Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Beja Santos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Beja Santos. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27506: Notas de leitura (1872): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Esta digressão sobre o tema Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil, entre a Regeneração e a década de 1950, num ensaio de Fernando Costa analisa o papel da História de Portugal e dos Descobrimentos portugueses na ideologia e na conduta das associações e organizações de juventude. Passam-se em revista as organizações de juventude católicas, os escuteiros, as organizações académicas republicanas, a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, a Ação Escolar de Vanguarda e daqui se partiu para a Mocidade Portuguesa, a organização mais duradoura e que aparece na Guiné no tempo do governador Carvalho Viegas, aqui se mostra uma imagem de um desfile em Mansoa, em 1961, era governador da Guiné Peixoto Correia. O período áureo desta Mocidade Portuguesa coincide com os tempos da guerra civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial, faz-se a saudação romana, comemora-se a Batalha de Aljubarrota e sempre o 1º de Dezembro, na Praça dos Restauradores, local por excelência que servia de recordatória de como tínhamos sacudido o jugo espanhol, e mostra-se como os heróis dos Descobrimentos eram patronos de todos os eventos desta mocidade. E importa não esquecer o papel marcadamente ideológico que teve Marcello Caetano à frente da Mocidade Portuguesa, exaltando todos os valores da Nação Imperial.

Um abraço do
Mário



Não fomos combater na Guiné pela integridade de Portugal de Minho a Timor?
(Uma abordagem dos valores educativos entre o liberalismo e o Estado Novo) – 3


Mário Beja Santos

O
terceiro e último ensaio desta obra dedicada ao entrosamento ideológico d’Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), tem a ver com o trabalho de Fernando Costa quanto ao papel da História de Portugal e dos Descobrimentos na conduta das associações e organizações de juventude. Não se pode atribuir grande significado a estas organizações, no que toca à religião católica, até ao aparecimento do Centro Académico de Democracia Cristã, caber-lhe-á um papel propulsor na promoção do culto de D. Nuno Álvares Pereira. A Ação Católica Portuguesa dividia-se em setores (agrário, escolar, universitário, independente e operário). A sua atividade encontrou pontos de convergência com a Mocidade Portuguesa, a partir de 1936. Os Centenário de 1940 foram considerados pela imprensa juvenil católica como o ponto alto da História de Portugal, reacendeu-se o culto de Nuno Álvares Pereira e escusado é dizer que o advento do Estado Novo estabelecerá uma relação muito próxima entre o nacionalismo e os valores da moral cristã, isto nas organizações de juventude, mas também na escola.


Os escuteiros não ficarão indiferentes ao culto de o Santo Contestável, a figura de Nuno Álvares e da “Ala dos Namorados” irão aparecer associadas às bandeiras das associações de escuteiros. Aparecerão como patronos dos grupos além do Contestável, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Afonso d’Albuquerque, Vasco da Gama; e ler Camões é dado como um imperativo. Indo um pouco atrás, o autor trata as organizações de juventude republicanas e direita radical em Portugal, recorde-se o papel dos centros republicanos, os grupos republicanos de Coimbra; e com o 5 de Outubro o novo regime vai contrapor a República à Igreja, a Pátria a Deus e o patriotismo ao cristianismo. “A Pátria assume as características de uma mulher forte, decidida e lutadora, mas ao mesmo tempo consensual, capaz de aglutinar no seu seio a humanidade, a família e o indivíduo.” Nos bancos escolares dá-se grande importância aos grandes feitos da História de Portugal e emergem figuras de referência: Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira, D. João I, o Marquês de Pombal, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, entre outros.

Em julho de 1918, em pleno consulado de Sidónio Pais, é fundada a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira: “acordar as energias dos portugueses, radicando neles, o amor da sua terra e o culto dos seus heróis, pugnar pela formação de caráter, reconstituir a família, base de toda a sociedade organizada, nacionalizar o espírito científico, preconizar a disciplina social, a ordem nas ruas, nos espíritos, na casa…” A Cruzada irá diluir-se com a ascensão do salazarismo e da sua União Nacional. Quando se está a dar o apagamento ideológico da Cruzada, surge a Ação Escolar de Vanguarda, constituído por estudantes nacionalistas das Universidades de Lisboa e Coimbra. Salazar não apreciou o seu radicalismo, este grupo desaparecerá com a constituição da Mocidade Portuguesa, em 1937 assiste-se à unificação do associativismo juvenil nacionalista, há aproximações inequívocas com as juventudes franquista, fascista italiana e até nazi.

A Mocidade Portuguesa rege-se pelos grandes princípios do Portugal Salazarista: a escola, a família, Deus e a Pátria, pretende-se a recuperação das virtudes do Portugal de outrora; busca-se a formação integral do jovem, a escola passa a ser a “sagrada oficina de almas”; haverá fricções graves entre os condutores da Mocidade Portuguesa e a Igreja Católica, o Cardeal Cerejeira não quer que se ocupe o lugar que cabe à igreja na formação do indivíduo, teme o que se estava a passar em Itália e na Alemanha. Os ideais desta juventude da Mocidade Portuguesa prendem-se com os grandes princípios do nacionalismo: D. João I e Nuno Álvares Pereira, a salvaguarda da independência portuguesa face à ameaça castelhana, os heróis do patriotismo passam a ser patronos dos cursos anuais da Escola Central de Graduados da Mocidade Portuguesa.

E voltam a entrar em cenas os heróis dos Descobrimentos, logo o Infante D. Henrique, regressa-se à mítica escola de Sagres, aos conhecimentos geográficos, às descobertas da botânica e da zoologia; é a gesta dos Descobrimentos, não são esquecidos os navegadores Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Diogo Cão e Pedro Álvares Cabral.

Importa recordar que Marcello Caetano foi comissário da Mocidade Portuguesa, e recordou aos graduados as responsabilidades de Portugal como nação imperial, como disse em 1944: “A independência portuguesa permitiu que a Nação prestasse à Humanidade serviços tão grandiosos que a Eternidade os registará. E essa missão não acabou: oito colónias formam o Império de Portugal, onde à sombra da nossa bandeira se prossegue a obra tradicional de desbravamento e civilização. Destino magnífico, o destino português! Somos criadores e educares de povos!”

Coube indiscutivelmente à Mocidade Portuguesa um papel formativo, comprovado em livros, canções nacionalistas e teatro radiofónico, basta atender à lista dos livros recomendados para as bibliotecas, estão presentes autores como João Ameal, Henrique Galvão ou Manuel Múrias. Quando lemos o cancioneiro para a Mocidade vemos como se exaltava o Portugal marinheiro, como Portugal tinha vencido antigos medos, como de Sagres e do Restelo partiam caravelas levando a Cruz de Cristo: “Diu e Malaca, Azamor, Marracuene/ São, para nós, a garantia solene/ Que Portugal, uno e valente,/ Viverá eternamente!”

E temos os compêndios escolares, Maria Cândida Proença deles falou abundantemente.

O autor conclui observando que o projeto da Mocidade Portuguesa estiolou por ter ficado datado no tempo. A Mocidade nasce com a inquietação do que se passa em Espanha e com o advento do comunismo. “O fim da guerra em Espanha, a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e o consequente advento dos Estados Democráticos na Europa Ocidental esvaziaram ideologicamente este projeto que, para ser implementado na prática, necessitava de um longo período de gestação educacional e geracional. Provavelmente, só numa segunda ou terceira gerações é que começaria a poder avaliar os resultados da sua implementação. Isto não invalida o facto da organização nacional Mocidade Portuguesa ter constituído a primeira e única tentativa de integração global da juventude portuguesa numa grande organização patriótica, ao serviço do regime de Salazar.”
Barreiro, festival organizado pela Juventude Operária Católica, no âmbito das comemorações do Dia Internacional da Juventude Operária Católica, 1965, RTP Arquivos
O Presidente Carmona recebe a Cruzada Nun’Álvares, Marcello Caetano é o primeiro à esquerda
O Movimento Escutista chegou a Portugal 1923
Desfile da Mocidade Portuguesa, em Mansoa, 1961, RTP Arquivos
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 1 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 5 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

sábado, 6 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27500: Os nossos seres, saberes e lazeres (712): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 5 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Verdade verdadinha, andei com amigos alemães a matar-lhes saudades de Lisboa, não vinham cá há dez anos. Foi a seu pedido que fui mostrar o novo Museu Nacional dos Coches, lembravam-se do picadeiro, implantado no Palácio de Belém, estavam cheios de curiosidade por ver todas aquelas viaturas em espaço mais desafogado. Foi essa a viagem que fizemos, achei por bem reter uma série de imagens de peças de altíssimo valor no nosso Património Cultural.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 5


Mário Beja Santos

Prossegue a viagem, recebi a visita de queridos amigos alemães, não visitavam Portugal há dez anos, resolvi mostrar-lhes o perene e o que está em mudança. Por exemplo, numa viagem anterior, levara-os às instalações do antigo Museu Nacional dos Coches, sito no antigo picadeiro de Rainha D. Amélia, agora foram visitar as novas instalações, bem espaçosas. Sabendo do seu fervor pelos jardins, levei-os em primeiro lugar aos jardins do Torel, não conheciam esta panorâmica, conheciam o jardim em frente, o de São Pedro de Alcântara, que também visitaram, agora magnificamente recuperado e conservado. Na travessa da Cruz do Torel, já perto do jardim, encontrei esta lápide da casa em que nasceu e morreu Venceslau de Morais (1854-1929) marinheiro, diplomata e torrencial escritor, porventura o escritor português que mais amou Japão, houve o cuidado de pôr nesta lápide tudo escrito nos dois idiomas. Pena é que a inscrição não esteja devidamente conservada.
Lápide à memória de Venceslau de Morais, na Travessa da Cruz do Torel, pertinho do jardim com o mesmo nome
A remexer nas fotografias da nossa visita aos jardins de Monserrate encontrei esta que fora injustamente esquecida, a flor chama-se cosmos, tem uma coloração intensa, sobressaía naquela paisagem quase outonal, dominada pela natureza verde que só irá despontar na primavera.
Já estamos no Museu Nacional dos Coches. Como se impunha, começámos por este coche raríssimo, o mais antigo da coleção do Museu. Integrou a comitiva régia de Filipe III de Espanha e II de Portugal, na viagem entre Madrid e Lisboa em 1619. A sua arca, na parte da frente, servia para guardar utensílios de viagem. É um trabalho espanhol.
Este coche é um exemplar raro da “Carrosse Moderne” - caixa fechada com oito janelas. Pertenceu à Rainha D. Maria Francisca de Sabóia-Nemours, prima de Luís XIV. Foi trazido para Portugal no dote do seu casamento com D. Afonso VI, em 1666. Nas portas, duas figuras femininas ladeiam um medalhão com o monograma da rainha.
Este coche foi mandado construir em 1708 pelo Imperador José I de Áustria para o casamento da sua irmã, Maria Ana com o Rei de Portugal, D. João V. A caixa é revestida a talha dourada e decorada com leões coroados, monogramas da rainha e um escudo com as armas de Portugal. Os doze raios das rodas têm formas de cetros. É um trabalho holandês.
Este coche foi mandado construir por D. João V, a caixa anuncia o estilo rococó. A decoração apresenta bustos, em madeira de bronze cinzelado. Nas rodas traseiras estão representados os doze signos do Zodíaco. É trabalho português.
Este coche tem como tema a ligação dos Oceanos e representa um importante episódio da história marítima de Portugal. A composição escultórica do alçado traseiro apresenta, ao centro, Apolo que canta os feitos dos portugueses e está ladeado por duas figuras femininas, a Primavera com flores e o Verão com espigas. Em frente ao globo terrestre, dois velhos, o Oceano Atlântico e o Oceano Indico dão um aperto de mão simbolizando a passagem do Cabo da Boa Esperança. Trabalho italiano.
A 8 de julho de 1716 realizou-se em Roma o cortejo da Embaixada enviada por D. João V ao Papa Clemente XI. Os exemplares únicos de carros triunfais foram idealizados pelo Embaixador de Portugal, Marquês de Fontes. Destacam-se pelas dimensões, pelo modelo de caixa aberta “à romana” e são revestidos de ricos tecidos bordados a ouro e prata. Na sequência desta cerimónia Portugal obteve o estatuto de Patriarcal para a Capela Real. Em 1718, a pedido do Rei, estas viaturas foram enviadas por mar até Lisboa.
Este coche pertenceu a D. José I e é considerado um dos melhores exemplares do barroco português – estilo artístico que se caracteriza pela decoração com excesso de detalhes. A talha, apresenta grinaldas de flores e frutos e cabeças de índio, simbolizando os primeiros contactos com o Brasil. No alçado traseiro destaca-se uma águia imperial, representando o poder absoluto do Rei. É trabalho português.
Os carrinhos de passeio em estilo italiano, decorados com motivos vegetalistas sobre fundo dourado, foram encomendados pela Rainha D. Maria I. a família real utilizava-os para passear nas quintas e nos jardins dos palácios. Eram viaturas de dois lugares, com duas ou quatro rodas, conduzidas pelo próprio ocupante ou por um boleeiro. A caixa aberta tem na parte dianteira um painel de couro que serve de porta e o acesso é feito por estribos suspensos. Na parte traseira tem um banco para o pajem. Há quem lhe dê o nome de cabriolé.
Liteira à francesa
Pormenor de Liteira à romana. São viaturas sem rodas, utilizadas na Europa desde o tempo dos romanos até ao século XIX. Eram veículos de caixa aberta ou fechada, com dois lugares frente a frente, carregados por duas mulas ou cavalos que se atrelavam aos varais fixos nas ilhargas laterais. Por serem fáceis de manobrar, permitiam deslocações cómodas e rápidas nas ruas estreitas da cidade e em caminhos de difícil acesso.
Landau de D. Pedro V, modelo de viatura que teve origem na cidade de Landau, na Alemanha. A caixa, com acesso por estribo desdobrável tem duas capotas de couro rebatíveis, o que permite que a viatura possa ser utilizada aberta ou fechada. Na decoração destaca-se o brasão de armas do Rei D. Pedro V ladeado por manto de arminho e encimado por coroa real. Trabalho inglês.

Na viagem de regresso procurei satisfazer a curiosidade destes meus amigos alemães que pretendiam esclarecimento de como é que Portugal possuía esta tão impressionante coleção de coches. De forma muito simplificada, expliquei-lhes que tínhamos o clima a nosso favor, tivemos muito menos guerras do que os outros povos europeus, estas viaturas não eram implicadas em conflitos e quando perderam o uso não foram destruídas. E contei-lhes uma história aparentada sobre os nossos instrumentos científicos da Universidade de Coimbra, todas as universidades europeias já os tinham deitado fora, nós guardá-mo-los, deram brado na Europália portuguesa de 1991, vieram excursões de toda a parte para ver tais instrumentos científicos que só eram conhecidos por gravuras e desenhos. É assim a vida. Que o leitor se prepare, um dia destes vou-me pôr ao caminho e fazer três cidades de Andaluzia, rever Sevilha, Granada e Córdova. É claro que darei notícia de tudo quanto vi e senti.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 29 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27476: Os nossos seres, saberes e lazeres (711): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 4 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Como se pode verificar, este Boletim Associativo espelha muito mais do que a conjuntura socioeconómica da Guiné na transição dos anos de 1950 para 1960. A Associação dá-se bem com a política do Governador Peixoto Correia e sente-se apoiada. Há aqui um dado estranho que vale a pena salientar: embandeirou-se em arco com a criação de uma Companhia de Alumínio da Guiné em Angola e anunciou-se formalmente que um potentado petrolífero norte-americano vinha fazer explorações à Guiné, escreveu-se mesmo dizendo que havia o risco de aparecer uma inflação enorme; o país vive ainda em condicionamento industrial de modo que foi possível pedir-se para não vir açúcar a não ser o das nossas refinarias, de modo a garantir a produção local de mel. Vemos também que na leitura destes boletins vamos apanhando alguns dados da vida interna, caso das atividades desportivas ou a diminuição da construção civil, que tiveram o seu furacão nos governos de Sarmento Rodrigues e nas obras concluídas pelo governador seguinte, Raimundo Serrão. O Boletim interrompe-se nos primeiros meses de 1961, a explicação dada pelo presidente foram as agitações, não explica quais. E quando o Boletim reabre, o assunto que parece ser mais interessante é o novo franco da Guiné-Conacri.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 3


Mário Beja Santos

O ano de 1960 revela a direção da Associação Comercial bastante interveniente, conforme se pode ler no Boletim, onde aparecem apontamentos históricos sobre a Guiné, indicadores populacionais, o funcionamento dos serviços de Justiça, mostra-se imagem do Centro de Assistência Materno-Infantil de Bissau, noticia-se o trabalho da Missão Permanente de Estudo e Combate da Doença do Sono e de outras Endemias; também são referidos os serviços da Marinha, a missão Geoidrográfica, os serviços de obras públicas, dão-se informações sobre os impostos, apresenta-se o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, como se começa a falar na EFTA, a que o Governo português pretende aderir.

Como se referiu anteriormente, a correspondência da Associação para o Governador, mesmo para o Governo em Lisboa, e as diferentes repartições da Guiné merecem publicação no Boletim. Logo no primeiro de 1960, transcreve-se do discurso do presidente da Associação na Assembleia Geral de 18 de dezembro do ano anterior o que lhes disse Fernando dos Santos Correia:
“Fizemos várias diligências em exposições submetidas a Sua Excelência o Governador, no sentido de serem colocados no interior, pelos serviços públicos, muitas mais britadeiras de coconote, no que temos sido atendidos. Acompanhámos e apoiámos uma representação do comércio de Bafatá e Nova Lamego, a qual veio pedir ao Governo para não autorizar importações de açúcar extra-continente, tendo obtido do nosso Governador um pronto apoio e deferimento da pretensão. Todos se devem recordar que sem isso estaria em sério risco a produção local de mel. Têm sido muito numerosas as diligencias da direção junto das nossas Autoridades para impedir que os chamados Djilas tragam mercadorias dos territórios vizinhos, passados em contrabando, em grande e nociva concorrência com o nosso comércio.”


Ficamos igualmente a saber o que é a vida desportiva da Guiné, quem a compõe: Associação de Futebol da Guiné, Associação Provincial dos Restantes Desportos, Comissão Provincial de Árbitros, União Desportiva Internacional de Bissau, Clube Desportivo e Recreativo de Farim, Sporting Clube de Bissau, Sporting Clube de Bafatá, Sport Bolama e Benfica, Sport Bissau e Benfica, Clube de Futebol Os Balantas, Atlético Clube de Bissorã, Futebol Clube de Tombali, Futebol Clube Teixeira Pinto, Nuno Tristão Futebol Clube (Bula), Ténis Clube de Bissau.

Também se dá notícia das conferências que se vão celebrando e parece-me pertinente o extrato da conferência do Dr. Pio Coelho da Mendonça que tinha como título Algumas Considerações sobre Comercialização de Produtos Agrícolas:
“A actividade económica da Província desdobra-se em comércio interno e comércio externo. No referente a este último, reflete-se quase exclusivamente na exportação de oleaginosas, pois, num total de 200.259 contos, em 1958, couberam-lhes 171.394 contos, repartindo-se 61.436 contos para o coconote, 106.897 contos para a mancarra e 3.059 contos para o óleo de palma, o que quer dizer que é da ordem dos 64,27% a cota da mancarra, e 23,42% a cota do coconote.
Em 1959, num total exportado 198.609 contos, distribuíram-se 175.680 contos pelas oleaginosas, isto é, 128.000 contos para a mancarra, 44.780 contos para o coconote e 2.889 contos para o óleo de palma. Os restantes 22.929 contos repartiram-se pelas madeiras, arroz, couros e outros.


Como se vê, a exportação da agricultura é representada principalmente pela mancarra, o coconote e o óleo de palma. A exportação é, pois, constituída por um número relativamente reduzido de produtos: aqueles três já referidos e ainda o arroz, a madeira, os couros, etc. A importação, comparada com a exportação mostra-nos que os nossos produtos de exportação são de classificação primária e em muito menor número e menor variedade. Estão, por isso, mais na contingência das flutuações do mercado externo: bastará qualquer perturbação na procura para que, recusados certos destes produtos, o rendimento da Província se ressinta. E todos estes produtos não entram na categoria de bens essenciais à economia dos mercados externos de compradores.”

Mais adiante o orador revela confiança no futuro:
“A Guiné tem óptimas condições para uma larga cultura de laranjas e daqui pensar-se na sua exportação; a Província tem especialidades para uma cultura extensiva e intensiva de frutas e de legumes, por forma a constituir-se um forte circuito comercial interno que nos liberte das dificuldades em que nos debatemos. Há que buscar novas riquezas, há que estruturar a economia do território em bases sólidas em que intervenham a terra, o capital e o esforço humano de todos.”


O ano não foi próspero. Basta ler o que o presidente da Associação disse na intervenção que pronunciou na Assembleia Geral de 29 de janeiro de 1961: “O ano de 1960 foi, infelizmente, dos que têm deixado pior recordação às atividades económicas da Guiné. Uma enorme quebra nas produções de mancarra e de arroz, e a paralisação das exportações de coconote, têm acrescido e agravado com a quase ausência de trabalhos de construção civil, provocaram a crise que atravessamos e ainda estamos vivendo, com todo o cortejo de graves consequências.”
Aguardando a hora da consulta no Centro de Assistência Materno-infantil de Bissau
Ídolo do fanado – Bijagós
Um painel decorativo da autoria do pintor J. Escada
Painel decorativo com motivos de actividades indígenas
Painel decorativo simbolizando as ilhas dos Bijagós

Estas três imagens referem-se à participação do pintor José Escada, que alguém no Boletim da Associação Comercial apelidou de moço cheio de talento. O edifício da Associação Comercial Industrial e Agrícola foi um projeto do arquiteto Ferreira Chaves, executado pelo engenheiro Arnaldo Mariano e o arquiteto Luís Possolo planeou e decorou a sede.

(continua)

_____________

Notas do editor:

Vd. post de 28 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27489: Historiografia da presença portuguesa em África (506): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1950 (64) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Entrou-se num processo rotineiro de institucionalização administrativa: informações sobre créditos concedidos, legislação do Ministério das Colónias, atividade do Conselho Disciplinar, mais regulamentos, nomeações, fica-se com a sensação que há uma maior ocupação do território, as circunscrições têm mais postos, o Governo concede aforamentos, há mais nomeações, etc. Privado, por razões orçamentais, de se lançar em grandes projetos infraestruturais, Raimundo Serrão deixa seguir o percurso traçado por Sarmento Rodrigues, tem bastantes inaugurações para fazer. Mas decidiu deixar a sua marca de água, o ensino liceal, Sarmento Rodrigues, por razões lógicas. fez espalhar pela colónia as chamadas escolas primárias, naturalmente que se impõe agora dar continuidade aos estudos. Quando deixar a província, Raimundo Serrão encomendará a Fausto Duarte um livro de autoglorificação intitulado Guiné, Alvorada do Império, publicado em 1952, onde se podem ler pérolas como esta: "O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Para efeitos promocionais, fica tudo dito.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1950 (64)


Mário Beja Santos

Estamos em pleno consulado do Capitão de Engenharia Raimundo Serrão, prosseguem as obras, tal como a institucionalização administrativa. Um problema que se vai pôr em 1950 prende-se com a inflação e o açambarcamento. No Suplemento n.º 5, de 9 de maio, publica-se a portaria n.º 205, invoca-se as medidas do Governo Central e a adoção de medidas enérgicas destinadas a defender a economia nacional contra todas as tentativas de açambarcamento e as altas artificiais de preços. E escreve-se na Portaria que “Na colónia pouco ou nada se tem feito nesse sentido, de que resultou, devido à má compreensão dessa benevolência, o encarecimento injustificado dos géneros considerados de primeira necessidade e dos artigos indispensáveis aos principais ramos de atividade”. Por isso se cria na Guiné a Comissão Reguladora de Preços, presidida pelo Inspetor do Comércio Geral, passa a ser competência da Comissão a organização e superintendência dos serviços de fiscalização sobre a fixação de preços, o âmbito de atuação da Comissão em toda a colónia, atuarão o administrador de conselho ou de circunscrição, a delegacia de saúde, nas localidades onde não houver nem serviços aduaneiros nem de saúde, irão intervir o administrador de circunscrição e o seu secretário e um comerciante idóneo.

Serão elaboradas tabelas de preços de venda ao público, ter-se-á em conta uma base de incidência que deve ter sido encarada pelos intervenientes como altamente rebuscada. Diz-se explicitamente que nenhum preço atualmente fixado pelo comércio podia ser elevado a partir da data da publicação desta portaria, dá-se conta de como se procederá na fiscalização, a natureza das contravenções por açambarcamento e especulação, como se fará a repressão dos crimes de especulação e açambarcamento e o tipo de sanções.

No Boletim n.º 19, de 11 de maio, anunciam-se novos procedimentos relativamente ao estudo e combate da doença do sono, detetara-se que, apesar de terem sido concedidas regalias especiais aos doentes indígenas, o método de persuasão não dera os resultados esperados, pelo que o governador da colónia determinava que o tratamento da doença do sono era obrigatório para os doentes, de harmonia com as prescrições feitas pelas competentes autoridades sanitárias. Constituíam-se como infrações penais, por exemplo: a ocultação às autoridades da Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono de casos suspeitos de doença do sono em pessoa de família ou dependentes; o transporte de doentes do sono para ou através de zonas infetadas, sem os cuidados aconselhados para evitar a infeção da mosca; o procedimento que induza os indígenas a resistir a exame, tratamento ou qualquer outra determinação das autoridades sanitárias.

Como iremos ver igualmente no ano de 1951, Raimundo Serrão procura uma intervenção que tenha a sua marca de água, ela vai passar pelo ensino. Como se encontra no Suplemento n.º 7, de 9 de junho, publicam-se disposições do estatuto do ensino liceal aplicadas à colónia. Resumidamente, o ensino dos liceus é distribuído por três ciclos; o 1.º ciclo, com a duração de dois anos, e o 2.º ciclo, com a duração de três anos, têm por objetivo preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação de caráter e do valor profissional e de fortalecimento das virtudes morais e cívicas; o 3.º ciclo, com a duração de dois anos, mantendo nos mesmos objetivos é especialmente destinado a preparar os alunos para o ingresso em grau superior de ensino.

O aspeto curioso desta organização de estudos foi a mesma que eu vivi em Lisboa nos anos 1950 e 1960. Raimundo Serrão terá concebido para ponto de partida um liceu-colégio, daí o estatuto consagrar o seguinte: “Os estabelecimentos particulares que, devidamente autorizados, ministrem o mesmo ensino que é ministrado nos liceus são obrigados a obedecer a todos os preceitos pedagógicos do presente estatuto.” E estabelecem-se os termos regulamentares das matrículas dos alunos.

Acho conveniente voltar um pouco atrás, a 1946, na revista Defesa Nacional, número de novembro de 1946, dedicado à Guiné, aborda-se o problema aeronáutico; ele vai ressurgir na governação de Raimundo Serrão por duas razões: a preparação da pista de aviação para, no futuro, haver voos para Bissau e incentivos a uma vida associativa de clubes aeronáuticos na Guiné.

O Coronel Aviador José Pedro Pinheiro Correia é o autor do texto, recorda que em 1941 a Pan American, ao tempo uma conceituadíssima transportadora aérea, foi obrigada no inverno de 1941 a alterar a sua rota normal dos Açores, encontrou em Bolama condições ideais para a deslocação dos seus Clippers. Houvera anteriormente raides de Lisboa a Bissau, tinham sido identificadas dificuldades na descolagem, mas com os Clippers da Pan American não tinha havido qualquer dificuldade para levantar com os seus trinta passageiros. O coronel aviador fazia sugestões para o futuro aeronáutico da Guiné:
“Em face da situação geográfica da província da Guiné, suas condições climatológicas e possibilidades técnicas dos seus terrenos e planos de água, não é difícil prever que, num futuro mais ou menos condicionado pelo estabelecimento, da parte de Portugal, de uma política aérea definida, a Guiné deverá ocupar o lugar a que tem direito e lhe compete na rede aérea mundial.

Assim poderemos prever:
1.Bolama ou Bissau deverão vir a possuir um aeroporto apetrechado com um equipamento que lhe permita vir a constituir, dentro do Império Português, uma das placas girantes mais importantes do tráfego aéreo mundial e permitir apoiar as seguintes ligações aéreas:
a) Europa-América do Sul
b) Europa-África Ocidental
c) Europa-África do Sul
d) Europa-América do Norte (para grandes hidros de carga durante o inverno em que o mar dos Açores é impraticável).

2. Bolama ou Bissau deverão vir a ser escolhidas como primeira etapa para a linha aérea imperial da TAP.
3. Dentro da província da Guiné deverá ser estabelecida uma rede interna de soberania e apoio moral às populações do interior da colónia (confesso que este ponto me parece fora de contexto).
4. A província da Guiné deverá estar ligada pela via aérea a algumas das colónias estrangeiras que a rodeiam, em especial a: Dacar-Bathurst-Monróvia".


É por demais sabido que as propostas do sr. coronel se tornaram rapidamente anacrónicas, o hidroavião foi substituído pelo Super Constellation, anos depois irá aparecer o aeroporto de Bissalanca, os voos da ilha do Sal para Bissau, mas jamais a província terá o poder radial com que o sr. coronel aviador sonhou.


Uma fotografia que se tornou icónica, um soldado guineense, sentinela no Baluarte da Puana, Fortaleza de S. José de Amura, o rio Geba ao fundo
Boé, Fonte de Madina, 1946
Granja de Pessubé, construção de carros de bois, 1946
A Bissau dos tempos pós-coloniais

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 26 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2025:

Queridos amigos,
Prosseguimos na leitura de Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), a exaltação do passado colonial com os seus heróis-modelo vão integrar a literatura infanto-juvenil, nomeadamente no fim da monarquia constitucional, a I República e as primeiras duas décadas do Estado Novo. Os heróis dos Descobrimentos enfileiram com outros, tais como Viriato, Egas Moniz, Nuno Álvares Pereira. Impor-se-ão vários nomes, tais como Ana de Castro Osório e Virgínia de Castro Almeida, mas será Mariazinha em África o bestseller desta literatura nos anos 1939 e 1940. Estuda-se aqui a imagem do outro, a ação missionária, obviamente que da monarquia ao Estado Novo há nuances no tratamento do outro, pode aparecer como inferior, aberto ou indisponível à civilização, fala-se no bom selvagem; o Estado Novo irá desenvolver o exotismo, os perigos e a fantasia, será o caso da saga da travessia africana de Capelo e Ivens; e há o sistema de valores, o enaltecimento de Nuno Álvares ou do Infante D. Fernando, não será na escola mas fundamentalmente na imprensa que se irá privilegiar o esforço na criação de infraestruturas, desenvolvimento material, serviços de saúde, etc. Deixaremos para o terceiro e último apontamento o modo como os Descobrimentos serão abordados por associações e organizações da juventude, caso da Mocidade Portuguesa.

Um abraço do
Mário



Não fomos combater na Guiné pela integridade de Portugal de Minho a Timor?
(Uma abordagem dos valores educativos entre o liberalismo e o Estado Novo) – 2

Mário Beja Santos

Falando por mim, e seguindo integralmente o que se escreve na obra de ensaio Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950), por Maria Cândida Proença e outros, edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, éramos educados nos bancos da escola de que o Infante D. Henrique fora o impulsionador dessa ação patriótica engrandecedora que tornou Portugal imperial – e manda o rigor que se diga que não foi obra exclusiva do Estado Novo, a monarquia constitucional também fez soar esta trombeta.

O que mudou ao longo deste século (entenda-se 1850-1950) é a visão que se pretendeu dar do Infante. “Para os autores oitocentistas o Infante era fundamentalmente um homem de ciência dotado de profundos conhecimentos para a época que teriam sido causa do progresso que pode incrementar nos Descobrimentos marítimos.” Homem sábio, até versado nas matemáticas e conhecedor das artes de navegar. “Os avanços da ciência e a divulgação do positivismo eram favoráveis à apresentação de um herói humanizado longe da visão hagiográfica que mais tarde vinha impor-se.”

Tudo muda no final do século, Fortunato de Almeida introduz uma nova perspetiva, ao atribuir-lhe o plano de encontrar um caminho alternativo para a Índia e até a vocação apostólica de dilatar a fé cristã. Atribui-lhe igualmente um plano em que convergiriam três empresas gigantescas, a conquista territorial em Marrocos, a descoberta do caminho marítimo para a Índia e o descobrimento das ilhas do Atlântico.


Como observa a autora, a mitificação do Infante foi ao ponto de se procurar apresentar as suas ações menos exaltantes como movidas pelo imperativo superior da fé e do espírito de cruzada. Era uma constante dos manuais que o Infante era muito mais movido pela fé do que por motivos comerciais, e exigia-se em termos de Ministério da Educação que se escrevesse à frente do nome do Infante que era mestre da Ordem Militar de Cristo. Foi assim que D. Henrique passou do herói essencialmente laico do positivismo oitocentista para o santo mitificado pelo Estado Novo, passou a ser um exemplo de virtudes a seguir pela mocidade do nosso país.

Igualmente se desmonta a fábula que houve uma Escola de Sagres, que o Infante teria mandado erigir um observatório astronómico em Sagres, Mattoso, célebre autor de compêndios de História, dirá que o Infante estabeleceu uma escola de cosmografia náutica. Toda esta incorreção histórica teve momentos de delírio, como escreveu o Padre Marcelino da Conceição dizendo que a Escola de Sagres era a universidade náutica onde portugueses e estrangeiros aprenderam a navegar cientificamente, os Descobrimentos tinham sido feito com método e com certeza científica. Um dos responsáveis por este disparate foi Oliveira Martins. Não há uma só prova documental de alguma Escola de Sagres.

Outras incorreções aqui apresentadas pela autora prendem-se com o descobrimento e colonização do Brasil, procura-se deixar ciente de que já se conhecia a rota antes de 1500; também há mitificação quanto ao Império do Oriente, veja-se o caso de D. João de Castro, herói mítico da Índia nos compêndios:
“O relato dos cercos de Diu e dos atos de valentia que então se teriam praticado sempre estiveram integrados no conjunto das façanhas que preenchiam a memória oficial transmitida nas nossas escolas. É interessante verificar, porém, que no relato do segundo cerco o episódio das entregas das barbas pelo vice-rei como penhor do empréstimo pedido, apenas surge nos compêndios dos anos 30. Mais uma vez, pela sobrevalorização de um pequeno pormenor, a História era posta ao serviço da transmissão no conjunto de valores que o regime pretendia impor. O Império do Oriente era, nos livros escolares, o símbolo por excelência da grandeza de Portugal, mas, a partir da década de 80 do século XIX, passou a ser também a causa primordial da decadência da raça e do Reino. Neste ponto os manuais acompanham as teses então vigentes sobre a decadência da Pátria. A riqueza, o luxo, o dinheiro fácil, trouxeram consigo a indolência e a corrupção que teriam estado na origem da decadência do Império, acelerada a partir de finais do século XVI.”


Também se procura desmontar a teoria obtusa da nossa ação evangelizadora no Brasil, procurou-se exaltar a imaginação dos homens com a grande aventura dos bandeirantes. E mesmo sobre as campanhas de África e a ocupação do território não se poupou um elogio a Portugal como o melhor povo colonizador, e a prova que o colonizado estava permanentemente agradecido ao colonizador era aquele régulo timorense que se tinha deixado fuzilar para não abjurar Portugal. Em jeito de conclusão, a autora enfatiza a evolução do discurso nos manuais escolares, as tais três etapas em que se ia encaminhando a gesta dos Descobrimentos nos livros escolares falando no maior desenvolvimento científico, durante a monarquia constitucional até chegarmos aos grandes heróis do Estado Novo, como caso de D. Henrique ou de Afonso de Albuquerque que eram sábios, escritores e cientistas.

Feita esta exposição à escola e aos Descobrimentos, Luís Vidigal vai aludir à expansão contada às crianças, dá-nos a génese e desenvolvimento de uma literatura infantojuvenil em Portugal, refere os seus nomes e foca-se em duas autoras: Virgínia de Castro e Almeida e Ana de Castro Osório, como elas irão apresentar este passado grandioso que acabava por ser fonte inspiradora para o presente, os portugueses daqueles tempos, que descobriram e conquistaram o mundo destacavam-se pela valentia e a confiança em Deus. Grandes reis marcaram o sentido da História, no fundo era o moralismo com que pretendia apresentar-se o Estado Novo, como escreveu Virgínia Castro e Almeida: “A maior fortuna de quem obedece está na amizade e na confiança de quem manda. Mandar e obedecer são ofícios iguais aos olhos de Deus. Quem manda mal vale menos que quem obedece bem.”

Temos depois a imagem dos outros, a conceção de que o selvagem, o preguiçoso encontra a sua redenção no trabalho, a ação missionária jogava em vários tabuleiros: a escola, o serviço de saúde, a aprendizagem da religião, mas também aqui houve francos desenvolvimentos. Por exemplo, na I República apostava-se na laicidade, com o Estado Novo marca-se outro conceito de civilização que é a de associar o primitivo à violência e à barbárie, ou seja, houve um humanismo republicano que se pautava por uma grande tolerância e passa-se agora para um ideal de civilização em que as escolas do Império são instadas a apresentar os grandes modelos da sociedade portuguesa. Veremos no próximo apontamento qual o papel da História de Portugal e dos Descobrimentos na ideologia e na conduta das associações e organizações da juventude, neste período de 1850 a 1950.
A mitologia da escola de Sagres
Imagem integrada em Portugal Colonial, nºs 7-8, 1931
Mocidade Portuguesa na Guiné, imagem da RTP Arquivos

(continua)
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 24 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27460: Notas de leitura (1867): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27478: Notas de leitura (1869): "A Mais Breve História do Ultramar", de David Moreira (Porto, Ideias de Ler, 2025) (Virgílio Teixeira, Vila do Conde)

sábado, 29 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27476: Os nossos seres, saberes e lazeres (711): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 4 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Espero não enfastiar-vos com este cadinho de imagens espúrias, fundos de gaveta, em suma, isto no exato momento em que me preparava para organizar a visita com amigos alemães ao Museu Nacional dos Coches. Quando a visita mete alemães, impõe-se responder a uma perplexidade: porque razão este país apresentado como pobrete e alegrete guarda um património tão fabuloso destes carros de aparato e instrumentos complementares? Não é fácil nem confortável justificar a quem tem esta perplexidade que a meteorologia está a nosso favor, não há para aqui nem gelos nem intempéries, as guerras foram poucas e quem nos invadiu tinha como alvo os tesouros das igrejas e dos palácios. Voltando às imagens que aqui se apresentam, os tais fundos de gaveta, para vos dizer a verdade, eram mesmo imagens que eu tinha o aprazimento de ver e rever, mais não fosse para recordar as boas companhias em que as tirei e guardei.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 4

Mário Beja Santos

As surpresas são como as cerejas. Confiante que já me tinha desembaraçado de imagens avulsas de idas aqui e acolá, tudo já vertido para esta secção do blogue, preparava-me para contar uma viagem ao Museu Nacional dos Coches, e fiquei um tanto atordoado com este conjunto de imagens espúrias. Como é evidente, conheço as circunstâncias em que as tirei e com quem. Logo esta primeira, naquela tarde levei um casal alemão da minha estima na visita obrigatória do elétrico 28, parámos na estação da Basílica da Estrela, havia uma cerimónia religiosa, ela e ele estavam assombrados com aquele templo que, francamente, só tomo a iniciativa de visitar para ver o genial Machado de Castro e aquele presépio como não há outro. Levei-os até à zona do zimbório, eles especados com a cabeça erguida a ver o interior da formidável cúpula, nisto ouvi cânticos e aqui cheguei à chamada Capela da Adoração. Escreveu um dia o historiador de arte José-Augusto França que este monumento mandado fazer por D. Maria I é um perfeito anacronismo, o que é completamente verdade, mas tenho que reconhecer que esta capela goza de uma grande harmonia e confesso que nunca a tinha visitado, sabe se lá porquê.
Capela da Adoração, Basílica da Estrela
Júlio (dos Reis Pereira), o pescador de sereias, 1929, quadro em depósito no MNAC
Paula Rego, A Noiva, 1972, quadro em depósito no MNAC
Menez, sem título, 1985, quadro em depósito no MNAC

Em tempos que já la vão, Emília Ferreira, então diretora no Museu Nacional de Arte Contemporânea, organizou com a sua equipa uma espantosa exposição sobre os grandes movimentos artísticos do século XX, para além da prata da casa, onde há peças imorredoiras, apresentava-se um acervo de obras em depósito, lembro-me de ter feito o registo desta itinerância, mas guardei estas três imagens como tesouros, o quadro de Júlio foi uma provocação para a época, quer pelo traço, quer pela natureza dos temas, uma falsa ingenuidade, uma quase simpática rudeza que em tudo contrariava o que faziam os seus colegas modernistas. Como Paula Rego igualmente deve ter criado anticorpos com formas quase grotescas e um delineamento pretensamente primário, para mim com cores sublimes; mas confesso que é a organização pictórica de Menez que mais me deslumbra. Tenho para mim que guardei episodicamente estas três imagens, tomo-as como cartas fora do baralho e fulgores do engenho de artistas um tanto contra a corrente.
Virgem com o Menino, Gregorio di Lorenzo, Florença, século XV, mármore
Ainda o passeio em que levei o casal alemão a Monserrate, isto depois de saber que eles pretendiam revisitar aquele parque místico, mas pediram-me garantias de que iriam ver o mar, não o Cabo da Roca, mas uma praia com o bramido das ondas, um mar violento, retorcido, se possível com rochedos. A garantia foi dada, entrámos no parque onde viveu a família Cook, então muito endinheirada, renderam-se aos ardores estilísticos do neorromantismo, se o Sr. D. Fernando Saxe-Coburgo-Gota podia caprichar com aquele Palácio da Pena cheio de estilos passados, onde não faltam os arabescos, os góticos do século XIX, e muito mais coisas, também Monserrate se rendeu aos arabescos, ao naturalismo, ao neorromantismo, sem prescindir do conforto nas salas, nos quartos e na cozinha, os Cook eram também colecionadores, a generalidade dos bens foi depois a leilão, deslumbra a recuperação do edifício, mas custa ver tanto espaço vazio, embora haja muita vontade dos doadores. Mostram-se aqui imagens de arabescos, um belo mármore do século XV, e num templo em que o outono vive sem flores apanhei esta linda planta que dá pelo nome de cosmos, é muito frágil e cheia de cintilação.
É a despedida de Monserrate, aquela neblina que se vê ao fundo é quase um toque místico, o que estamos a ver é tirado da varanda do Palácio, é uma encosta suave, em dias de verão não é difícil ver nela a criançada a brincar isto enquanto os mais crescidos deste ponto alto sentem que há um elemento mágico que esvoaça por este arvoredo de um dos parques mais belos do mundo.
Para corresponder ao pedido dos meus amigos, levei-os inicialmente à Praia Grande, olhei para o relógio, o lusco-fusco não estava muito longe, havia que escolher entre a Praia das Maçãs e a Praia da Adraga, tenho fortes razões para escolher esta última, gosto de ouvir o bramido daquelas ondas a rebolarem-se em cachão, e gosto imenso deste rochedo, começara a enchente, os turistas fugiam da espuma que ia tomando conta da areia, com gritinhos de alegria, o sol declina, há mesmo vento, mas o mais agradável de tudo é que os meus amigos me agradeceram este final de passeio, em natureza tão esplendente.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 22 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)