sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22455: Passatempos de verão (27): Humor negro: "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... Epitáfios para todos os gostos e feitios...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério de Paredes de Viadores > 1 de novembro de 2017 > O mais sumptuoso jazigo, da família dos "fidalgos da Casa da Igreja", como lhes chamam as gentes locais; grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, outrora exploradas por pobres  rendeiros... (nos tempos da agricultura pré -capitalista em que só havia quatro classes sociais: fidalgos, pequenos lavradores proprietários, rendeiros e cabaneiros).   É um jazigo capela, em mármore, em estilo revivalista, neogótico, com a seginte inscrição em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar) (*)....

Até na morte os homens tentam reproduzir as desigualdades sociais que existiam em vida: esta capela, dos "fidalgos da Casa da Igreja"  é a única que existe, para além da de outra família não fidalga, neste pequeno cemitério rural, cuja construção remonta a 1894... Logo nos finais do séc. XIX, os ricos e poderosos procuraram contornar a aplicação lei liberal do enterramento público (que proibia o enterramento em espaço privado: palácios, conventos, igrejas, ermidas, capelas...) erigindo no espaço do cemitério público uma "jazigo capela", uma espécie de minicasa de Deus, reservada aos seus mortos queridos...

Há algo de patético neste encarniçamento em manter, na morte, a segregação socioespacial que existia em vida... Mas, na realidade, os cemitérios públicos, que só surgem no séc. XIX, com o liberalismo, são (ou deviam ser) verdadeiros "campos da igualdade", já que metaforicamente falando, a "gadanha da morte" ceifa tudo e todos, ceifa rente a vida, e não poupa tanto a espiga de trigo como a erva do campo, o rico e o pobre, o herói e o cobarde, o novo e o velho, o são e o doente, o amigo e o inimigo... Afinal, "na morte ninguém finge nem é pobre"...

Foto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dizem que não se deve brincar com a morte, porque dá azar... O ser humano é um animal supersticioso. E na verdade lidamos mal com a morte... Não conseguimos rir dela. Porque a nossa cultura baseia-se, afinal, na negação e na ocultação da morte, que é parte integrante da vida.

Quando andámos na guerra, não falávamos da morte, tínhamos "vinte anos e a vida toda à nossa frente" (sic)...mas aprendemos a avaliar o risco de morrer ou de ficar para sempre "deficiente", sem uma perna, sem um braço, cegos, surdos, mudos, paraplégicos, tetraplégicos... 

Afinal, "temer a morte é morrer duas vezes"... Pelo que, caros leitores,  em boa verdade não há aqui "humor negro", há apenas humor, puro e duro, humor de caserna:  rindo de nós e da nossa condição mortal, estamos a exorcizar os nossos medos, fantasmas, pesadelos... que esta pandemia (e a morbimortalidade a ela associada) veio reavivar.

Quando dizemos que "o temor da morte é a sentinela da vida", no fundo estamos a querer dizer que "o humor faz bem à nossa saúde mental"....É também um forma de resiliência contra a doença e a morte, no fim da picada da vida, já de si tão cheia de "minas e amadilhas"... 

Os provérbios populares ajudam-nos nessa tarefa, enfatizando a inevitabilidade da morte mas também a igualdade no morrer (e, para os crentes, "a honra e a glória" da eternidade):

"A vida é um sono de que a morte nos desperta"
"Hora de morrer não tem retardo"
"Mais vale andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas"
"Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo!"
"Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte"
"Quem de novo não morre de velho não escapa"
"Só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem".

Passei praticamente todo o tempo desta pandemia, desde março de 2020, na Lourinhã... No adro da igreja matriz local, junto à estátua do papa João XXIII, há um placar onde se afixam as notícias necrológicas, 

Houve semanas em que o placar estava cheio. Em tempos surpreendi um fulano, meu conhecido, a comentar: "Ainda não foi desta!"... Perguntei-lhe, intrigado: "Ó fulano, não foi desta... o quê ?!"... Resposta pronta: "Não foi festa que li, em primeira mão, a notícia da minha própria morte"... 

E o fulano ainda lá anda, sempre com medo de ser "co(n)vidado", usando dupla máscara, e espreitanto de soslaio as últimas novidades necrológicas... E eu adivinho o que ele diz entre dentes: "Bolas, ainda não foi desta!"...

A pandemia também tem os seus "apanhados do clima" como o fulano da Lourinhã... Mas, mais do que isso, marcou-nos  a todos e matou alguns dos nossos amigos, camaradas, conhecidos, vizinhos e parentes... Falando só dos membros da Tabanca Grande que faleceram  (107, no total, em 17 anos): um em cada quatro morreu em 2020 e 2021, ou seja, em apenas ano e meio...

2. Reproduzo, abaixo, uma lista de epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z, uns da minha lavra (a maior parte), outros recolhidos da Net, e depois livremente adaptados ou reformulados ... Alguns leitores poderão não achar muita graça... sobretudo para aqueles para quem a morte é do domínio do sagrado... 

Mas este poste é um mero (e inocente) passatempo (de verão). Às vezes é preciso "tapar buracos" para o que o blogue cumpra a meta dos 3 ou 4 postes diários em média... (**).

Se tiverem tempo, pachorra, saúde e boa disposição (tudo coisas de difícil combinação na nossa idade...), "entrem no jogo" e "façam vocês mesmos o vosso próprio epitáfio"... Há coisas que não podemos deixar para o último dia e muito menos para o último minuto, "à portuguesa"... 

E não deixem essa tarefa aos vivos, que são capazes de maltratar a vossa memória, sabendo nós quão verdadeiro é o provérbio, "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... (LG)


Epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z:


Almirante: O grande naufrágio!...


Amigo do Peito: À volta... cá te espero!


Antigo combatente: A última batalha!


Astronauta: Bolas, chego por fim ao fim... do mundo!


Ateu: Mas porquê eu, o escolhido, meu Deus, se eu nem sequer acredito em Ti ?!


Barqueiro de Caronte: Última viagem, uma moeda para o ceguinho.


Bombista suicida, anarquista: Abaixo o Estado! Viva o Nada!


Bombista suicida, islamista radical: Virgens, cheguei!


Budista: Transmigro, logo existo!


Calceteiro: Erros meus e do meu médico... a terra os cobre!


Caloteiro: Que Deus te pague, que eu estou liso!


Capitalista:  Esqueci-me da taxa de depreciação do meu corpo enquanto forma de capital!


Catastrofista: Que pior me há de acontecer ?!...


Católico: Obrigado, Pai, vou por fim conhecer-Te, ao vivo e a cores!


Cemitério Judaico, Ilha de São Miguel, Açores: ”Campo da Igualdade”


Chef: Minhas estrelas Michelin!... Trocava-as por uns jaquinzinhos fritos!... Que no Céu não há disto!


Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!


Cobrador de impostos: Afinal, não é só o fisco, também a morte não perdoa!


Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo: força maior.


Comodista: O último a morrer que feche... a tampa do caixão!


Contabilista: Fiz mal... as contas!


Contador de histórias: Era uma vez...


Coveiro: De pés para a cova!... Não se aceitam mais encomendas!


Diabo: Tinham-me prometido a eternidade... antes das alterações climáticas!


Ecologista: Espécie extinta!


Epicurista: Morro  de papo cheio, gozei em vida


Fadista: "Com que voz chorarei meu triste fado" ?!...


Filósofo: Ser ou não ser ?!... Era... a questão!


General: Bolas, lerpei!


Gourmet: Acabou-se o que era doce!


Herói: Saltei para o lado errado da barricada!


Historiador: Desempregado. Motivo: fim da História.


Humorista: Ói, pessoal, afinal onde é que está a piada ?


Informático "covidado": Vítima do pior vírus do mundo!


Jogador de Futebol: Arrumei as botas!


Latinista: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris! (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te tornarás!)


Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!


Marido Infiel: Agora foi "ela" que me pôs...os cornos!


Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos... a rir!


Metereologista: No inferno deve estar... um frio de rachar!


Negacionista: Não acredito!...Recuso-me a acreditar!


O (E)terno Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu amor!


O Caçador: A última armadilha!


O Corrupto: Incorruptível!


O Crente: O melhor ainda está por vir!


O Dorminhoco: Descanso eterno!


O Hipocondríaco: Eu bem avisei que... estava doente!


O Homem Mais Velho do Mundo: Arre, custou mas foi, o sacana do... velho!


O Malcriado: A vida... é uma merda!


O Optimista: É só um momentinho, por favor!


O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!


O Politicamente Correcto: Tudo acaba!


Padre: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o sacristão ou o Papa ?


Paleontologista: De fóssil em fóssil... até à jazida final!


Papa: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o bispo da minha terra ?


Pedófilo: Meus queridos anjinhos, meus fofos... cheguei!


Perfeccionista: A repetição leva à perfeição... exceto na roleta russa!


Predador: Agora a presa... sou eu!


Poeta: Saudade eterna!


Poeta Bocage 1: Já Bocage não sou!... À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento...


Poeta Bocage 2: (...) Ah! Se me creste, gente ímpia, / Rasga meus versos, crê na eternidade!


Poeta Camões: Lembrem-se de mim, ao menos, quando eu morrer no 10 de junho!


Poeta Fernando Pessoa: O eterno desassossego!


Poeta Ruy Belo: Adeus, Terra da Alegria!


Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz... ao fundo do túnel!


Portuga (Rico): Uma suite...para a eternidade!


Racista branco: A coisa está preta!


Racista negro: Branco... como a cal da parede!


Rambo: Sempre me avisaram, em Lamego, no curso de "rangers", que não se pode abusar da sorte!


Rei: Destronado e... desterrado!


Retornado: Bom filho...  a casa torna


Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem... a trabalha!


Romancista: Ponto final parágrafo. The End.


Suicida Arrependido: Porra, esqueci-me de comprar bilhete de ida e volta!


Último habitante da terra:  Tenho pena de não ter sido o primeiro


Soldado Desconhecido: Levantado do chão!


Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!...


Velho militante comunista: Até sempre, camaradas!


Viciado na raspadinha: Não jogo mais ?!...


Viciado no jogo: Bingo!


Virgem (Resistente): Maldita terra que por fim me hás de... comer!


Virologista: "Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega"


Zarolho: Se no céu for tudo cego, quem tiver um olho será rei.


3. Camarada, acrescenta aqui (, em baixo, na caixa de comentários...) uma lápide da tua lavra (do latim lapis, -idis, pedra). 

 Afinal, à morte ninguém escapa nem o rei nem o papa... E, a menos que queiras ser cremado, alguém vai pôr uma pedra, uma lápide, em cima do teu caixão...


Pelo sim, pelo não, é melhor deixar as tuas instruções pessoais em vida, com antecedência... Para o que der e vier... Mete o teu epitáfio no testamento vital.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris

(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)

5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Sexta-feira 13 de Agosto de 2021 e não ter vinho em casa, é mesmo um dia de azar.
Escreveu-me um amigo por email, que eu respondi: mais azar é ter vinho em casa e não poder beber.
Sempre a evitar todos estes dias de azar e até evitar beber vinho por causa dos medicamentos pra doença é uma chatice para não morrer.

Sobre mortos e a morte.
O guarda da morgue foi condenado por estar a violar uma morta. Então o que é me diz, perguntou-lhe o juiz. Mais vale dar uma a uma morta, que uma de morte, respondeu o guarda.

O Manuel Maria Marques Martins Máximo morreu de velho e durante toda a vida pedia com humildade não o tratarem por Máximo. Escolham Manuel Maria, ou Marques ou Martins, mas não me tratem por Máximo, diziam frequentemente. Como toda a gente o homem morreu e na sua campa está escrito:
M.M.M.M.M. homem bondoso, bom chefe de família, nunca tratou mal ninguém, amigo dos animais, sempre de boas contas e respeitador das autoridades.
Quando alguém passava pela sua campa e lia e epitáfio, comentava: este homem foi o máximo.

Bom, e nunca fiando vamos estar sempre com frigatriscaidecafobia ou parascavedecatriafobia
que é a mesma coisa.

Abraços e saúde
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar,azar é ser dia de azar,13, Sexta feira, e nao dar conta... Para mais, véspera de 14 de agosto, dia do santo condestavel. Faria anos, se fosse vivo, o meu querido amigo Álvaro Carvalho, psiquiatra.

Chocado, vi no seu velório meio mundo da saúde e da politica, tudo em amena cavaqueira contando anedotas...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Azar é um gajo morrer, tendo o apelido (alentejano) de Boa Morte. Mas os da família Prazeres e Morais também morrem, e têm direito a levar padre no funeral.

Um bom sitio para falar destas m.... é a casa de banho às tantas da noite. Vê se dormes...








Antº Rosinha disse...

Era tão fácil dar a independência às colónias... fácil para os colonizadores.

Não falemos de paises em que foi dada a independência zás-traz-já'stá, tipo Uganda, onde o povo não esquecerá um IDI AMIN, uma Nigéria que o povo se lembrará do Biafra, ou do Congo-Leo que o povo não esquece ONU por décadas...a fazer o quê? com os seus vizinhos de povo mártir Ruanda e Burundi, etc. etc, ...mas foquemo-nos apenas nas colónias portuguesas e numa francesa, Argélia, (caso idêntico)que teimosamente os colonos e a maioria dos colonizados não compreendiam que fossem entregues esses países àqueles que se julgavam com direito a tomar nas suas mãos a independência.

E vamos analisar e comparar com o olhar de "hoje", o que é o comportamento da ONU de Guterres, o que poderia ter acontecido e que naquele tempo não aconteceu.

E imaginemos o que terá acontecido de perseguições e pressões e assassinatos nas ex-colónias portuguesas e Argélia, com todos os que lutaram contra aquelas independências e que era de prever o pior que se possa imaginar.

Ora com Guterres, teria acontecido o que hoje está a acontecer com o Afeganistão que os americanos acabaram de abandonar...Guterres a pedir socorro por todos os meios que milhões de afegãos sejam acolhidos como refugiados...embora não se saiba por quem.

Naquele tempo não havia Guterres na ONU, mas há hoje, e está rouco de pedir asilo para náufragos do mediterrâneo, africanos e médio oriente e agora para afegãos, que os americanos e outros acabaram de abandonar.

As nossas ex-colónias e a Argélia também foram abandonadas...e quem devia morrer morreu e salve-se quem puder.

Aquilo em África em geral é que tem sido dar com os calcanhares no rabo, tem sido um treino tão intenso que as medalhas de ouro, prata e bronze, são todas deles...mas quantos milhões nem chegaram a tempo de entrar na competição.

Claro isto é conversa de Retornado, não de refugiado, mas quase.



Antº Rosinha disse...

O comentário anterior era para o post 42454, porque sei o que passaram os comandos e flexas africanos.