Segundo nos conta o J. Casimiro Carvalho, "um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha, e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".
De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também conhecida por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.
Foto: © Manuel Reis (2009). Todos os direitos reservados
1. Poema de Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje,Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74), escrito durante a batalha de Gadamael (maio / junho de 1973) (*)
GADAMAEL-PORTO,
EU TE AMO,
EU TE ODEIO
por Manuel Augusto Reis (**)
Na vala recordo os dias alegres da infância,
os tempos da boémia coimbrã,
Chove, troveja.
Não, não é um trovão, alerta o João.
Deito-me na vala,
É manhã.
Na vala refilo,
protesto,
Na vala recordo os dias alegres da infância,
os tempos da boémia coimbrã,
e a ti, Catarina.
Chove, troveja.
Não, não é um trovão, alerta o João.
Deito-me na vala,
o mundo parece desabar.
Outra saída, outra e mais outra...
Ouço gemidos,
o João calara-se para sempre.
Outra saída, outra e mais outra...
Ouço gemidos,
o João calara-se para sempre.
É manhã.
Ai o café quente de Bissau!...
Os rebentamentos não param.
Abdulai, nosso guia de Guileje,
chora os nossos mortos com palavras sentidas e comoventes.
Os rebentamentos não param.
Abdulai, nosso guia de Guileje,
chora os nossos mortos com palavras sentidas e comoventes.
Na vala refilo,
protesto,
com palavras obscenas contra tudo e contra todos.
Abdulai, o nosso guia, o nosso amigo,
morreu.
Manuel Reis, Gadamael-Porto, junho de 1973
2. Comentário do editor L.G.:
Presto, comovido, a minha homenagem aos bravos de Guileje e de Gadamael. Leio, comovido, o surpreendente poema do Manuel Reis, escrito com sangue e raiva nas valas de Gadamael... O Manuel Reis é um dos nossos grã-tabanqueiros que pode pôr no seu currículo que desceu aos infernos e voltou à terra, à terra da alegria... Voltou, mas há memórias do inferno que não se apagam... O João, o Abdulai, o Lourenço, o Branco e tantos outros não regressaram... Às vezes carregamos esta culpa: porquê eles, porque não eu ?
Manuel, bom amigo e camarada: o blogue, se alguma importância tem, não é por ser uma "feira de vaidades", ou muito menos por publicar as narrativas épicas dos heróis... Não é o Olimpo, ou o caminho para o Olimpo. O blogue fala, em primeira mão, das nossas alegrias e tristezas, dos momentos bons e maus que nos calharam naquele tempo e naquele lugar... O blogue é seguramente importante porque procura dar voz e rosto àqueles que a terra já engoliu e comeu: o Lourenço, o Branco, o João, o Abdulai...
Obrigado, Manuel, pela teu poste e pelo teu poema... Terá lugar, por certo, na antologia poética da guerra colonial que um dia ainda haveremos de organizar, se Deus, Alá e os bons irãs nos deram vida e saúde...
PS -Um abraço para o professor Armando Gonçalves, de Torre de Moncorvo, que, ao organizar uma exposição sobre os mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, naturais do seu concelho, como o Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, está também a lutar contra a indiferença e o esquecimento que pesa sobre toda a nossa geração...
Abdulai, o nosso guia, o nosso amigo,
morreu.
Manuel Reis, Gadamael-Porto, junho de 1973
2. Comentário do editor L.G.:
Presto, comovido, a minha homenagem aos bravos de Guileje e de Gadamael. Leio, comovido, o surpreendente poema do Manuel Reis, escrito com sangue e raiva nas valas de Gadamael... O Manuel Reis é um dos nossos grã-tabanqueiros que pode pôr no seu currículo que desceu aos infernos e voltou à terra, à terra da alegria... Voltou, mas há memórias do inferno que não se apagam... O João, o Abdulai, o Lourenço, o Branco e tantos outros não regressaram... Às vezes carregamos esta culpa: porquê eles, porque não eu ?
Manuel, bom amigo e camarada: o blogue, se alguma importância tem, não é por ser uma "feira de vaidades", ou muito menos por publicar as narrativas épicas dos heróis... Não é o Olimpo, ou o caminho para o Olimpo. O blogue fala, em primeira mão, das nossas alegrias e tristezas, dos momentos bons e maus que nos calharam naquele tempo e naquele lugar... O blogue é seguramente importante porque procura dar voz e rosto àqueles que a terra já engoliu e comeu: o Lourenço, o Branco, o João, o Abdulai...
Obrigado, Manuel, pela teu poste e pelo teu poema... Terá lugar, por certo, na antologia poética da guerra colonial que um dia ainda haveremos de organizar, se Deus, Alá e os bons irãs nos deram vida e saúde...
PS -Um abraço para o professor Armando Gonçalves, de Torre de Moncorvo, que, ao organizar uma exposição sobre os mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, naturais do seu concelho, como o Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, está também a lutar contra a indiferença e o esquecimento que pesa sobre toda a nossa geração...
3. Outros comentários (*):
(ii) Carvalho de Mampatá: É na verdade um poema escrito com sangue, num momento de desesperança e revolta. Está ali a demonstração da nossa impotência face à vontade do inimigo se ver livre de nós e a clara sensação de que éramos, cada vez mais, carne para canhão. Como te compreendo, Manuel Reis !
(iii) Vasco Pires (Brasil): Digo eu hoje : "...ainda bem,que não estamos em Gadamael...". Forte abraço.
(iv) Jorge Araújo: No Expresso, a caminho de Portimão, acabo de ler esta narrativa do camarada Manuel Reis onde nos conta, em síntese, a sua experiência vivida no inferno de Gadamael, prestando, igualmente, homenagem aos que aí tombaram á sua volta. Porque fiquei comovido com o seu relato, ao qual adiciona referências ao meu amigo e companheiro das lides académicas e desportivas - Artur José de Sousa Branco (ver o meu poste 15904) - seria interessante colocar este novo texto na etiqueta com o seu nome. Obrigado pela atenção. Um abraço para todos vós.
(v) Belarmino Sardinha: A minha homenagem a todos quantos não deixam esquecer o que aconteceu e mais sentida ainda por todos que perderam a vida. A forma de não os esquecermos é falarmos deles, lembrá-los. A quem não viveu esse tempo, mas procura hoje documentar-se, ajudar a lembrar o que se passou e levar até outros mais distraídos, o meu obrigado. Um abraço ao Manuel Reis.
(vi) Manuel Peredo (França): Também vivi os acontecimentos de Gadamael como furriel paraquedista da CCP 122 / BCP 12. Quem deu ordens para que este pequeno grupo fosse patrulhar nas imediações do destacamento, deve sentir um grande peso na consciência. A emboscada deu-se a algumas centenas de metros do destacamento e não a cem metros, como foi relatado no depoimento de Manuel Reis. Eu próprio carreguei os corpos para a Berliet,com a ajuda de outro furriel do meu pelotão e nesse momento houve um forte bombardeamento na zona do cais e com muita sorte não houve feridos.
(iv) Jorge Araújo: No Expresso, a caminho de Portimão, acabo de ler esta narrativa do camarada Manuel Reis onde nos conta, em síntese, a sua experiência vivida no inferno de Gadamael, prestando, igualmente, homenagem aos que aí tombaram á sua volta. Porque fiquei comovido com o seu relato, ao qual adiciona referências ao meu amigo e companheiro das lides académicas e desportivas - Artur José de Sousa Branco (ver o meu poste 15904) - seria interessante colocar este novo texto na etiqueta com o seu nome. Obrigado pela atenção. Um abraço para todos vós.
(v) Belarmino Sardinha: A minha homenagem a todos quantos não deixam esquecer o que aconteceu e mais sentida ainda por todos que perderam a vida. A forma de não os esquecermos é falarmos deles, lembrá-los. A quem não viveu esse tempo, mas procura hoje documentar-se, ajudar a lembrar o que se passou e levar até outros mais distraídos, o meu obrigado. Um abraço ao Manuel Reis.
(vi) Manuel Peredo (França): Também vivi os acontecimentos de Gadamael como furriel paraquedista da CCP 122 / BCP 12. Quem deu ordens para que este pequeno grupo fosse patrulhar nas imediações do destacamento, deve sentir um grande peso na consciência. A emboscada deu-se a algumas centenas de metros do destacamento e não a cem metros, como foi relatado no depoimento de Manuel Reis. Eu próprio carreguei os corpos para a Berliet,com a ajuda de outro furriel do meu pelotão e nesse momento houve um forte bombardeamento na zona do cais e com muita sorte não houve feridos.
(vii) Zé Teixeira: Manuel Reis, tantos anos depois, as lágrimas, teimosamente, voltam...e eu já me tinha "safado"! Abraço!
__________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16099: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (37): O nosso Blogue e a sua importância (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)
(**) Último poste da série > 14 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16087: Blogpoesia (447): "Horas amargas...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16099: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (37): O nosso Blogue e a sua importância (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)
(**) Último poste da série > 14 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16087: Blogpoesia (447): "Horas amargas...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728




Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra na Guiné (1961-1964)”. 
O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu] continuará em aberto. 
Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, na Rocha Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325 narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “sou (fui) um dos intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras Marques). Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.
Recordo, nas fotos abaixo, esse tempo e esse espaço no cada vez mais distante ano de 1973. 


JUL’1973 – Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Imagem do condomínio fechado. 



Para concluir a presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do Ultramar”, destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática. 



