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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Ricardo Vaz Monteiro tem sido objeto de um lamentável esquecimento, apanhou com a austeridade e a penúria de recursos, a despeito das limitações imprimiu à sua governação o sentido da eficácia na administração, batendo o pé ao rigor orçamental e conseguido obter, na maioria dos casos o reforço de verbas. Sarmento Rodrigues chega em abril de 1945, veremos no próximo texto que ele irá proclamar na primeira sessão do Conselho de Governo ao que vem e o que pretende fazer. Aproveitará as potencialidades de Ricardo Vaz Monteiro quanto a missões científicas, caso da missão geoidrográfica e da zootecnia, começam os trabalhos da missão do sono, o novel governador conseguirá meios para melhorar as instalações portuárias e o saneamento, mas não se ficará por aqui, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, quase todo 1945 (57)


Mário Beja Santos

Ricardo Vaz Monteiro partirá em breve, o Boletim Oficial mostra medidas que não abrandam a austeridade, no Boletim Oficial publica-se constantemente o reforço de verbas, era assim que se contornava o rigor orçamental. Permanecem as preocupações com o abastecimento e o combate à fraude. No Boletim Oficial n.º 3, de 15 de janeiro, assinado por Vaz Monteiro, consta a portaria onde se lê:
“Reconhecendo-se a conveniência de, na cidade de Bissau, se confiar a uma só entidade a fiscalização sobre as existências e preços dos géneros alimentícios e a competência para autorizar a saída desses géneros para outros pontos da colónia. O governador determina que na cidade de Bissau sejam das atribuições do Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública a fiscalização sobre as existências, qualidades, estado e preços dos géneros alimentícios e as autorizações para a saída desses mesmos géneros com destino a outros pontos da colónia".


Prosseguem as obras aeroportuárias em Bolama, assim legisla-se no Boletim Oficial n.º 10, de 5 de março haver a necessidade de regulamentar a exploração provisória do Aeroporto Terrestre e Marítimo de Bolama, impondo-se o estabelecimento de taxas a cobrar pelos serviços prestados às aeronaves.

Encontra-se no Boletim Oficial n.º 11, de 12 de março o Decreto-Lei n.º 33.924, sem margens para dúvidas vê-se nele o punho de Salazar ou de Marcello Caetano (então ministro das Colónias), tem a ver com a preocupação da instalação de indústrias nas colónias:
“Cumpre ao Estado promover e favorecer, embora em ritmo prudente, a instalação de indústrias nas colónias, por forma que a economia ultramarina se desenvolva continuamente e em harmonia com o conjunto dos interesses nacionais.
Não deve, porém, concluir-se que seja possível acarinhar indiscriminadamente ou tender-se, no estado atual do desenvolvimento das colónias, para uma industrialização total. Na verdade, em primeiro lugar, as indústrias que se estabeleçam nas colónias devem laborar matéria-prima que exista na própria colónia. Não se compreenderia facilmente a criação de indústrias que tivessem de importar toda ou mesmo a maior parte da matéria-prima destinada a ser transformada. Em segundo lugar, deve procurar-se que as indústrias visem, nesta primeira fase, especialmente ao abastecimento do mercado interno da colónia onde se instalem, sem prejuízo de um ou outro caso, como é, por exemplo, o da extração de óleo de semente de rícino em Angola, na Guiné e possivelmente em Moçambique. Em terceiro lugar, não será aconselhável a instalação daquelas indústrias que só possam vir a prosperar mediante condições exageradas de proteção aduaneira, isto é, de proteção que ultrapasse a defesa contra menos corretos processos comerciais.
É de desejar que nunca se perca de vista o interesse do indígena. É ele o principal consumidor dos territórios de além-mar e lá é ele também o principal obreiro da produção. Desta forma, todas as indústrias que se estabeleçam visando a melhor, mais fácil e barata satisfação das necessidades dos indígenas, devem ser acarinhadas de forma muito especial, bem como as que permitam pagar-lhes os seus produtos pelo melhor preço.”


E produz-se legislação que tinha a ver com a indústria de fiação e tecidos de algodão nas colónias.

Num dos seus livros de memórias, Aristides Pereira referia uma sirene que se fazia ouvir em Bissau e que se prendia com a obrigatoriedade da população africana abandonar o centro, desconhecedor de que havia legislação que tal permitia, achei que se tratava de um exagero anticolonial. Mas não, no Boletim Oficial n.º 24, de 11 de junho, vem publicada uma proposta do Chefe da Repartição, António Francisco Borja Santos, onde se lê que passaria a ser expressamente proibido o trânsito, nas povoações de caráter europeu desde as 22 até às 5 horas, sob pena de 50 escudos de multa. Porquê esta medida segregacionista, não a entendo.


Vamos ter tempo e espaço para falar do novo governador. No Boletim Oficial n.º 26, de 25 de junho vem a referência à Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono na Guiné. É um texto riquíssimo de informação, vale a pena registar aqui alguns parágrafos:
“Embora date de 1885 a primeira referência à doença do sono na Guiné, verifica-se que tal endemia não ocupou, até 1932, posição de destaque na nosologia da colónia, discutindo-se mesmo, por vezes, até ao último ano citado, a existência da doença nessa possessão. Em 1932, o Prof. Fontoura de Sequeira, em Missão de Estudo da Escola de Medicina Tropical, esclareceu inteiramente o assunto, concluindo por afirmar que a hipnose grassa na colónia sob a forma de endemia ligeira, irregularmente dispersa por todo o território, com caráter relativamente benigno e, ao que parece, sem tendência a agravar-se. O Prof. Sequeira trabalhou na Guiné durante 7 meses, na época das chuvas, tendo percorrido quase toda a colónia, e na visita feita a 67 tabancas, encontrou apenas 18 doentes. De 1932 para cá, não se pôs mais em dúvida a existência da doença do sono na Guiné, passando aquela afeção a ser considerada nos serviços de rotina dos médicos da maioria das regiões da colónia.”


E depois de mais contextualizar, o diploma traz como conclusão que a doença do sono aumentara consideravelmente de importância. E davam-se competências à missão de estudo, em múltiplos domínios: investigação científica, combate à expansão da doença. Lançava-se deste modo o fundamento para esse formidável combate à doença do sono, que teve resultados assinaláveis.

No Boletim Oficial n.º 30, de 23 de julho, Sarmento Rodrigues anuncia as comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Compete-nos, aos da Guiné Portuguesa, celebrar como melhor pudermos este acontecimento, recorrendo ao esforço, engenho e boa vontade de todos, sem distinção de categorias, origens ou credos. Vão constituir-se comissões e executar-se trabalhos. Isto não significa que a colaboração fique restringida e vedada para alguém. Pelo contrário, desde já a todos é solicitada. É então criada uma Comissão Central das Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, cria-se o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa que deverá publicar o que mais de significativo tiver a ver com a cultura guineense.”
O diploma é extenso, refere pormenorizadamente a constituição destas secções de trabalho. Neste mesmo boletim e na sequência do que acaba de se referir quanto ao Boletim Cultural, veio outro dispositivo muito curioso, também assinado por Sarmento Rodrigues, tem a ver com a verificação de que os terrenos das orlas das estradas estavam a ser sistematicamente desarborizados, o governador mandava proibir o corte das árvores numa faixa de 100 m de largura ao longo de todas as estradas da colónia.


Daremos no próximo texto referência à intervenção de Sarmento Rodrigues no 1.º Conselho de Governo, mas impõe-se aqui faz o registo do Decreto-Lei n.º 34.464 que vem publicado no suplemento ao Boletim Oficial n.º 46, de 17 de novembro. Tem a ver com a necessidade manifestada pelo Governo de tomar certas providências à intensificação do povoamento dos territórios ultramarinos, nomeadamente de Angola e Moçambique, e ao estreitamento das relações espirituais entre a metrópole e as colónias. Menciona-se que o Estado continua a conceder passagem gratuita a colonos nos navios das carreiras de África, concessão que vem desde novembro de 1899. Recorda-se que o êxito da colonização depende muitíssimo da assistência sanitária e técnica proporcionada aos colonos, lembra-se que o conhecimento científico dos territórios estava a cabo da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais. Atribuía-se ao Ministério das Colónias a dotação de 30 mil contos para fomentar o povoamento das colónias e estreitar as relações destas com a metrópole. Tais verbas destinavam-se a passagens para colonos, educação e estudos, etc.

Abril de 1945: anúncio da chegada do comandante Sarmento Rodrigues
Muito multirraciais, mas, quando necessário, segregacionistas
Sarmento Rodrigues (1899-1979)
Sarmento Rodrigues na Guiné Portuguesa em Maio de 1945, a ser cumprimentado por funcionários da Administração local. Foto do arquivo da Casa Comum (FMS), parcialmente restaurada.
Hospital da Cumura, outrora Leprosaria da Cumura

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

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