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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro permaneceu 4 anos na Guiné, ligado à telegrafia. A sua ambição é mostrar a exemplaridade da Marinha de Guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, referindo que esta geração de todas as gerações foi a mais combatente, a mais sacrificada e a mais revolucionária. Temo que exagere nas laudes que faz ao desempenho dos fuzileiros (cuja bravura jamais alguém contestou), e faz-se uma síntese, de acordo com os elementos que ele apresenta da intervenção dos fuzileiros e da Marinha de Guerra em geral a partir de 1961. Ele recorda que no segundo semestre de 1962 já havia confrontos com a guerrilha, na região Sul, faz uma menção detalhada da operação Tridente e de outras que se seguiram, vamos proximamente continuar com a síntese das atividades que ele apresenta entre 1964 e 1968, as alterações impostas por Spínola à atividade da Marinha, haverá mesmo espaço para se falar da operação Mar Verde.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Começa por lamentar a indiferença com que o país no seu geral trata os que combateram pela pátria, refere o sentimento de revolta que atinge os ex-combatentes; depois faz um esboço dos inícios da guerra colonial, uma descrição do recrutamento dos mais jovens combatentes, como se processava a partida para os teatros de operações e entramos propriamente na guerra de guerrilhas da Guiné, tudo matéria bem conhecida dos leitores, incluindo o mantra que as coisas na Guiné não correram nada bem durante a governação de Arnaldo Schulz, que em 1968 os relatórios não escondiam avanços e sucessos dos guerrilheiros, esperava-se uma mudança providencial com o brigadeiro António de Spínola, refere as primeiras diretivas do novo comandante-chefe, também matéria conhecida dos nossos leitores.

E lança-se então na gesta da Marinha de Guerra na Guiné, então encomiástico, assim, enaltecendo os fuzileiros:

“Penetraram nas matas africanas até ao fim do mundo, com uma vontade férrea de um povo que insistia em manter viva a herança de séculos e séculos, sem pensar que, um dia, as Forças Armadas portuguesas viriam a pôr fim a uma guerra suicida. No final do ano de 1961 embarca um pelotão de fuzileiros para a Guiné. Em junho do ano seguinte, embarca, por via aérea, o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) N.º 2, no final de dezembro de 1962 registaram os primeiros feridos entre os fuzileiros. Com o ataque a Tite em 20 de janeiro de 1963, começam as grandes façanhas dos guerrilheiros em terras da Guiné, uma vez que eram os homens mais bem preparados para este tipo de guerrilha. Existindo no Sul do território algumas áreas sobre o controlo do IN, os DFE, apoiados por diversos meios navais, a fragata Nuno Tristão, a LFP Argos, a LFP Escorpião e a LFP Dragão, entre outras, iniciam no Sul da Guiné, concretamente nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, penetrando pelas matas serradas naquelas ilhas. Nas operações Trevo, Seta e Lima, competia ao DFE n.º 2 e DFE n.º 8 bater toda a zona envolvente a Darsalame, ocupando-a, tendo em vista içar de novo a bandeira portuguesa, facto que veio a acontecer em novembro de 1963.”

Não terá sido exatamente assim pois o comandante-chefe Louro de Sousa começou a arquitetar a operação Tridente para expulsar os guerrilheiros destas ilhas. José Maria Monteiro descreve a operação Tridente até à sua finalização, ficou a partir de março de 1964 uma unidade do exército na mata do Cachil, a Norte da ilha do Como, com a missão de patrulhar a ilha, controlar a margens do rio Cobade, de modo a assegurar o abastecimento aos operacionais de Catió. Ainda sob o comando de Louro de Sousa, o DFE n.º 2 participa com forças terrestres na operação Alvor, na península Gampará, em busca do quartel-general de Rui Djassi, esta península nunca tinha sido percorrida por forças militares; o relato não deixa claro o que aconteceu.

Com a nomeação de Arnaldo Schulz o Comando da Defesa Marítima da Guiné é alterado e descentralizado, criando-se quatro comandos sediados em quatro zonas distintas: Bacia hidrográfica do rio Cacheu; Bacia hidrográfica dos rios Geba, Mansoa e Corubal; Bacia hidrográfica dos rios Grande de Buba e Tombali; e Bacia hidrográfica dos rios Cumbijã e Cacine. O autor volta a desfazer-se em elogios aos fuzileiros: “Todos os movimentos independentistas só tinham medo e temor aos homens brancos ou negros, com a boina azul-ferrete pertencente aos destacamentos de fuzileiros especiais, em qualquer frente de batalha.”

E vem a seguir novos parágrafos de exaltação:
Se
“Dada a elevada preparação destes jovens combatentes, os DFE eram chamados para participarem nas operações de maior envergadura, tendo no mês de setembro de 1964 participado nas operações Touro, Hitler e Tornado, em que, nesta última, além dos quatro DFE, também participaram três companhias de cavalaria, uma de artilharia, uma de caçadores e um pelotão de paraquedistas, apoiados por duas LFG, duas LFP, oito LDM, três LDP e um ferryboat, sem, no entanto, encontrar qualquer resistência da guerrilha na zona do Cantanhez. A atuação quase permanente das forças especiais da Marinha de Guerra em toda a zona Sul, mormente na região do Corubal e Cacine, conduziu a um notório abrandamento da atividade inimiga, obrigando o PAIGC a deslocar-se para Leste e para Norte, em que os guerrilheiros do PAIGC tiveram de alterar os seus corredores habituais.”

Compreende-se que o autor tenha um elevado espírito corpo, mas os factos históricos desmentem esta gesta laudatória. Mas vale a pena continuar a acompanhar esta escrita:
“Na sequência da operação Tridente, os contactos com o inimigo continuavam a ser frequentes, pelo que havia necessidade de efetuar operações de reconhecimento no extremo sul, a ideia das operações no rio Camexibó e da operação Hitler era estancar e intersetar os corredores intervenientes da Guiné-Conacri, nomeadamente através do corredor de Gadamael. A LDM 305 entrou na foz do rio Camexibó no dia 6 de fevereiro de 1964, em fase de preia-mar com o objetivo de efetuar uma fiscalização àquele rio durante cinco dias. Para o efeito, foi reforçada com uma secção de fuzileiros da CF 3. Dois dias depois, quando se preparava para fundear a montante do rio, um dos elementos da companhia de fuzileiros apercebeu-se de um grupo numeroso de homens armados na margem direita daquele rio. Inicialmente, houve troca de palavras entre os elementos da companhia de fuzileiros e um comandante dos guerrilheiros do PAIGC, conversa que durou pouco tempo uma vez que o oficial que comandava a companhia de fuzileiros deu ordem à guarnição da lancha e aos fuzileiros para dispararem, tendo os guerrilheiros fugido para o interior da mata com baixas muito pesadas. A lancha de desembarque continuou a subir o rio Camexibó, a intenção era patrulhar todo o rio até à confluência com o rio Nhafuane, não só para certificar que comunicaria com o rio Inxanche, mas também verificar se aquelas zonas permitiriam a navegação fluvial a lanchas como a LDM 305 ou mesmo a de porte superior. No dia 29 de fevereiro de 1964, a LDM 305 iniciou a descida do rio Camexibó, sempre na expetativa de ataques dos guerrilheiros, perto das oito da noite foram atacados perto das margens do rio, sem provocar danos humanos, mais adiante foram localizadas cinco canoas, que foram destruídas. A partir do conhecimento obtido no local e das experiências adquiridas naquelas intervenções, foi decidido levar a bom porto uma nova operação, a qual teve o nome de operação Hitler, entregue ao DFE 8, sob o comando de Alpoim Calvão.”

Observa o autor que nenhuma destas intervenções foi bem-sucedida. Vamos ver seguidamente o que o autor tem para nos dizer quanto à síntese das atividades da Marinha de Guerra entre 1964 e 1968.

Ilustração do livro de José Maria Monteiro

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26498: Os nossos seres, saberes e lazeres (669): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192): From Southeast to the North of England; and back to London (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
A sugestão de um passeio pela City prevaleceu, bem sonhei ir ver os trastes no mercado de Portobello e passear no Mall, ou olhar embasbacado a entrada do Covent Garden, fiz propostas mirabolantes como a visita da Royal Academy of Arts e até passeio em Hyde Park, vingou a prudência de fazer tudo a direito desde Blackfriars, cirandar pela City, beber um café e morder algo antes de entrar num impressionante museu onde nunca estive, junto de Somerset House. Dele falaremos a seguir, ainda haverá um passeio junto do Tamisa, regressa-se a Richmond, e depois do almoço há o solene adeus e aquele miraculoso metro que nos larga em Heathrow, agora são uns bons quilómetros a pé dentro de um dos maiores aeroportos do mundo.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (192):
From Southeast to the North of England; and back to London – 11


Mário Beja Santos

É a minha última manhã de andarilho em Londres, metro de Richmond diretamente para Blackfriars, é o início de uma manhã amena num local que dá pelo nome de City, também conhecida por “milha quadrada”, correspondente à Londinium romana. Ficou praticamente destruída no grande incêndio de 1666, foi brutalmente sacrificada pelos bombardeamentos alemães de 1940, é uma área onde o turista é convidado a visitar a Catedral de S. Paulo, Fleet Street (foi outrora a sede da maioria dos jornais britânicos), Barbican Complex, o Museu de Londres, a Torre de Londres, descendo um pouco mais é a região das docas. Na véspera, procurando acertar agulhas sobre um programa que iniciasse às 9 horas e acabasse às 14, com pesar, desisti do mercado de Portobello, a mais luxuriante feira da ladra do mundo que eu conheço, pensei igualmente no Mall, passar pelo almirantado e visitar o gabinete de trabalho de Winston Churchill, um verdadeiro bunker, venceu a tese de que devíamos andar num terreno plano, começar pela Catedral de S. Paulo e visitar as prodigiosas Courtauld Galleries, com o seu impressionante acervo de obras impressionistas e expressionistas. Foi esta a sugestão que vingou, a minha esperança é um dia aqui regressar com muito mais tempo, poder voltar à região do Westminster, Covent Garden, enfim, umas lambuzadelas também para o Norte, Sul e Sudeste, e meter-me num transporte público para rever Windsor e Hampton Court Palace. Faço figas para este regresso.

Blackfriars Bridge
De Blackfriars caminha-se para S. Paulo, uma fachada de grande ostentação com duas torres barrocas coroadas por uma cúpula de 111 metros de altura (a segunda maior a seguir à da Basílica de S. Pedro em Roma). É obra do maior arquiteto do seu tempo, Christopher Wren. Há já fila à porta, o turista quer entrar e ver lá dentro a impressionante cúpula com os frescos sobre a vida de S. Paulo. Como em Westminster, há estátuas, uma delas prende-se com a nossa história, o duque de Wellington.
Desconhecia inteiramente que a atual Catedral de S. Paulo é a quinta a situar-se neste local, um dos dois pontos mais altos da City. Não querendo aborrecer o leitor contando a história das catedrais anteriores, depois da guerra civil, tempo em que as tropas de Cromwell usaram a nave para guardar os cavalos, e que se vandalizaram a janelas em talhes e efígies, até à demolição do palácio do bispo, pediu-se a Christopher Wren em 1663 que supervisionasse a catedral em ruínas e delineasse um programa para as reparações. Depois de muita discussão, demoliu-se o existente e fez-se a reconstrução. É a obra-prima de Wren, um triunfo da arte, ciência e organização, Wren combinava talentos estéticos, de engenharia e administrativos num grau fora do vulgar. A catedral de Wren foi, e continua a ser, a única catedral inglesa construída durante o tempo de vida do seu arquiteto. Vieram depois os pormenores, o maravilhoso trabalho decorativo em ferro, os sinos. S. Paulo é também um Panteão, ali estão sepultados Nelson, Wellington e Kitchner; há homens de Letras homenageados na Catedral, como caso de Blake, pintores como John Singer Sargeant, o coronel Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia.
Com o tempo contado, dei por mim a homenagear a resistência britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de 65 hectares em volta da Catedral foram desfeitos, a Catedral sofreu danos, as cicatrizes estão à vista.

Os bombardeamentos alemães destruíram muito, mas não deixa de emocionar esta curiosa associação entre a arquitetura antiga e a moderna
Não resisti ao espetáculo das hortênsias no jardim de S. Paulo, só há pouco é que percebi que entrara na fotografia
Agora muda-se de agulha, estamos no Strand que liga Trafalgar Square a Fleet Street, no século XIX era o centro do teatro londrino. Há por aqui relíquias do passado e património de luxo: o Adelphi Theatre, construído em 1806 e remodelado em 1930, e o Savoy Hotel, um dos mais destacados de Londres.
Imagem de um edifício que albergou um conjunto de jornais de que só resta a memória, é assim em Fleet Street
É um imponente tribunal de Londres, no costumado neogótico do século XIX
Somerset House é mais um imponente edifício com um aparatoso pátio central. Construído em 1786 no local do palácio dos condes de Somerset, foi o primeiro edifício importante projetado para escritórios. Uma das alas, originariamente construída para a Royal Academy of Arts, alberga agora as Courtauld Galleries, onde se encontra uma das melhores coleções do país de quadros do impressionismo e do pós-impressionismo. É para onde vou agora, conversar com gente como Modigliani, Renoir ou Gaugin.
Curioso anúncio do museu, mostrando o célebre quadro de Van Gogh, autorretrato com a orelha ligada

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,~

Philip Havik já com o estatuto de reformado, prestou e está a prestar um relevantíssimo trabalho em prol da cultura portuguesa, e em diferentes domínios. Recordo o trabalho que ele fez com o António Estácio, de saudosa memória, sobre os chineses em Catió; este nosso confrade António Estácio que escreveu sobre Nha Carlota e Nha Bijagó, duas senhoras de grande peso da sociedade guineense, crioulas muito apreciadas e com grande poder comercial. Achei por bem publicar aqui algumas intervenções que ele deixou em trabalhos e dizer que quando quiser intervir no nosso blogue é só bater à porta, não precisa de pedir licença, aqui a Guiné é soberana, pelo amor que lhe dedicamos.

Um abraço do
Mário



Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné:
Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1)


Mário Beja Santos


Vamos a partir de hoje publicar um conjunto de trabalhos assinados por um distintíssimo investigador, há muito ligado a Portugal, com ênfase na medicina tropical e em estudos orientados para a Guiné colonial. 
Um pouco do seu currículo:

Philip J. Havik (doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de Leiden, Países Baixos) foi investigador principal do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa. 

Trabalhou como investigador na Research School for African, Asian and Amerindian Studies (Universidade de Leiden, Países Baixos) e no Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) em Lisboa. Ensinou antropologia colonial e pós-colonial na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.

Foi Research Fellow no African Studies Centre (ASC) da Universidade de Leiden e investigador associado do Centro de Estudos de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa. Autor/coautor de mais de 80 publicações, incluídas dezenas de artigos em revistas e capítulos de livros.

O trabalho a que hoje vamos fazer referências intitula-se Matronas e Manonas: Parentesco e Poder Feminino nos Rios da Guiné (Século XVII)

Começa por sumariamente historiar a condição da mulher, o seu escasso poder de decisão fora do meio doméstico e como a partir da abertura do espaço atlântico e com a presença de africanas ativas em todo o tipo de serviços em cidades como Lisboa e Sevilha, verdadeiras bestas de carga, se deu uma barafunda de géneros que foi aproveitada por mulheres que souberam criar espaços de manobra ao nível do trabalho, da religião e em rituais de toda a ordem. Seja como for, o desempenho da mulher nas sociedades africanas foi relegado para dois domínios fundamentais: a reprodução e a força de trabalho. Daí a herança e a identidade do grupo passarem geralmente pela linha feminina.

Quando a África Subsariana entrou no imaginário Ocidental, o comércio de escravos já era bem conhecido, mediado exclusivamente por berberes e árabes no espaço do Mediterrâneo. Deu-se depois a interação afro-atlântica, as notícias deste continente começaram progressivamente a ocupar um lugar na realidade em que as lendas de monstros e feras do Mar Ignoto se transformaram em ouro, marfim e outras preciosidades. 

Escravas africanas inundaram cidades europeias, no continente africano as relações afro-atlânticas produziram povoações mercantis, assistiu-se, mesmo que superficialmente, à cristianização dos quadros das redes comerciais, falava-se em cristãos e gentios. Estes cristianizados, descendentes afro-atlânticos, nascidos nas capitanias ou presídios, elevaram a importância da mulher, que nos chamados rios do Guiné do Cabo Verde, que passou a ter um papel chave nestes ambientes comerciais, assimilando diferentes papéis como curandeiras e conselheiras e mães dos “filhos espúrios”. 

A mulher passou a ser a garantia de sobrevivência em terras alheias, era um mundo com repartição de tarefas que se veio a estruturar nas redes comerciais da Costa Ocidental Africana a partir do século XVI e até fins do século XIX; e, claro está, veio a ter fortes incidências no século XX em que a Nhá ou Sinhara substituía, como Mindjer Garandi, o comerciante, por qualquer razão ausente.

 Philip Havik estuda a figura de Bibiana Vaz de França, nascida em Cacheu, membro de um clã poderoso da localidade. Ela é assumidamente uma das poucas vozes femininas que se fazem ouvir no universo limitado da palavra escrita. Cacheu era então um centro importante da rede comercial atlântica do tráfico de escravos, povoação elevada a vila em 1605; foi fundada por tangomaos, ou seja, aqueles que negociavam por conta própria, em colisão frontal com a política do monarca. Cacheu era um pequeníssimo entreposto de onde saiam aproximadamente 3 mil escravos por ano.

Um bom número de comerciantes tinha ascendência sefardita e cabo-verdiana, daí a designação pejorativa de tangomaos. Quando, por decisão régia, se criaram companhias de comércio com pretensões monopolistas, como a Companhia de Cacheu e Rios de Guiné, em 1676, o meio local recebe-o muito mal, os moradores iniciais denunciar os desvios e a prepotência de notáveis nomeados por Lisboa. 

O clã dos Vaz de França e dos Gomes eram muito influentes em Cacheu, de modo que o casamento de Bibiana com Ambrósio Gomes, este com ascendência sefardita e africana, trouxe vantagens mútuas. Ambrósio ocupara o lugar de capitão-mor durante alguns anos, e com o fim do contrato da companhia, Bibiana, um seu irmão e sobrinhos, constituíram um forte núcleo local, era uma rede de negócios que se estendia do Rio Gâmbia até à Serra Leoa. Quando o conselho Ultramarino deliberou que Bibiana devia fazer partilhas, ela já havia colocado maior parte dos bens fora do alcance do novo capitão-mor. Atenda-se agora a estas observações de Philip Havik:

“O novo comandante da praça de Cacheu, seguindo à letra o antigo contrato da companhia, proibiu a vinda de embarcações estrangeiras. A revolta do povo não tardou: em 25 de março de 1684, prenderam o dito capitão à saída do hospital enviando-o para Farim, para uma casa de Bibiana, onde permaneceu por espaço de 14 meses. Bibiana encabeçou o movimento de revolta, ela, seguida pelo povo ‘cristão’, decidiram não mais admitir capitães do reino nem das ilhas de Cabo Verde, nem portugueses negociando com o gentio, mas só com moradores da praça. Foi um duro golpe para os interesses dos portugueses; os moradores de Cacheu fizeram muitas petições contra os efeitos nefastos resultando-se da criação da comissão da companhia majestática, e passar a negociar n mato, esquivando-se a pagar direitos aos cofres reais – na realidade os bolsos dos capitães-mores e da companhia. Cacheu não era mais do que um entreposto empobrecido, desprovido de contribuintes e fontes de receita, cuja administração se encontrava no meio hostil, assolado, judeus, crioulos e gentios.”

Deu-se a reação das autoridades em Lisboa, Bibiana, o irmão e outro cúmplice no levantamento foram presos da cadeia da Ribeira Grande. O ponto curioso da historiografia anda à volta do facto de só muito tarde se ter vindo a conhecer os tramites desta sublevação. Presa em Cabo Verde, doente e iletrada, enquanto as autoridades procuravam secretariar e apreender os bens de Bibiana e família, ela e o irmão receberam um perdão real, a Corte, ciente da situação catastrófica do comércio português na costa receava perder ainda mais influencia. Daí a reabilitação de Bibiana. 

Mas havia outros pontos a favor dela. Depois de reabilitada, em sinal de agradecimento, ofereceu-se para construir um forte em Bolor, local estrategicamente situado na entrada do rio Cacheu, deu como garantia a sua pessoa e todos os seus bens.

Em jeito de conclusão, o investigador recorda o mundo de intriga que acompanhou o caso Bibiana Vaz, mulher africana, cristã, viúva, comerciante, armadora/parente de linhagens da terra dos donos di chon, ela liderou uma revolta contra uma autoridade alheia.

Enfatize-se um outro ponto que o autor chama a atenção: “Apesar das múltiplas petições feitas pelos moradores de Cacheu contra os efeitos nefastos resultantes da criação da companhia e contra e prepotência dos capitães-mores que chamaram todo o comércio para sim, não houve, por parte da Metrópole nem das ilhas, intervenção alguma. A resistência dos moradores ficou patente no facto da maioria andar a negociar e a morar no mato, esquivando-se de pagar direitos aos cofres reais.”

Voltando a comentários de Philip Havik:

“O governador de Cabo Verde e os capitães-mores saem-se mal desta história, muitas vezes agindo com base em raciocínios mesquinhos e vingativos. Cúmplices da crise em que mergulhou o tráfico português ao longo dos anos, as autoridades de Lisboa e da Ribeira Grandes, tinham perdido todo o controlo sobre a situação. A fraqueza da posição portuguesa no comércio da Costa da Guiné não permitia mais que o perdão de Bibiana".

Este artigo vem publicado em:
https://www.academia.edu/42757187/Matronas_e_Mandonas_parentesco_e_poder_feminino_nos_rios_de_Guin%C3%A9_s%C3%A9culo_XVII_

Nha Bijagó (1871-1959)
Nha Carlota (1889-1970)
Arredores de Cacheu, ida à fonte, 1900
O Forte de Cacheu e a estátua de Diogo Gomes, mutilada
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Nota do editor

Último post da série de 10 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26490: As nossas geografias emocionais (44): A antiga piscina do QG/CTIG, Bissau, Santa Luzia... Mais de meio século separam estas fotos (Patrício Ribeiro / Mário Beja Santos / António J. P. Magalhães / António Graça de Abreu / Tony Teixeira / Jaime Machado )



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > Santa Luzia > Hotel Azalai > 2/2/2025, 14:15 


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > 2010 > Hotel Azalai > "Foi piscina dos oficiais, dos hóspedes do Hotel 24 de Setembro, aparece agora retocada para a inauguração do Hotel Azalai. Tem beleza e quem organizou este espaço foi feliz com o traçado do meio envolvente."  Foto do ãlbum de  Mário Beja Santos, que regressou à Guiné-Bissau em 2010.

Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e
legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > 1993 > Postal ilustrado > Piscina do Hotel 24 de Setembro: Antigas instalações da Messe de Oficiais do Quartel General do CITG / Exército Português


Um dos cinco "postais ilustrados", da Guiné-Bissau, enviados pelo ex-furriel mil Magalhães durante a sua estada naquele país em 1993; o fur mil António J. P. Magalhães, infelizmente já falecido, pertencia ao 1º Gr Comb da CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67),  comandado pelo alf mil Rui César S. Chouriço, e terá sido dos nossos primeiros camaradas a fazer uma "viagem de saudade" à Guiné-Bissau, depois do fim da guerra. Cortesiia da página da CART 1525, criada e animada pelo Rogério Freire, nosso grão-tabanqueiro, um dos dos nossos 111 históricicos,

Foto (e legenda): © António J. P. Magalhães   (1993). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 4 > Guiné > Bissau > QG/CTIG > Outubro de 1973 > O António Graça de Abreu, no regresso de férias na Metrópole, na piscina do Clube de Oficiais, Santa Luzia, enquanto aguardava transporte para o CAOP1,em Cufar

 
Foto (e legenda):  © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 5 > Guiné > Bissau > c. 1971/73 > Quartel General em Sta. Luzia > Piscina da Messe de Oficiais, a que tinham acesso os oficiais do QP e milicianos, e seus familiares.

Foto do álbum do nosso saudoso António [Henriques Campos] Teixeira, o "Tony" (1948-2013), ex-alf mil da CCAÇ 3459 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 6, Bedanda, 1971/73).
 
Foto (e legenda): © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016). Todos os direitos reservados.



Foto nº 6


Foto nº 7

Guiné > Bissau > c, fevereiro / abril de 1970 > Bissau > Santa Luzia > QG/CTIG > Piscina... Fotos do álbum do  Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852).


Fotos (e legenda): © Jaime Machado (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




 1.Depois da independência da Guiné-Bissau, as instalações hoteleiras (messe e quartos de oficiais) do QG/CTIG foram transformadas em hotel, o Hotel 24 de Setembro; mais tarde  Hotel Azalai 24 de Setembro, 4 estrelas, sito na Av Pansau na Isna, Santa Luzia, 285 Bissau, Guiné-Bissau.

Passei por lá no 1º trimestre de 2008, fiquei num do s bangalós.   Já estava tudo um bocado degradado. Hoje é o Hotel Dunia Bissau, pertencente ao Grupo Azalai Hoteis, espalhado por África.

Quando passou por rlá, no final de outubro de 1973, longe de imaginar que a guerra iria acabar dali a seis meses, escreveu o nosso camarada António Graça de Abreu, no seu "Diário da Guiné": 

(...) Bissau, 26 de outubro de 1973. O regresso normal a Bissau, a viagem igualzinha às outras duas. E, tal como da última vez, tive de utilizar os serviços de barbearia do Clube de Oficiais para cortar o cabelo e me apresentar no Quartel-General com o digno aspecto de um oficial do exército.

São dez da manhã, escrevo à sombrinha junto da piscina do Clube de Oficiais que acabou de ser lavada e ainda está a encher. Durante a noite, mergulharam de cabeça para a piscina uns cinquenta sapos, anafados e feios, tiveram de os tirar lá e de lavar e desinfectar a piscina. Só quando estiver de novo cheia autorizam o mergulho de cabeça, ou de pés, a oficiais do exército.

De Lisboa, trouxe um pequeno gravador de cassetes que me faz boa companhia. O José Mário Branco canta, só para mim, o “Casa comigo, Marta”.

Vou permanecer em Bissau mais uns dias, aqui vive-se melhor do que em Cufar. Hoje voaram Nordatlas e hélis lá para baixo, mas eu fiz de conta que não sabia. Em vez de ser eu a tratar de obter transporte, espero que sejam os tipos das repartições a marcar-me a viagem. Fico mais folgado nesta cidade pacífica, fico sobretudo mais seguro.

Por aqui é vida de Clube de Oficiais, piscina (sem sapos!), almoçar, jantar, dormir, ouvir as histórias da guerra, as aldrabices, os boatos. E comprovar como está baixa a moral de toda a tropa. (...)

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Nota do editor:

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Quando der por concluído a leitura destes Boletins até ao final do século regressarei à leitura da importante obra de Armando Tavares da Silva intitulada A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, Caminhos Romanos, 2016, iremos acompanhar o que de facto se passou neste período em que os Boletins Officiais parecem condenados a um discreto silêncio das profundas tensões interétnicas, só ali e acolá é que se fala em autos de submissão e vassalagem, meros proformas em que os grupos étnicos procuravam um compasso de espera para voltar à rebelião. Por isso, aqui se recupera um documento de 1894, os régulos da Península de Bissau a pedirem para serem perdoados e o Governador a apresentar uma lista gordinha de obrigações de cumprimento a breve trecho. E de novo se aproveita um relatório do chefe da Junta de Saúde César Gomes Barbosa, ele é exigente e não tem pejo em dizer as verdades, sabe perfeitamente que nem sempre é atendido, aliás vive-se um período na Guiné que é muito incómodo em Lisboa, o dinheiro escasseia e nas prioridades estão as expedições militares, sobretudo em Moçambique.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22)


Mário Beja Santos

Que o leitor não se surpreenda, não pretendo ficcionar que os eventos que merecem ser destacados são praticamente inexistentes entre 1894 e 1895. Recorda o leitor aquele ato de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, vieram ao Palácio do Governo em Bissau assinar o ato de submissão, trouxeram os homens grandes das suas tribos, declarando a sua resolução que o Governo de Sua Majestade lançasse no esquecimento as ofensas que havia recebido porque quanto a eles iam procurar por meio de boas ações de conquistar a confiança do Governo. Bem interessante é a resposta do governador, estava pronto em nome de Sua Majestade em conceder-lhes o perdão, mas para isso era necessário que todos eles se sujeitassem às condições que lhes ia impor. E elenca um rol de condições, como se sintetiza: entregar dentro de 30 dias todos os soldados desertores que estiverem na ilha de Bissau, sob pena de trazerem em sua substituição seis vacas por cada um que faltar ou que não indiquem o local onde possam ser encontrados; trazerem para a praça todas as armas aperfeiçoadas que tiverem em seu poder; não procurar intervir, sobre pretexto algum nos terrenos compreendidos na área de um polígono de perímetro afastado 350 m da praça de Bissau; conservar livres os caminhos através da ilha, garantindo a vida dos que por eles transitarem, protegendo e facilitando as relações comerciais; prestar serviços de trabalhos na praça, para que os chefes ou régulos das tribos perdoadas distribuirão o pessoal das povoações, cada um deles tem direito à ração durante os dias que trabalharem; para tornarem a habitar Bandim, Intim e terrenos próximos, cujas povoações foram destruídas pelas novas forças e para se não continuar o bombardeamento de Antula, obrigam-se a satisfazer anualmente como tributação de submissão o imposto de cabeça de 160 réis por cada indivíduos, pago em quatro prestações trimestrais de 40 réis; nomear-se-á para cada uma das três tribos um homem que informará o Governo do que entre eles se passa, sendo-lhe garantida a vida e bom acolhimento na povoação que tiver de visitar, etc. etc. (matéria constante do Boletim Official n.º 32, datado de 11 de agosto de 1894).

Já aqui se falou dos pertinentes relatórios elaborados pelo chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa. No Boletim Official n.º 34, de 24 de agosto de 1895, temos agora o relatório do serviço de saúde referente a 1893. Logo Gomes Barbosa assinala a falta de pessoal médico. Como não apareciam facultativos de 1.ª classe, tinham sido convidados facultativos de 2.ª classe das escolas do reino em serviço no Ultramar, garantindo-se-lhes que seriam promovidos a 1.ª classe. Apareceram facultativos do quadro de saúde de Cabo Verde. Estes facultativos vão ter sérios problemas de acolhimentos, a par de vir a encontrar o clima insalubre, na Guiné havia uma completa falta de casas com condições higiénicas para eles. Explica a falta de facultativos porque os médicos que servem na Guiné não têm uma recompensa pelos serviços a que se expõem.

Em janeiro de 1893, a enfermaria de Bissau sofreu um grande incêndio, o médico pediu providências ao Governador, veio de canhoneira até Bissau para escolher um edifício particular com boas condições, na ocasião de vir até Bissau trouxeram oito camas e roupas para se suprir tudo o que havia sido queimado. Lá se encontrou uma casa destinada a servir para o hospital. E explica a organização que imprimiram ao espaço; chegaram quatro irmãs hospitaleiras em fevereiro desse ano, distinguia-se a superiora Maria Patrocínio de São José, profundamente bondosa. Refere os serviços prestados pelas profissionais de saúde, dá conta das roupas, utensílios e camas.

Alude à topologia das doenças, o paludismo, as úlceras, as doenças de pele, o sarampo, a varíola, etc. Temos agora o quadro da higiene, volta a enfatizar a necessidade de se aperfeiçoar a limpeza das ruas e controlar a acumulação de imundícies, as fontes continuavam a não ser policiadas, a polícia municipal era pouco exigente, isso podia-se ver, por exemplo, no estado do cemitério. E informava a quem de direito que continuava tudo no mesmo estado, nenhuma obra era digna de referência, à semelhança de relatórios anteriores. Volta a enfatizar o grave problema da vacinação. Esta é a sumula dos acontecimentos que ele nos deixa, embora seja muito detalhado a falar a medicina legal, ramo que continuava a ser muito defeituoso no Ultramar, pela falta de um local apropriado para exames cadavéricos e autópsias. Não esqueceu a sanidade marítima, orgulha-se de se ter conseguido alcançar a montagem do lazareto, funcionava o serviço de desinfeção.

Haverá relatórios posteriores, são peças de grande significado como registo do quadro de saúde pública da Guiné no fim do século XIX. Ele está nitidamente obcecado pela vacinação, dá sugestões, embora descrente que venham ser postas em prática:
“Entendo que não deve ser permitido ao gentio vir habitar as localidades ocupadas pelas nossas autoridades sem ser vacinado. Para isso, a Junta de Saúde fará regulamento especial em que se estabelecerá a vacinação para os que de novo entrem depois de se conseguir a vacinação geral dos que já residem ao tempo nos povoados. Procedimento igual é usado em S. Tomé, com os serviçais e numa das colónias francesas com os colonos que para elas são mandados. Ora o gentio que abandona temporária ou definitivamente a sua morança para vir habitar nas nossas povoações pode nesta ser considerado como as levas de colonos de S. Tomé (serviçais) e exigisse-lhes como condições sine qua non o serem vacinados. É um alvitre merecer a aprovação que parece que dará bons resultados, evitando os frequentes casos isolados de varíola que se dão entre os indígenas que recolhem as nossas praças, ameaçando assim a saúde pública, alarmando os habitantes e por várias vezes como em 1887, criando graves transtornos ao comércio e à navegação.”

Estes relatórios dos serviços de saúde ir-se-ão repetindo, mais tarde o Governador irá louvá-lo pelo seu lavor em escrita tão documentada. E vamos agora mudar de ano.


Agência em Bolama do BNU, depois Hotel do Turismo, agora uma ruína completa
Monumento em Bolama, imagem retirada de RTP Arquivos, setembro de 1961

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26481: Notas de leitura (1771): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
O historiador Hermann Kellenbenz faz um tipo de relatório de situação sobre aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa, não emite juízos quanto a um sugerido balanço. Reconheça-se o interesse pelo que escreve quanto a formas de povoamento, de presença portuguesa em fortalezas e postos de África, a natureza do comércio oriental, as etapas da colonização brasileira, o modo como os portugueses influíram no comércio mundial devido ao açúcar, às especiarias, ao ouro, às madeiras e ao comércio negreiro. O autor observa a falta de recursos humanos, e daí o abandono das praças do Norte de África, onde a beligerância era constante e os proventos baixos; como a presença portuguesa em África foi alterando as redes de negócio do ouro; as mudanças operadas após o descobrimento da rota do Cabo que trouxe uma cascata de preciosidades a Lisboa; e o bom exemplo da pimenta que era distribuída por toda a Europa, se bem que Portugal não possuísse o monopólio das especiarias e muito menos dos metais preciosos. Enfim, uma estimulante análise da vertente histórico-económica dos Descobrimentos portugueses. E assim se chegou ao fim da apreciação do livro Balanço da Colonização Portuguesa, que nos suscitou a curiosidade por ter sido editado precisamente em 1975.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (5)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada, dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Lançou um projeto aliciante, o de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da expansão/colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço, estávamos no ano de 1975.

Responderam ao pedido vários historiadores e investigadores, já aqui se falou dos textos de Banha de Andrade, Frédéric Mauro, Charles Ralph Boxer e Joel Serrão. Vamos hoje despedirmo-nos com o contributo do historiador alemão Hermann Kellenbenz, intitulado Aspetos histórico-económicos da expansão ultramarina portuguesa.

Ele começa por várias interrogações: como foi possível a um país tão pequeno criar condições de povoamento nas suas possessões ultramarinas? Como foi financiada a expansão ultramarina? O que significou a expansão para a economia portuguesa? De que modo se enquadrou a expansão na economia europeia? Qual o seu significado para os territórios ultramarinos?

Procurando responder, conduz-nos às condições climático-geográficas do país, de terra pobre, com períodos consideráveis de seca e de chuva irregulares, o que pode explicar a concentração demográfica nas zonas costeiras; foi sempre permanente a escassez demográfica, apesar das conquistas feitas no Norte de África não foi possível penetrar no Norte de Marrocos, mas tudo sempre numa cadeia infindável de dificuldades, e a partir de 1541 perderam-se uma a uma as possessões conquistadas; os arquipélagos da Madeira e dos Açores eram áreas relativamente pequenas, suscitou poucos problemas, mas vieram colaborações do continente europeu e cedo se começou a utilizar a mão-de-obra escrava; os flamengos tiveram um papel importante no povoamento dos Açores e foram feitas concessões no povoamento de Santiago e outras ilhas de Cabo Verde; os povoadores que se apresentaram na Senegâmbia e S. Tomé eram descendentes dos judeus degredados; não havendo, pois, condições de povoamento intensivo e alargando-se o espaço da presença portuguesa em África e depois no Oriente, encontrou-se solução a criação de postos de apoio tanto militares como comerciais, caso de Arguim ou São Jorge da Mina; a partir de 1503, Cochim na zona orienta da Índia, tornou-se o principal reduto dos portugueses, o governador-geral Afonso de Albuquerque, o primeiro vice-rei da Índia, favoreceu a mistura de mulheres muçulmanas hindus em casamentos com portugueses.

Proposto escrever em que termos os portugueses estavam presentes no longínquo oriente, o historiador observa que a situação do Brasil era completamente diferente, recorreu-se aos sistemas de donatorias e sesmarias, os donatários eram principalmente mercadores, funcionários públicos, gente que se tinha distinguido na Índia, sem necessariamente descenderem de famílias aristocráticas. Passando para a questão do financiamento, o autor releva o espírito empreendedor dos portugueses, nomeadamente os da costa algarvia e o povo de Lisboa, chamo a atenção para a contribuição de burgueses como Fernão Gomes e Martim Anes Boa Viagem, no entanto, o financiamento dos Descobrimentos competia em primeiro plano à Coroa, e tece a seguinte consideração: “Os reis portugueses demonstraram um alto grau de inteligência acolhendo estrangeiros com capital e espírito empreendedor e dando-lhes a possibilidade de participar nos Descobrimentos.” – e refere nomes como o do veneziano Cada Mosto, o de genovês Antonio de Nola, e enumera também outros nomes de italianos e de alemães. A sede da organização da Coroa era a Casa da Índia que foi dissolvida em 1549, para facilitar a entrada de capital estrangeiro. Mas havia um senão: o aparelho financeiro da Coroa não se desenvolvera de acordo com as exigências crescentes das expedições ultramarinas – daí a dívida galopante e a incapacidade de lhe pôr termo dada a vida luxuosa que se praticava.

Qual o significado económico destas possessões ultramarinas? Ceuta rapidamente perdeu importância comercial que até aí detivera; as ilhas do Atlântico revelavam-se economicamente importantes, a Madeira fornecia madeira, urzela e peixe, o açúcar virá depois, será exportado para os mercados da Europa Central; os Açores tornaram-se produtores de cereais, exploravam a produção de tinta-pastel que era exportada sobretudo para os flamengos; Cabo Verde não se prestava muito à cultura da cana do açúcar, na Ilha do Fogo desenvolveu-se a cultura do algodão bem como a criação de gado bovino e cavalar e em ilhas inabitadas praticou-se a criação de gado caprino; em S. Tomé, em 1512, desenvolveu-se a cana açucareira, havia um total de 60 engenhos e 300 escravos; mas é importante relevar que Cabo Verde passou a ter um importante papel no comércio ultramarino português, devido ao ouro e aos escravos. Kellenbenz alarga-se na descrição deste fenómeno económico na costa ocidental africana, mas também no reino de Monomotapa, na África Oriental, aqui se adquiriu muito ouro que também vinha do longínquo oriente, de Sumatra e da Malásia. E dá enfâse ao tráfico africano de escravos, da maior importância a partir do último quartel do século XV, não deixando igualmente de mencionar o comércio da pimenta e a malagueta, mas não deixa de referir que a pimenta africana ficava muito aquém da pimenta vinda da Índia Oriental. Tece uma larga exposição sobre todo este comércio para depois mencionar o Brasil, primeiro pela exploração açucareira, com destaque para Pernambuco e Baía, depois o comércio do pau-brasil, muito apreciado em Lisboa, Antuérpia e Amesterdão.

Outra questão a responder à pergunta das consequências da expansão portuguesa na economia europeia. O autor afirma que é difícil estabelecer uma nítida separação entre a parte portuguesa e a espanhola, procura, no entanto, aferir o carregamento dos barcos e os portos a que se destinava tal carga, de Antuérpia a Danzig, e indiscutivelmente traziam novidade: “Os produtos que chegavam à Europa, as mercadorias africanas e asiáticas, alteraram completamente a antiga rota do Mediterrâneo. Os produtos vindos das ilhas do Atlântico e Brasil eram completamente novos. A importação de especiarias orientais é o setor mais interessante na rota do Cabo, alteravam-se as regras da concorrência e com o tempo o comércio no Mediterrâneo foi-se desvanecendo. E importa não esquecer que Portugal não possuía o monopólio das especiarias, Portugal era forçado a vendê-las para comprar os produtos apetecidos em África e na Ásia, acontecerá o mesmo com os nossos metais preciosos.” E daí a nova questão: como é que se verificou o domínio português na economia das regiões subjugadas: nas ilhas atlânticas houve povoamento, eram terra-virgem; nos pontos africanos era necessário apoio militar, e o autor recorda que os portugueses que vivam fora das fortalezas eram na sua maioria exilados, reclusos ou ventureiros, caso dos tangomaos na Guiné; e no tráfego de escravos faziam-se acordos com chefaturas africanas; recorda que o movimento comercial português no Índico devem ser observadas à luz da ligação com a viagem ao Oriente, era simultaneamente um sistema de alianças mas também podia envolver crueldade e intimidação; e tece considerações sobre a missionação fundamentalmente no Brasil e nalgumas parcelas do Oriente. Kellenbenz não formula qualquer juízo sobre qual o balanço da colonização portuguesa, a não ser estes tópicos de interações socioeconómico-culturais, tanto em África como no Oriente e Brasil.

Damos assim por findo um conjunto de sumulas em torno de uma iniciativa bem curiosa de se fazer um balanço da colonização portuguesa em pleno ano de 1975.

Para que conste.

Hermann Kellenbenz
Exploração açucareira no Brasil
Vista do Castelo de São Jorge da Mina, figura do século XVII, a fortaleza já está em poder dos holandeses
O tão apetecido pau-brasil comercializado por toda a Europa
Como se organizava uma missão jesuítica no Brasil, século XVII
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Notas do editor:

Vd. post de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 7 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)