igreja matriz local, junto à estátua do papa João XXIII, há um placar onde se afixam as notícias necrológicas, 

Houve semanas em que o placar estava cheio. Em tempos surpreendi um fulano, meu conhecido, a comentar: "Ainda não foi desta!"... Perguntei-lhe, intrigado: "Ó fulano, não foi desta... o quê ?!"... Resposta pronta: "Não foi festa que li, em primeira mão, a notícia da minha própria morte"... 

E o fulano ainda lá anda, sempre com medo de ser "co(n)vidado", usando dupla máscara, e espreitanto de soslaio as últimas novidades necrológicas... E eu adivinho o que ele diz entre dentes: "Bolas, ainda não foi desta!"...

A pandemia também tem os seus "apanhados do clima" como o fulano da Lourinhã... Mas, mais do que isso, marcou-nos  a todos e matou alguns dos nossos amigos, camaradas, conhecidos, vizinhos e parentes... Falando só dos membros da Tabanca Grande que faleceram  (107, no total, em 17 anos): um em cada quatro morreu em 2020 e 2021, ou seja, em apenas ano e meio...

2. Reproduzo, abaixo, uma lista de epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z, uns da minha lavra (a maior parte), outros recolhidos da Net, e depois livremente adaptados ou reformulados ... Alguns leitores poderão não achar muita graça... sobretudo para aqueles para quem a morte é do domínio do sagrado... 

Mas este poste é um mero (e inocente) passatempo (de verão). Às vezes é preciso "tapar buracos" para o que o blogue cumpra a meta dos 3 ou 4 postes diários em média... (**).

Se tiverem tempo, pachorra, saúde e boa disposição (tudo coisas de difícil combinação na nossa idade...), "entrem no jogo" e "façam vocês mesmos o vosso próprio epitáfio"... Há coisas que não podemos deixar para o último dia e muito menos para o último minuto, "à portuguesa"... 

E não deixem essa tarefa aos vivos, que são capazes de maltratar a vossa memória, sabendo nós quão verdadeiro é o provérbio, "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... (LG)


Epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z:


Almirante: O grande naufrágio!...


Amigo do Peito: À volta... cá te espero!


Antigo combatente: A última batalha!


Astronauta: Bolas, chego por fim ao fim... do mundo!


Ateu: Mas porquê eu, o escolhido, meu Deus, se eu nem sequer acredito em Ti ?!


Barqueiro de Caronte: Última viagem, uma moeda para o ceguinho.


Bombista suicida, anarquista: Abaixo o Estado! Viva o Nada!


Bombista suicida, islamista radical: Virgens, cheguei!


Budista: Transmigro, logo existo!


Calceteiro: Erros meus e do meu médico... a terra os cobre!


Caloteiro: Que Deus te pague, que eu estou liso!


Capitalista:  Esqueci-me da taxa de depreciação do meu corpo enquanto forma de capital!


Catastrofista: Que pior me há de acontecer ?!...


Católico: Obrigado, Pai, vou por fim conhecer-Te, ao vivo e a cores!


Cemitério Judaico, Ilha de São Miguel, Açores: ”Campo da Igualdade”


Chef: Minhas estrelas Michelin!... Trocava-as por uns jaquinzinhos fritos!... Que no Céu não há disto!


Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!


Cobrador de impostos: Afinal, não é só o fisco, também a morte não perdoa!


Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo: força maior.


Comodista: O último a morrer que feche... a tampa do caixão!


Contabilista: Fiz mal... as contas!


Contador de histórias: Era uma vez...


Coveiro: De pés para a cova!... Não se aceitam mais encomendas!


Diabo: Tinham-me prometido a eternidade... antes das alterações climáticas!


Ecologista: Espécie extinta!


Epicurista: Morro  de papo cheio, gozei em vida


Fadista: "Com que voz chorarei meu triste fado" ?!...


Filósofo: Ser ou não ser ?!... Era... a questão!


General: Bolas, lerpei!


Gourmet: Acabou-se o que era doce!


Herói: Saltei para o lado errado da barricada!


Historiador: Desempregado. Motivo: fim da História.


Humorista: Ói, pessoal, afinal onde é que está a piada ?


Informático "covidado": Vítima do pior vírus do mundo!


Jogador de Futebol: Arrumei as botas!


Latinista: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris! (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te tornarás!)


Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!


Marido Infiel: Agora foi "ela" que me pôs...os cornos!


Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos... a rir!


Metereologista: No inferno deve estar... um frio de rachar!


Negacionista: Não acredito!...Recuso-me a acreditar!


O (E)terno Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu amor!


O Caçador: A última armadilha!


O Corrupto: Incorruptível!


O Crente: O melhor ainda está por vir!


O Dorminhoco: Descanso eterno!


O Hipocondríaco: Eu bem avisei que... estava doente!


O Homem Mais Velho do Mundo: Arre, custou mas foi, o sacana do... velho!


O Malcriado: A vida... é uma merda!


O Optimista: É só um momentinho, por favor!


O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!


O Politicamente Correcto: Tudo acaba!


Padre: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o sacristão ou o Papa ?


Paleontologista: De fóssil em fóssil... até à jazida final!


Papa: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o bispo da minha terra ?


Pedófilo: Meus queridos anjinhos, meus fofos... cheguei!


Perfeccionista: A repetição leva à perfeição... exceto na roleta russa!


Predador: Agora a presa... sou eu!


Poeta: Saudade eterna!


Poeta Bocage 1: Já Bocage não sou!... À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento...


Poeta Bocage 2: (...) Ah! Se me creste, gente ímpia, / Rasga meus versos, crê na eternidade!


Poeta Camões: Lembrem-se de mim, ao menos, quando eu morrer no 10 de junho!


Poeta Fernando Pessoa: O eterno desassossego!


Poeta Ruy Belo: Adeus, Terra da Alegria!


Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz... ao fundo do túnel!


Portuga (Rico): Uma suite...para a eternidade!


Racista branco: A coisa está preta!


Racista negro: Branco... como a cal da parede!


Rambo: Sempre me avisaram, em Lamego, no curso de "rangers", que não se pode abusar da sorte!


Rei: Destronado e... desterrado!


Retornado: Bom filho...  a casa torna


Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem... a trabalha!


Romancista: Ponto final parágrafo. The End.


Suicida Arrependido: Porra, esqueci-me de comprar bilhete de ida e volta!


Último habitante da terra:  Tenho pena de não ter sido o primeiro


Soldado Desconhecido: Levantado do chão!


Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!...


Velho militante comunista: Até sempre, camaradas!


Viciado na raspadinha: Não jogo mais ?!...


Viciado no jogo: Bingo!


Virgem (Resistente): Maldita terra que por fim me hás de... comer!


Virologista: "Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega"


Zarolho: Se no céu for tudo cego, quem tiver um olho será rei.


3. Camarada, acrescenta aqui (, em baixo, na caixa de comentários...) uma lápide da tua lavra (do latim lapis, -idis, pedra). 

 Afinal, à morte ninguém escapa nem o rei nem o papa... E, a menos que queiras ser cremado, alguém vai pôr uma pedra, uma lápide, em cima do teu caixão...


Pelo sim, pelo não, é melhor deixar as tuas instruções pessoais em vida, com antecedência... Para o que der e vier... Mete o teu epitáfio no testamento vital.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris

(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)

Guiné 61/74 - P22454: Notas de leitura (1371): "Os Roncos de Farim", por Carlos Silva; editora 5 Livros, 2021, a ser apresentado amanhã na Tabanca dos Melros (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2021:

Queridos amigos,

Carlos Silva tinha guardado este acervo de apontamentos em que trabalhou durante anos até 2007. Dá-os agora à luz do dia com um conjunto apropriado de imagens, depoimentos e bibliografia junto até esse tempo. Continua a mexer nos papéis e promete para breve surpresas. 

O que ele aqui rolou tem a ver com o início e o desenvolvimento da história dos Roncos de Farim, falta esclarecer como é que este mítico grupo de combate arrumou as botas e quem o dirigiu depois do grave acidente de Cherno Sissé. 

Também não fica esclarecida a saída de Marcelino da Mata que mais tarde aparece como fundador de um grupo especial, Os Vingadores. Inquiriu os diferentes responsáveis pelo grupo de combate ao mesmo tempo que compendiava os sucessivos anos de atividade operacional desenvolvida. 

Temos aqui uma peça de extrema utilidade, se bem que focado numa região, Farim, onde a presença do PAIGC era constante, e presta-se a justa homenagem aos valorosos combatentes guineenses que sacrificaram a vida não só durante a guerra, como foram enxovalhados e executados no período da pós-independência.

Um abraço do
Mário



Aquele que foi o mais mítico grupo de combate português da guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Começo por uma declaração de interesses: há anos que reúno uma estreita amizade e cooperação ao Carlos Silva. Vezes sem conta lhe bati à porta para lhe pedir livros emprestados (é possuidor de vastíssima biblioteca alusiva à nossa guerra), emprestou-me a história do BCAV 490, que eu não encontrava em parte nenhuma, ele atravessou o país para ir a um quartel e fotocopiá-la, foi obra indispensável para tudo o que escrevi no livro "Nunca Digas Adeus às Armas"; e o seu precioso dossiê sobre os "Roncos de Farim" já aqui foi alvo de recensão[*] e consta de um outro livro meu. 

Chamo a atenção do leitor que este livro, "Os Roncos de Farim", 5 Livros, 2021, reporta-se a um trabalho que estava concluído em 2007 e que hibernou até aos dias de hoje.

Surpreende-me a tenacidade deste nosso confrade que combateu em Farim, em 1969/1971, acompanhou o período terminal deste audacioso grupo de combate e conheceu os protagonistas, desde oficiais superiores, líderes do grupo de combate, com todos contatou para elaborar o documento, profusamente ilustrado, é uma verdadeira homenagem aos vivos e aos mortos que fizeram tremer os combatentes do PAIGC.

Carlos Silva começa por precisar a criação dos Roncos, falou com o alferes Filipe Ribeiro que postulou que foram constituídos na Operação Cigarra, que ocorreu em 10 de outubro de 1966, intervieram secções de milícias comandadas pelo 1.º Cabo Marcelino da Mata e por Cherno Sissé, Filipe Ribeiro contava com a sua colaboração e ficou satisfeito pelo valor militar demonstrado. 

O Tenente Coronel Agostinho Ferreira, comandante do BCAÇ 1887, concordou com a criação do grupo especial de tropa de choque. Filipe Ribeiro terá pensado nalguns nomes e considerou que os Roncos era a melhor designação que correspondia literalmente ao comportamento daqueles combatentes. 

Na ordem de serviço o grupo é criado formalmente em 15 de novembro de 1966, na dependência do BCAÇ 1887, sediado em Farim e com unidades militares disseminadas em Bigene, Guidaje e Binta, localizadas a Oeste, Jumbembem e Cuntima a Norte e Canjambari a Leste, bem como a zona de Bricama e Saliquinhedim-K3, a Sul, na outra margem do rio Cacheu. 

O comandante dos Roncos era o alferes Filipe Ribeiro coadjuvado por Marcelino da Mata e Cherno Sissé. Carlos Silva faz o historial de outras unidades a quem o grupo de combate esteve ligado, refere que participaram em mais de 30 operações desde a sua criação até ao final de 1967, com destaque à Operação Chibata, que decorreu em Cumbamori, já no Senegal. 

Ainda não está esclarecida a data de saída de Marcelino da Mata deste grupo de combate e o percurso percorrido por este, nos anos seguintes. O autor releva a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1887, há sempre louvores para o alferes, para Marcelino e Cherno, e descreve minuciosamente a Operação Chibata, de que, curiosamente, Luís Cabral, virá a ser primeiro dirigente da Guiné-Bissau depois da independência também relata no seu livro "Crónica da Libertação", pois nessa data ele e Chico Té estavam em Cumbamori. 

Os Roncos seguiam no primeiro dos três destacamentos da força operacional, entraram no acampamento de forma surpreendente, infligiram ao PAIGC um elevado número de mortos, capturaram armamento e documentos, mas na refrega perderam-se quatro vidas, Cherno Sissé foi ferido. Vale a pena destacar o que escreve Luís Cabral: 

“A surpresa tinha sido total. Depois de mais de quatro anos de luta armada, era a primeira vez que as forças colonialistas se aventuraram a entrar em território senegalês para, a partir daí, atacar uma base no interior deste país. Antes do romper da aurora, tinham-se aproximado cautelosamente do local onde estava instalada a nossa base. Até chegar à enfermaria, não tiveram nenhum contacto com a nossa gente. A barraca onde se encontravam os médicos e os técnicos cubanos foi a primeira a ser avisada. Um técnico cubano de artilharia deu o primeiro tiro que alertou toda a gente. Pela primeira vez eu estava presente num encontro entre as nossas Forças Armadas e o exército colonial”

Cherno Sissé contará mais tarde ao autor, chegou a haver luta corpo a corpo com recurso ao emprego da faca de mato.

Noutro capítulo, Carlos Silva destaca a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1932, estamos já em 1968, os atos valorosos sucedem-se e preparam as condecorações de Marcelino da Mata e de Cherno Sissé como Cavaleiros da Ordem Militar da Torre e Espada, para além das suas promoções. 

Nesta sequência, também o autor faz sobressair a atividade operacional dos Roncos com outra unidade militar, o BCAÇ 2879, estamos em 1969, ocorre um acontecimento histórico, numa localidade chamada Faquina foram apreendidas várias dezenas de toneladas de armamentos e munições. Os Roncos já são comandados pelo Furriel Cherno Sissé. 

A documentação oficial e as investigações apresentavam números díspares sobre a quantidade de armamento apreendido e foi neste contexto que Carlos Silva escreveu ao Major General Agostinho Ferreira para que este confirmasse o resultado da Operação Faquina, foram 24 toneladas. Mais tarde, os Roncos ficaram adstritos à Companhia de Caçadores 14, também sediada em Farim, o seu comandante, o então Capitão José Pais, irá contar no seu livro "Histórias de Guerra" o drama de Cherno que ficou, por razões de combate, sem uma perna e um olho e com um braço retorcido e mais curto, a viver em Lisboa em condições manifestamente degradantes. Foi assaltado em casa, reagiu disparando um tiro à queima-roupa, matou um dos gatunos. 

“A polícia desarmou-o e, enquanto saía à rua pedindo reforços e uma ambulância para o morto, a populaça atacou Cherno e com um varão de ferro vazou-lhe o único olho que lhe restava. Cherno Sissé ficou cego e foi preso. Lá fui à Boa-Hora e lá tentei explicar ao meritíssimo juiz o que é ter servido o Exército Português, o que é ter sido combatente operacional na Guiné durante nove anos seguidos, o que é ser ex-combatente desprezado e o que representa para um homem destes a perda da dignidade pessoal, face à vida. O meritíssimo parece ter entendido e aplicou-lhe três anos e meio”.

Carlos Silva junta anexos, referências, por exemplo, a Bodo Jau, um bravo do pelotão dos Roncos de Farim que posteriormente fez parte do grupo Os Vingadores, que foi fundado por Marcelino da Mata.

Uma obra de profundos afetos, insista-se. E dou comigo a pensar como a atividade operacional destes bravos veio de um passado que historicamente parece inexistente, lê-se a atividade operacional de 1966 a 1968, há todos estes atos de bravura que o autor aqui regista e em quase tudo quanto se tem publicado sobre a História da guerra da Guiné há um manto diáfano de silêncio sobre tudo o que foi combater com denodo e bravura até Spínola ter surgido e merecer em exclusivo as honras do heroísmo e da combatividade. Mistérios da historiografia.


Tenente Coronel Marcelino da Mata
Alferes Miliciano Filipe José Ribeiro e o 1.º Cabo Cherno Sissé (CCAÇ 1585)
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Notas do editor

- Este livro vai ter amanhã, dia 14 de Agosto de 2021, a sua primeira apresentação na Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, durante o habitual convívo dos segundos sábados de cada mês.

[*] - Vd. poste de 25 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12199: Notas de leitura (528): "Os Roncos de Farim - 1966-1972", por Carlos Silva (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22445: Notas de leitura (1370): Prefácio de Ricardo Figueiredo ao livro "Um caminho a quatro passos", de António Carvalho

Guiné 61/74 - P22453: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (65): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2021:

Queridos amigos,
Pode parecer bazófia, mas é pedir muito à memória que reconstitua, quase ao milímetro, a operação Tigre Vadio. Paulo Guilherme é um cinquentão maduro, bateu-lhe a felicidade à porta, adora o trabalho, propôs à mulher que ama profundamente que ela operasse como uma cronista de acontecimentos pretéritos, marcantes, agora revividos na grande angular de dois anos de comissão, sem intervalos nem desfalecimentos, narrados tal como ele os recorda. E o que é mais surpreendente é que ele pode, a partir das decisões tomadas na sala de operações, descrever o que se passou, os preparativos que não foram tão minuciosos como isso, cometeu o erro palmar de se esquecer dos jerricans de água, coisa que não passou pela cabeça dos capitães, mas isso também não o alivia, ao escrever a Annette o que mais o confunde e perturba é a memória fotográfica do tempo e dos lugares, revê feições, contempla panoramas, percorre novamente Cancumba, Paté Gidé, Sancorlã, Salá, tem diante dos olhos uma monumental queimada que vem de Madina, e que tudo vai alterar, e chega-se a um trilho que foi indicado lá dos céus por um major de operações, são duas horas tórridas, impensável que alguém se possa aproximar do centro nevrálgico de Belel e trazer a besta do Apocalipse. Pois aconteceu.

Um abraço do
Mário



Rua do Eclipse (65): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette adorée, ma fidèle chroniqueur, mesmo enquanto me desenvencilho das últimas frequências que estou a classificar, e pressionado pelos prazos imperativos de dois documentos que esta semana a Associação Europeia de Consumidores tem que enviar para os serviços da Comissão Europeia, não posso furtar-me de dizer que estou cheia de saudades tuas, que já estão esboçadas as primeiras duas semanas de férias, tu pediste-me dois dias em Lisboa para irmos ao Parque das Nações, ver a exposição das joias de Goa, conhecer o Museu da Cidade e voltar novamente aos Jerónimos e Museu do Chiado, encontrei duas casas maravilhosas numa freguesia do concelho da Lourinhã, perto de tudo, iremos a Óbidos, às Caldas da Rainha, a Alcobaça, às praias, comer peixe a Peniche, na primeira semana, e penso ficarás feliz por esta iniciativa, Jules andará connosco por Lisboa e pela chamada região do Oeste, hesito se não devíamos visitar o Porto e o Douro demoradamente. Se não te importas, é assunto que trataremos telefonicamente dentro de dias, quando eu tiver dado as classificações dos meus alunos.

Não quero iludir que me estás a pôr questões que exigem respostas bem dolorosas, até porque mantenho a memória em carne viva. Continuava combalido pela notícia da morte daquele que foi o meu mais querido amigo da juventude, entregue a rotinas, coisas como montar a segurança à volta do Bambadincazinho, isto quando o Ministro do Ultramar, o comandante-chefe e o comandante de Bafatá visitavam o reordenamento dos Nhabijões. O que antes era seguro deixara de o ser. Apareceram minas entre a ponte de Undunduma e Amedalai. Num local chamado Fá formava-se a 1ª Companhia de Comandos Africana, destacavam-se mais efetivos para montar segurança no Cuor, e nós fazíamos parte destas andanças que, regra geral, nos eram ditadas em cima da hora. Tens aí os documentos, meu adorado amor, guardei o calendário dos preparativos que conduziram à mais sangrenta das operações em que intervim, a Tigre Vadio. Foi na manhã de 28 de março que o major das operações me convocou, compareceram os intervenientes, duas companhias reduzidas sediadas em Bafatá, companhia de caçadores de Bambadinca, dois pelotões de caçadores nativos, duas esquadras de morteiro, adicionando grupos de milícias. O que o Sr. major nos queria dizer era que o objetivo da operação seria o de bater a região Ocidental do Cuor e procurar destruir os acampamentos de Madina e Belel, se possível trazer prisioneiros e armamento. Sabia-se da existência de um bigrupo bem equipado que protegia as populações em Madina, Quebá Jilã, Belel e talvez em Sinchã Banir, à entrada do Oio, com ligação ao corredor de Sara-Sarauol, no voo de reconhecimento aéreo ele próprio verificara uma extensa rede de vias de comunicação. Há poucos dias, na região de Madina, fora desencadeada uma operação de paraquedistas, incendiaram um conjunto de barracas e havia sinais evidentes de vida organizada. Pediu sugestões para a organização de duas colunas, em seu entender não fazia qualquer sentido pormos tão grande contingente a irem uns atrás dos outros quando os objetivos da destruição e aniquilamento distanciavam cerca de dez quilómetros. Lembrado do desaire do ano anterior, daí a sugestão de que os dois destacamentos podiam partir separadamente, um do Enxalé em direção a Madina, o outro de Missirá para Belel, ou então partirem conjuntamente de Missirá e bifurcarem na região de Quebá Jilã, a retirada ficaria condicionada à evolução dos acontecimentos, devia pôr-se sempre a hipótese de que, ultrapassado o fator surpresa, qualquer uma das forças retiraria para o ponto de onde partiu. Senti-me feliz quando me disseram que os dois destacamentos se iriam autonomizar. E quero confessar-te, eu adorado amor, que nesse momento em que eu discutia com todos, as transmissões, as munições, os carregadores (falo de seres humanos que nos ajudariam a transportar os morteiros 81) esvaiu-se-me da memória os carregadores para jerricãs de água. Enquanto te escrevo, parece que sinto os lábios ressequidos, ando aos tombos num helicóptero com vidros estilhaçados, jamais me sai da memória aquele momento em que o piloto, numa lala completamente desconhecida e sem vivalma me convidou a sair com os jerricãs, ele deve ter percebido no meu olhar que não me lançaria em tão dementada operação.

Mas voltemos atrás, tens aí nos documentos a descrição detalhada dos preparativos, se houvesse informadores em Bambadinca eles seguramente que ficariam desorientados e gente a caminhar para Fá, gente a caminhar para Finete, gente num Sintex a subir o Geba estreito, não houve percalços, ao anoitecer do dia 30 de março entramos todos sossegadamente em Missirá, disfarço emoções, preparei-me para entrar aqui como em qualquer outro teatro de operações, claro está que abracei todos os meus amigos, pedi licença para descansar em cima de uma manta, mastiguei umas coisas de uma ração de combate. É nesse momento que se fez luz, estava em Missirá comigo o melhor conhecedor de toda a região, Cibo Indjai, faço-lhe a proposta de que ele seja o batedor com Queta Baldé, seguir-se-ão os meus bazuqueiros de elite, eu e Cherno Suane e depois os meus habilidosos apontadores de dilagrama, Sadjo Seidi e Tunca Sanhá. Não podia prescindir de Quebá Soncó e do meu querido amigo Bacari Soncó. Estamos juntos e ficou acordado que o ponto de separação seria perto de Quebá Jilã, então Cibo seguiria connosco para Belela, Quetá Baldé, Bacari e Quebá Soncó seguiriam na testa do destacamento que iria em direção a Madina.

Annette, talvez pela adiantada hora, talvez porque neste momento sinta incendiada a minha memória fotográfica, estamos a sair de Missirá ainda não é meia-noite, a temperatura excecionalmente elevada, seguimos para Cancumba, daqui para Paté Gidé, falta aqui um detalhe, depois de conversar com os guias fui falar com os capitães e com o meu camarada Alferes do pelotão 54, o capitão dos caçadores de Bambadinca, o capitão Brito, deu-me logo inteiramente luz verde para a escolha do itinerário. O capim é elevado, marchamos silenciosamente, todo aquele calor atabafa, seguimos para Sancorlã, graças à lua dou comigo embevecido, maravilhado, é uma vegetação frondosa, não sei como foram parar ali aqueles poilões gigantes, misturado com palmeiras, em dado momento entramos num túnel de vegetação, a luz altera-se e é com os alvores do dia que chegamos ao extremo do território onde por vezes fiz reconhecimentos, sabendo que a escassos quilómetros estamos em Quebá Jilã, paramos em Salá para um curto descanso, não se veem trilhos, não se ouve nenhum ruído nas proximidades. E inopinadamente sou procurado por Cibo Indjai, o caçador ágil, que tem uma visão de águia, encontrou um trilho, bem dissimulado, por vezes andamos por ali atarantados no meio de um terreno alcantilado, ainda não se sabe se já entrámos no corredor do Oio, que do avião nos dê indicações sobre a orientação dos trilhos. Amanheceu completamente, nunca se viu àquela hora da manhã um calor de frigideira, meu adorado amor neste exato momento parece-me que está a escorrer o suor em bagas e nesse momento, enquanto não se recebe qualquer informação de quem anda ou poderá vir a andar nos ares ficamos estarrecidos por uma extensa cortina de fumo. Paramos, embaraçados. O que fora gizado na sala de operações é contraditado pelo imprevisto daquela imensidão de fogo. Neste ínterim, somos sobrevoados pela avioneta quando o major de operações nos manda contornar a queimada e determina que os destacamentos devem continuar juntos, em direção a Belel, estou junto ao cabo das transmissões, António Fernando Ribeiro Teixeira, nos céus vem indicação de que um pouco mais à frente há um trilho, é para aí que nos devemos dirigir. Dou instruções aos guias, Sadjo Seidi segue na vanguarda, é de facto um trilho largo, são duas horas da tarde, ninguém pode imaginar que em breve vai começar o inferno em Belel. Peço-te perdão, é tudo fruto da idade e do trabalho, acredita que estou neste momento num trilho, estou a ver um rodado de bicicletas, volto àquele dia de 1970 em que disse para mim que felizmente estávamos protegidos pelo arvoredo denso, chegara alguma frescura. Amanhã continuo, espero que estejas preparada, já que leste os documentos que te enviei, para o turbilhão de fogo que se vai seguir.

(continua)


Abdulai Djaló, mais conhecido por O Campino, alguém lhe ofereceu um barrete de homem das lezírias, nos momentos de ócio vestia-se à paisana, um perfeito galã embarretado. Um bazuqueiro destemido, competia em heroísmo e bravura com Mamadu Djau, mas superava-o como galã, quando aceitou ser fotografado colheu a pose, nada aqui está por acaso, a mão delicadamente assente no joelho, fazendo jus à sua fama de cavalheiro sem rival.
Dir-me-ão que é uma imagem banal, como esta há aos milhões, só que o sentimento, a apreensão e a expetativa de quem vai nesta caminhada não é transmissível. Nesta imagem estamos todos os que atravessaram lalas, neste oceano de capim jovem, sabendo de antemão que há imponderáveis, surpresas, a hipótese de um morteiro fazer estalar aqui o caos, fracionar a coluna, desmotivar quem se apresta para o combate. Uma imagem do nosso blogue, seguramente que nela todos nos revemos.
Bendito helicóptero que traz notícias de quem amamos, nos evacua os feridos ou transporta generais ou coronéis que falam zangadamente, admoestando. Foi numa destas máquinas que vim a Bambadinca numa tarde num dia de abril de 1970 buscar 27 jerricãs de água que desafortunadamente não chegaram ao seu destino, o piloto lá teria as suas razões por ter os vidros estilhaçados, eu ia feliz com os sopros do ar, experiência irrepetível. E fui largado no Xime com toda esta carga de água enquanto os meus camaradas viviam o horror da sede.
Em novembro de 2010, em dia de emoções descomunais, na motocicleta de Lânsana Sori, entrei em Belel cheio de vontade de me reconciliar com o que aqui aconteceu num dia de abril de 1970, dia de luto para quem vivia no mato, pois a operação Tigre Vadio destruiu muitas vidas, deixou múltiplos sofrimentos. Encontrei antigos combatentes e conheci camponeses, houve quem pensasse que eu era médico ou fazia parte de um projeto de água potável, trazia uma bomba de água para Belel. Se houve dia de reconciliação na minha vida foi este, experiência inaudita, abraçar alguém que seria meu inimigo 40 anos antes e que me convidou a regressar. O que ainda não foi possível.
Os meus velhos soldados, a alegria do encontro, mas neste momento saúdo particularmente o homem que está ao centro, Sadjo Seidi, quando nos reencontrámos foi um abraço de choro convulsivo, Sadjo foi o único ferido do Pel Caç Nat 52 na operação Tigre Vadio, ele será o primeiro a entrar em Belel, o sentinela ainda tentará matá-lo, a granada rebentou na palmeira, ficou com o peito estilhaçado, será evacuado no mesmo helicóptero que me levará a Bambadinca para vir buscar água que não impediu que centenas de homens vivessem o inferno da sede.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22437: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (64): A funda que arremessa para o fundo da memória

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22452: (D)o outro lado do combate (67): Empresas capitalistas estrangeiras (portuguesas e não portuguesas) com interesses na Guiné e Cabo Verde: documento do PAIGC, de setembro de 1966: só há referência a 3 empresas madeireiras


BNU - Banco Nacional Ultramarino, um dos grupos económicos com maior peso na econmia da Guiné antes da independência, com destaque para a Sociedade Comercial Ultramarina, concorrente da Casa Gouveia, do grupo CUF. O BNU era, além disso, o emissor do "patacão"...














Citação:

(1966), "PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84092 (2021-8-12) (Reprodução das páginas de 1 a 5, Com a devida vénia...)

Portal: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04340.003.011

Título: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Assunto: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Documentação económica. Principais empresas na Guiné:  (...) . Ligações empresas na Guiné a trusts internacionais. Principais empresas estrangeiras - portuguesas e não portuguesas - exercendo a sua actividade em Cabo Verde. Desenvolvimento da luta armada na Guiné cria situação nova, do ponto de vista económico. | 

Data: Setembro de 1966 | Observações: Última página deste documento tem SET.1965 e não SET.1966, como figura na primeira. | 
Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade (...)


1. Este documento, dactilografado, de 16 páginas (capa incluida), tem a chancela do PAIGC, e destinava-se a dar a conhecer (e a combater) "os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde" (sic). (*)

No final, na página 16, faz-se um balanço, a título meramente exemplificativo, dos resultados da luta armada, afectando directa ou indirectamente esses interesses das grandes empresas e de alguns comerciantes importantes: destruição de armazéns do Pinho Brandão na ilha do Como; apreensão de barcos de carga e respectivas mercadorias, pertencentes à CUF (Casa Gouveia) e à Sociedade Comercial Ultramarina (ligada ao BNU); encerramento de diversas lojas de comerciantes e empresas, etc.

No ponto XII, há referências aos "madeireiros", mas as empresas são apenas três, e nenhuma delas nossa conhecida... Omite-se, por outro lado, a referência ao madeireiro Fausto da Silva Teixeira, considerado "simpatisante" da causa nacionalista, bem como ao outro madeireiro, Manuel Ribeiro de Carvalho, que seria, em meados da década de 1950,  o maior exportador de madeira da Guiné (publicidade àparte). (**)
 
Em relação à fonte da informação documental, no essencial, e tendo em conta o detalhe dos dados, parece-nos ser de origem portuguesa, fornecida pelos meios oposicionistas que então combatiam o regime de Salazar. 

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Notas dos editor:

(*) Último poste da série > 17 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22208: (D)o outro lado do combate (66): As sabotagens do PAIGC, em Bissau, no início de 1974 (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2021  > Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (26): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau

Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (27): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau





Dois anúncios de empresas madeireiras da então província portuguesa da Guiné, talvez duas das maiores, existentes no território em meados de 1950, possuindo ambas "serrações mecânicas". Imagens reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).



1. Comentários a propósito da "bela e intermável praia de Varela" (**) e das mudanças climáticas que nos ameaçam a todos, Portugal, a Guiné-Bissau e o resto da nossa casa comum:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Patrício Ribeiro; Oxalá/Enxalé/Inshallah o teu neto ainda possa passar uns belos dias na tua casa de Varela...

A "bela e interminável praia de Varela" corre um sério risco, tal como grande parte da Guiné-Bissau, a começar pelos Bijagós, de desaparecer, tal como muitas das nossas "belas e intermináveis" praias ...

Patrício, temos que pôr na nossa agenda (e, portanto, das nossoas preocupações, decisões e ações de cada dia) o problema (fundamental) das alterações climáticas... E temos que combater o "negacionismo" neste domínio... Há demasiada gente, nos nossos países, a "assobiar para o lado"...

Os antigos combatentes também têm um papel a desempenhar nesta matéria. Nrm negacionismo nem catrastofismo...

(..:) Más práticas ambientais que vieram do passado (colonial) e que se têm vindo a agravar desde a independência: desflorestação, destruição das florestas antigas e sagradas (Cantanhez), queimadas, agricultura extensiva, pastorícia, monocultura do caju, erosão dos solos, sobrecaça, sobrepesca, desertificação do interior, urbanização, etc. Todos temos que fazer a nossa parte. Fala- se cada vez mais de agricultura regenerativa...

(ii) António Rosinha;

Pode-se culpar de (alguma) escravatura na Guiné, o colon português, mas não se deve culpar o colon de exploração de madeiras, desflorestação, queimadas nem de outros crimes ambientais. 

O colon até para fazer estradas era uma desmatação bem reduzida, ou nem fazia estrada nenhuma. Apenas nos anos de guerra alargava um pouco a limpeza junto às picadas. 

Após a independência é que se aproveitou para abusar. Os madeireiros coloniais não recebiam subsídios para adquirir máquinas modernas, viviam à rasquinha.

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Rosinha, seria interessante comparar os metros cúbicos de madeira que foram exportados antes e depois da independência... É verdade que não havia serras mecânicas. Nem muito menos máquinas, capazes de só num dia arrazar muitos campos de futebol de floresta... Os nossos aquartelamentos no mato foram construídos a catana, serra,  enxada, pá e pica, sangue, suor e lágrimas...

Só conheci um madeireiro, em Contuboel. Com a guerra fugiram todos, oa poucos que haviam... Com os reordenamentos houve grande abate de palmeiras (cibe). Mantenhas.

(iv) Patrício Ribeiro:

Amigos, em outros tempos, quem cortava uma árvore era obrigado a plantar outra.

Conheci alguns viveiros de árvores florestais do Estado, que vinham desde a época colonial: como Gambiel e Nova…Imbonhe /Bissorã, onde tenho feito trabalhos. Mas que,  com as privatizações,  alguns deles já desapareceram.

O nosso Amigo Pepito / AD, criou viveiros em Coli/Quebo, Guiledje, Varela, grandes plantações de tarrafe no norte do Cacheu, etc.

Agora corta, nada planta, será que os Chineses não as sabem plantar ?...Mas quem as corta são os Senegaleses e Gambianos.

Os ambientalistas, biólogos e outros estudiosos sobre o assunto, tem a informação de quantos milhares de contentores já saíram carregados para a China e continuam a sair, embora seja proibido por lei, mas não pelas armas, que o diga a nossa amiga Pepas Silva…

(v) C. Martins:

Qual ecologia..???

Após a independência os russos raparam o fundo oceânico da Guiné com os arrastões. Agora foram os chineses que limparam todas as árvores de mogno existentes, grandes e pequenas ... todas ou quase.

As elites africanas estão a vender África a pataco aos chineses, em que qualquer comparação com os antigos colonos europeus é mera coincidência, Para estes não existem direitos humanos, direito internacional, princípios éticos..  Nada de nada, só lhes interessa explorar os recursos existentes de forma a obter o maior lucro possível.

Trocam matérias primas por serviços prestados, assim vai a coisa até ao esgotamento total.

Ecologia ? Qual ecologia ?!

(vi) António Rosinha:

Ecologia? C. Martins, foi a China, foi a Shell, a Total,  etc, os pescadores russos e japoneses, estes são doidos por atum, e até mirones das Nações Unidas a assistir, etc. Foi tudo um regabofe a gozar com aquele continente.

Foi tudo a comprar uns tantos dirigentes e a espalhar uns míseros dólares e uns donativos para ajudar a calar o povo.

A Europa colonial, impotente, tenta esquecer África, mas os africanos não deixam.

2. Comentário do editor LG:

(Re)publicamos, acima, alguns anúncios dos  madeireiros que existiam na Guiné em meados  dos anos 50. A fonte são anúncios de casas comerciais, da então província portuguesa da Guiné, inseridos em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


O Manuel Ribeiro de Carvalho seria em 1956, antes da guerra, "o maior exportador de madeiras da Guiné"; tendo serração mecânica em Binta, Farim. O Fausto da Silva Teixeira também seria outro madeireiro importante, com estabelecimento principal em Bafatá. Tem uma dezena de referências no nosso blogue.

Recorde-se que o Fausto Teixeira foi um dos primeiros militantes comunistas [segundo reivindicação do PCP],  a ser deportado para a Guiné, logo em 1925, com 20/25 anos, ainda no tempo da I República; era dono, em novembro de 1938, de "a mais apetrechada de todas as Serrações existente nesta Colónia". segundo o anúncio que se reproduz à direita.

E o anúncio acrescenta:

 "Em 'stock' sempre as mais raras madeiras. Preços especiais a revendedores. Agentes em Bolama, Bissau e nos principais centros comerciais da Guiné"... 

(Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 7, com a devida vénia. (***)

Na altura a sede ou o estabelecimento principal era no Xitole... Foi expandindo a sua rede de serrações pelo território: Fá Mandinga, Bafatá, Banjara... Era exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960... Naturalmente, sempre vigiado pela PIDE... 

Alguém se lembra destas duas empresas e dos seus donos ? Ainda conheci, em Contuboel, um madeireiro!....A serração do Albano ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969), quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12. A malta da CART 2479 / CART 11 deve-se lembrar bem do Albano.

A guerra deu cabo destes negócios, nomeadamente o da exploração e da exportação de madeira.

Sabemos que o aproveitamento da "fileira florestal" vai se intensificar durante a II Guerra Mundial, na sequência do aumento das cotações da madeira. As florestas do Cacheu, ricas em bissilião, vão ser duramente castigadas. A exportação de madeira, da província, passa dumas míseras 131 toneladas (32 contos), em 1931-35, para 24 vezes mais, em 1946-50: 3133 toneladas (2514 contos).

A maior parte da madeira era exportada em toros. As serrações eram poucas e arcaicas. Com o início da guerra, em 1963, as exportações rapidamente entraram em declínio: 
  • 13551 t (6734 contos), em 1960; 
  • 18322 t (6630 contos), em 1961;
  • 17117 t (8241 contos), em 1962;
  • 17253 t (7919 contos), em 1963;
  • 3618 t (1164 contos), em 1964;
  • 3406 t (1848 contos), em 1965. 
A quebra mais acenuada, nessa década, é a partir de 1963, onde o volume das exportações ainda ultrapassou as 17250 toneladas (e os 7900 contos).

A madeira em bruto representava 78% do total em 1963 (e apenas 47% em 1965). O "bissilão", seguido do "mandobe", era a madeira mais exportada. A então metrópole absorvia então cerca de 90% das exportações, cabendo a Cabo Verde uma pequena quantidade. 

As práticas das populações locais e dos madeireiros eram já apontadas na época, em meados de 1960, como lesivas desta potencial riqueza económica da Guiné. Outro problema grave era a falta de comunicações e de transportes. 

A peso da peso da madeira e seus derivados era residual no conjunto dos produtos de exportação da colónia: basta comparar as oleaginosas, o amendoim ou mancarra  (40 mil toneladas e 126 mil contos, em 1961) e o coconote (c. de 16,7 toneladas e 47,7 mil contos, em 1961). Em 1965, a mancarra e o coconote representavam, em 1965, 61% e 28% do total das exportações, respetivamente. 

 (Fonte: Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1966, pp. 32/34).

Da revista Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2, extraímos os seguintes recortes,que mostram que a madeira e seus derivados ainda não figuravam nas lista dos cinco produtos mais exportados, com referência ao período de 1941-1950 (Produção e exportação em toneladas e em contos, valores médios):





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Notas do editor:

(*) Vd. postes de

22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão 9 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22443: Memória dos lugares (424): a bela e interminável praia de Varela, a 5 horas de Bissau... (Patrício Ribeiro)

5 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14221: Historiografia da presença portuguesa em África (58): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IX (Mário Vasconcelos): o madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta, Farim) e a carpintaria mecânica de Humberto Félix da Silva (Bissau)

 
(**) Último poste da série > 2 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22423: Casos: a verdade sobre... (26): Forças Armadas Portuguesas, 1961/74: Nº de desertores, refractários e faltosos

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22450: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIV: Havana, Cuba, 2018



Foto nº1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6

Cuba > Havana > 2018 >

Texto e fotos recebidos em 31/7/2021


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.


Havana, Cuba, 2018


Chego a Cuba, cento e cinquenta anos depois de Eça de Queirós [ Foto nº 6 ]. O nosso romancista foi cônsul em Havana em 1872, por aqui defendeu, como pôde, os direitos dos culies, trabalhadores vindos da China através de Macau com documentos portugueses, quase reduzidos a escravos, impiedosamente explorados por fazendeiros cubanos nas plantações de cana-do-açúcar.

Estamos agora em 2018 , tenho apenas onze dias para me embeber nos fascínios da ilha caribenha [ Foto nº 4 ]. Nos Jardines de la Tropical, pétalas humedecidas por lágrimas de orvalho. Na Plaza de la Revolucion, memórias difusas de recuados tempos, Che Guevara [ Foto nº 1 ], Fidel, o vazio e espinhos à solta.

Foi lindo, trágico, heróico o início da revolução, mas hoje, passados tantos anos, vejo o povo cubano abúlico e entristecido. Ah, mas haverá um fogo lento, cadeias a rebentar, Cuba Libre, a pátria e a liberdade. Hasta la victoria, siempre|


Julián Moreno, meu motorista de táxi -- um carro apanhado ao acaso na rua [ Foto nº 2 ].--, não pára de falar, de me contar histórias. A sua esposa, psicóloga, ganha 25 euros por mês, o cunhado, médico enviado para o Brasil, deve entregar grande parte do salário pago pelos brasileiros ao Estado socialista cubano, ele próprio -- Julián a quem foi distribuído este táxi, um Lada com dez anos, made in Polónia --, quanto a receitas, necessita de fazer balanços diárias e semanais com o organismo estatal dos táxis, o que acontece falsificando dados, para seu proveito e proveito de todos.

Com o acenar dos dólares obtidos com os turistas, alguns dinheiros deslizam também, de forma subreptícia, para os bolsos dos funcionários estatais que controlam o seu trabalho de taxista. Na conversa, o rapaz não é assim tão explícito, mas as meias palavras explicam tudo. Ai, o socialismo, ai o velho Marx!

Julián Moreno leva-me à casa de Ernest Hemingway [ Foto nº 5 ] , a Finca La Vigia, num alto sobranceiro a Havana, com vista sobre a cidade, comprada pelo escritor norte-americano em 1939. Hemingway aqui viveu, intermitentemente, até 1959 e adorava Cuba. Nesta casa escreveu O Velho e o Mar. Todos os espaços, os quartos, a biblioteca, a cozinha estão bem conservados e consegue-se adivinhar, pairando no ar, a imponente figura de Hemingway. Gostava de ter tido a sorte de o encontrar, mas o escritor partiu em 1961, suicidando-se com um tiro na cabeça, desgostoso com a vida e com o mundo.

[ Imagem à esquerda, capa de  O velho e o mar / Ernest Hemingway ; trad. e pref. Jorge de Sena ; il. Bernardo Marques ; rev. Arnaldo de Carvalho. - Carnaxide : Livros do Brasil, 2013. - 108 p. ; 21 cm. - Tít. orig.: The old man and the sea. - ISBN 978-989-711-003-0].  [ Fonte: Porbase, com a devida vénia]. 


Depois a Habana Vieja, delapidada pela passagem de tempos atribulados. Fantástica cidade, com um extraordinário recheio de edifícios antigos, igrejas, teatros, palácios, alguns restaurados, outros degradados, a cair. As gentes afáveis e simpáticas inventando mil artifícios para ganhar alguns dólares e sobreviver, teatro de rua, saltimbancos e palhaços, pinturas naif e artesanato, a Bodeguita del Medio para beber um mojito, os coloridos carros antigos, presos por arames, atilhos e cordéis, os Buicks, os Dodges, os Studbakers, os Chevrolets, os Pontiacs dos anos cinquenta do século passado para passear ao ritmo da salsa cubana.

Não muito interessante o Malecon, ainda por cima à chuva. Uma longa marginal atlântica sem graça, a cidade maltratada junto ao mar, com imensos edifícios abandonados há décadas, tudo a precisar de reconstrução, reordenamento urbano, de mais cor e alegria.

No meu terceiro dia em Havana, Julián, o rapaz do táxi, leva-me para a praia de Santa Maria del Mar [ Foto nº 4 ], numa viagem curta, uns trinta quilómetros desde a capital. Vou ao banho nas águas quentes dos mares cubanos. Depois, tosto-me ao sol, de papo para o ar. 

Aparece uma mulher jovem, de curvas ondulantes, bonita, anicha-se na areia, senta-se ao meu lado. Pergunta-me: Como te llamas? Respondo em português: Meu nome é ninguém. Adios, Señora! 

Dama de pouca virtude, a mulher descruza as pernas, alteia ainda os seios avantajados num biquíni reduzido, sorri e continua a sua caminhada. Adeus, princesa cubana!

No vazio da tarde, vou com a espuma do mar e o voo dos pássaros.
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Nota do editor: