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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26214: Efemérides (447): Faz hoje 53 anos que a 35.ª CCmds chegou a Bissau a bordo no navio Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd)

1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Cmd da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 29 de Novembro de 2024:

Bom-dia, Luís e restantes companheiros/camaradas.

Vinha, deste modo, comemorar mais um aniversário - o 53.º - da minha chegada à Guiné, pois desembarquei ali, com a minha 35.ª CCmds, no dia 29/11/1971.

Dois dias depois, voltamos a embarcar, não no Angra do Heroísmo - que nos tinha transportado desde Lisboa - mas numa LDG, que nos levou até Teixeira Pinto, hoje Canchungo, onde ficámos sediados até Maio/73.

É da viagem de ida, a foto que envio, em que estou acompanhado pelos furriéis Armando (um fafense a viver no Porto) e Correia, um vimaranense que não ficou na Companhia porque não tinha equipa e era dos "reserva", para o caso de algum "chumbar" no treino operacional, que em 1986 vivia na Austrália e do qual perdemos o contacto.

Um abraço
Ramiro Jesus

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Nota do editor

Último post da série de 19 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26168: Efemérides (446): Cerca de 300 fafenses homenagearam Jaime Bonifácio Marques da Silva, que na cidade de Fafe foi: Professor, Autarca, Fundador do Clube de Andebol, Treinador, etc. (Manuel Barros de Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24775: Notas de leitura (1626):"Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização", por Pedro Rabaçal; Marcador Editora (Editorial Presença), 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Trata-se de uma iniciativa de divulgação, abarca a presença portuguesa em vários continentes, o capítulo dedicado à Guiné afigura-se-nos no essencial correto, menos correto o capítulo que dedica a descolonização, a bibliografia apresentada é muito precária e alguns dislates não impedem de considerar que a obra cumpre a sua função meramente expositiva e didática.

Um abraço do
Mário



Portugueses em África: uma breve história da nossa presença na Guiné

Mário Beja Santos

A
obra intitula-se Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização, por Pedro Rabaçal, Marcador Editora (Editorial Presença), 2017. É uma obra de divulgação por alguém que tem no seu currículo o gosto por investigar, veja-se os títulos do que já publicou na Marcador Editora: 100 heróis e vilões que fizeram a História de Portugal; Imperadores Romanos, a vida de 30 Césares; Os grandes ditadores da História; 100 datas que fizeram a História de Portugal. Abarcando todas as parcelas do Império Português, ao longo de cerca de 150 anos, seleciona-se o que sobre a Guiné escreveu.

Tem um capítulo autónomo intitulado Guiné, a rebelde. Inevitavelmente fala nos lançados e tangomaus, no Tratado Breve dos Rios da Guiné, de André Alvares de Almada, nos piratas e presídios, na edificação da fortaleza de Cacheu, no enorme refluxo marcado pela Dinastia Filipina e a tentativa, após a Restauração, para melhorar a presença portuguesa; dá-nos um breve quadro da missionação e dos seus magros resultados; estamos chegados ao tráfico negreiro, a par do assédio francês e britânico, dá conta de que altas figuras da mestiçagem prosperavam com o comércio negreiro, caso de Caetano Nosolini e a sua mulher Aurélia Correia, e faz uma exposição digna de destaque:
“A atividade negreira de Caetano Nosolini correspondia à maioria da média anual de 2000 negros vendidos a Cuba. Enquanto não eram vendidos, trabalhavam nas suas plantações de café, amendoim, arroz, milho. As acusações e protestos contra Nosolini não passaram de uma brisa aquando das suas nomeações para governador interino da Guiné. Uma delas era a do homicídio do capitão mercador francês Dumaige, seguida da sua prisão e absolvição. A anulação da indemnização não teve efeito, dado a marinha francesa ter confiscado várias toneladas de mercadorias de Nosolini, sob a ameaça do uso da força.

O combate ao tráfico de negreiros significou o fim da prosperidade mercantil da Guiné no início do século XIX. As reduzidas guarnições locais passaram a ser pagas em géneros, como panos e barras de ferro, remunerações cuja a modéstia e lentidão despertavam frequentes atos de indisciplina. O hábito de enviar degredados merece ser exemplificado pelo caso do capitão-mor Manuel Pinto Gouveia, nomeado em 1905 e acompanhado de uma guarnição de 150 criminosos.
Um rival e concorrente de Nosolini, o também negreiro Joaquim António de Matos, não soube reconverter-se a novas atividades com a abolição da escravatura. E os negócios não lhe correram bem, como quando a Royal Navy destruiu o seu estabelecimento na ilha das Galinhas e libertou os escravos, em 1842”.


O autor debruça-se sobre os assédios francês e britânico, prossegue com os confrontos entre português e autóctones e o papel exercido por Honório Pereira Barreto. São referenciados vários desastres, como Bolor (1878) e a derrota de 15 de janeiro de 1886, num afluente do Rio Grande de Buba. Trata-se de um período de enorme instabilidade, em que os residentes dentro de Bissau vivem na maior das inseguranças. Mas tentou-se a expansão militar, sempre com enormes dificuldades e assim se chegou à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. A narrativa destaca as campanhas do capitão Teixeira Pinto, as violências do seu braço direito, Abdul Indjai e entramos num capítulo sobre a modernização da economia. Extinta a escravatura, a agricultura e a exploração madeireira passaram a ser as principais riquezas da Guiné, alargou-se a relação dos produtos de exportação, chegou-se ao século XX com o comércio externo nas mãos de sete casas comerciais (três francesas, uma franco-britânica, uma alemã e uma belga, e uma única portuguesa). Somente 18% do comércio externo da Guiné era realizado com Portugal (isto de 1909 até 1913), o controlo português surgiu em 1927 com a criação da CUF.

O autor refere a questão das grandes carências, da divisão entre civilizados, assimilados e indígenas, o período de transformações trazidos por Sarmento Rodrigues. E procede a uma inflexão, dedica um capítulo às rebeldias guineenses e às respetivas operações ditas de pacificação que culminam com a rendição da ilha de Canhabaque em fevereiro de 1936.

Inevitavelmente que irá falar da Guiné no capítulo dedicado à Guerra Colonial, há poucas novidades: o início de guerra em janeiro de 1963, a Operação Tridente, a natureza dos armamentos das tropas portugueses e guineenses, a chegada dos técnicos cubanos em 1965, as tentativas de Spínola em reverter os avanços do PAIGC, as ofensivas diplomáticas de Amílcar Cabral, os desastres da Operação Mar Verde, como Sékou Touré se aproveitou desta operação para proceder a uma nova purga sangrenta na República de Conacri; e temos a questão cabo-verdiana como um dos motores do assassinato de Amílcar Cabral mas o autor não perde a oportunidade para referir outros hipotéticos responsáveis.

Faz perguntas:
“O que o Estado Novo tencionava ao ajudar membros do PAIGC a tomar o poder dentro do partido? Fazê-lo mudar de lado? Uma simples aliança temporária contra o inimigo comum? Quem sabe, enfraquecer e dividir o PAIGC, o que soa mais provável. Porém, a eliminação de Amílcar Cabral acabou por não dar em nada.
Uma vez decapitado, o PAIGC deixou crescer outra cabeça dirigente, como uma hidra, e os respetivos combatentes lutaram com a maior firmeza, ansiosos por vingar a morte do líder. O escândalo internacional perante a morte de um famoso e respeitado não foi de certeza uma vitória diplomática para Portugal. O crime não serviu de nada ao Estado Novo nem ao colonialismo português. Amílcar Cabral era um homem, mas nenhuma bala podia eliminar as suas ideias”
.

Trata-se, pois, de um livro de divulgação, dá-se como certos elementos altamente discutíveis e jamais comprovados, é mais uma obra a juntar aos extenso reportório de tantos outros títulos orientados pelo prazer de fazer histórias breves do Império Português.

Cerimónia em frente do Palácio do Governador, Bolama, década de 1930
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Notas do editor

Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24762: Notas de leitura (1625): "Militar(es) Forçado(s), por Maximino R. Costa; edição de autor, 2017 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24749: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (3): A guerra vista do CAOP1 (Canchungo/Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (António Graça de Abreu)


Lisboa > Museu Militar > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (ou ainda "jacto do povo", na gíria do PAIGC). Capturada em Cufar, em 1/1/1973.

Era uma arma de artilharia, de bater zona e não de tiro de precisão, com alcance máximo de 11.700 metros para 40º de elevação. Segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de Novembro de 1969, a 9.800 metros. 

O foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade a fim de estabilizar a vôo. As alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo.  

Fotos (e legenda): © Nuno Rubim (2007). 
Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abreu, António Graça de - "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007, pp. 104-105. (Capa do livro, reproduzida com a devida vénia).


BI militar, emitido em Teixeira Pinto, 
6 de agosto de 1972.



1. Do nosso camarada e amigo, António Graça de Abreu publica-se uma série de excertos do seu Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), com o descritor "foguetões 122 mm" (*),

Selecionámos as passagens em que há referências a ataques ou flagelações a aquartelamentos e destacamentos com foguetões 122 mm, enquanto ele esteve no CAOP1 (Canchungo ou Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74).

Tudo somado, ao fim de quase dois anos de comissão foram muitas centenas de rebentamentos, vistos ou ouvidos,  com especial especial destaque para os que caíram no sul, na região de Tombali... 

O António  esteve em Cufar, no CAOP1, de junho de 1973 a abril de 1974.  Mais uma vez, com a devida vénia ao nosso camarada que nos autorizou a utilização do seu trabalho...

Tudo indica que junto à fronteira o PAIGC, no final da guerra (1973/74 (e contra aquartelamentos como Bedanda e Gadamael),  já utilizava viaturas com o sistema de  lançamento múltiplo (ou multitubo) de foguetes 122 mm: nas flagelações ou ataques, já não se limitavam a lançar dois ou três foguetes, mas dezenas, e durante uma ou duas horas. A CECA faz referência ao sistema de lançamento múltiplo de foguetes BX-10, mas não lhe chama Grad ou BM-21 Grad. (Há uma grande confusão com as várias versões deste sistema e as suas siglas...)
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Canchungo, 7 de Julho de 1972

(...) Recebi carta da minha mãe. Diz-me que foi ao Porto e que, por amor de mim, colocou um grande ramo de flores no altar de Santo Ildefonso, na igreja da praça da Batalha. Que o santo me proteja!

Mas não me parece viver em situação de grande perigo. Tenho muitos privilégios, não sou propriamente um operacional, não saio para o mato de G 3 em punho em busca do IN. Há apenas o problema dos bombardeamentos, flagelações ou de uma emboscada na estrada.

Quase há um ano que Canchungo não é atacada pelo PAIGC. A última vez, a 3 de Agosto de 1971, foi com foguetões 122 disparados a onze quilómetros de distância. 

Durante quatro minutos sobrevoaram o quartel, sibilando no ar e foram rebentar lá longe, na bolanha, nos arrozais a sul. Foi só susto, não houve mortos nem feridos, apenas um capitão, ao fugir, caiu numa vala e partiu uma perna.
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(...) Canchungo, 22 de Agosto de 1972

Existe um CAOP 2. Fica em Nova Lamego, terra dos homens de etnia fula, lá no leste, não muito longe da fronteira. É uma zona menos pacífica do que a nossa. Foram agora flagelados com foguetões 122

Não sei ainda o que são, nem o estrago que provocam. A semana passada, nos arredores de Nova Lamego, uma mina anti-carro fez ir pelos ares um camião Berliet, tendo provocado 19 feridos, alguns graves. Nova Lamego nem é do pior. 

Aqui a nordeste, o aquartelamento de Olossato foi bombardeado a semana passada durante hora e meia. Nós, em Canchungo, fomos atacados (?) durante um minuto. O ataque em Olossato veio de todas as direcções com um potencial de fogo de arrepiar. No entanto, não se deve abrir muito a boca nesta guerra, as nossas tropas só tiveram um ferido grave e três feridos ligeiros. Os abrigos e as valas para alguma coisa servem.
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(...) Canchungo, 27 de Janeiro de 1973

Mansoa é o nosso destino. Entre as três possibilidades, Bula, Bissorã e Mansoa, não sei qual é a melhor, é dos tais casos em que “venha o diabo e escolha.”

Pouco sei sobre Mansoa, o meu baluarte nos próximos catorze meses. Mas é a maior das três que nomeei atrás e tem uma vantagem, a sua proximidade de Bissau - uns 60 quilómetros, -   e o facto de existir uma estrada asfaltada onde se circula normalmente sem escolta. Para oeste, entre Mansoa e Bissau, o IN não actua. No entanto, a vila é menos pacífica do que Teixeira Pinto. Para norte, leste e sul já os guerrilheiros se movimentam entre a malha dos aquartelamentos portugueses e encontram-se bases IN não muito distantes. Não vou falar mais da sagrada e intocável Caboiana, agora vai ser o Morés, o Queré, o Choquemone, o Oio.

Mansoa tem a grande desvantagem de “embrulhar” em média uma vez por mês. Tanto quanto sei, fazem pontaria para o quartel e disparam os foguetões 122, os canhões sem recuo, a uma distância que varia entre os quatro e os dez quilómetros. 

Eles são maus artilheiros, não costumam acertar na tropa e pelo que tenho lido nos relatórios diários que historiam esta guerra, quem normalmente paga as favas nas flagelações a Mansoa é a população negra das tabancas. A tropa tem abrigos, os disparos IN acertam com mais facilidade nas casas da vila do que no quartel.
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(...) Mansoa, 12 de Março de 1973

Bissá, um pequeno aquartelamento doze quilómetros a sul de Mansoa, foi atacado sábado passado às nove e meia da noite, estava eu a beber um café na esplanada do Simões, o restaurante. Foi um ataque a sério que se prolongou por quarenta e cinco minutos, apesar da distância ouviam-se os disparos e rebentamentos com muita nitidez. Os dois obuses de Mansoa ajudaram ao barulho e dispararam cinquenta e sete granadas de canhão sobre as zonas prováveis de retirada do IN. Só hoje soube os números.

Resultado, o IN destruiu e queimou oitenta e sete tabancas, houve três mortos entre a população, muitos feridos e gente intoxicada. As NT de Bissá não sofreram nada, além do desgaste psicológico que uma flagelação tão dura como esta costuma provocar.

Mantive-me tranquilo, mas se em vez de Bissá a ser atacada tivesse sido Mansoa diria, por certo, adeus à pacatez e à calma. Estar dentro de um quartel cercado de arame farpado e experimentar as sensações fortes de ouvir os foguetões, as granadas de morteiro e canhão sem recuo a vir em nossa direcção ou a cair não muito longe de nós, faz com que os rebentamentos comecem a ficar cá dentro. 

Agora entendo melhor porque é que, depois do regresso a Portugal, um ex-combatente ouve um foguete rebentar na romaria da aldeia e corre, tremebundo, a esconder-se no primeiro buraco que lhe aparece.
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(...)  Mansoa, 19 de Março de 1973

Foi a vez de Infandre “embrulhar”, um aquartelamento com quarenta militares e cerca de mil habitantes, dez quilómetros a norte daqui. Levaram com foguetões, canhão sem recuo, RPG, morteiros, armas automáticas, foram atacados com um enorme potencial de fogo. No destacamento, não houve feridos, apenas os usuais estragos materiais. A pobre da população é que pagou as favas.

Em Infandre, como em muitos outros lugares da Guiné, os negros tanto fazem o nosso jogo como apoiam o PAIGC. Mas a população é sempre infeliz. Nas flagelações à distância, os guerrilheiros não acertam na tropa portuguesa e acabam por provocar mortos e feridos nos habitantes negros que tantas vezes até não lhes são adversos. É a guerra impiedosa, cruel.
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(...) Mansoa, 6 de Maio de 1973

Os militares do quartel de Bula, ainda na zona se acção do CAOP 1, estão a passar por dificuldades. A vila fica mais perto de Bissau do que de Mansoa, a norte, e é um lugar estrategicamente importante. Um grupo grande de guerrilheiros anda por lá a fazer estragos. Numa emboscada próxima da povoação, as NT tiveram sete mortos, quatro soldados brancos e três negros e bem podem agradecer a Deus. Eram só trinta e cinco soldados portugueses contra duzentos guerrilheiros, não foram todos dizimados por acaso.

Em seguida, Bula foi atacada com foguetões, sem consequências. O batalhão da terra é constituído por “periquitos” acabados de chegar de Portugal, inexperientes e medrosos. Os guerrilheiros sabem que eles são novos na Guiné e vá de atacar, atacar, atacar.

O meu coronel [paraquedista, Rafael Durão, comandante do CAOP1] foi hoje de urgência para Bula, às cinco da manhã, orientar as operações de contra-guerrilha, dar força aos militares de lá. Seguiu sozinho de jipe, por companhia apenas a sua espingarda Kalashnikov, em sessenta quilómetros de estrada. 

Se o itinerário não é muito perigoso porque atravessa zonas controladas pelas NT, não posso deixar de reconhecer a coragem deste homem, já com mais de dois anos de comissão na Guiné. Tenho tido os meus problemas com ele, sobretudo devido à minha incompetência como pequeno oficial do exército, mas reconheço-lhe uma enorme valentia e excepcionais qualidades de comando.

Ao meio-dia e meia hora, estava de regresso a Mansoa, de novo sozinho no jipe, depois das reuniões com os oficiais de Bula. Voltou célere porque para hoje estava marcado um almoço de despedida em sua honra, oferecido pelos oficiais e sargentos do CAOP1. Não me admira que amanhã parta outra vez para Bula, ou para qualquer outro lugar da Guiné onde se justifique a sua presença, o seu comando de operações. (...)
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Sistema ou rampa de lançamento monotubo de foguetões 122 mm. Arma, de origem soviética, capturada  em 1 de janeiro de 1973 em operação a partir de Cufar.  Tinha sido usada no ataque a Cufar a 23 dezembro de 1972, atingiu a pista de aviação, sem consequèncias de maior. Cortesia da página da CCAÇ 4740  (Cufar, 1972/74 > Fotografias de sempre. 


(...) Cufar, 25 de Junho de 1973

Não estou encantado com o lugar que vim encontrar, mas Cufar é melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações.

Ponto Um: Estou no sul da Guiné, rios, canais, bolanhas, florestas. Até Dezembro de 1972, isto era quase tudo território do PAIGC. Havia os aquartelamentos de Catió, Cufar e Bedanda bem defendidos onde a tropa portuguesa não punha muito o nariz de fora. 

Em Abril de 1972 estiveram por aqui observadores do Comité de Descolonização da ONU para conhecer as realidades das zonas libertadas pelos guerrilheiros. Vieram de Conacry, entraram pela zona de Guileje, chegaram até perto de Cufar, sempre a pé, abrigados pelas florestas. (...)

Há três meses, em Março [de 1973], Cufar foi atacada com uma dezena de foguetões 122. Só um caiu dentro do nosso arame farpado e, por incrível que pareça, bateu numa árvore, tombou para uma vala onde estavam quatro soldados e não rebentou. Só vendo se acredita, e eu vi. Os soldados penduraram na árvore o resto da fuselagem do foguetão, como um autêntico troféu de guerra. O local fica a trezentos metros da minha secretaria e esta tarde voltei lá para confirmar o que os meus olhos tinham visto, claramente visto. (...) 
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Cufar, 2 de Julho de 1973

Catió “embrulhou” ontem às seis e meia da tarde. Seis foguetões, como de costume caíram fora do quartel. Em Cufar, ouvem-se sempre os rebentamentos mas a maioria do pessoal está tão habituado que já nem estranha. Hoje, às seis da manhã, acordei com mais pum, catrapum, pum, pum, tão diluídos na distância que voltei a adormecer. Era Gadamael.

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(...) Cufar, 20 de Julho de 1973

 A guerra acalmou, sossegou na nossa zona. Anda tudo admirado, mas isto tem uma explicação, é por causa da época das chuvas que conhece agora o seu auge. Chove todos os dias, as bolanhas, o mato enchem-se de água, é difícil caminhar quilómetros e quilómetros por trilhos na floresta, carregando às costas foguetões, morteiros, granadas, etc., para flagelar um aquartelamento. Num ataque em forma, o terreno precisa de estar firme para um bom apoio e eficiência das armas mais pesadas. No período das chuvas, a terra está mole, húmida, empapada em água. As saídas das granadas de morteiro, por exemplo, fazem com que o tubo de morteiro recue e se enterre no solo. Com as chuvas, os guerrilheiros aproveitam a menor actividade das NT para se reabastecerem, construir tabancas, trabalhar nos arrozais.

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(...) Cufar, 26 de Setembro de 1973


 O PAIGC declarou ontem  a independência. Por aqui nada mudou a não ser que agora, oficialmente, somos nós portugueses quem está a ocupar a pátria deles.

Temos um novo tenente-coronel no CAOP 1, com apenas cinco dias de Guiné. Andou pelo Estado-Maior e fez comissões em Angola e Moçambique, sempre nas delícias do ar condicionado. Está a estranhar as realidades deste abençoado lugar. Ontem até chamou Cafur a Cufar! 

No dia em que chegou, Bedanda esteve aí a “embrulhar” durante uma hora, com foguetões 122, mais de trinta, sem consequências. Meio assustado, o tenente-coronel perguntou-me: “Isto é sempre assim?” Eu respondi-lhe: “Não, meu tenente-coronel, isto costuma ser muito pior!”
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(...) Cufar, 8 de Novembro de 1973

 Os dias fabulosos, as histórias que não conto, os whiskies que bebemos, às vezes a morte, espantalho de sangue agitado ao vento diante da menina dos olhos.

De madrugada, Gadamael, chão com cadáveres, juncado de medos. Quarenta e seis foguetões 122 disparados pelos guerrilheiros do PAIGC sobre o aquartelamento, aqui a sul, na fronteira. Apenas me apercebi de rebentamentos distantes, no sono do resto da noite. É normal, já nem estranho. Mas na mente de cada um de nós, a preocupação cresce. Quarenta e seis foguetões sobre Cufar, como seria?

As bebedeiras, cerveja, vinho, whisky, o álcool a circular no sangue temeroso. Os homens tontos de mágoa, solidão e medo.

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(...) Cufar, 11 de Novembro de 1973

 Outro dia duríssimo para Gadamael. Às seis da manhã, eu dormia mas acordei sonolento com os muitos rebentamentos distantes. Foram duas horas de flagelação com quarenta e dois foguetões 122. Tiveram dois mortos e muitos feridos.

Quando chegou a Cufar, o meu tenente-coronel “periquito” vinha cheio de ideias para pôr num brinquinho o que resta do CAOP 1. Começa a baixar a cabeça, a entrar na realidade. Ficou alterado com os ataques a Gadamael, hoje à noite apanhou uma bebedeira monumental. As pessoas, quer as do pequeno, quer as do grande mando, quando têm vinho dentro ficam claras como água.

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Guiné >Região de Tombali > Cufar> CAOP 1 > O António Graça de Abreu, de camuflado, à esquerda, no aeródromo de Cufar, com o alf mil Miguel Champalimaud.
 
Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem comp'lementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


(...) Cufar, 14 de Novembro de 1973

Vieram os “jactos do povo”, como os guerrilheiros lhes chamam. Gostei, desta vez não apontaram aos vizinhos do lado, era connosco e, como costuma acontecer, tivemos sorte. Foram disparados oito foguetões 122 e só rebentaram três, a mais de quinhentos metros de Cufar.

Eram oito da noite, eu estava no gabinete do capitão a jogar xadrez com o Eiriz, o alferes das transmissões, quando ouvimos o silvo de um foguetão e um primeiro rebentamento. Saltámos rapidamente para a vala situada ao lado do edifício onde já havia gente abrigada, caímos uns por cima dos outros e ficámos quietinhos, à espera. Uns dez minutos depois, porque não havia mais foguetões, saímos da vala, não muito assustados. Foi um ataque pequeno, daqueles que só servem para criar insegurança e medo.

O médico, o Bastos, ficou por baixo de uma molhada de alferes e saiu da vala zangadíssimo, agastado com o Miguel Champalimaud (sobrinho do António Champalimaud, o “tio Patinhas” português). O rapaz caíra-lhe em cima e, com os foguetões a rebentar, o Miguel peidara-se, cagara-se como um rei por cima da cabeça do Bastos. Uma cena de antologia digna do Chaplin, do “Charlot nas Trincheiras da Guiné”. (...)

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(...) Cufar, 21 de Novembro de 1973

Guerra todos os dias. Ontem às seis de tarde, hoje às seis da tarde. Ontem foi Cobumba, estávamos a começar a jantar e pum, catrapum, pum, pum. Alguns de nós saltaram das mesas e começaram a correr para as valas. Cobumba fica aqui mesmo ao lado e como têm lá uma nova companhia de “periquitos”, os guerrilheiros trataram de lhes fazer condigna recepção, com foguetões, morteiros, canhão sem recuo, tudo a disparar numa cadência de fogo impressionante. O pessoal de Cobumba teve sorte, estão lá estacionados quatrocentos homens – a companhia velha e os “periquitos” que os vêm substituir – e não sofreram uma beliscadura.

Hoje foi a vez de Gadamael, já não era atacada há dois dias e meio! Embora muito mais distante do que Cobumba, ouviam-se os rebentamentos com extrema nitidez. Foram só vinte minutos de fogo, também a um ritmo capaz de assustar o mais valente, as granadas rebentavam de dez em dez segundos. Não sei se houve consequências para as NT em Gadamael, mas a flagelação foi tremendamente feia. O ataque a Cufar dia 13 passado, comparado com estes dois que ouvi ontem foi uma brincadeira.


Em resumo, a nossa tropa anda acagaçada. O PAIGC movimenta-se, põe, dispõe e manda lembranças. Começamos a ver a guerra com os olhos cada vez mais tortos. A aviação actua, os Fiats fartam-se de bombardear aqui em redor, numa cintura aí de quarenta quilómetros. Volta e meia ouvimos o zumbido dos aviões a jacto e os rebentamentos secos das bombas a cair. (...)
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(...) Cufar, 4 de Dezembro de 1973


Mais foguetões 122 e de novo para Cufar, direccionados para o interior do nosso aquartelamento. O Chugué, há dois dias levou com vinte e cinco foguetões, sem consequências, Gadamael tem sido tão flagelada, com consequências, que já perdemos a conta ao número dos foguetões. Nós, mais humildes, fomos brindados com dez projécteis explosivos disparados durante quinze minutos.

Eram nove e um quarto da noite, eu estava na varanda do meu quarto a ouvir a BBC e senti o silvo, os rebentamentos próximos. Logo de seguida soaram as rajadas das nossas metralhadoras. Os foguetões IN caíram todos fora do perímetro de Cufar, felizmente. É o costume, são disparados de muito longe, a onze quilómetros de distância, os guerrilheiros têm má pontaria, os foguetões são difíceis de orientar, ou desorientam-se no ar, e por isso não costumam acertar. Mas assustam, assustam sempre.

Vim ter com os meus soldados. Havia uma certa excitação, ainda para cúmulo choveu esta tarde. As valas estavam cheias de água e lama, e uma vez mais havia soldados que saíam das valas cobertos de lama, borrados de medo.

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(...) Cufar, 9 de Dezembro de 1973

 Esta noite fui obrigado a ir dormir a cama alheia. Ao chegar ao quarto, deparei com uma majestosa invasão de formigas gigantes baga-baga, aquelas que ostentam umas tenazes afiadas e mordem como santolas. Haviam entrado por duas frinchas na parede grossa e começavam a fabricar o seu formigueiro exactamente sob o vão do colchão da minha cama. Não as contei, mas seriam cinco a dez mil formigas laboriosas e trabalhadoras que tinham tido o bom gosto de habitar o espaço onde durmo. Era tarde, quase meia-noite, estivera a jogar xadrez, limpei cinco alferes, começo a jogar bem. Depois, não havia insecticida à mão e, à paulada, não era fácil correr com aqueles milhares de monstros pequeninos. Por isso, peguei nos meus lençóis, na almofada e resolvi ir pedir asilo ao meu amigo alferes Neto, da 4740, que habita um quarto grande, com duas camas.

Às cinco menos dez da manhã, fomos acordados pelos pum, catrapum, pum, pum. Era Cobumba, os nossos vizinhos mais próximos. Mais um ataque filho da puta! Estava tudo a dormir e durante meia hora a cadência de fogo era impressionante. Se fosse connosco, lá teria eu de fugir em cuecas para a vala. Cobumba levou o tratamento do costume, foguetões, canhão sem recuo, RPG e morteiros. Também como é habitual, nem uma beliscadura nos duzentos homens que por lá padecem.

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Guiné >Região de Tombali > Cufar> CAOP 1 > O António Graça de Abreu, no aeródromo  de Cufar, em dezembro de 1973, posando junto a um heli, Alouette III. No mês anterior, o aquartelamento de Cufar tinha sofrido uma flagelação com foguetões 122, e um ataque com RPG [lança-granadas foguete] e armas automáticas, nas proximidades dos arame farpado... Dezete meses depois do início da comissão, o António recebia finalmente o tão desejado quanto temido baptismo de fogo. Recorde-se que o António Graça de Abreu foi alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74), e trabalhou diretamente com o cor prqt Rafael Durão, seu comandante (e em relação ao qual não esconde a sua admiração pelas suas qualidades como militar).

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem comp'lementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


(...) Cufar, 21 de Janeiro de 1974 

Cumpriu-se um ano sobre o assassinato do Amílcar Cabral e o PAIGC comemorou a data. Aqui na zona atacaram os aquartelamentos de Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué, Catió e… Cufar. 

Eram dez da noite, sozinho no quarto, lia umas “Vidas Mundiais” antigas e ouvia uma cassete com o Concerto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo. Por cima da guitarra e dos violinos espanhóis gravei outra música, outro concerto, uma parte do ataque, rebentamentos, tiros, rajadas, mais rebentamentos, meti na fita a minha reacção onde se nota algum nervosismo e se ouvem demasiados palavrões. Assim:
(…)

Boum, boum, pum, catrapum, pum.
-Aí está, um ataque!... Caralho! Um ataque, foda-se!

Tá, tá, tá, tá, tá.
- Um ataque, caralho! Venham mais. Aí vêm elas!...

Boum, boum…
- Tumba, um foguetão, caralho!...

Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum.

- Dá mais Manel! Estamos a levar no coco, estamos a “embrulhar”, caralho!

Pum, catrapum, tá, tá, tá, tá, tá, tá…
- Espera aí um bocadinho!

Boum…
- Espera aí que me eu vou-me já vestir, espera aí um bocadinho!
- Tumba, aí vem outra… Toma lá mais!... Espera aí um bocadinho, João…

Boum, boum…
- Estou-me a vestir, é preciso é calma!

Boum, pum, pum…

- Espera aí um bocadinho, estou-me a vestir, é preciso é calma.

Boum, boum…
- Estamos a “embrulhar”, caralho! É preciso ter calma. Estou no meu quarto. Hoje é o dia…

Boum, boum…
- Tumba, tumba, tumba!...

Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, catrapum, pum...

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(...) Cufar, 22 de Fevereiro de 1974

Regressei [de Bissau,] no Nordatlas, na viagem certinha até cá abaixo. Tudo calmo em Cufar. No nordeste da Guiné, em Copá junto à fronteira, é que tudo vai mal. Mal para as NT, bem para o IN. Ouvi falar num ataque com cem foguetões, valha-lhes Deus! Começa a ser insustentável aguentar Copá.

Em Portugal as coisas também aquecem, com manifestações contra a carestia de vida organizadas pelos maoístas do MRPP. Houve pancadaria da grossa, três polícias feridos, um deles levou uma pedrada na cabeça. O povo não anda bom.

Em Bissau rebentou uma bomba no quartel-general. E que dizer do novo livro de António de Spínola “Portugal e o Futuro”? O antigo Caco Baldé, meu ex-comandante-em-chefe, propõe soluções federalistas para a resolução dos conflitos do Ultramar. O livro vai ter sucesso entre os liberais, o grupo do Balsemão e do “Expresso, e também entre alguma da Oposição. Abençoadamente, agitará os espíritos de muitos portugueses.

O Marcello Caetano começa a ficar exasperado. No essencial, o mestre de Direito limitou-se a dar continuidade à política de Salazar e não sabe, ou esqueceu-se, como diz o Bob Dylan que “the times, they are a’changin”. O general Spínola aponta caminhos enviesados, é verdade, mas indica possíveis saídas para o pântano fétido em que vivemos.

Que futuro para Portugal?
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(...) Cufar, 28 de Fevereiro de 1974

O nosso 1.º sargento Afonso informa-me que o tal alferes Saldanha nomeado para me render, já está em Bissau mas não virá para Cufar, foi colocado na secretaria do Batalhão de Comandos, no Cumeré, logo ali às portas da capital. Quer isto dizer que já estou substituído na província, o que vai acelerar a minha rendição definitiva. A partir de Bissau, o 1.º Afonso é impecável, interessa-se pela nossa vida, conhece todas as capelinhas de Bissau, trata dos nossos assuntos com extremo cuidado e rigor. É um diamante no CAOP1.

Mais uma história de guerra. D. Cecília Supico Pinto, a “generala Cilinha” do Movimento Nacional Feminino anda de visita à Guiné, a dar coragem e conforto moral aos briosos militares que defendem a integridade do império. 

No seu peregrinar por este sagrado solo pátrio desembarcou segunda-feira passada em Cacine, de helicóptero, às nove da manhã. Às onze o aquartelamento foi atacado com trinta e seis foguetões, uma flagelação que se prolongou por hora e meia. Só se registaram alguns estragos em tabancas, mas dizem-me que a Cilinha mostrou alguma coragem, aguentou-se muito bem, aninhada como toda a gente no fundo de uma vala.
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(...) Cufar, 12 de Março de 1974

Os guerrilheiros continuam a marcar pontos. Caboxanque tem sido massacrada. Ontem, flagelação às quatro e vinte da madrugada. Acordei sobressaltado. Caboxanque fica mesmo aqui em frente, a oito quilómetros em linha recta e, ao ouvirem-se os primeiros rebentamentos, não sabemos se é com os outros ou connosco. Estes nossos vizinhos estão a ser atacados todos os dias.

Bedanda, ontem, também esteve sob o fogo dos foguetões durante duas horas. Tiveram dois feridos, um deles gravíssimo, com um estilhaço na cabeça. Noite, escura desceram o rio até Cufar, depois, a cena habitual, iluminar a pista, esperar pelo Nordatlas, evacuar o rapaz para Bissau.

Não estamos livres, um destes dias de sermos também atacados. Todos pensamos nisso, todos pensamos que da próxima vez pode ser qualquer um de nós a levar com um estilhaço, a ser desfeito por um projéctil qualquer.

Ontem também tivemos um problema grave mas de outra natureza, um enorme incêndio. Se soprasse mais vento ardiam as tabancas todas dos negros. As casas são construídas com estacas e adobe, têm telhados de colmo, não chove desde Dezembro, está tudo ressequido e em três tempos o fogo avançou de tabanca em tabanca. Arderam seis.

Parece que o incêndio começou com o rebentamento de um fogareiro a petróleo. Teria sido fácil controlá-lo se não se tivesse pegado à tabanca do lado onde o pessoal das Fox, as viaturas blindadas, guarda o seu material e tem uma espécie de paiol. Ora com as tabancas a arder e com muitas granadas dentro de uma delas, foi um festival de rebentamentos e estilhaços projectados pelo ar. A maioria da população negra fugiu para longe, mesmo assim houve imensa sorte porque ninguém foi atingido. Mais desgraças para os pobres negros que ficaram sem casa.

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(...) Cufar, 3 de Abril de 1974 

A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.

Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar. 

Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.

Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.

Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.

Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.

Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)

(Seleção / revisão e fixação de texto / Negrios e realces a amarelo: LG)
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Nota do editor:

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24542: Historiografia da presença portuguesa em África (380): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Jamais outro Presidente da República passará tanto tempo na Guiné como Craveiro Lopes, chegado a 2 de maio de 1955, parte na fragata Bartolomeu Dias com destino a Cabo Verde a 14 de maio. Bem vistas as coisas, vai visitar a obra de Sarmento Rodrigues, agora ministro do Ultramar, anda sempre a seu lado, e sempre ovacionado por régulos e população. Tirando o dia de repouso na praia de Varela, o Presidente da República não se escusou a dias com farta agenda, não eram só sessões de cumprimentos e desfiles, visitou obra feita e ainda por fazer, caso da ponte sob o Corubal. O programa foi bem talhado, não restam dúvidas, porventura Craveiro Lopes não se apercebeu que a grandeza dos empreendimentos que visitou do modo geral eram de fresca data, por ali andou um tufão de construções mal tinha acabado a Segunda Guerra Mundial e não havia discurso em que Sarmento Rodrigues não dissesse claramente que se impunha a reabilitar a condição humana daquela gente africana, empenhou-se em fazer escolas e instalações de saúde, remodelou os serviços relacionados com as doenças tropicais, esteve sempre bem acolitado por gente entusiasta como Manuel Pereira Crespo ou Avelino Teixeira da Mota. Não pôde reverter o irremediável, caso da decadência de Bolama, Bissau tornara-se macrocéfala, os negócios, quase todos, abandonaram a antiga capital, Bolama ficou reduzida a um mero entreposto, a uma cidade espectral onde avultavam alguns monumentos e uma bela tipografia. Curiosamente, por esse tempo da visita de Craveiro Lopes começa a vicejar, ainda que ténue, o sentimento nacionalista.

Um abraço do
Mário



O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6)

Mário Beja Santos

Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15 horas locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Craveiro Lopes visitou demoradamente Bissau, percorreu a desditosa Bolama, atravessa o canal e de São João parte para Fulacunda, visitou Cufar e Catió, onde pernoitou. Segue para Bafatá, visita o Gabu, numa outra etapa vai até Farim, percorre o rio Cacheu a bordo do Mandovi, descansa na praia de Varela. Visita um vastíssimo número de empreendimentos, desde instalações de saúde, missionários, discursa, condecora e premeia, não faltarão desfiles étnicos, espetáculos musicais, dançarinos.

Entrámos na derradeira etapa, obrigatório visitar Cacheu, o jornalista Rodrigues Matias introduz uma nota histórica:
“Chipala, rei das terras dos Burames (será Brames?), tinha uma das suas mais florescentes povoações na margem do rio de S. Domingos, a 25 quilómetros da foz. E na povoação se fundara e prosperara, a primeira feitoria portuguesa da Guiné, de que será feitor Manuel Lopes Cardoso. Os Papéis de Cancanda admitiam em fraternal convívio os moradores portugueses da feitoria dentro da povoação Burame. E Lopes Cardoso insinuou a Chipala que bem andaria o rei se lhe permitisse a construção de um forte no lugar da feitoria, para defesa do porto e moradores. Chipala aquiesceu ao pedido e a fortaleza surgiu construída e artilhada à custa dos residentes portugueses, no ano de 1588. Houve tentativas de assalto, rechaçadas. Vieram a este porto navios embarcar mancarra, óleo de palma e coconote. Surgiu a Companhia de Cacheu e, mais tarde, a Companhia de Cacheu e Cabo Verde. Depois, Farim concentrou o comércio da mancarra, do óleo de palma e das madeiras.”

Craveiro Lopes visita o velho forte pela manhã de 12 de maio, tinha sido restaurado em 1946. À saída do recinto, apresentam cumprimentos as Nharas ou Donas Cristoas, resquício da missionação católica dos velhos tempos da ocupação. Manda uma secular tradição que o Homem Grande de Lisboa seja transportado aos ombros das Donas, e Craveiro Lopes, manifestamente contrafeito, sentou-se numa cadeira enfeitada de panos, apoiada sobre duas longas varas. E as Nharas transportaram o Chefe-de-Estado, ele insistiu numa curta distância. Seguiu-se a visita ao monumento a Honório Pereira Barreto.

Regressa a Teixeira Pinto, sobe a uma tribuna sob uma chuva de pétalas de flores, recebe cumprimentos, houve desfile de grupos representativos dos povos da região, erguiam enormes listéis com os nomes de Costa de Baixo, Jata, Pecixe, Calequisse, entre outros; raparigas Manjacas de Pecixe, mulheres levando à cabeça esteiras, cestos, cabazes e mais artefactos de tecelagem manual de palha, mulheres pescadoras, caçadores, desfilaram garbosamente. Craveiro Lopes, no final, entregou prendas, desde medalhas a fotografias e bandeiras nacionais.

O jornalista Rodrigues Matias regressa à descrição de carater etnográfico e etnológico, desta vez foca-se nos manjacos e transcreve apontamentos do livro de António Carreira, Vida Social dos Manjacos. Após um magnífico almoço volante, a caravana ruma para Bissau, passando por Bula, Bissorã e Mansoa. Craveiro Lopes visita a Missão de Santo António de Bula, um internato com oficinas de mecânica, serralharia, carpintaria e alfaiataria. A viagem prossegue por Binar, Biambi, Encheia, houve paragem em Bissorã. O Presidente da República visita a Estação Zootécnica, recebe um presente, um magnífico exemplar de gato almiscarado, espécie rara que depois será enviada para o Jardim Zoológico de Lisboa. Rodrigues Matias dá-nos mais apontamentos, desta vez sobre a etnia Balanta, elaborados pelo administrador Alberto Gomes Pimentel.

A caravana chega a Mansoa, nova chuva de flores, apresenta-lhe cumprimentos o administrador, James Pinto Bull. Craveiro Lopes entrega medalhas, cinturões com talabarte, fotografias e bandeiras. Desfilam os povos da região: Donas, Porto Gole, Binar e Bissorã. É também presenteado com danças e o jornalista não resiste a descrever: “Um bailarino principiou a bailar. Paramentado como para as festas da circuncisão, viam-se-lhe apenas os pés. Envolvendo-lhe a cabeça até aos ombros, em que se apoiava um cesto alto, sustentando um monumental par de chifres. Ao fundo das costas, uma canasta pendurada, grandes abanicos nos ombros. Molhos de sisal a cobrirem-lhe os braços e as pernas.”

Ainda há uma curta paragem em Safim, segue-se uma entrada triunfal em Bissau, cortejos automóveis, carrinhas e camiões. Craveiro Lopes regressa ao Palácio do Governo e agradece a todos tão deslumbrante receção. Assim se chegou a 13 de maio, o Presidente da República visita no Biombo as enormes várzeas de arroz. O resto do dia estava destinado à receção de entidades que tinham assuntos a expor. Por seu lado, o ministro Sarmento Rodrigues recebeu um grupo de 22 diplomados pela Escola Superior Colonial (depois Instituto Superior de Estudos Ultramarinos). Craveiro Lopes ofereceu no Palácio do Governo um banquete seguido de receção e baile. Há brindes e o Presidente da República discursa, trata a Guiné como filha mais velha da expansão ultramarina, enumera e congratula-se com os progressos que observou.

Melo e Alvim agradece por seu turno e faz uma longa referência ao que se fez e ao que se pretende fazer. Destaca-se aqui um ponto: “Estudos recentemente levados a efeito parecem demonstrar a possibilidade da cultura do algodão. O cajueiro, a palmeira de Samatra, as fibras têxteis, a cana sacarina, as citrinas e bananas, podem constituir novos fatores de riqueza.” Há baile, assim acabou o último dia de digressão.

A 14 de maio, Craveiro Lopes e comitiva têm a partida assegurada para Cabo Verde. A Companhia de Caçadores Indígenas constitui a guarda de honra, junta-se uma multidão pela Avenida da República até o Pidjiquiti, sobem para a fragata Bartolomeu Dias, o Lima vai seguir na sua esteira. Também é hora do jornalista se despedir, ele confessa que vem altamente impressionado com a obra que o governador Sarmento Rodrigues deixou na Guiné.

Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Craveiro Lopes e Salazar: no princípio do mandato presidencial mantiveram uma boa relação
Fortaleza de Cacheu
Canchungo
Os CTT de Mansoa
Fragata Bartolomeu Dias
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24529: Historiografia da presença portuguesa em África (379): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (5) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24529: Historiografia da presença portuguesa em África (379): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Depois da pernoita em Bafatá, Craveiro Lopes segue por via aérea até Farim, chega cedinho, tem um dia azafamado pela frente, é recebido com pompa e circunstância, assiste ao desfile dos povos de Farim, sobe a bordo do navio hidrográfico Mandovi, Pereira Crespo (futuro ministro da Marinha) expõe-lhe o que há de mais relevante na missão geo-hidrográfica que ele coordena, uma das maiores missões científicas alguma vez efetuada na Guiné, seguem-se curtas visitas a Binta, Barro e S. Domingos, e depois em caravana encaminham-se até Varela, janta e pernoita, o dia seguinte é para andar em fatos de banho mas que ninguém se atreva a tirar fotografias às figuras proeminentes da comitiva presidencial, os Felupes deram mote à festa, fizeram demonstração de lutas e até houve um concurso de lançamento de setas ao alvo. Então a comitiva parte para Teixeira Pinto, vão primeiro a Cacheu, segue-se a receção triunfal em Teixeira Pinto e o jornalista regista que houve almoçarada e tanto.

Um abraço do
Mário



O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (5)

Mário Beja Santos

Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15h locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. O jornalista de serviço tece laudas à comitiva e ao séquito político que se vai despedir do presidente da República para esta viagem que não será curta. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Craveiro Lopes visitou demoradamente Bissau, percorreu a desditosa Bolama, atravessa o canal e de São João parte para Fulacunda, visitou Cufar e Catió, onde pernoitou.

Seguirá para o Leste, de Gabu a Bafatá. Estamos agora a 10 de maio, o jornalista Rodrigues Matias aproveita para retomar alguns aspetos históricos e lendários, vai centrar-se em “Dindim Bancô”, e vai contar-nos que nos tempos da derrocada do Império Mandé, os quatro filhos de Djalibá partiram a correr mundo, viajaram para Sul, atravessaram as imensas brenhas do Firdu, acamparam um dia junto à margem de um grande rio sereno, então decidiram separar-se. O primeiro regressou à sua pátria, Giba, o segundo, continuou a sua cavalgada para além do rio e foi erguer morança junto do rio seguinte, onde veio a florescer a velha Geba, que Bafatá destronou; Mansoná, o terceiro, fez a sua morança num local que veio a ser Mansoa; o quarto, Cabi, avançou para Leste, fundou Gabu. Mas acabaram todos por ter saudades e regressaram à pátria se bem que tenham retornado muitas vezes, os seus encontros são sempre na margem do Cacheu. Giba foi sepultado no chão dos encontros. O mesmo aconteceu com Mansoná. E Cabi pediu às gentes do Gabu que o transportassem junto das sepulturas dos seus irmãos, seria aqui que queria ser enterrado – foi neste local que mais tarde nasceu a população de Farim. Chamaram-lhe os mandingas, em árabe “Dindim Bancó” – a terra das mais lindas raparigas. E o jornalista que acompanha Craveiro Lopes também recorda que em 1641 o Capitão-Mor Gonçalo Ayala fundou a povoação de Farim com cristãos trazidos de Geba.

Pois bem, Craveiro Lopes chegou às 8 horas da manhã a Farim, vindo de Bafatá. Recebeu uma salva à chegada do avião, com 21 tiros de uma bataria de caçadores mandigas envergando a vestimenta profissional e adornados de grande profusão de troféus de caça, tiros das históricas “longas” (as espingardas de carregar pela boca). O povo apinhou-se em volta do automóvel.

Sessão de boas-vindas com os discursos da praxe, desfile dos povos de Farim, subiram à tribuna os régulos da região, Craveiro Lopes condecorou e ofereceu como presentes cinturões militares com talabarte. Finda a cerimónia, tomou lugar a bordo do navio hidrográfico “Mandovi”, vai começar a descida do Cacheu. Então, o jornalista tem um jorro de inspiração:
“À passagem do Mandovi arrastam-se invisivelmente no mistério do tarrafe crocodilos sujos que se escondem no fundo das águas; e o pânico estonteia cabecitas matizadas de aves de todas as cores, que abandonam a segurança da penumbra do mangal para turbilhonarem no céu, como ébrios de luz, em cata de copas altas por entre as quais não ronquem jacarés a vapor, pintados de branco, sujando firmamento de fumo e levando por vezes no ventre quem se diverte a cuspir a morte, em balas de carabina de precisão. A fauna alada do mangal das margens do Cacheu não gosta, por princípio, de ouvir de perto o trabalhar das máquinas e o espadanar das hélices dos navios.”

Aqui e acolá há visitas, a Binta e a Barro, depois para-se em S. Domingos, aqui estão concentrados milhares de Felupes e Sossos, novamente sessão de boas-vindas e cumprimentos, entrega de medalhas, cinturão, retratos e bandeiras nacionais. A caravana presidencial ultrapassou Susana e chegou a Varela ao cair da tarde, para jantar e dormir.

Estamos agora a 11 de maio, impossível não descrever a praia branca de Varela, estância de turismo, o jornalista esmera-se: “Hoje, protegem-na dos ventos do interior e dos mosquitos dos charcos, milhões de casuarinas e de eucaliptos, que encharcam a terra de sombra deliciosa. Na frescura da mata, alvejam paredes brancas de vivendas novas, abrindo varandas de tijolo para os caminhos saibrados a areão vermelhento. Sobre uma falésia que domina o mar, ao cabo da praia, um restaurante modelar prolonga-se em esplanada de cómodas cadeiras de ferro, com guarda-sóis armados em lona multicolor a resguardar as mesas.”

A cidade francesa de Ziguinchor escolheu Varela para sua estância de mar. Numa região em que a África é lodo, Varela é um bordado de areia, onde só o tarrafe acompanha a fímbria dos canais, Varela erguei a sua floresta maravilhosa de casuarinas, frente ao azul glauco do mar. E na oportunidade refere as reservas da Guiné: a mata do Cantanhez, a lagoa de Cufada e Varela. Descre minuciosamente a lei da caça que saiu do punho de Sarmento Rodrigues.

Houve repouso todo o dia, os ilustres visitantes passearam-se na praia, banharam-se, bebericaram, divertiram-se. Mas nada de imagens. À noite, no largo fronteiro ao restaurante, os Felupes lutaram e fizeram concurso de lançamento de setas ao alvo. Mais uma vez Rodrigues Matias aproveita a oportunidade para descrever uma etnia, no caso vertente serão os Felupes e as informações que ele nos dá são retiradas do livro Babel Negra, de Landerset Simões.

Chega de vilegiatura, no dia 12, Craveiro Lopes parte por via aérea para Teixeira Pinto, é recebido com a comitiva pelo administrador da circunscrição de Cacheu. Raparigas europeias lançam flores, estão perfeitamente alinhados os alunos das escolas. Vai seguir-se a descrição da viagem para Cacheu e regresso a Teixeira Pinto, onde se segue um lauto almoço

Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Visita do Presidente da República Francisco Craveiro Lopes a África. Craveiro Lopes, em primeiro plano, à direita, passa revista à guarda de honra, na Federação da Rodésia e Niassalândia, também conhecida como Federação Centro-Africana. Tratou-se de um território da coroa britânica, que abrangia a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte e a Niassalândia, extinto em 1963
O navio patrulha “Mandovi”
Rio Cacheu
Avenida principal de Canchungo (Teixeira Pinto) na atualidade
Farim na década de 1960
Pormenor da Fortaleza de Cacheu inserida no Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24505: Historiografia da presença portuguesa em África (378): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (4) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24332: Em busca de... (320): Camaradas da CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65), que se vão reunir no dia 27 (Nora do camarada Alfredo Ramos de Almeida, que lhe quer fazer uma surpresa; email: lidiamisa@gmail.com)


Crachá da CART 527 (1963/65)


Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Jolmete  CART 527 (1963/65) >  Três militares, sendo o da esquerda o fur mil António Medina (tem 3 dezenas de referências no nosso blogue, entrou para a Tabanca Grande em 15 de fevereitro de 2014).

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Lídia Misa (?), nora do camarada Alfredo Ramos de Almeida, ex-combatente, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65), que nos chega através do Formulário de Contacto do Blogger, com data de ontem, às 9h06: 

Boa tarde, procuro ex-militares da Companhia de Artilharia 527 nos anos 1963/65.

Sou a nora do sr. Alfredo Ramos de Almeida e queria fazer-lhe uma surpresa encontrando novos camaradas para juntar ao grupo que eles já têm.

 Se alguém puder ajudar, agradecia pois dia 27 de maio vão ter um encontro.

Cumprimentos,

P'lo Alfredo Ramos de Almeida | email: lidiamisa@gmail.com


2. Comentário do editor Luís Graça:


Obrigado, Lídia, pelo seu contacto. A melhor maneira de satisfazer o seu pedido e ajudá-la a si e ao nosso camarada Alferdo Ramos de Almeida, é mandar-nos mais informação sobre o seu sogro, acompanha de algumas fotos, digitalizadas, e com legendas: pelo menos uma atual, e duas ou très do seu tempo da vida militar.


O único representante da CCAÇ 527 que temos na Tabanca Grande é o António Medina. De seu nome completo, António Cândido da Silva Medina (fotos acima), nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde, estudou no liceu Gil Eanes  (Mindelo) e vive desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts. Em Bissau, e até à independência, foi funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino), depois de passar à disponibilidade. Tem página no Facebook (último poste: 30 de outubro de 2022). É primo do antigo comandante do PAIGC, Agnelo Dantas.

Gostaríamos que o Alfredo Ramos de Almeida se juntasse a ele e aos 875 camaradas que formam este blogue coletivo, entre vivos e mortos. Para isso precisams de fotos para os seus antigos camaradas o reconhecerem. E contactarem o nosso blogue. Não é fácil,  porque são pessoas  com mais de oitenta anos, e pouco ou nada familiarizados com a Internet. Daí a preciosa ajuda de familiares, como é o seu caso.

Escreva-nos, ainda antes do encontro anual da companhia, para um destes  endereços dos nossos editores, de preferência o meu:

(i) Luís Graça (Lourinhã) > luis.graca.prof@gmail.com

(ii) Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos) > carlos.vinhal@gmail.com

(iii) Eduardo Magalhães Ribeiro (Maia) > magalhaesribeiro04@gmail.com

(iv) Jorge Araújo (Almada) : joalvesaraujo@gmail.com

(v) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné : luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com


Um abraço e votos de muita saúde e longa vida para o nosso camarada Almeida,

3. Ficha de unidade >  Companhia de Artilharia nº 527

Identificação: CArt 527
Unidade Mob: RAL 1 - Lisboa
Crndt: Cap Mil Art António Maria de Amorim Pessoa Varela Pinto | Cap Art Domingos Amaral Barreiros

Divisa: -
Partida: Embarque em 27Mai63; desembarque em 04Jun63 | Regresso: Embarque em 29Abr65

Síntese da Actividade Operacional

Em 25Jun63, seguiu para Teixeira Pinto, a fim de reforçar o BCaç 239 e depois o BCaç 507, com vista à realização de operações de patrulhamento e batida na região de Binar.

Em 08Ag063, substituindo a CCaç 154, assumiu a responsabilidade do subsector de Teixeira Pinto e destacamento de Cacheu, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 507 e tendo ainda empenhado efectivos em diversas operações realizadas na região do Jol e Pelundo, entre outras; por períodos variáveis, destacou, ainda, efectivos para reforço das guarnições locais de Calequisse, Caió e Bachile.

Em 28Abr65, foi rendida no subsector de Teixeira Pinto pela CCav 789 e recolheu a Bissau para embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 439.