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quarta-feira, 12 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22195: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): Pedido de colaboração a pessoas maiores de 18 anos, pertencentes a qualquer país da CPLP para participar num inquérito sobre aspectos psicológicos associados ao bem-estar: resposta anónima e confidencial, demorando cerca de 20 minutos (Prof Doutor Henrique Pereira, Universidade da Beira Interior, Covilhã)


1. Mensagem de Henrique Pereira, psicólogo clínico, professor e investigador da UBI - Universidade da Beira Interior:
 
Date: domingo, 9/05/2021 à(s) 12:25
Subject: Pedido de Divulgação - Solicitação de participação em investigação
 

Olá. Estamos a realizar uma investigação, cujo objetivo é avaliar os aspetos psicológicos associados ao bem-estar, ajustamento, risco psicossocial e fatores protetores em cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 

 

Este inquérito está dirigido a pessoas:


(i) com 18 anos de idade;


(ii)  e que vivam ou sejam nacionais de um dos países da CPLP: 


Portugal

Brasil

Cabo Verde

Angola

Moçambique

Guiné-Bissau

São Tomé e Príncipe

Macau

Timor-Leste. 

 

Para participar, só tem que clicar no link abaixo (que é seguro) e seguir todas as indicações: 


Ajustamento, Risco Psicossocial e Fatores Protetores nos cidadãos da CPLP

 


Desde já muito obrigado pela participação e divulgação pelos seus contactos.

Henrique Pereira, Ph.D.

Professor Associado com Agregação




Departamento de Psicologia e Educação - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade da Beira Interior | Covilhã | Portugal
Ψ 2001-2021: 20 anos de Psicologia na UBI
__________

Nota do editor:

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8896: Recortes de imprensa (51): Hoje como ontem, de África ao Afeganistão, a realidade (oculta) do stresse pós-traumático de guerra...

Reproduzido,  com a devida vénia,  do JN - Jornal de Notícias, de 8 do corrente:

Sociedade > Militares que serviram no Afeganistão têm sintomas de stress pós-traumático



Um estudo da Universidade do Minho aponta que mais de 10% dos militares portugueses em missão no Afeganistão entre 2005 e 2009 apresentam sintomas de perturbação de stress pós-traumático [PSPT], além de queixas físicas e outras doenças.

Em entrevista à Agência Lusa, o investigador da Universidade do Minho (UM) Carlos Osório, que é também militar, explicou que um dos objectivos desta investigação foi "perceber as consequências a nível de saúde" que a presença no Afeganistão teve para os militares portugueses "no imediato e a longo prazo". 

Assim, referiu, "foram feitos inquéritos a 113 militares do Exército português mobilizados no Afeganistão, integrados na International Security Assistance Force [ISAF], uma força que tem por objectivo restabelecer a paz entre forças beligerantes".   

Segundo Carlos Osório, estes inquéritos serviram para "avaliar a exposição a stressores específicos" a que os militares das forças especiais portuguesas estiveram expostos no Afeganistão e a "associação desta exposição com o desenvolvimento de problemas mentais e queixas físicas".  

Os resultados, revelou o investigador, mostram que destes 113 militares, "três por cento preencheram os critérios de PTSD [, acrónimo inglês de Post-Traumatic Stress Disorder] e 10 por cento os critérios de PTSD parcial", isto a nível de "sintomas de perturbação mental".

Quanto a problemas de saúde física, "os resultados mostraram a presença de queixas físicas como dores nas costas, fadiga, dores musculares, dificuldades em dormir, ou inclusivamente dores de cabeça", enumerou o investigador.

Já as doenças "mais comuns" identificadas foram "doença gastro-intestinal, nervosa, respiratória, alérgica e cardiovascular".

Sobre o "teatro" em que se movimentaram estes militares, o estudo mostra que:

(i)  "71% destes militares participaram em operações de combate onde poderiam ter perdido a vida",

enquanto  (ii) "81% observaram inimigos feridos, 

(iii) 23% observaram inimigos mortos,

(iv) 15% feriram inimigos em combate

e (v) 10% chegaram mesmo a matar inimigos".

Segundo Carlos Osório, "apesar de a presença de PTSD e PTSD parcial ser relativamente baixa", os sintomas destas perturbações mentais estão "associados a diversas queixas físicas e à presença de doenças". 

Com base neste estudo, o investigador concluiu ser "essencial a criação de programas que avaliem e monitorizem todos os militares portugueses regressados do Afeganistão" para lhes "providenciar sempre que necessário o acompanhamento psicológico e psiquiátrico".

Carlos Osório alertou ainda para a necessidade de "todos os militares que apresentem várias queixas físicas serem avaliados para PTSD" e que "aqueles diagnosticados com PTSD devem também ser avaliados para a presença de sintomas físicos".

[ Revisão / fixação de texto / links / título: L.G.]

______________


Nota do editor:

Último poste da série > 3 de Outubro de 2011 >Guiné 63/74 - P8852 Recortes de imprensa (50): Medalha de mérito militar chega 43 anos depois... A história do 2º Srgt Mil Libério Candeias Lopes, de Penamacor (CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5997: Controvérsias (67): A Páscoa Sangrenta de Fajonquito, em 2 de Abril de 1972 (António Costa)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada (e amigo) António José Pereira da Costa,  António Costa, tout court (Cor Art na reserva, na efectividade de serviço), que esteve na Guiné entre 1972 e 1974:

 Assunto: Páscoa Sangrenta

Camarada:

Sobre a situação de Fajonquito (*) gostava de alinhar umas considerações, que me parecem construtivas:

(i) Não era contra o RDM ficar na PU [ Província Ultramarina,] onde se estava, a trabalhar após a passagem à disponibilidade. O país era só um - é bom que se recorde - e após as "obrigações militares" até era possível ir para o estrangeiro sem ser "a salto".

As Ordens de Serviço estão cheias das chamadas autorizações de ausências definitiva para o estrangeiros, passadas pelas unidades onde os desmobilizados tinham ficado colocados para efeitos de recrutamento. Por isso, tenho dificuldade em entender o início do diferendo entre e o capitão e o soldado, por esta razão. Não haveria outras?

(ii) Depois, tenho dificuldade em imaginar que um homem sózinho tenha conseguido descavilhar duas granadas defensivas que transportava, obviamente, uma em cada mão.

Imagina como é que o farias. Será que teve o auxílio de alguém? Claro que não! Peço desculpa, mas tenho dúvidas de que tenha sido assim.

(iii) A causa determinante terá sido a distribuição das amêndoas. Penso que o soldado ter-se-á sentido ferido (muito) na sua auto-estima e, principalmente, desamparado e abandonado.

A sua atitude terá sido um expor da sua situação de solidão, uma espécie de pedido de ajuda, semelhante aos dos suicidas. Na verdade, ele provavelmente nem sequer entendia porque estava ali a fazer aquilo (a Guerra) que não aceitava, mas não tinha saída ou remédio senão fazê-lo (não podia desertar nem fugir). Por isso, pelo menos, tinha que estar. Será que ele sentia estar a defender a Pátria ou as populações que estavam junto das NT? Ouvi dizer que era Básico, o que quer dizer que era dos psicotecnicamente menos aptos no Exército.

(iv) Por mim, creio que algumas situações de insubordinação e desobediência têm origem numa espécie de descarregar de ira e revolta contra o sistema e a situção. Não é possível que aqueles contra quem foram cometidas - na sua maioria tão milicianos como os insubordinados - fossem uns tiranetes e injustos e que merecessem a insubordinação.

(v) Creio mesmo que algumas delas terão origem numa situação de revolta profunda que não tinha por onde se expandir. Estas situações terminavam normalmente mal para os insubordinados e não creio que os quadros ficassem satisfeitos com o sucedido, como muitas vezes se diz. Para mim, estas situações serão o indício técnico de que o enquadramento é insuficiente e a mentalização é má.

Embora nunca tivéssemos tido uma recusa ao embarque, não creio que a defesa da Pátria nos fornecesse elementos para aceitarmos a ida para lá Tive ocasião de verificar que as unidades que embarcavam iam cada vez menos "mentalizadas" para as tarefas a realizar.

Farás com este mail o que quiseres, mas sugiro que testes a coerência da história tão dramática, e procures uma interpretação sociológica e psicológica para o sucedido e para a actuação dos dois principais intervenientes.

Um Ab do António Costa

2. Comentário de L.G.:

António:

Aprecio a sagacidade do teu raciocínio, a oportunidade do teu comentário e a gentileza do teu gesto, honrando a memória dos nossos mortos.

Seguramente que faltam outras versões. As duas que temos (a do José Cortes e do José Bebiano, ambos furriéis em Fajonquito, em 1972), não são suficientes.  O José Bebiano é contemporâneo dos acontecimentos, privou por exemplo com o Fur Alcino, uma das vítimas mortais dos acontecimentos, mas no dia 2 de Abril de 1972 não estava em Fajonquito, estava antes na Metrópole, em gozo de licença de férias.

 Por sua vez, o José Cortes (da companhia que veio render a CART 2742, a CCAÇ 3549),  tinha partido para a Guiné erm 26 de Março de 1972 e,  antes de seguir para Fajonquito, ficou  a tirar a IAO, no Cumeré, possivelmente durante um mês e meio... A versão dele só pode ser em segunda mão...Ouviu contar "in loco", um a dois meses depois do ocorrido... E contou-ma agora, 38 anos depois, ao telefone, ele em Coimbra, eu em Lisboa. (Em rigor, é a versão dele, oral, telefónica, reconstituída por mim).

 Há pormenores, nas duas versões, que se contradizem: o José Cortes falou-me, ao telefone, em duas granadas, descavilhadas, uma em cada mão. O José Bebiano fala apenas numa... O Soldado Almeida seria um básico, segundo li na lista dos mortos da guerra do Ultramar... O José Bebiano dizer que ele era um ex-comando... Esperemos que ainda apareça alguém, da CART 2742, que nos dê uma versão mais detalhada, exacta e contextualizada desta tragédia ocorrida num domingo de Páscoa, numa festa que era suposto ser de despedida e de alegria... É a isto que se chama a triangulação das fontes.

Em suma, partilho, contigo, da mesma dúvida céptica: um soldado, não operacional, não tinha acesso fácil a granadas de mão defensivas (que estavam, em princípio,  à guarda do cabo quarteleiro, tal como as granadas de morteiro e de bazuca); depois, não tinha habilidade nem sangue frio para pegar logo em duas, arrancar-lhe as cavilhas (com os dentes ?) e segurá-las, uma em cada mão, atravessar a parada e dirigir-se (calmamente ?) à secretaria... Fosse ex-comando, talvez tivesse treino para isso... Será que, entretanto,  algum dos graduados o tentou desarmar ? Refiro-me ao Cap Figueiredo, ao Alf Félix e ao Fur Alcino...Aparentemente não há testemunhas desta cena fatal, passada na secretaria...

É bem possível que o Sold Almeida apenas tenha querido chamar a atenção para o seu caso, ou simplesmente protestar, julgando-se vítima duma clamorosa injustiça... A história das amêndoas bem pode ter sido a gota de água que fez transbordar o copo...

Também descarto a hipótese de suicídio (bem como de homicídio deliberado)... Na tomada de decisão de um suicída, há vários factores (antecedentes e mediatos) a ponderar... Nunca há uma causa única, há um feixe de causas ou determinantes... Ninguém toma uma decisão repentina destas, mesmo quando sob o efeito de álcool ou drogas (o que até podia ser o caso)... E a haver suicídio, ele foi também um triplo homicídio...

Aparentemente, o Sold Almeida não tinha nenhum conflito com os dois milicianos que morreram, juntamente com o Capitão... O mais provável é que tenha havido uma tentativa de neutralizar o infeliz Almeida que, de resto, tinha todas as razões para viver, não para morrer: o conflito com Capitão era porque ele querir ficar na Guiné, depois da peluda...

A alegada incompatibilidade dessa manifestação de vontade com o RDM é uma interpretação (indevida) minha... Eu pensei que a comissão militar só acabava com o regresso à Metrópole e a consequente passagem à disponibilidade...

Quanto ao pedido que me fazes, para arriscar "uma interpretação psicológica  e sociológica para o sucedido" (sic), agradeço-te mas sai fora da minha competência como editor deste blogue. Não sou psicólogo, sou sociólogo e, em princípio, só gosto de falar do que estudo, investigo ou leio... O suicídio enquanto fenómeno social interessa-me. O suicídio, as tentativas de suicídio, outras formas de auto-mutilação (tiros no pé, no dedo indicador direito, etc.), o homicídio e outras formas de violência nos quartéis (ou no mato) merecem ser descritas, divulgadas, analisadas, contextualizadas, interpretradas no nosso blogue... 

Mas nesse caso ainda não temos informação suficiente para tentar uma interpretação que não seja baseada em ideias de senso comum (o que é de todo contra-indicado a um sociólogo)... Façamos votos para que apareçam mais camaradas com informação (inédita e válida) sobre o caso da "Páscoa Sangrenta de Fajonquito"...

Deixo-te aqui apenas uma dica sobre o suicídio, e que fui buscar à página da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (Vd. Questões frequentes):

(...) Normalmente o suicídio é equacionado como forma de acabar com uma dor emocional insuportável causada por variadíssimos problemas. É frequentemente considerado como um grito de pedido de ajuda. Alguém que tenta o suicídio está tão aflito que é incapaz de ver que tem outras opções: podemos ajudar prevenindo uma tragédia se tentarmos entender como essa pessoa se sente e ajudá-la na procura de outras opções e soluções. Os suicidas sentem-se com frequência terrivelmente isolados; devido à sua angústia, não conseguem pensar em alguém que os ajude a ultrapassar este isolamento.

Na maioria dos casos quem tenta o suicídio escolheria outra forma de solucionar os seus problemas se não se encontrasse numa tal angústia que o incapacita de avaliar as suas opções objectivamente. A maioria das pessoas que opta pelo suicídio dá sinais de esperança de serem salvas, porque a sua intenção é parar a sua dor e não por termo à sua vida. A este facto dá-se o nome de ambivalência. (...)

Os modelos, mais propriamente sociológicos, avançados para a compreensão e a explicação do suicídio, tendem a chamar a atenção para o facto de, em contexto de guerra, poder haver menos factores de risco de suicídio (a não ser em casos de derrota ou de aprisionamento, por questões de honra, etc.). O combatente, integrado num grupo de combate, terá menos hipótese de suicídio, de acordo com a teoria de Durkheim: O aumento, real ou percebido, da ameaça sobre o grupo, vinda de fora - neste caso, do inimigo - leva a uma maior integração do indivíduo no grupo, e o consequente decréscimo do risco de suicídio...

No caso do Almeida, a questão de se saber se ele realmente era um soldado básico (e, portanto, menos apto, do ponto de vista "psicoténico") não é de somenos importância... LG
____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5938: A tragédia de Fajonquito ou as amêndoas, vermelhas de sangue, do domingo de Páscoa de 2 de Abril de 1972 (José Cortes / Luís Graça)

[Versão de José Cortes, recolhida ao telefone por Luís Graça:]

(...) (i) Havia um, soldado da CART 2742 que, uma vez terminada a comissão, queria ficar na Guiné como civil;

(ii) Ao que parece o Cap Art Carlos Borges Figueiredo manifestou, desde logo, a sua oposição à ideia,  contrária a todo o bom senso e sobretudo ao RDM;

(iii) Ter-se-á aberto um contencioso entre o soldado e o seu comandante, e envolvendo também o primeiro sargento;

(iv) A mulher do capitão havia mandado, da Metrópole, "dez quilos de amêndoas" para distribuir pelo pessoal da companhia; a distribuição foi feita pelo próprio comandante, no refeitório, no domingo de Páscoa, 2 de Abril de 1972;

(v) Quando chegou a vez do soldado em questão, o capitão terá passado à frente, num acto que aquele interpretou como de intolerável discriminação;

(vi) O soldado levantou-se, sem pedir a licença a ninguém, e saiu do refeitório. Foi ao abrigo (ou à sua caserna) e veio para a parada com "duas granadas já descavilhadas", em cada mão. Dirigiu-se à secretaria. O primeiro sargento ter-se-á apercebido, a tempo, das intenções do soldado, e não se aproximou da secretaria (ou fugiu, não sei);~

(vii) Dentro da secretaria, estava o Capitão, um alferes e um furriel. Ninguém sabe o que se passou lá dentro. O soldado deixou cair as duas granadas. O tecto da secretaria foi pelos ares. Lá dentro ficaram 4 cadáveres

Mortos, em 2/4/1972, todos do Exército, por acidente (sic), constam os seguintes nomes, na lista dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes:

- Alcino Franco Jorge da Silva, Fur
- Carlos Borges de Figueiredo, Cap
- José Fernando Rodrigues Félix, Alf
- Pedro José Aleixo de Almeida, Sold (...)


7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972


[Versão do José Bebiano:]

 (...) José Cortes: O tempo passa e a tua imagem passou? Pouco tempo estive convosco [ CCAÇ 3549]. Lembro-me bem do Cap Patrocínio.

A história do soldado Almeida, ex-comando, e que com uma granada na mão matou-se e matou 1 cap + 1 alferes + 1 furriel... Eu, na altura do acidente estava em Lisboa.

Qual a razão para tal atitude? Pelo que me disseram, queria permanecer na Guiné e com uma granada na mão foi pedir para que não o enviassem para a Metrópole (?!)... Passou-se completamente.

Vou enviar uma foto com o falecido Alcino e com o Bebiano. A foto foi tirada em 26 Out 1971. Ainda por lá fiquei mais um ano.

Cumprimentos

P.S. - Estou reformado/aposentado desde 30 de Novembro. Ex-professor de Educação Física em Moura. (...)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

1. Texto que nos foi enviado, pelo Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 22 de Março do corrente (última versão, corrigida):


QUATRO MESES DE... NADA
por Miguel Pessoa

[Titulo do poste, bold e cor, da responsabilidade do editor L.G.]

Pensei seriamente em não escrever sobre este assunto. Não parece ser "politicamente correcto" e pode merecer da parte de alguns uma certa incompreensão; mas a verdade é que, embora nunca tendo gostado de dar nas vistas, nunca me eximi a mostrar as diferenças na minha maneira de ser relativamente ao que é considerado o comportamento padrão, dito "normal".

Considero-me um narrador razoável quando se trata de descrever factos palpáveis; mas é para mim uma experiência nova quando toca a descrever sentimentos, afectos e outros quejandos. Para isso existem nesta panóplia de "escrevinhadores" exímios narradores do que nos vai na alma. Na vida militar estamos habituados a relatar factos ocorridos, enumerar as razões por que eles aconteceram, propor medidas com base em racionais que justifiquem a tomada de decisão; no que se refere aos sentimentos que sentimos em relação a um determinado problema, esses não são por norma apresentados. Por isso o meu desconforto ao abordar este tema.

Tem isto a ver com a troca de correspondência que tenho tido com o editor e co-editores do blog e que, na prática, tem resultado na apresentação a todos os seus leitores do meu ponto de vista sobre este e aquele assunto, relatando factos e tentando esclarecer (de acordo com o meu ponto de vista) o porquê da posição que em cada caso acabou por ser tomada pela Força Aérea.

Analisando detalhadamente o que se tem passado nestes últimos meses, vejo que os resultados desta exposição perante tantos interlocutores (sim, que todos podem comentar o que cada um diz - a comunicação é bidireccional) terão produzido em mim resultados mais significativos que umas tantas sessões de terapia com um psicólogo ou um psiquiatra (que, verdade seja, nunca utilizei, por não achar necessário - Seria?).

Vejo hoje que, expurgados alguns fantasmas que me habitavam, subsistiam alguns traumas que eu nem sabia estarem presentes no meu subconsciente. E um deles prende-se com quatro meses da minha vida que, sendo dos mais pacíficos, relaxantes e descontraídos que vivi, deixaram em mim uma sensação de vazio que tenho ainda hoje dificuldade em preencher.

Já tive a oportunidade de referir neste blog os factos que levaram a um interregno na minha comissão na Guiné por um período de quatro meses, o tempo que passei em Lisboa a recuperar das mazelas sofridas no decorrer de uma missão naquele Teatro de Operações.

Lembro-me que, no dia em que embarquei em Bissau com destino a Lisboa, para iniciar a minha recuperação, ainda na ressaca dos acontecimentos da véspera, em que a Força Aérea tinha perdido três pilotos e três aviões(+), tive um desabafo sincero mas que os meus camaradas não mereceriam:
- Desculpem lá mas, de certo modo, neste momento sinto-me satisfeito por não estar em condições de voar.

Tive oportunidade de me arrepender várias vezes destas palavras, pois nem eles as mereciam, pela solidariedade que lhes devia, nem as merecia eu, que sempre assumi as minhas responsabilidades e não tenho por hábito virar a cara a nenhum desafio, por mais que isso me custe... E tive também a oportunidade para tentar redimir-me desse momento ao longo do ano que ainda passei na Guiné, depois de recuperado fisicamente. Mas nunca consegui recuperar os quatro meses que estive afastado do Teatro de Operações.

Não podemos prever o futuro, por isso não sei o que me poderia ter sucedido naquele período, se lá tivesse estado (como diria o outro, prognósticos, só no fim do jogo...). O que sei é que foi uma "traição" que o PAIGC me fez ao limpar-me estes quatro meses de Guiné - e ao mesmo tempo, uma involuntária "traição" minha por não ter podido apoiar os meus camaradas de luta, num momento tão difícil para todos nós, que levou inclusive a alterações significativas da Força Aérea no modo de fazer a guerra.

É que é nos momentos difíceis que pomos à prova as nossas maiores qualidades e que sobressaem os nossos maiores defeitos ou limitações. Embora tenha tido oportunidade de testar posteriormente as minhas capacidades e de sair de lá com a minha dignidade intacta, não pude partilhar, naquele verão conturbado de 1973, todas as agruras, apreensões e dificuldades sofridas pelo pessoal da FA naquele período difícil, bem como a satisfação do dever cumprido que todos terão sentido no dia-a-dia e a solidariedade e camaradagem que tiveram oportunidade de partilhar, que lhes permitiu afinal ultrapassar essas dificuldades e prosseguir a sua acção no TO da Guiné.

Por isso, lamentando não ter podido estar presente, daqui lhes tiro o meu chapéu, por terem conseguido, pese embora todos os constrangimentos existentes, cumprir a sua missão nesse verão quente de 1973.

Miguel Pessoa

(+) Eu embarquei para Lisboa em 7 de Abril de 1973, os acontecimentos a que me refiro ocorreram em 6 de Abril. (**)

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd.último poste da série FAP > 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)

(**) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

sexta-feira, 27 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4085: O trauma da notícia da mobilização (4): Ir em rendição individual e, para mais, 'substituir um morto'... (Henrique Matos)



Fotos: Henrique Matos (2009)

1. Mensagem do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão (*):

Caro Luís e co-editores:

Se achares que tem interesse para a série "O trauma da noticia da mobilização" talvez com o subtítulo: a rendição individual...


2. O trauma da notícia da mobilização (**): Ir em rendição individual...


Da inspecção apenas lembro de estarmos em pelota com cara de parvos, pois não era coisa vulgar naquele tempo, e do exame médico que foi super rápido.

Já a mobilização ficou bem marcada. Data: Julho de 1966. Local: Batalhão Independente de Infantaria 17 (BII17) em Angra do Heroísmo (foto anexa retirada da Wikipedia).

Tinha acabado de dar uma recruta e já sabia que seria mobilizado mais dia menos dia. Conservava porém alguma esperança de ir para Angola, uma vez que tinha feito um requerimento nesse sentido por ter lá a minha família e tinha uma boa classificação.

Erro meu. Chegou a dita e logo para a Guiné que já se sabia não era pera doce. Para piorar as coisas era uma rendição individual, o que significava avançar sem que fosse com alguém conhecido (faz sempre falta nem que seja para desabafar), e começou logo a falar-se que seria para substituir algum camarada morto.

Refira-se que só soube que ia para um Pelotão de Caçadores Nativos quando já estava em Bissau. Ainda no BII17, uns dias antes de ser mobilizado, chegou àquela unidade um tenente regressado duma comissão na Guiné e que mostrou a toda agente uma série de fotografias escabrosas.

Claro que isto deixa um cidadão pouco tranquilo e escusado será dizer que os dez dias de férias que me deram antes de embarcar foram passados em estado etílico.

A viagem para Lisboa foi no velho Lima (foto retirada do site Ships Insulana) e demorou três dias e três noites, o que deu para passar no BII18 em Ponta Delgada (foto anexa em que estou de casaco branco) e no BII 19 no Funchal para rever e despedir de camaradas.

Abraço grande,

Henrique Matos

3. Comentário de L.G.:

Já tinha dito ao Carlos (que hoje tem o dia livre porque faz anos, 61 se não me engano)... Vamos insistir no tema, que tem sumo (e muito álcool...) para dar. Também gostara de escrever sob esse famigerado dia, em que apanhei a minha primeira cadela da vida...

De facto, bebi não sei quantas 'moscas' (lembra-se na 'mosca' com o cafezinho ?) num botequim qualquer, parecia que o mundo ia desabar quando me atirei para cima da cama... E ia desabar mesmo: nessa noite, de 28 de Fevereiro de 1969, houve um forte abalo sísmico...

Eu estava em Castelo Branco, onde era 1º cabo miliciano e instrutor militar (passara lá um cruel inverno, com tanto frio que tive comprar ceroulas, como aquelas que usavam os nossos avós)... Pois eu, nessa tenebrosa noite, dormia que nem um justo... Houve alguns estragos no quartel, armários que caíram na nossa camarata, etc. ...Só soube no dia seguinte, já a manhã ia alta...

Quando tiver tempo, hei-de escrever sobre esse episódio. De qualquer modo, eu estou como o escritor norte-americano Mark Twain, ao comentar a notícia da sua morte...Disse ele que a notícia fora um bocado exagerada. O mesmo se podia dizer do "trauma"... da notícia da nossa mobilização.

O que quer dizer trauma ?

Do do grego traûma, ferimento, a palavra portuguesa trauma é um s.m. [Leia-se: substantivo masculino).

Em termos médicos, é sinónimo de traumatismo; contusão; lesão local devida a um agente exterior accionado por uma força; para os psicólogos, trauma quer dizer "choque emocional violento que modifica a personalidade de um sujeito, sensibilizando-a em relação a emoções da mesma natureza e podendo desencadear problemas psíquicos" (Dicionário de Português Priberam).

Em suma, parece-me ser forte o termo trauma usado no título desta série. De qualquer modo, toda a gente tem hsitórias para contar desse dia (ou dia da inspecção, o ir ás sortes...). São essas histórias que a gente quer ver no blogue. E se houve alguns excessos etílicos, tanto melhor. Quem não bebeu uns copos nesse dia, que atire a minha pedra, perdão, garrafa.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste do Henrique Matos > 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)


(**) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)

24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4075: O trauma da notícia da mobilização (2): No dia da minha inspecção, ali estava eu, em pelota... (Joaquim Mexia Alves)

24 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4072: O trauma da notícia da mobilização (1): A minha mobilização para a Guiné acagaçou-me (Magalhães Ribeiro)

domingo, 15 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1955: 300 mil, vítimas de stresse pós-traumático de guerra: estude-nos depressa, doutora (Virgínio Briote)

1. Excerto de artigo publicad0 hoje no Diário de Notícias ("Guerra sem fim")


(...) Continuam em combate trinta anos após o fim da guerra colonial. À noite, são assolados pelas imagens de morte e chacina e, de dia, perpetuam o medo e a angústia. Vivem mal com eles próprios e com os outros. Uma equipa coordenada pela psicóloga Ângela Maia, tentou saber quem são e como vivem hoje os ex-combatentes. Concluiu que, no mínimo, 300.000 homens poderão estar profundamente doentes e abandonados à sua sorte. (...)


2. Comentário do co-editor Virgínio Briote:

Toca-nos a todos. Não ficou nas matas e bolanhas da Guiné. Veio connosco nos Uíges e Niassas, pôs os pés em terra na Conde de Óbidos, entrou nas nossas casas. Muitos dos nossos pais, das nossas mulheres, dos nossos filhos, sentiram que havia algo em nós que não batia certo. Um assunto a continuar a debater, até que já não haja vestígio de ex-combatentes.

vb