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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25774: Historiografia da presença portuguesa em África (433): Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Estes pequenos capítulos de obras como esta de Fortunato de Almeida, uma segunda edição em 1920, permite pertinentes leituras: o enclave está perfeitamente definido, assume-se desconhecimento em aspetos tão importantes como a geologia, é uma época em que para além de Bolama e Bissau têm reconhecida vida ativa Cacheu e Farim, Geba, Fá, Belchior, Buba e Cacine. Estão identificadas algumas das riquezas e potencialidades do território, curiosamente não se fala ainda no arroz, e é altamente questionável que houvesse para ali tigres e leões. O comércio ainda está dominado pelos estrangeiros, a Alemanha tem um peso dominante, como pude detetar quando estava a preparar a História do BNU na Guiné; a CUF ainda não chegou, para se chegar à metrópole só pelos vapores da Empresa Nacional de Navegação. A Guiné só possuía um concelho e número reduzido de escolas primárias. E também não há uma só palavra sobre os recursos do mar, não é de estranhar, ainda vai demorar muito a conhecer a riqueza da plataforma continental marítima onde depois da independência percorreram, com grandes ganhos, as embarcações da URSS e da União Europeia, fora adventícios que aqui vieram fazer riqueza.

Um abraço do
Mário



Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920

Mário Beja Santos

Recebo um telefonema do meu primo José Thadeu, estava em S. Brás de Alportel a ajudar uma velha amiga a deitar fora toneladas de traquitana deixadas por um familiar, era um acumulador lendário, cujos interesses iam desde velhos ferros de engomar e candeeiros a petróleo, passando por alfaias agrícolas, até grafonolas e livros. Tinha encontrado bastantes livros em mau estado, jornais antigos, panfletos, etc., se eu estava interessado que me os trouxesse, disse imediatamente que sim. E é do livro Portugal e as Colónias Portuguesas, por Fortunato de Almeida, bacharel formado em Direito, professor efetivo do Liceu e da Escola Normal Superior de Coimbra, sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Geografia, da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos e do Instituto de Coimbra, segunda edição, 1920, que vos vou falar do capítulo dedicado à Guiné.

Ficamos a saber que a Guiné Portuguesa era outrora denominada Guiné Superior, o autor dá informação sobre a situação de limites e superfície da Guiné, observa que os territórios da Guiné ainda estão mal estudados sobre o aspeto geológico, descreve o território, rios e povoações, quando chega ao rio Geba, dá uma explicação sobre o macaréu, é interessante o que escreve:
“O rio Geba dá-se na ocasião das marés-vivas um fenómeno conhecido pelo nome de macaréu, e que é o mesmo a que os franceses chamam mascaret e os brasileiros designam, no Amazonas, pelo nome de proroca. O macaréu é uma onda gigantesca que se levanta e propaga rapidamente, e que em alguns rios, não na Guiné, constitui grave perigo para as embarcações. Não está o fenómeno suficientemente esclarecido; mas parece que o macaréu é formado pela acumulação de algumas ondas sucessivas. A primeira onda do fluxo ou enchente propaga-se com velocidade proporcional à profundidade da água; a segunda, encontrando maior profundidade, propaga-se com velocidade maior; e assim vai acontecendo sucessivamente com as restantes, até que muitas ondas chegam a juntar-se e a formar uma onda gigantesca que se precipita impetuosamente.”

Falando da flora, agricultura e fauna, o autor não esquece as espécies vegetais: milho, legumes, mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar, amendoim, bananeira, laranjeira, cafezeiro, tamarindo, palmeira; tabaco, algodoeiro, anil, árvore de borrada, árvore da cola, bambu, mogno, ébano, pau-carvão, pau-sangue e outras espécies que fornecem boas madeiras. Quanto à fauna, além dos animais domésticos, repertoria: galinhas, gado vacum, ovino, caprino e suíno, encontram-se ali tigres (?), leões, elefantes, antílopes, lobos, onças, panteras, gazelas e uma grande variedade de macacos; papagaios, pelicanos, íbis, falcões e outras aves.

Chegamos agora ao comércio, aos portos e vias de comunicação. Importam-se: tecidos, géneros alimentícios, metais, tabaco, bebidas fermentadas e bebidas destiladas. A maior parte da importação procede de países estrangeiros. O país que recebe mais géneros da Guiné Portuguesa é a Alemanha (foi assim de facto até à Primeira Guerra Mundial), como país de destino, Portugal figura em segundo lugar e a Bélgica em terceiro. Os portos de Bolama, Bissau e Cacheu são os mais frequentados, principalmente por navios portugueses, alemães, franceses e belgas. São também importantes os portos de Farim e Cacine. Em Bolama e Bissau tocam regularmente os vapores da Empresa Nacional de Navegação.

Não sabemos que dados Fortunato de Almeida compulsou, calcula a população da Guiné em 70 mil habitantes, dois por quilómetro quadrado. Elenca um conjunto de etnias e observa: “Estes povos são de caráter diverso: uns irrequietos, aguerridos e salteadores; outros vivem da apascentação de gados; outros ainda se dedicam a trabalhos agrícolas. Muitos dos habitantes são feiticistas; outros são muçulmanos; e há também muitos cristãos. Dos gentios, alguns são polígamos e dão-se muito a práticas supersticiosas. A evangelização daqueles povos tem sido descurada, por falta da indispensável proteção do Estado às missões religiosas".

Exerce a autoridade suprema da Guiné um governador de província. A sede do Governo é Bolama, as outras povoações mais importantes são Bissau, Cacheu, Geba, Bolor e Farim. A província só tem um concelho, com sede em Bolama. Há comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine.

A Justiça é administrada pelo auditor dos conselhos de guerra em Bolama, o qual acumula com aquelas funções as de juiz de Direito. Há um auditor de fazenda, encarregado de fiscalizar a administração financeiras das províncias de Cabo Verde e da Guiné. A Guiné Portuguesa pertence à diocese de Cabo Verde; é eclesiasticamente administrada por um vigário-geral, que até há poucos anos era auxiliado no ministério religioso por seis párocos missionários. Há escolas primárias para ambos os sexos em Bolama, Bissau e Cacheu; e só para o sexo masculino em Buba, Geba e Farim. A guarnição militar compõe-se de uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, e de dois pelotões de dragões; uma canhoneira, duas lanchas canhoneiras e algumas lanchas de vela para policiamento dos rios.


E Fortunato de Almeida muda de rumo, segue agora para S. Tomé e Príncipe.
Imagem extraída do livro de Fortunato de Almeida, é a primeira vez que vejo uma dança de Grumetes com os seus fatos guerreiros
Planta da cidade de Bolama, Guiné Portuguesa, 1920-1921
A Baía de Bolama nos tempos da tentativa de ocupação britânica, segunda metade do século XIX
Bolama, o primitivo Palácio do Governador
O que resta do Mercado Central de Bolama
A arquiteta Djamila Gomes que se propõe a restaurar o Grande Hotel de Bissau
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Nota do editor

Último post da série de 17 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25754: Historiografia da presença portuguesa em África (432): Crenças e costumes dos indígenas de Bissau, do século XVIII (Mário Beja Santos)

sábado, 6 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25345: Os nossos seres, saberes e lazeres (622): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): No Museu Agrícola da Atalaia, uma obra de respeito (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
O programa da excursão incluía a visita a Arraiolos e ao Museu Agrícola da Atalaia. Este último foi uma agradável surpresa. Situa-se num espaço que foi outrora a Quinta Nova da Atalaia, perto do fim do século a propriedade veio à posse do município, tomou-se a decisão de aqui fazer um museu agrícola, pareceu-me um trabalho modelar, um património profundamente didático, o lagar de vinho, o lagar de azeite, uma impressionante destilaria para a qual a autarquia adquiriu o alambique que faltava, a adega, um conjunto de reservas com doações, impecavelmente restauradas e conservadas, a quinta tem ainda um pomar, maioritariamente de laranjeiras, com função educativa, pois proporciona às crianças e jovens a compreensão da origem de alguns alimentos e até a respetiva sazonalidade. Fiquei com vontade de voltar. É um universo que irá surpreender a minha neta, pela certa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): No Museu Agrícola da Atalaia, uma obra de respeito

Mário Beja Santos

De Arraiolos o autocarro excursionista encaminhou-se para o Montijo, era a visita ao Museu Agrícola da Atalaia, instalado numa quinta agrícola, de nome Quinta Nova da Atalaia, no passado constituída por casas de habitação, adega, casa para caseiro, abegoarias, palheiros, celeiro, casa para a malta, cavalariça, e mais acomodações para lavor, dois poços, pomar de espinho e caroço, olival, vinha, terras de semeadura e pinhal. Terá sido uma quinta de sucesso, houve mesmo um grande empreendedor que aplicou a tecnologia mais avançada do seu tempo na construção de lagares de azeite e vinho, depois veio a decadência; em 1997 a propriedade veio à posse do município do Montijo, foi decidida a sua refuncionalização como museu agrícola. O objetivo, bem-sucedido, é o de permitir a preservação da história e a transmissão de uma memória de casa agrícola. Depois de uma impressionante intervenção vamos ver lagares de azeite e vinho, há mesmo um lagar de azeite a funcionar, adega, a destilaria, estão patentes diversos instrumentos e alfaias e cá fora pode contemplar-se um pomar de citrinos, uma horta e um espaço de lazer. É esta a visita que vamos efetuar.
Estamos no lagar do vinho constituído por lagariças, uma prensa de considerável dimensão, uma bomba de trasfega e quatro depósitos de fermentação. Em cima dos depósitos pode ver-se um esmagador de uvas, composto por tegão com cilindros em ferro, ligados no interior a uma haste em ferro que se prolonga para o exterior do tegão e se fixa a uma roldana em ferro que lhe transmite movimento.
Um pormenor da adega, espaço destinado ao armazenamento de vinho e aguardente, grandes tonéis de grande capacidade, pipos, barris, cântaros e garrafões. Ali se pode ver a bomba de trasfega e a prensa.
Pormenor do lagar de azeite mecânico, constituído por um moinho de azeitona com duas galgas cilíndricas, duas prensas, equipamentos e utensílios utilizados no fabrico do azeite. Segundo o guia, estamos perante um exemplar da arqueologia industrial, chegou aos nossos dias em muito bom estado de conservação, podendo ainda funcionar.
É possível visitar no Museu Agrícola uma diversidade de objetos que têm sido doados por particulares relacionados com a vida rural da região; o museu integra uma oficina de restauro.
Entre uma variedade de latas de azeite, recordo um objeto que era comum em qualquer mercearia da minha juventude, levava-se uma garrafa para adquirir meio litro ou 7 decilitros e meio de azeite, e o milagre acontecia.
Outros objetos constantes de doações impecavelmente restaurados
Há no museu um conjunto de alfaias agrícolas utilizadas na mobilização da terra (com enxada, arado e trator) até à produção do azeite e do vinho. O que se pode ver nessa sala é um conjunto de recolhas efetuadas das diversas freguesias do concelho, a coleção etnográfica retrata as atividades agrícolas características da região, vê-se logo em primeiro plano uma grade de quatro banzos de madeira, utilizada para desterroar e alisar a terra, como se pode ver também um carro de bois, um cultivador de tração animal, um pulverizador em cobras, etc.
Pormenor do exterior do Museu Agrícola da Atalaia

Finda a visita ao Museu, o guia informou que vamos fazer uma incursão rápida ao Santuário de Nossa Senhora da Atalaia, confesso que o que mais me impressionou foi a recuperação do património edificado em torno do santuário, ainda há ali amostras bem visíveis do estado de degradação em que se encontrava aquela área e como está tudo em franca recuperação. Quero voltar ao Montijo para visitar o moinho de maré e o moinho de vento e revisitar Canha, que tanto me impressionou. Então, até breve!
Escadaria e Santuário da Nossa Senhora da Atalaia
Interior da Igreja do Santuário da Nossa Senhora da Atalaia
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Notas do editor

Post anterior de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25332: Os nossos seres, saberes e lazeres (621): Giselda e Miguel Pessoa, o casal mais strelado do mundo, entrevistado no Jornal Nacional da TVI, 20h00, de 2 de Abril de 2024

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24969: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (5): Angola, Companhia do Amboim: a roça "Ajuda e Amparo"... E propaganda da Guiné, por Armando Cortesão: "Ainda há 10 anos Bissau era um pequeno povoado, cercado por uma muralha e ai do europeu que dela se atrevesse a afastar-se umas centenas de metros"...

 

Angola - Um trecho da roça "Ajuda e Amparo",  da Companhia do Amboim 

Fonte: Gazeta das Colónias: quinzenário de propaganda e defesa das colónias, Ano I, nº 25, Lisboa, 19 de setembro de 1925 (Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa...)


Amboim fica na província do Cuanza Sul, uma região cafeeira por excelência, "Em 1922 eram já dignas de relevo as plantações da Companhia de Amboim, Marques Seixas & Companhia, Companhia do Cuanza Sul, além da Horta & Companhia. Também, tendo chegado a Angola em 1893, constituiu Bernardino Correia, em 1922, a Companhia Agrícola de Angola (C.A.D.A.), que foi o maior conjunto cafeeiro do território."


Gazeta das Colónias: quinzenário de propaganda e defesa das colónias, Ano I, nº 25, Lisboa, 19 de setembro de 1925. Diretor: Leite de Magalhães; editor: Joaquim Araújo; propriedade da Empresa de Publicidade Colonial, Lda. (O diretor, António Leite de Magalhães, era major do exército, e será governador da Guiné, no período de 1917 a 1931, tendo sucedido ao coronel Velez Caroço (1921.1926),


1. Nos 38 números da "Gazeta das Colónias", publicados (entre 19/6/1924 e 25/11/1926) e disponíveis em formato html e pdf na Hemeroteca Digital de Lisboa, não encontrámos nenhum cuja capa exibisse um motivo guineense (monumento, topónimo, paisagem, etnia...).   As estrelas do império eram, sem dúvida, Angola, seguida de Moçambique, duas colónias que despertavam a cobiça dos nossos rivais. ;Mesmo depois da I Grande Guerra, e da criação da Sociedade das Nações, a soberania portuguesa sobre estes territórios estava longe de estar acautelada. 

Muito esporadicamente surge, na "Gazeta das Colónias", uma pequeno artigo sobre a colónia da Guiné, como é o caso deste que reproduzimos a seguir, na íntegra. Trata-se de um resumo de uma conferência realizada na Sociedade das Ciências Agronómicas, em Lisboa, pelo engº agrónomo Armando Cortesão, já nosso  conhecido, o primeiro Agente Geral das Colónias, e diretor do respetivo boletim, entre 1925 e 1932.

O conferencista, conhecedor do terreno, e grande patriota, enaltece as potencialidades agrícolas, pecuárias e silvícolas do território. E passa uma mensagem de tranquilidade para o seu auditório: 

"Ainda há 10 anos Bissau era um pequeno povoado, cercado por uma muralha e ai do europeu que dela se atrevesse a afastar-se umas centenas de metros"... 

Não é surpreendente  a sua observação: 

"Embora perdêssemos quase toda a costa ocidental de África,que descobrimos até ao Equador, sempre ficámos com o melhor que ela tinha, ou seja, a atual Guiné Portuguesa!" (...).

E não poupa "a falta de coragem e a inabilidade de alguns diplomatas nossos" que permitiram que os franceses nos tivessem arrancado "Ziguinbchor, que representa uma verdadeira preciosidade"...

Não tem dúvidas, por fim, em antever um futuro próspero para a Guiné... Anti-salazarista, Armando Cortesão (Coimbra, 1891 -  Lisboa, 1977)  parte para o exílio em 1932 e só volta a Portugal vinte anos depois,  dedicando-se  ao ensino e à investigação da história e da cartografia.

Diz um seu biógrafo,Rui S. Andadre, no Dicionário de Historiadores Portugueses

(...) "No início de 1932 é afastado por motivos políticos das altas funções que exerce, vindo a ocupar-se da redação das suas investigações históricas iniciando então um período em que se desdobra em conferências sobre Cartografia antiga e temas históricos, como a questão colombina. 

"Cortesão, enquanto funcionário colonial insere-se num grupo de quadros científicos e técnicos, indissociável da política ultramarina seguida pelo Estado na primeira metade do século XX. A questão do regime político era relativamente secundária, uma vez que, o chamado Ultramar era considerado uma questão nacional, em torno da qual alinhavam diferentes posições políticas e ideológicas, desde o republicanismo liberal e democrático ao nacionalismo retórico do Estado Novo". (...)







Fonte: Gazeta das Colónias, Lisboa, Ano 1, nº 2, Lisboa, 10 de julho de 1924, pp. 7/9. 

(Seleção, recotes, notas: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24965: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (4): Uma plantação de cana de açúcar,em Guara-Guara, Manica e Sofala, Moçambique... e um elogio ao governador da Guiné, Velez Caroço (1921-1926)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23880: Historiografia da presença portuguesa em África (347): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2022:


Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné:
Uma fonte documental que não se deve ignorar (1)


Mário Beja Santos

Pode julgar-se à partida que estas reuniões em que se discutiam requerimentos, taxas e emolumentos, em que funcionários da administração se pronunciavam sobre salários e infraestruturas, num órgão consultivo em que compareciam chefes de serviços, comerciantes, profissionais liberais, em reuniões presididas pelo Governador, ou pelo Governador Interino, ou pelo Encarregado do Governo, eram suficientemente enfadonhas para não acicatar quem anda à procura de outros ângulos do prisma que nos ajudam a formar uma visão mais abrangente da História da Guiné. Muitas vezes sem interesse para o historiador/investigador, atrevo-me a dizer, mas há ali casos de posturas ou declarações que nos ajudam a melhor entender a mentalidade, as iniciativas seguramente generosas que ali se formularam e que não tiveram seguimento, ou mesmo o aproveitamento daquele palco para que um Governador tecesse, em forma de sumário, o que tinha sido o seu mandato, antes de regressar a Lisboa. É o que aqui se pretende fazer, começando por se sintetizar o que se passou na sessão do Conselho de Governo em 10 de julho de 1917 e na sessão especial que teve lugar em 3 de fevereiro de 1945. O leitor decidirá se estas considerações podem ter algum peso específico para o estudo da História da Guiné.

Na sessão de 1917, que tinha como ordem de trabalhos a discussão de um requerimento da Empresa Agrícola Comercial Bijagós Limitada, para deter o exclusivo do fabrico de telha; a discussão de um telegrama do Administrador da Circunscrição de Cacine quanto aumento das taxas de licença comerciais e por fim a discussão de um requerimento em que habitantes da Guiné pediam a criação de mais escolas de ensino primário, é bom ouvir a natureza desta última proposta. Ali se sugeria três categorias de escolas: elementares, complementares e escola central; na primeira, seria para ministrarem a instrução rudimentar, que seria obrigatória para as crianças de ambos os sexos, aprendia-se a língua portuguesa falada, dando às crianças lição das coisas por quadros representando objetos de uso; o ensino elementar consistiria na leitura, escrita e nas quatro operações aritméticas sobre números inteiros, funcionaria uma escola em cada posto, e avança-se com o ensino para os dois sexos, as escolas do sexo feminino teriam um ensino relativo a costura e bordados, noções de culinária e economia doméstica, funcionando em Bolama, Bissau, Bafatá, Farim e Cacheu. O documento está cheio de detalhe, define o perfil dos professores, o material indispensável para o funcionamento das escolas, os prémios para os melhores alunos, os exames, etc. Não nos podemos esquecer de que a ética republicana, que cuidava do mesmo sentido da ação civilizadora no Império como a Monarquia Constitucional, privilegiava a educação, só que este documento apresentado no Conselho de Governo em 1917 é impressionante pelo seu sentido progressista, por ultrapassar aquelas barreiras de civilizados e gentio, que será a bitola que o Ato Colonial irá impor.

Estamos agora em 1945, Ricardo Vaz Monteiro, Major de Artilharia e Governador da Guiné, despede-se, terminara a sua comissão, agradece ao Conselho a colaboração prestimosa que lhe fora dispensada. Agradece sobretudo a prova de dedicação quando foi vítima de um acidente de aviação em 11 de setembro do ano anterior. E falando da ação civilizadora diz que é de todos sabido que o sistema colonizador português tem por primeiro fundamento o primeiro mandamento da nossa religião – o amor ao próximo – e, portanto, nós, portugueses, consideramos em primeiro lugar como seres humanos os indivíduos qualquer que seja a sua raça. Tece considerações sobre o papel dos missionários, a importância da língua portuguesa, dizendo que manteve 80 escolas sustentadas pela dedicação das Administrações de Circunscrição e de Concelho, sempre entendeu que devia ser contrariado o uso do crioulo no sistema escolar, sentia a obrigação de que todos tinham que trabalhar para aportuguesar os indígenas da Guiné, havia que contraria o preconceito de quem ridicularizava o preto quando este se exprimia em português: “Para estes que assim procedem, faltos de toda a centelha nacionalista, vai a nossa piedade porque não sabem o que fazem. Não sabem que o uso da nossa língua é um dos melhores meios para introduzir no meio indígena, as ideias, os sentimentos, os costumes e as tradições dos portugueses”.

Mudando a direção do seu discurso, passou em revista o que acontecera no desenvolvimento da agricultura e da veterinária, específica as medidas tomadas, releva a importância da distribuição gratuita de sementes selecionadas pelos serviços técnicos nos postos experimentais, durante o seu mandato procurara imprimir dinâmicas às granjas administrativas com caráter de empresas agrícolas de tamanho médio, vê-as como poderosas alavancas para o desenvolvimento socioeconómico e cultural da Guiné, e que não lhe parecia difícil obter bons resultados pela disponibilidade de terreno, já que a densidade populacional na Guiné era de cerca de 10 habitantes por quilómetro quadrado, havia igualmente que aproveitar esta disponibilidade para intensificar o revestimento florestal. “Este revestimento compreende essências que dão madeira rija ou dura para a construção civil e marcenaria como o bissilão, pau-ferro, pau-incenso, alfarroba de lala; e outras essências como o poilão-forro, tagarra, caboupa e macete que dão madeira mole aproveitada para pasta de papel, contraplacados e caixotaria. Para se cuida do revestimento florestal da colónia estava naturalmente indicado que haveria primeiramente a distinguir, por cada região da Guiné, a parte destinada às culturas e a parte destinada à floresta. Atendendo ao modo como os indígenas realizam as suas culturas, teriam de ser extensos os terrenos destinados a este fim. Seria, pois, necessário conhecer as necessidades dos aglomerados populacionais indígenas, quanto a terrenos de cultura para depois se fazer a demarcação das zonas florestais que de futuro conviria proteger, defendendo-as das queimadas e realizando o repovoamento”. O Governador disserta largamente sobre a vegetação arbórea e considera ser indispensável tomar medida enérgicas para evitar a destruição feita pelos madeireiros.

Inflete agora o seu discurso para a política de saúde, a luta contra a doença, alude às melhorias introduzidas na assistência médica e sanitária, releva o trabalho das irmãs hospitaleiras franciscanas e enuncia o que se fez para travar a epidemia da febre amarela.

Prestes a terminar, deixa recados para o futuro não só quanto à política de saúde como ao funcionamento de toda a administração colonial. Não esconde a satisfação por na Administração Financeira se terem registado saldos que permitiram fazer face aos enormes encargos contraídos com despesas extraordinárias. E é premonitório: “O que me não foi possível realizar por falta de tempo, ou carência de méritos, virá ser realizado por quem me substituir certamente com mais competência. Ao terminar a minha comissão posso afirmar, sem receio algum de ser desmentido, que durante a minha permanência na colónia dirigi a minha atuação administrativa no sentido de promover o aumento da produção e valorizar materialmente a Guiné, tendo sempre presente que sobre a valorização material tem prioridade indiscutível o emprego de meios destinados a nacionalizar, assimilar, enfim, aportuguesar os indígenas.”

(continua)
Major Ricardo Vaz Monteiro, o Governador da Guiné que antecedeu Sarmento Rodrigues
Selo de Farim português, 1910
Ruínas de Igreja em Bolama
Costureiro guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23853: Historiografia da presença portuguesa em África (346): Aquele que terá sido o primeiro exercício etnográfico para toda a Guiné (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23838: Antropologia (44): Armazenamento tradicional de produtos agrícolas: o "flu", o celeiro balanta (excertos de: Oliveira, Havik e Schiefer, 1996, com a devida vénia)


 Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Bissá > c. 1970 > Celeiros para a bianda... O capelão, alferes graduado José Neves é o primeiro, de perfil, à direita... Encostado a um dos potes de barro (onde se guardava o arroz), está o alferes mil, comandante do destacamento, cujo nome ignoramos (deveria pertener à CCAÇ 2587 ou à CART 2411, dependendo da data em que a foto foi tirada, antes ou depois de 5/3/1970, altura em que a CCAÇ 2587 rendeu a CART 2411).


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Bissá > c. 1970 > Celeiro para a bianda... Em balanta, chama-se "flu"...


Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Tipos de celeiros balantas. Cortesia de Oliveira, Havik e Schiefer (1996). Com a devida vénia


1. Excertos de  Oliveira, Olavo Borges de; Havik, Philip J.;  e Schiefer, Ulrich (1996) - Armazenamento tradicional na Guiné-Bissau. Produtos, sementes e celeiros utilizados pelas etnias na Guiné-Bissau: Fascículo 1, Beafada; Fascículo 2, Mandinga; Fascículo 3, Nalú; Fascículo 4, Balante; Fascículo 5, Fula deQuebo; Bissau, Lisboa, Münster, IFS 506p. ISSN 0939284X, pp. 415/417. (Disponível em http://hdl.handle.net/10071/1525 )


"Ful", o celeiro balanta

Nome Nativo

Ful

Nome crioulo

Bemba

Formato

Cilíndrico

Serventia

Reservatário de cereais

Capacidade

Variável

Tempo de construção

Uma semana

Época de construção

Véspera das colheitas


O TIPO DE CELEIRO

O “ful” ou "bemba" é um celeiro de formato cilíndrico, assemelhandose a um pote, cujo tamanho pode variar, conforme as necessidades de armazenamento. Os de maior tamanho podem atingir até dois metros de altura.

Este tipo de celeiro pode ter funções distintas, entre elas, armazenamento de produtos de consumo familiar (arroz, fundo, milho-preto,milho-cavalo, milho bacil e feijão, etc.), conservação de sementes, destinadas ao ano agrícola seguinte e, finalmente, armazenamento de cereais, arroz em particular, para fins rituais.

Os "ful" destinados ao armazenamento exclusivo de produtos de consumo, são normalmente os de tamanho maior, sendo os outros dois tipos de tamanho relativamente inferior.

Quanto ão lugar de instalação do "ful" na morança ("pang"), este pode variar. Às vezes, são instalados dentro da casa, ou na varanda, e muitas vezes no quintal. Por uma questão de segurança, podem mesmo ser instalados dentro do quarto de dormir do dono da morança. Isto passa-se, em especial, com os celeiros destinados ão armazenamento de produtos de consumo familiar.

AS TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO

Para a construção deste tipo de celeiro utilizam-se materiais locais e técnicas de construção simples.

A matéria-prima básica para a construção do "ful" é a lama e palhas secas de cereais. São utilizadas, com mais frequência, as palhas de arroz e fundo. Estas palhas são misturadas com a lama e apodrecendo, fazem com que a lama se torne ainda mais resistente.

Só depois desta lama preparada, é que iniciam a construção do celeiro "ful" A sua construção é feita, normalmente, junto do lugar onde vai ser instalado. Primeiramente, é construída a base do celeiro, com uma camada de palhas de.arroz coberta com lama. 

Depois de construída a base, inicia-se o levantamento das paredes por fases. Constroem-se camadas que se deixam secar, antes de se acrescentar nova camada, de modo a evitar a queda da estrutura, durante o período em que são trabalhadas. 

Depois de completa a construção das paredes, deixam-nas secar bem. No mato, colhem as cascas de uma árvore, chamada na língua de origem “rutch”. Estas são piladas e misturadas com água.

Com a. massa quase líquida que daí se obtêm, são polidas as paredes externas do "ful", tornando-o mais resistentes, e protegendo-o contra a entrada de insectos. No fim deste processo, deixam o "ful" secar novamente

Para que a base do mesmo possa ter uma protecção sólida, nunca o fincam em contacto direto com o solo. No local onde vai ficar instalado o celeiro, colocam uma camada de pedras que cobrem com palhas de arroz ou fundo e sobre a qual colocam o "ful"


A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


A iniciativa de construção do celeiro é da responsabilidade do dono da morança. A sua construção pode ser organizada individualmente, ou então de uma forma colectiva

Em geral, o chefe da morança procura a ajuda de familiares ou vizinhos. Embora seja uma actividade dos indivíduos de sexo masculino, a participação feminina não é excluída nesse processo. As mulheres podem dar o seu apoio, ajudando, por exemplo, a trazer água, lama e outrosmateriais.

O PROCESSO DE ARMAZENAMENTO

A entrada dos produtos nos celeiros "ful", efectua-se logo a seguir às colheitas.

Os cereais depois de preparados, são em seguida transportados pelas mulheres, directamente para a moranças, e armazenados dentro dos celeiros.

Para se evitarem gastos arbitrários dos produtos, é ao dono da morança quem cabe a responsabilidade de controlo da entrada e saída dos cereais nos celeiros. É o chefe da morança que mede a quantidade de produtos a ser entregue à sua esposa, para os gastos diários. 

Se tiver mais que uma esposa, o seu dever é entregar os produtos à sua primeira mulher e esta se encarregará da sua distribuição pelas outras. Normalmente, cada uma das mulheres tem, dentro da sua palhota, um celeiro de tamanho inferior, a que chamam "ftchelé" (pote), onde guarda os produtos destinados ao consumo exclusivo do seu fogão. 

Quando as várias esposas do chefe da morança se dão bem, podem ter um só "ftchelé"para toda a morança,mas isto acontece raras vezes.

AS PRINCIPAIS AMEAÇAS

Os factores que poderiam constituir perigo para os celeiros do tipo "ful"são: as águas da chuva, o fogo e os ratos

Dado que, as casas dos balantas são cobertas todos os anos, os efeitos nocivos da chuva são quase neutralizados.

OS RITOS TRADICIONAIS

Não é costume a realização de rituais específicos na altura da construção dos celeiros.

Os "ful"  destinados exclusivamente à conservação de produtos com fins rituais, são construídos aquando do nascimento de uma criança e esta atingir a idade de desmame (normalmente aos três anos de idade). Nessa altura, os pais são obrigados a instalar um "ful"  de pequenas dimensões dentro da casa, onde vão reservando uma quantidade determinada de arroz, destinado só para as cerimónias a realizar para a criança. Sempre que ela adoece, ou lhe acontecer qualquer coisa, que os pais não possam explicar, tiram deste "ful" um pouco de arroz. Com ele preparam comida, a que misturam óleo de palma e leite de vaca, e procedem a um ritual junto do "ful" da criança, onde pedem a sua salvação.

Existe. também,  um "ful" único para os rituais de toda a morança. Os produtos alí conservados são destinados às cerimónias, que têm a ver com a vida dos membros de toda a morança. Os cereais armazenados provêm de cada um dos agregados familiares, que fazem parte da morança. 

As cerimónias que fazem, na altura do início da época das chuvas e no inicio do ano agrícola, dizem respeito a todos os membros da morança e são organizadas pelo chefe máximo da morança. É na altura destas referidas cerimónias, que se pede ao Irã da morança bem-estar para todos os seus elementos, durante a época das chuvas, e boas colheitas.

(pp. 415/417)


[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos: LG]

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21014: Historiografia da presença portuguesa em África (211): Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A vasculhar a coleção do Boletim Geral das Colónias e Boletim Geral do Ultramar, publicações naturalmente oficiosas, mas onde, em dado passo, era possível obter informação sobre projetos em curso, encontrei referência ao que se pretendia fazer na regularização e defesa do rio Geba e notícia pormenorizada à Fazenda Experimental de Fá, como aqui se resume.
Seria bem interessante que quem viveu em Fá e conheceu as instalações, e possua delas imagem, aqui as publicasse.
Aproveita-se para pedir aos amigos guineenses se têm imagens atuais do que se procurou fazer para a regularização e defesa do rio Geba e de como é hoje Fá, se algum daqueles projetos teve continuidade ou se está tudo reduzido a ruínas. Talvez o Patrício Ribeiro, um confrade tão esforçado, nos dê notícia do que é a Fá atual...

Um abraço do
Mário


Planos de desenvolvimento no rio Geba e em Fá, um pouco antes da guerra

Beja Santos

Quem procura sempre alcança. Não é taleiga fácil mexer no acervo do Boletim Geral das Colónias e no Boletim Geral do Ultramar, que lhe sucedeu, em 1951, quando deixámos de ter colónias e passámos a ter províncias ultramarinas. Depois de folhear muito papel depara-se no n.º 443, de maio de 1962, um artigo onde a propósito de grandes projetos e realizações em África se faz larga referência às realizações em curso pela Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné: o que se estava a fazer no rio Geba e na Fazenda Experimental de Fá. Vale a pena extrair as informações oferecidas por autores anónimos.

Primeiro o Geba e a sua economia:
“Na agricultura, a principal produção é o arroz de regadio. Outros produtos comercializados da região são o coconote e o óleo de palma. A campanha da mancarra, principal produto de exportação da província, provoca um aumento do movimento de navegação do rio durante a época seca, período em que as condições de navegabilidade são mais deficientes. As estradas existentes na região servem de complemento à rede fluvial de transporte, que, devido às condições topográficas da região, com numerosos cursos de água que tornam a construção de estradas muito onerosa devido às numerosas obras de arte necessárias e desvios anormais dos percursos a que obrigam, se deve considerar como o meio mais económico de drenar os produtos agrícolas da região”.
Não menos curioso é o texto referente às caraterísticas fisiográficas do rio Geba:
“O troço do rio compreendido entre Bafatá e a foz apresenta um primeiro escalão com cerca de 35 km a contar da foz com leito sensivelmente estável, embora meandrizado; a zona seguinte, com 40 km, está altamente meandrizada e é muito instável, com as margens em permanente erosão; a zona final, até Bafatá, é estável, embora ainda meandrizada. Para dar ideia da meandrização, basta dizer que o percurso do rio entre Bafatá e Bambadinca excede 70 km, ao passo que em linha reta a distância se reduz a 27 km. De uma maneira geral pode dizer-se que a largura do leito vai estreitando de Bafatá para jusante, até Fá, onde atinge um mínimo, alargando depois gradualmente até à foz. O leito do rio está em acelerado assoreamento, como prova o facto de se registarem em 1896 marés com a amplitude de 2,40 m em Geba, quando em 1958 não excedem 0,20 metros. Este assoreamento está a dificultar cada vez mais a navegação do rio. As terras baixas marginais, que entre Bafatá e a foz atingem cerca de 18 000 hectares, podem dividir-se em duas partes. A zona de montante, com cerca de 12 600 hectares, é alagada durante a época de chuvas pelas águas do rio, que transborda do seu leito, impossibilitando que aí se faça todo e qualquer aproveitamento agrícola. A zona de jusante, com 5 400 hectares, é somente alagada em alguns pontos de cota mais baixa e nos períodos de maiores marés, sendo já hoje cultivada com arroz”.

Seguidamente, são referenciados os objetivos das obras no setor agrícola, dos transportes, na parte industrial e no setor político-social. Depreende-se que o grande objetivo era a defesa dos terrenos marginais e o aumento da área agricultável, o propósito de diminuir custos dos fretes e das despesas de conservação das vias de transporte. Pretendia-se obturar a foz do rio por um açude, impedir a propagação da maré e das aluviões por ela transportadas e manter o nível das águas a montante a cota suficiente para a navegação. A par deste objetivo pretendia-se construir um canal de navegação, com eclusas, para transpor o desnível entre a albufeira criada pelo açude e a cota natural do canal de Bissau a jusante. Faz-se o elenco do que se pretendia como obras de regularização e navegação: o açude, o canal de navegação, as eclusas de navegação. Em paralelo, haveria obras de aproveitamento agrícola: defesa contra as cheias, obras de enxugo, a estação de bombagem, a rede de rega, sobretudo. Dei voltas à procura de mais elementos sobre o avanço destes projetos, o curioso é que neste artigo do Boletim Geral do Ultramar se veem fotografias da estação de bombagem, da rede de enxugo, do campo experimental de amendoim e da rede de rega. É neste contexto também que se menciona o projeto da Fazenda Experimental de Fá.
Escreve-se o seguinte:
“Para o estudo do interesse agrícola das terras baixas marginais do rio Geba torna-se necessário proceder à experimentação, de modo a obter elementos que permitam elaborar com base segura um esquema de exploração daqueles solos. Com esta finalidade construiu-se em Fá uma fazenda experimental ocupando uma área de cerca de 125 hectares.
Entre as culturas ensaiadas na fazenda contam-se, na zona de terras baixas, arroz, juta, crotalária, cana sacarina, feijão congo e rícino; na zona da base da encosta, a cotas mais altas que a anterior, cana sacarina, citrinos, café, bananeira, coleira, ananaseiro, feijão congo, pimenta preta, mandioca e culturas miscelâneas; finalmente, na zona do planalto, amendoim, rícino e feijão congo”
.

E elencam-se igualmente as obras de defesa contra as cheias, de enxugo, de rega, a estação de bombagem, a piscicultura, referindo-se instalações que muitos militares conheceram: instalações agrícolas da fazenda, que constam de celeiro e eira coberta, instalações para pessoal e serviços, e escreve-se o seguinte:
“Num único edifício, com dois corpos, instalaram-se os laboratórios de análises, hidrobiologia, estudo do descasque do arroz e rendimentos, arquivo de sementes, etc.; os gabinetes de trabalho do pessoal técnico e dos serviços administrativos; uma sala de reuniões e biblioteca; e um anexo com o posto de socorros e enfermaria.
Em duas moradias, uma das quais geminada, fica instalado o pessoal técnico com família; numa casa com quatro quartos, o pessoal técnico sem família. Anexo a esta casa existe um centro cívico, que serve de cantina e centro de reunião.
Prevê-se a construção de outra casa para habitação do pessoal auxiliar assalariado na província da Guiné. Para os trabalhadores da fazenda construíram-se várias casas de madeira e querentim rebocado, com cobertura de alumínio, uma cozinha, um refeitório e instalações sanitárias.
A rede de abastecimento de água consta de um poço, cisterna e central elevatória; dois reservatórios de água; uma estação de tratamento de água; e tubagem de condução e distribuição”
.

Seguramente que este mundo aqui versado desapareceu, terá deixado vestígios. Bom seria que quem passou por Fá e captou imagens as publique aqui, são naturalmente posteriores a 1962. Recordo que este Boletim Geral do Ultramar n.º 443 de maio de 1962, está disponível no site, todas as imagens que acompanham a descrição destes projetos também ali aparecem. Resta saber o que é que as autoridades da Guiné-Bissau fizeram deste projeto ou que reutilização deram à Fazenda de Fá. Talvez o Patrício Ribeiro nos possa ajudar…

Fá Mandinga
Imagem retirada de http://trip-suggest.com/guinea-bissau/guinea-bissau-general/fa-mandinga/

Adriano Moreira faz a sua primeira visita à Guiné, vem de Angola, foi muito bem acolhido em Mansoa e Nhacra. Voltará à Guiné em 1962, então sim, uma viagem um pouco mais demorada, a luta armada estará para breve. Imagem extraída do Boletim Geral do Ultramar

Os meandros do Geba, imagem magnificamente captada pelo confrade Humberto Reis, usei-a com enorme satisfação num dos meus livros.
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Nota do editor

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18147: Feliz Natal 2017 e Melhor Bom Ano Novo 2018 (15): Anabela Pires, que vai voltar à Guiné-Bissau por quatro semanas, em 18 de janeiro...


Um Natal em Harmonia e um Feliz 2018, são os votos da Anabela Pires, ecologista, defensora da permacultura, e que nos manda um "cartanito" com a sua horta que dá de tudo (e que presumo que seja comunitária)...

Foto: © Anabela Pires (2017). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem da nossa amiga e grã-tabanqueira Anabela Pires, com data de 22 do corrente




[Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça), Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), e do nosso saudoso Pepito, cidadã do mundo, "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012, integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau; vai lá voltar em 2018; tem 25 referências no nosso blogue, dela publicámos o "diário de Iemberém"; pacifista e feminista, ela não gosta que a gente lhe chame uma "mulher de armas"... mas é assim que a gente a vê, aqui da Tabanca Grande]


Queridos familiares, amig@s, ex-colegas, vizinhos ....

Hoje é dia de começar a preparar o Natal que passarei em Alcobaça com a minha irmã e sua família. Por razões profissionais os meus filhos não poderão estar presentes mas a 28 voarei até à Dinamarca para festejar o 2º aniversário do meu neto e a passagem de ano. 

Projetos para 2018: 

(i) dia 5 de Janeiro venho por aqui para levar os meus pertences para Coimbra e fazer a mala para ir a 18 quatro semanas à Guiné-Bissau; 

(ii) a 15 de Fevereiro regresso e começarei então a fazer o caminho de volta ao Algarve ao fim de 6 anos. 

Esta é a parte que vai ser mais complicada pois já me falta muito a paciência para arrumar e desarrumar, mas tem de ser. Bem, uma nova fase vai começar. Depois de colocar de novo todos os meus pertences no apartamento do Montenegro - o que vai levar tempo .... logo se verá o que vou fazer. 

Desejo-vos um Natal muito harmonioso e se possível muito alegre e que continuem todos em grande forma em 2018.

Reencontramos-nos em 2018? Desejo que sim! Em finais de Fevereiro estarei no Algarve muito embora depois ainda tenha de vir cá acima buscar caixotes e vasos.

Mil beijos e abraços para todos,
Anabela


P.S. Terminei ontem os meus trabalhos aqui na horta, a qual ficou conforme as fotos que mando em anexo [e de que se reproduz uma, acima]. Ainda falta plantar morangueiros Diamante e mais alfaces. As ervilhas de trepar, as favas, as cenouras, os espinafres, os canónigos (ou alfaces cordeiro) ainda não nasceram! Espero que chova! Colhi as últimas pastinacas (Cherovias ou Chírivias).

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