Hoje é dia de Camões. Longe de mim a pretensão, mas a título de comemoração, deixo aqui um dos poucos sonetos que fiz. Escrevi-o em 1971, dois anos após a morte de meu pai
Tão cedo a esta vida te roubaram
Saudoso pai, meu bom e grande amigo
Que mal teus olhos fundos se fecharam
Boa porção de mim partiu contigo.
Flores e velas, preces lacrimosas
Oh! Alienas artes da razão
Ainda bem que não te iludem rosas
Meu doce pai que em tudo és meu irmão.
Minha fé, minha crença, minha idade
De homem-filho, é grito de homenagem
Que outro não sei, sem lágrimas, sem prantos.
Mãos dadas pelos céus da eternidade
Nesse reino sem trono e sem linhagem
Vives tu, vivem papas, reis e santos.
adão cruz
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Nota do editor
Último poste da série de 30 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24270: Blogpoesia (791): "Passei o dia a ouvir música", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 10 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24385: Recortes de imprensa (128): O último 10 de Junho celebrado no regime do Estado Novo ("Diário de Lisboa", 11 de junho de 1973)
Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06817.167.26386 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18126 | Ano: 53 | Data: Segunda, 11 de Junho de 1973 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Exclusivo" | Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: Imprensa (Com a devida vénia...)
O jornal, que não se publicava ao domingo, reproduz na página 14 (e não 12) o discurso do então Chefe de Estado. Foram condecorados em Lisboa 89 militares; no Porto,86; em Cloimbra, 34; em Santarém, 46; em Évora, 4; no Funchal, 7; erm Ponta Delgada, 6; em Luanda, 8 (?) (alémd e ttrès civis africanos; e em Lourenço Marques, 59. Um major de cavalaria, dois capitães de infantaria e um alferes SG receberam em Lisboa a mais alta condecoraçáo, oficial da Ordem Militar da Torre Espada com palma. Duas companhias do navio-escola brasileiro "Custódio de Melo" associaram-se ao defile final. em que participaram mais de très mil elementos dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, das corporações e dos estabelecimentos militares (pág, 14).
Imfografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24346: Recortes de imprensa (127): "Memorial Day e os portugueses nas guerras dos EUA", artigo do jornalista Eurico Mendes no jornal Portuguese Times (José da Câmara, ex-Fur Mil Inf)Guiné 61/74 - P24384: Os nossos seres, saberes e lazeres (576): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (106): Com sangue d’África, com ossos d’Europa: chegou a hora de me embrenhar na floresta mágica de Santo Antão (5) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2023:
Queridos amigos,
Santo Antão vale, é remédio santo para quem porfia êxtases da natureza em espaço insular. Entra-se num coletivo em Porto Novo, o condutor é loquaz, manda olhar para aqui e para ali, olhe lá em cima para o farol de Lombo de Boi, há um estudante que diz que não é bem assim, chama-se farol Fontes Pereira de Melo, há uma paragem em Pombas, o que até agora foi secura e aridez, o que trouxe reminiscências de S. Vicente, começa-se a encher de arvoredo, que sobe pelas escarpas e se avista até ao cimo das montanhas, os nomes dos lugares são adoráveis, momentos há em que me parece que estou em S. Miguel, aliás vamos em direção à Ribeira Grande, depositados à porta do albergue, negoceia-se um passeio para o dia seguinte. Com a senhora italiana que nos acolhe, sorridente, é melhor falar francês, avisou-nos que domina o crioulo, o português moita, descemos por ruelas esconsas para comprar mantimentos e pelo caminho negoceia-se o jantar, virá a revelar-se um manjar dos deuses. Santo Antão já está a enlear-se em mim, atrai-me esta floresta de verde e o mar sempre próximo, consta que aqui chove e que estes leitos de calhaus rolados conhecem, durante escassos dias, a correnteza das águas que vêm dos altos, alguém informa que há minas, água com fartura, daí a diversidade agrícola. Para o dia de chegada, vinte valores.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (106):
Com sangue d’África, com ossos d’Europa: chegou a hora de me embrenhar na floresta mágica de Santo Antão (5)
Mário Beja Santos
Gosto muito desta primeira imagem, estamos ainda na baía de Mindelo, ao fundo o Monte Cara, sei que vou conhecer uma atmosfera bem distinta de S. Vicente, passei uma boa parte do serão a fazer uma síntese da História de Cabo Verde desde que os primeiros colonos aportaram em Santiago em 1462. Rapidamente o conjunto populacional tornou-se heterogéneo, fossem algarvios ou alentejanos deu-se a miscigenação com gente que vinha da Senegâmbia, formara-se uma sociedade escravocrata em Santiago e Fogo, ali confluem brancos, funcionários e degredados, negros que até vêm de Angola, começam as categorias de vizinhos e moradores, pretos-forros casados, escravos de confissão ou ladinos e escravos de doutrinação, os boçais; impossível não considerar o papel do cristianismo nesta fermentação cultural, missões, colégios e escolas aparecem sempre que há população; e muita gente lança-se no comércio da costa ocidental africana, recorde-se que André Álvares de Almada, a quem se deve uma das mais importantes obras da literatura de viagens, o Tratado breve dos Rios de Guiné (1594), era cabo-verdiano e cavaleiro da Ordem de Cristo; proliferam os proprietários da terra, um dia virá a abolição da escravatura, tudo irá mudar, ou quase.
Empolgo-me com este mar, venho à ré ver S. Vicente, a esfumar-se numa coroa de nuvens, Santo Antão vai ganhando nitidez, em breve recorda-se em toda a sua dimensão o Porto Novo, a mais importante infraestrutura portuária de Santo Antão, após desembarque negoceia-se o preço do coletivo e vamos para a próxima morada, Ribeira Grande, a dona é italiana de Bolzano, o marido é pescador, toca viola e canta, fará questão de perguntar sempre que peixinho queremos para o dia seguinte.
No coletivo vem a primeira advertência que nos próximos quilómetros não se espere mais do que muita secura, declives penhascosos sobre o mar, depois, sim, um oásis permanente, que nos preparemos para uma agricultura farta, montanhas e vales, paisagens de sonho.
A praia da Sinagoga, quem é que em dia de tanta braveza das águas se afoitava a mergulhar naquelas ondas, mas que tudo é belo neste vulcânico agreste, não subsistem dúvidas
Estava em Pombas a comer uma deliciosa cachupa e olhei para o alto, o que é que faz aqui Santo António, perguntei ao patrão do tasquinho, resposta pronta, o santo é nosso patrono, para a próxima venha às festas, até temos corridas de cavalos no leito dos rios, fiquei arrepiado com a informação, mas vi em Pombas monumentos aos cavalos e creio que quem tem devoção antonina se irá comprazer com esta imagem.
Santo Antão é assim mesmo e não há volta a dar, o senhor Adelino irá levar-nos num passeio para percorrer a Ribeira Grande, Corda, Esponjeira, Lagoa, Cova de Paúl, daqui regressaremos à Ribeira Grande para desfrutarmos a beleza primeiro de Xôxô e depois a Ponta do Sol, aqui até parece o fim do mundo mas vê-se à vista desarmada que é uma importante atração turística, tem hotéis e pensões à farta.
Houve um enorme passeio até a um ponto alto onde ficámos dois dias, como já disse teremos ao lado de um balcão imenso de onde se avista a montanha uma fábrica de grogue, com imenso trapiche e montanhas de cana do açúcar à porta. Perguntei se isto da cana era um exclusivo de Santo Antão, que não, S. Nicolau tem várias áreas dedicadas a esta cultura, os engenhos de açúcar estão referenciados há séculos, iremos ver trapiches em atividade (é o nome dado aos engenhos que moem a cana, puxados por animais, esta aguardente foi negócio para a costa da Guiné a troco de escravos, mas o que aqui hoje se pretende mostrar é o esplendor da montanha, por vezes com os seus cimos enevoados e como última imagem, pedi ao senhor Adelino para parar porque não acreditava no que estava a ver, aquela fenda de um bloco monumental de pedra erguia-se, e com alguma majestade uma árvore, com outra encostada ao lado, atenda-se àquela palha pelo chão espalhada, vestígios de que por ali passou a cana sacarina.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24364: Os nossos seres, saberes e lazeres (575): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (105): Com sangue d’África, com ossos d’Europa: com os pés no Mindelo, mas já a sonhar com Santo Antão (4) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Santo Antão vale, é remédio santo para quem porfia êxtases da natureza em espaço insular. Entra-se num coletivo em Porto Novo, o condutor é loquaz, manda olhar para aqui e para ali, olhe lá em cima para o farol de Lombo de Boi, há um estudante que diz que não é bem assim, chama-se farol Fontes Pereira de Melo, há uma paragem em Pombas, o que até agora foi secura e aridez, o que trouxe reminiscências de S. Vicente, começa-se a encher de arvoredo, que sobe pelas escarpas e se avista até ao cimo das montanhas, os nomes dos lugares são adoráveis, momentos há em que me parece que estou em S. Miguel, aliás vamos em direção à Ribeira Grande, depositados à porta do albergue, negoceia-se um passeio para o dia seguinte. Com a senhora italiana que nos acolhe, sorridente, é melhor falar francês, avisou-nos que domina o crioulo, o português moita, descemos por ruelas esconsas para comprar mantimentos e pelo caminho negoceia-se o jantar, virá a revelar-se um manjar dos deuses. Santo Antão já está a enlear-se em mim, atrai-me esta floresta de verde e o mar sempre próximo, consta que aqui chove e que estes leitos de calhaus rolados conhecem, durante escassos dias, a correnteza das águas que vêm dos altos, alguém informa que há minas, água com fartura, daí a diversidade agrícola. Para o dia de chegada, vinte valores.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (106):
Com sangue d’África, com ossos d’Europa: chegou a hora de me embrenhar na floresta mágica de Santo Antão (5)
Mário Beja Santos
Gosto muito desta primeira imagem, estamos ainda na baía de Mindelo, ao fundo o Monte Cara, sei que vou conhecer uma atmosfera bem distinta de S. Vicente, passei uma boa parte do serão a fazer uma síntese da História de Cabo Verde desde que os primeiros colonos aportaram em Santiago em 1462. Rapidamente o conjunto populacional tornou-se heterogéneo, fossem algarvios ou alentejanos deu-se a miscigenação com gente que vinha da Senegâmbia, formara-se uma sociedade escravocrata em Santiago e Fogo, ali confluem brancos, funcionários e degredados, negros que até vêm de Angola, começam as categorias de vizinhos e moradores, pretos-forros casados, escravos de confissão ou ladinos e escravos de doutrinação, os boçais; impossível não considerar o papel do cristianismo nesta fermentação cultural, missões, colégios e escolas aparecem sempre que há população; e muita gente lança-se no comércio da costa ocidental africana, recorde-se que André Álvares de Almada, a quem se deve uma das mais importantes obras da literatura de viagens, o Tratado breve dos Rios de Guiné (1594), era cabo-verdiano e cavaleiro da Ordem de Cristo; proliferam os proprietários da terra, um dia virá a abolição da escravatura, tudo irá mudar, ou quase.
Empolgo-me com este mar, venho à ré ver S. Vicente, a esfumar-se numa coroa de nuvens, Santo Antão vai ganhando nitidez, em breve recorda-se em toda a sua dimensão o Porto Novo, a mais importante infraestrutura portuária de Santo Antão, após desembarque negoceia-se o preço do coletivo e vamos para a próxima morada, Ribeira Grande, a dona é italiana de Bolzano, o marido é pescador, toca viola e canta, fará questão de perguntar sempre que peixinho queremos para o dia seguinte.
No coletivo vem a primeira advertência que nos próximos quilómetros não se espere mais do que muita secura, declives penhascosos sobre o mar, depois, sim, um oásis permanente, que nos preparemos para uma agricultura farta, montanhas e vales, paisagens de sonho.
À saída da baía do Mindelo
S. Vicente cada vez mais longe
Em frente, a terra prometida de Santo Antão, já se vê uma larga mancha de casario
Atenda-se à imagem, bem procurei brochuras, desdobráveis, nada, só mapas enormes que talvez sejam úteis para a rapaziada que faz escalada ou vem disposta a longos percursos pedestres. Dou-me bem com o nome das povoações, saímos em Porto Novo, iremos por Aguada, passa-se ao lado do Farol de Lombo de Boi, mas houve um jovem que me disse enfaticamente que o seu verdadeiro nome é Farol Fontes Pereira de Melo, fiquei intrigado, seguimos por Pombas, o condutor, brejeiro, fez saber que o único cemitério de pombas que existe no mundo é aquele, depois Sinagoga, que tem uma bela praia, pena foi, que no dia da visita, o mais estivesse tão endiabrado, temi ser atirado para aquelas rochas afiadas, limitei-me a contemplar a ondulação bravia na companhia de uma cerveja da terra; não esqueci o Paúl, que também visitarei, e que é um deslumbramento, registei imagens e vou mostrar, há mais de uma hora que vimos por boa estrada, o senhor Adelino larga-nos à porta do albergue, estamos num topo da Ribeira Grande, e já se começa a discutir o peixinho que se vai comer à noite.A praia da Sinagoga, quem é que em dia de tanta braveza das águas se afoitava a mergulhar naquelas ondas, mas que tudo é belo neste vulcânico agreste, não subsistem dúvidas
Estava em Pombas a comer uma deliciosa cachupa e olhei para o alto, o que é que faz aqui Santo António, perguntei ao patrão do tasquinho, resposta pronta, o santo é nosso patrono, para a próxima venha às festas, até temos corridas de cavalos no leito dos rios, fiquei arrepiado com a informação, mas vi em Pombas monumentos aos cavalos e creio que quem tem devoção antonina se irá comprazer com esta imagem.
Santo Antão é assim mesmo e não há volta a dar, o senhor Adelino irá levar-nos num passeio para percorrer a Ribeira Grande, Corda, Esponjeira, Lagoa, Cova de Paúl, daqui regressaremos à Ribeira Grande para desfrutarmos a beleza primeiro de Xôxô e depois a Ponta do Sol, aqui até parece o fim do mundo mas vê-se à vista desarmada que é uma importante atração turística, tem hotéis e pensões à farta.
Houve um enorme passeio até a um ponto alto onde ficámos dois dias, como já disse teremos ao lado de um balcão imenso de onde se avista a montanha uma fábrica de grogue, com imenso trapiche e montanhas de cana do açúcar à porta. Perguntei se isto da cana era um exclusivo de Santo Antão, que não, S. Nicolau tem várias áreas dedicadas a esta cultura, os engenhos de açúcar estão referenciados há séculos, iremos ver trapiches em atividade (é o nome dado aos engenhos que moem a cana, puxados por animais, esta aguardente foi negócio para a costa da Guiné a troco de escravos, mas o que aqui hoje se pretende mostrar é o esplendor da montanha, por vezes com os seus cimos enevoados e como última imagem, pedi ao senhor Adelino para parar porque não acreditava no que estava a ver, aquela fenda de um bloco monumental de pedra erguia-se, e com alguma majestade uma árvore, com outra encostada ao lado, atenda-se àquela palha pelo chão espalhada, vestígios de que por ali passou a cana sacarina.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24364: Os nossos seres, saberes e lazeres (575): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (105): Com sangue d’África, com ossos d’Europa: com os pés no Mindelo, mas já a sonhar com Santo Antão (4) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24383: Blogues da nossa blogosfera (182): Uma "mulher de armas", a holandesa Noraly (nome de guerra, "Itchy Boots") que, com a sua especial Honda CRF 300 L Rally, acaba de atravessar a Guiné-Bissau
Guiné-Bissau > 31 de maio de 2023 > Região de Cacheu > Vista, de drone, da ponte de São Vicente, construída pela empresa portuguesa Soares da Costa, financiada pela União Europeia, e inaugurada em 2009... Fotograma, com a devida vénia, do vídeo da "youtuber" Itchy Boots, que merece as nossas palmas...
1. Mensagem do nosso amigo e camarada Valdemar Queiroz
Data . quinta, 1/06, 14:22 (há 8 dias)
Assunto - Preciso falar PORTUGUÊS aqui na GUINÉ - BISSAU |S7E36| - YouTube
Luís, uma pérola enviada pelo meu filho, que vive na Holanda, como sabes, casado com uma holandesa (ou neerlandesa).
A loirinha (do vídeo) é uma "ganda maluca". Fiquei com pena de ela, vinda do Senegal (Zinguinchor) não ter entrado pela fronteira de Pirada que passaria por Paúnca (onde eu também estive).
Em Bissau estão a arranjar a Avenida, e a Bissau-Velha está em bom estado de conservação.
Para fazer viagens destas é preciso ter muito gosto por aventuras.
Valdemar Queiroz
Valdemar Queiroz
Clicar aqui; https://www.youtube.com/watch?v=A1FWR7tZf4E
2. Comentário do editor LG:
O canal no You Tube chama-se Itchy Boots (nome de guerra, registado, da aventureira solitária, "motoqueira", "filmaker", holandesa, Noraly, que em 2018 mandou o emprego às urtigas e decidiu correr mundo na sua Honda especial, superartilhada e equipada com a melhor tecnologia de imagem, incluindo um drone)...
Alguns dados estatístícos sobre os seus conteúdos no You Tube:
Já andei 140 mil quilómetros sozinha ao redor do mundo e continuo a fazer quilómetros!
(i) tem cerca de 1,7 milhóes de subscritores;
(ii) disponibiliza 567 vídeos;
(iii) regista mais de 343 milhões de vizualições
(v) tem na página pessoal em www.itchyboots.com ;
(vi) tem blogue, página no Facebool com mais de 200 mil seguidores, etc.;
(viii) e, claro, tem também bons patrocínios...
Descrição da autora no You Tube (em inglês e português)
I've ridden 140.000 kilometers solo around the world and still counting!
My name is Noraly, I'm Dutch and passionate about motorcycles, traveling and adventuring.
In 2018, I quit my job, sold my belongings and have been traveling the world fulltime by motorcycle since then. Over 40 countries later, I am in North Africa, making my way down South.
My loyal companion is named Alaska, because I rode her all the way up to the northern tip of Alaska before coming to Africa. She is a Honda CRF300L Rally with tonnes of modifications! I share my adventures here on YouTube every Wednesday and Sunday!
Welcome to the channel and I hope you'll enjoy the ride! Let's go!
Já andei 140 mil quilómetros sozinha ao redor do mundo e continuo a fazer quilómetros!
O meu nome é Noraly, sou holandesa e apaixonada por motos, viagens e aventuras.
Em 2018, deixei o meu emprego, vendi os meus pertences e, desde então, viajo pelo o mundo inteiro de moto.
Mais de 40 países depois, estou no norte da África, seguindo para o sul. A minha fiel companheira chama-se Alasca, porque eu a montei até à extremidade norte do Alasca antes de vir para a África. Ela é uma Honda CRF300L Rally com montes de modificações!
Compartilho as minhas aventuras aqui no YouTube, todas as quartas-feiras e domingos!
Sejam bem-vindo ao canal e espero que gostem do passeio! Vamos lá embora!
(Traduçáo / adaptação livre: Google Translate + LG)
"Preciso falar PORTUGUÊS aqui na GUINÉ - BISSAU |S7E36| (Ou seja, Temporada 7 - Regresso a África ! Episódio 36 - Guiné-Bissau) (Tem já cerca de 432 mil visualizações)
31/05/2023 BISSAU
In this video I am crossing the border into Guinea-Bissau. Guinea-Bissau was under the rule of Portugal for many centuries and Portuguese is still the official language here. By far the majority of the locals speak Creole or other languages, but since I don't speak those languages, I have to try my best Portuguese here.
Want to learn how to use drones, GoPros and 360 cameras to film your solo motorcycle adventure? Check out: www.itchyboots.com/academy
Here I teach all my filming techniques including getting drone shots while riding!
Gear & Equipment that I use in this season:
https://www.itchyboots.com/blog/gear-and-equipment-season-7
Follow my journey on: www.itchyboots.com
Instagram: ttps://www.instagram.com/itchybootst...
Facebook: https://www.facebook.com/itchyboots
Neste vídeo |S7E36, Temporada 7 / Episódio 36| estou a atravessar a fronteira para a Guiné-Bissau. A Guiné-Bissau esteve sob o domínio de Portugal durante muitos séculos e o português ainda é aqui a língua oficial. Mas a maioria dos habitantes locais fala crioulo ou outras línguas. Eu, como não falo essas línguas, tenho que tentar o meu melhor português aqui.
O leitor quer aprender a usar drones, GoPros e câmeras 360 para filmar a sua aventura a solo de moto? Confira: www.itchyboots.com/academy
Aqui eu ensino todas as minhas técnicas de filmagem, incluindo tirar fotos de drone enquanto ando!
Máquinas e equipamentos que uso nesta temporada:
4. Segundo a Noraly diz, antes de entrar pela fronteira norte da Guiné-Bissau, vinda de Ziguinchor, passou 9 meses no Brasil, há largos anos, fala português (embora esteja esquecido,,,), e também espanhol...
É uma mulher atraente, empática, simpática, aventureira, corajosa, apaixonada pela aventura e pelas motos todo o terreno, dotada para este tipo de desporto-aventura, poliglota (além da língua materna, é fluente em inglès e no Senegal falou também francês...), comunicadora excecional, contadora de histórias e realizadora de vídeos.
Imaginamos que tenha um staff de apoio, mas não sabemos quem faz o quê...
Por favor vejam o vídeo (que tem maios de 22 minutos) com legendas em inglês ou em português, em ecrã grande... (Ativar as legendas, nas "definições", na barra inferior, do lado direito do vídeo.)
E obrigado à "Itchy Boots"... pelas imagens fantásticas que nos mostra do norte da Guiné-Bissau, região do Cacheu, rio Cacheu, ponte de São Vicente, além da velha, renovada, cidade de Bissau... Enfim, um país que continua no nosso coração e a quem desejamos as melhores (a)venturas.
Boa continuação da viagem !... Cuidado com as "minas & armadilhas"... E alguns delas são as "ideias estereotipadas" que se tem dos países e da sua história... (LG)
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Nota do editor
sexta-feira, 9 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24382: Efemérides (394): 10 de junho de 2023: XXX Encontro Nacional de Combatentes, em Lisboa, Belém, junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar
A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes 2023 promove no próximo dia 10 de Junho, junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Belém, o seu XXX Encontro Nacional.
Último poste da série > 8 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24378: Efemérides (395): Homenagem aos Combatentes da Freguesia de Cárquere, Concelho de Resende: ainda vivos, caídos em campanha, falecidos já na vida civil e um recruta falecido durante a instrução militar em 1962, a levar a efeito no próximo dia 17 de Junho pelas 16,00 horas (Fátima Soledade / Fátima Silva)
As cerimónias que ali terão lugar têm por objectivo reunir os Portugueses que queiram celebrar Portugal e prestar homenagem a todos aqueles que, ao longo da nossa História, chamados a servir o seu País, combateram em defesa dos valores e da perenidade da Nação Portuguesa.
12h15 – Abertura da Cerimónia junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, Forte do Bom Sucesso, em Belém;
12h16 – Palavras de abertura do Vice-Almirante António Carlos Rebelo Duarte, Presidente da Comissão Executiva;
12h19 – Leitura da mensagem de Sua Excelência o Presidente da República;
12h23 – Discurso alusivo à cerimónia pelo Prof. Dr. Rui Manuel Monteiro Lopes Ramos;
12h31 – Cerimónia inter-religiosa (Católica e muçulmana);
12h39 – Homenagem aos Mortos e deposição de flores;
13h02 – Hino Nacional pela Banda da GNR. Salva protocolar por navio da Armada;
13h10 – Passagem final pelas lápides;
Fim das cerimónias – Passagem de aeronaves da Força Aérea;
Almoço-convívio nos terrenos frente ao Monumento.
A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes 2023, convida os Portugueses a participarem, no Dia de Portugal, nas comemorações em memória dos seus Combatentes. As cerimónias decorrerão na Igreja de Santa Maria de Belém, nos Jerónimos, e junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Belém.
Programa
10h30 – Missa por intenção de Portugal e de sufrágio pelos Combatentes que tombaram pela Pátria, celebrada por Sua Excelência D. Rui Manuel Sousa Valério, Bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, na Igreja de Santa Maria, Mosteiro dos Jerónimos;
12h15 – Abertura da Cerimónia junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, Forte do Bom Sucesso, em Belém;
12h16 – Palavras de abertura do Vice-Almirante António Carlos Rebelo Duarte, Presidente da Comissão Executiva;
12h19 – Leitura da mensagem de Sua Excelência o Presidente da República;
12h23 – Discurso alusivo à cerimónia pelo Prof. Dr. Rui Manuel Monteiro Lopes Ramos;
12h31 – Cerimónia inter-religiosa (Católica e muçulmana);
12h39 – Homenagem aos Mortos e deposição de flores;
13h02 – Hino Nacional pela Banda da GNR. Salva protocolar por navio da Armada;
13h10 – Passagem final pelas lápides;
Fim das cerimónias – Passagem de aeronaves da Força Aérea;
Almoço-convívio nos terrenos frente ao Monumento.
A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes 2023, convida os Portugueses a participarem, no Dia de Portugal, nas comemorações em memória dos seus Combatentes. As cerimónias decorrerão na Igreja de Santa Maria de Belém, nos Jerónimos, e junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Belém.
Fonte: Adapt de Correio de Lagos 30/05/2023 (com a devida vénia)
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Nota do editor:
Último poste da série > 8 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24378: Efemérides (395): Homenagem aos Combatentes da Freguesia de Cárquere, Concelho de Resende: ainda vivos, caídos em campanha, falecidos já na vida civil e um recruta falecido durante a instrução militar em 1962, a levar a efeito no próximo dia 17 de Junho pelas 16,00 horas (Fátima Soledade / Fátima Silva)
Guiné 61/74 - P24381: Notas de leitura (1589): N’Krumah, o líder da unidade africana, o denunciante das tramas do neocolonialismo (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O líder ganês foi uma figura altamente influente junto dos movimentos de libertação. Não escondia a sua propensão para a ideologia, teve mesmo ambições filosóficas, os seus apelos à unidade africana foram escutados por muitos políticos, Amílcar Cabral não foi insensível ao princípio do continente unido e aos perigos do neocolonialismo, deixou escrito que poderia ser uma ameaça à Guiné independente. Nkrumah escreve este seu último livro antes de ser deposto dando informação detalhadissima sobre os recursos africanos e como as antigas potências coloniais continuaram a influenciar o sistema económico-financeiro das nações formalmente independentes, privilegia a posse que tais monopólios tiveram das riquezas extraídas, desde estanho, alumínio e níquel, ao ouro e diamantes. O mundo da cobiça alterou-se profundamente, a China está por toda a parte, a Índia está a chegar em força e os grandes negócios ocidentais também precisam das matérias-primas fundamentais para dominarem o paradigma digital. Na posse desta informação, não deixa de ser curioso reler N'Krumah e perceber que a África tem sempre tutores que esvoaçam à volta para comprar barato a matéria-prima e vender caro o produto transformado.
Um abraço do
Mário
N’Krumah, o líder da unidade africana, o denunciante das tramas do neocolonialismo
Mário Beja Santos
Não se pode estudar o pan-africanismo, o movimento independentista africano e a ascensão do Movimento dos Não Alinhados sem trazer à colação o pensamento e a obra de N’Krumah [foto à direita], o presidente do Gana que foi deposto por um golpe de Estado em fevereiro de 1966, e posteriormente obrigado a viver no exílio. Os ditadores ganeses subsequentes deram diferentes razões para o golpe de Estado e uma delas era que N’Krumah fomentava a subversão na África. Este livro sobre o neocolonialismo foi editado em inglês em 1965 e editado em 1967 pela editora Civilização Brasileira. É um estudo impressionante pela documentação carreada sobre a presença inequívoca das antigas potências coloniais apoiadas por poderosíssimas multinacionais que cobiçavam matérias-primas, desde o cobre ao ouro e os diamantes.
É uma escrita de denúncia, como ele esclarece:
“Descolonização é uma palavra insincera e frequentemente usada com os porta-vozes imperialistas para descrever a transferência de controlo político, da soberania colonialista pan-africana. A pedra-mestre do colonialismo continua a controlar a soberania. As nações novas são ainda as fornecedoras de matérias-primas, as velhas de produtos manufaturados. A alteração das relações económicas entre as novas nações soberanas e os seus antigos senhores é apenas de forma. O colonialismo encontrou novo disfarce. E o neocolonialismo está-se entrincheirando rapidamente dentro do corpo de África, através de combinações de consórcios e monopólios. Esses interesses estão centralizados nas companhias mineradoras da África Central e do Sul. Da mineração, ramificam-se em uma trama complexa de companhias de investimento, interesses manufatureiros, organizações de transporte e utilidade pública, indústrias de petróleo e químicas, instalações nucleares e muitas empresas demasiado numerosas para se enunciar”.
Metodicamente, N’Krumah discorre sobre os recursos de África, a natureza dos obstáculos postos ao progresso económico africano, como atua a finança dos poderosos, como funciona a equação entre os recursos primários e os interesses estrangeiros, passa em revista os grandes grupos envolvidos, esclarece o mecanismo do neocolonialismo. Ao pôr o título Neocolonialismo – Último estágio do imperialismo, certamente convicto que era título impactante, a História encarregou-se de pôr em causa a asserção, na atualidade o imperialismo mudou de look e natureza, a China é uma presença poderosíssima e as multinacionais ocidentais disputam as matérias-primas que têm a ver com as tecnologias do futuro, sem prejuízo dos recursos profissionais. O líder carismático do pan-africanismo acreditava que as antigas potências coloniais olhavam para os seus antigos territórios como incapazes de desenvolvimento independente, procuraram desde a primeira hora da independência formal em manter vínculos, desde a preparação dos novos quadros dentro de uma lógica mental ocidental até à oferta da segurança militar. Manteve-se a lógica económica do passado, o que interessava eram as matérias-primas que continuavam a ser processadas no mundo ocidental, e os produtos acabados regressavam, acarretando grandes lucros às empresas fabricantes. Ele igualmente anota a disparidade dos preços atribuídos à matéria-prima comparado com o bem de consumo.
Não há riqueza que ele não estude, veja-se a título exemplificativo a exploração do diamante, neste tempo centralizada na Diamond Corporation, organização com papel aquisitivo central para os compradores internacionais de diamantes, tendo depois assento na Companhia de Diamantes de Angola, e com conexões com poderosos grupos, caso do Morgan Guaranty Trust. Morgan estava também associado ao Banque Belge que representava na direção da Companhia dos Diamantes de Angola outra empresa angolana, a Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola. “A Angola Diamonds tem direitos monopolistas que lhe permitem extrair diamantes em quase um milhão de quilómetros quadrados de Angola. Estão em operação 43 minas, abertas para substituir outras tantas cujas reservas se extinguiam. A Companhia está registada em Portugal e o Governo de Angola tem nela interesse direto, como agente administrativo local do Governo Português. O Governo de Angola possui 200 mil ações, ligeiramente acima das 198.800 pertencentes à Société Générale. Cerca de metade dos trabalhadores africanos da Companhia são forçados, reunidos compulsivamente pelas autoridades. Os excelentes lucros da Companhia são divididos igualmente entre a província de Angola e os acionistas, depois de 6% terem sido reservados à administração (…) Diamond Corporation tem acordos contratuais para a compra da produção da Angola Diamond, que vinha sendo recentemente de mais de um milhão de quilates e poderá ser ainda maior, segundo as estimativas. Os diamantes preciosos representam 65% da produção”.
É impressionante o império que estava na mão da De Beers. E referindo-se aos interesses em minérios na África Central, N’Krumah lembra-nos a criação da British South Africa Company, obra de Cecil Rohdes para a construção de impérios. No início da década de 1890, impulsionou a compra de grandes extensões de terra governadas por chefes nativos, contribuiu para guerras entre etnias, com a colaboração de soldados da South African Company, os chefes enganados bem procuraram justiça, estava em marcha a criação de uma via entre Cape Town até ao Cairo, o governo de Londres limitou-se a intimidar as autoridades portuguesas, constituiu-se uma espinha dorsal de negócios que se estendeu pela Zâmbia, Rodésia e a antiga Bechuanalândia, entrando no Malawi, e com associações como a que estabelece com Harry Oppenheimer e a Angloamerican Corporation, o autor desenvolve a teia de mil fios entre a Rodésia e a Zâmbia, é um extenso trabalho em que põe a nu os interesses neocoloniais, que mistura com zonas monetárias e a presença da banca estrangeira. Não menos impressionante é o que ele revela sobre a importância estratégica dos negócios do Congo e a maquinação perpetrada pelos belgas para continuar à frente dos negócios congoleses.
Reclamando sempre a unidade africana, adverte que nenhuma potência imperial jamais concede a independência a uma colónia a não ser que as forças fossem tais que não houvesse outro caminho possível. “A unidade africana está ao alcance do povo africano. As empresas estrangeiras que exploram os nossos recursos de há muito compreenderam a força que pode ser obtida através da ação em escala pan-africana. As companhias aparentemente diferentes formaram de facto um enorme monopólio capitalista. O único meio efetivo de desafiar esse império económico e recuperar a posse da nossa herança é agirmos também em escala pan-africana, através de um governo unido. Ninguém poderia dizer que se todos os povos da África combinaram formar a sua unidade, a sua decisão poderia ser revogada pelas forças do neocolonialismo”.
Este trabalho de N’Krumah é hoje uma relíquia para investigadores. Poucos meses antes da sua deposição ele deixou esta radiografia de África, um admirável quadro clínico dos males que afligem os povos africanos e lhes estorvam o desenvolvimento. N’Krumah, diga-se em abono da verdade, era um intelectual de formação sólida, hesitando entre uma linha marxista autónoma e uma filiação do pan-africanismo ao Movimento dos Não-Alinhados. Utópico, é assim que hoje se classifica este sonhador, no entanto deixou a tal radiografia que se mantém inalterável, só que os jogos africanos hoje têm novos protagonistas, aqui se digladiam, com grande ferocidade, os interesses ocidentais e asiáticos. Chamem-lhe o que quiserem, mas não deixa de ser neocolonialismo.
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Nota do editor
Último poste da série de 5 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24369: Notas de leitura (1588): Entre o melhor da literatura de viagens do século XV (3): As viagens na África Negra de Luís de Cadamosto (1455-1456) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P24380: (In)citações (247): Já comíamos ostras em Empada, em junho de 1969: abertas em chapa quente com o lume por baixo e passando depois pelo picante e limão... (José Manuel Samouco, ex-fur mil, CCAÇ 2381, 1968/70)
Foto nº 2
Foto nº 3
Guiné : Região de Quínara > Empada > Junho de 1969 > CCAÇ 2381, "Os Maiorais" (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70) > Já então se comiam ostras em Empada, em Buba... Os militares da foto nº 3 estão a extrair as ostras em conglemarados ou cachos agarrados aos "paus" do tarrafe...
Fotos (e legenda): © José Manuel Samouco (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do José Manuel Samouco [ex-fur mil, CCAÇ 2381, "Os Maiorais" (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada , 1968/70); vive em Torres Vedras; é membro da nossa Tabanca Grande desde 4 de abril de 2006]
Data - 8 jun 2023 16:24
Assunto . Ainda as ostras (*)
Boa tarde, Luís
Quando se fala de ostras até parece que sou dependente!
Resolvi escrever um pequeno texto, recordando coisas boas da Guiné.
Como é normal só publicam se entenderem, o mesmo com as fotos de Empada.
Um abraço,
J. M. Samouco
Ainda as Ostras ! Empada, Junho de 1969 (**)
Finalmente os “Maiorais” reunem-se depois de praticamente 12 meses espalhados por onde havia guerra.. Não que em Empada não houvesse guerra. Mas agora com a Companhia reunida, tinhamos a sensação de estar ainda mais fortes.
Alguém, entretanto regressado falou em ostras e como se devem comer e como as arranjar. Em Bissau são abertas em água quente como se fosse berbigão. e ficavam muito bem. Mas, boas, boas, são abertas em chapas quentes com o lume por baixo e passando depois pelo picante e limão.
Foi como uma novidade que veio para ficar. Praticamente todas as semanas começaram a chegar em doses tais, que nem entravam na messe dos Sargentos. Numa das fotos que envio até o chefe de posto de Empada (foto nº 1) veio sentar-se junto de nós.
Em 2015 voltei à Guiné, agora Guiné-Bissau, com camaradas da Tabanca de Matosinhos e até parece que as ostras estavam à minha espera. Foi um matar de saudades das ostras e ver calmamente a Guiné por onde tinhamos andado de G3.
Em 2017 voltei às ostras. Quinhamel esperava por mim.. Que maravilha.. A factura não engana. 4 pessoas :
7 minis, 3 sumos e 4 doses de ostras = 284,000 CFA (0,432 euros)
1 euro = 657,26 Franco CFA (BCEAO) em 14 março de 2017.
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - 24376: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (36): As ostras do nosso (des)contentamento (Hélder Sousa / Luís Graça / José João Domingos / Valdemar Queiroz)
quinta-feira, 8 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24379 Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (1): À porta do IPO, à espera de Deus e de remédio para as suas obras imperfeitas...
ao fundo (1) >
À porta do IPO, à espera de Deus e de remédio para as suas obras imperfeitas
por Luís Graça
Aqui, esperas, desesperas, esperas. Que a esperança é a última coisa a morrer, diziam-te na tropa os gajos mais otimistas, os safados dos instrutores, sobretudo dos coirões, velhos, dos cabos RD, readmitidos, que sabiam que já não iam à guerra, nem nunca morreriam docemente pela Pátria.
Joga-se com a teoria das probabilidades: daqui a cinco a anos, terás cinco por cento de hipóteses de estar vivo, se te diagnosticarem um cancro no pâncreas, diz o teu amigo que está lá dentro a esta hora… Pálido como a cal da parede, sentado na sala de espera, esperando o pior, imaginas tu... Como o réu que aguarda a sentença de morte do coletivo de juizes...
Também ele espera, desespera, espera. Imaginas tu, que nunca entraste no IPO, por medo, por superstição, ou muito simplesmente porque nunca até agora precisaste de lá ir. (Cruzes, canhoto!)...
Enganas-te, já não se pintam paredes com cal, que era antigamente um bom desinfetante. Nem se cobrem os mortos com cal, hoje são cremados, sobretudo se morrerem de cancro. Dantes, no tempo em que morreu a tua mãe, não se pronunciava sequer a palavra cancro, escrevia-se nos jornais, na notícia necrológica, que o fulano ou fulana de tal morrera de doença de evolução prolongada. Ou grave e incurável. De doença maligna. Um eufemismo. Um pudor hipocrático. Uma hipocrisia social. Como se houvesse doenças benignas!...E uma boa morte! (É verdade, evitamos pronunciar palavras como cancro ou morte.)
E quem vem da província, não está habituado ao trânsito de Lisboa. Foste buscá-lo ontem a Sete Rios, que é ali perto do IPO. Desta vez, veio no "Expresso", de vespera. Ficou na tua "morança", agora demasiado grande para um homem que vive só. Ofereceste-te para ir buscá-lo a casa. Recusou, polidamente. Se tivesses insistido, teria aceite. Quando vier aos tratamentos, se vier (mas é o mais provável(, virá de ambulância. É sócio dos bombeiros da terra, não longe da capital, em Samora Correia. Trabalhou como técnico agrícola lá nas Lezírias. Acabara de se reformar há pouco tempo. ("Um gajo reeforma-se e, zás!, cai-lhe tudo em cima, mano!... Parece que alguém nos quer cobrar a fatura por, continuando vivos, sermos um peso morto para os ativos"...)
2. Farmácia Curie, nº 15A. Frente à entrada principal do IPO. Grande cartaz publicitário, que cobre a montra. Faz propaganda a um “medicamento” que, depois, vai-se a saber, é apenas uma “vitamina”… Uma "mesinha", como se dizia na Guiné. Um placebo, uma droga para enganar doentes e sãos. Do Laboratório Militar, que dava para tudo, até para a tusa, o paludismo, a dor de corno, a blenorragia, a saudade, a neuratesnia, o medo... Tomavam-se com uísque, as "pastilhas LM"...
Mas qual a diferença entre uma coisa e outra, numa botica onde é pressuposto vender-se tudo o que te faz bem à saúde e até o que te envenena e te mata?!... E ainda por cima tem o nome de alguém, uma mulher, que nunca foi boticária, a Madame Curie, a avaliar pelo que tu sabes das palavras cruzadas. Prémio Nobel de qualquer coisa, física ou química, sabes lá. Que a tua incultura geral é do tipo Reader's Digest.
Esperas dentro do carro, mal estacionado, em segunda fila. E, talvez para não desesperares, jogas o jogo do “voyeurista”. Não, não espreitas o mundo pelo buraco da fechadura, mas estás meio escondido, na semiobscuridade do interior do teu carro, a ver o que se passa lá fora, à tua volta… Simplesmente, para passar o tempo, fazer horas... Não sejas cínico. muito menos medricas: estás apenas a tentar a disfarçar o nervoso miudinho, a tentar esquecer ao que vieste, acompanhar um amigo em sofrimento, com uma espada de Dâmocles em cima da cabeça...
Do teu posto de observação, vê-se num raio de noventa graus. Aqui o teu olhar, mesmo distraído, é seletivo. O olho de periscópio do camaleão podia ter-te dado jeito lá na guerra, quando atravessavas a bolanha ou cambavas o rio, mas não aqui, que tens para ver apenas o que se passa entre o nº 15 e o nº 19 do prédio ou prédios, à tua frente, no início da Av Madame Curie.
Por uma questão, digamos, de eficiência oftalmológica, tens de estreitar o teu campo de visão. Tens duas palas nos olhos, com o o burro. É um ângulo de noventa graus, abarcando sensivelmente um quarto do pequeno, pequeníssimo, mundo que te circunda e estrangula. Há gente que vive assim e morre na cama, feliz. Não acreditas, mas o que é que te contam: "felizardo, teve uma morte santa, não sofreu nada, foi um ar que lhe deu!|"...
Uma nesga do planeta que nada tem de deslumbrante, empolgante ou minimamente interessante . O que tu vês é o pequeno mundo do formigueiro humano, mesmo que seja gigante aos olhos da formiga: a saída de casa para a rua, o metro, o trabalho, o café, a creche, a escola, o hospital, ou o simples passeio higiénico com o cão pela trela… Nem sequer vês quem entra e quem sai do IPO, estás de costas. Uns com cancro, outros sem cancro, e os outros que cuidam de quem está doente, ou vai visitar um doente... Mas era talvez o único sítio que te deveria prender a atenção: daqui a um bocado o teu amigo (e antigo camarada de armas) sai, cabisbaixo ou de cabeça erguida…
Estás inclinado a apostar que ele sairá de cabeça erguida, mesmo com um prognóstico reservado: era, tanto quanto te lembras dele na Guiné, à distância de meio século, um dos gajos tesos, que mostravam grande lucidez, dignidade, calculismo, sangue-frio e coragem na adversidade. Qualidades, de resto, que lhe valeram um louvor, e que faltavam a outros tantos, com mais divisas ou galões do que ele.
Nunca tiveste grandes amigos na vida. Se é que tiveste amigos... E muito menos daqueles do peito, como se costuma dizer. Este é um deles, dos muito poucos que te ficaram para a vida. Estiveram, ambos, na guerra, tu e ele. Sempre te tratou por "mano". Ele, o Zé Conde, era um exímio caçador, e tu um reles fotógrafo amador, nas horas vagas.
Do teu posto de observação, vê-se num raio de noventa graus. Aqui o teu olhar, mesmo distraído, é seletivo. O olho de periscópio do camaleão podia ter-te dado jeito lá na guerra, quando atravessavas a bolanha ou cambavas o rio, mas não aqui, que tens para ver apenas o que se passa entre o nº 15 e o nº 19 do prédio ou prédios, à tua frente, no início da Av Madame Curie.
Por uma questão, digamos, de eficiência oftalmológica, tens de estreitar o teu campo de visão. Tens duas palas nos olhos, com o o burro. É um ângulo de noventa graus, abarcando sensivelmente um quarto do pequeno, pequeníssimo, mundo que te circunda e estrangula. Há gente que vive assim e morre na cama, feliz. Não acreditas, mas o que é que te contam: "felizardo, teve uma morte santa, não sofreu nada, foi um ar que lhe deu!|"...
Uma nesga do planeta que nada tem de deslumbrante, empolgante ou minimamente interessante . O que tu vês é o pequeno mundo do formigueiro humano, mesmo que seja gigante aos olhos da formiga: a saída de casa para a rua, o metro, o trabalho, o café, a creche, a escola, o hospital, ou o simples passeio higiénico com o cão pela trela… Nem sequer vês quem entra e quem sai do IPO, estás de costas. Uns com cancro, outros sem cancro, e os outros que cuidam de quem está doente, ou vai visitar um doente... Mas era talvez o único sítio que te deveria prender a atenção: daqui a um bocado o teu amigo (e antigo camarada de armas) sai, cabisbaixo ou de cabeça erguida…
Estás inclinado a apostar que ele sairá de cabeça erguida, mesmo com um prognóstico reservado: era, tanto quanto te lembras dele na Guiné, à distância de meio século, um dos gajos tesos, que mostravam grande lucidez, dignidade, calculismo, sangue-frio e coragem na adversidade. Qualidades, de resto, que lhe valeram um louvor, e que faltavam a outros tantos, com mais divisas ou galões do que ele.
Nunca tiveste grandes amigos na vida. Se é que tiveste amigos... E muito menos daqueles do peito, como se costuma dizer. Este é um deles, dos muito poucos que te ficaram para a vida. Estiveram, ambos, na guerra, tu e ele. Sempre te tratou por "mano". Ele, o Zé Conde, era um exímio caçador, e tu um reles fotógrafo amador, nas horas vagas.
Ele sempre foi muito mais corajoso e determinado do que tu: como caçador saía ao lusco-fusco, sempre convicto de que ia caçar alguma coisa de jeito, na orla da bolanha, no charco onde a bicharada ia dessedentar-se ou, à noite, no fim da pista de aviação, onde crescia a erva que fazia as delícias de alguns animais. Quem espera, sempre alcança. E ele apanhava lebres, galinhas de mato, rolas, raramente caça grossa, quando muito uma gazela ou um javali. Qualquer coisa, enfim, com que a malta pudesse matar a malvada nos dias seguintes, lá na messe.
Tu eras como o fotojornalista do quotidiano: punhas a tua máquina a tiracolo, uma Minolta (se bem te lembras) e ias dar um giro domingueiro pelas tabancas. Nunca foste capaz de levar a máquina para o mato, para uma operação. Aliás, nunca foste sequer um fotógrafo de jeito. E perdeste tantos momentos de tirar fotos com sangue, suor e lágrimas, ou seja com emoção, que é afinal o "spice of life", o sal da vida!
Há tempos ele pediu-te para o acompanhares até ao IPO. "Alguma coisa de grave?", pergunta, estúpida, da tua parte. "Eh!, pá, porra, ainda não sei bem..., parece que estou com um cancro", respondeu-te ele... Ele não disse logo cancro, disse carcinoma, neoplasia, linfoma, ou outra merda qualquer, enfim, um vocábulo mais técnico, mais neutro, mais enganador... "Mas hoje não há nada que não tenha remédio, até o sacana do cancro", arrematou depois, com ironia. "Parece que estou com um carcinoma na próstata, estou o PSA alto como o caraças... O urologista fez o toque recta e mandou-me fazer uma biópsia, nal sinal... Vou lá saber o veredicto".
Ficaste sem pinga de sangue, sem jeito para lhe responder, assim apanhado de chofre. Balbuciaste umas palavras, secas, de circunstància, com mais compaixão do que de solidariedade. Tentaste gracejar, aliviar a tensão: "Não há de ser nada... Os amigos são para as ocasiões... Vou contigo ao IPO, nunca lá entrei, nem sei bem o caminho... mas a gente desenrasca-se".
Há tempos ele pediu-te para o acompanhares até ao IPO. "Alguma coisa de grave?", pergunta, estúpida, da tua parte. "Eh!, pá, porra, ainda não sei bem..., parece que estou com um cancro", respondeu-te ele... Ele não disse logo cancro, disse carcinoma, neoplasia, linfoma, ou outra merda qualquer, enfim, um vocábulo mais técnico, mais neutro, mais enganador... "Mas hoje não há nada que não tenha remédio, até o sacana do cancro", arrematou depois, com ironia. "Parece que estou com um carcinoma na próstata, estou o PSA alto como o caraças... O urologista fez o toque recta e mandou-me fazer uma biópsia, nal sinal... Vou lá saber o veredicto".
Ficaste sem pinga de sangue, sem jeito para lhe responder, assim apanhado de chofre. Balbuciaste umas palavras, secas, de circunstància, com mais compaixão do que de solidariedade. Tentaste gracejar, aliviar a tensão: "Não há de ser nada... Os amigos são para as ocasiões... Vou contigo ao IPO, nunca lá entrei, nem sei bem o caminho... mas a gente desenrasca-se".
Em Lisboa não tem ninguém. E dos dois filhos, o que está mais perto é em Angola, de quem, aliás, és padrinho de casamento. Tem um outro na Austrália. Somos um raio de um povo repartido pelos cinco continentes, com os filhos, os sobrinhos e os netos separados, por mares e oceanos, dos pais, dos tios e dos avós.
2. Farmácia Curie, nº 15A. Frente à entrada principal do IPO. Grande cartaz publicitário, que cobre a montra. Faz propaganda a um “medicamento” que, depois, vai-se a saber, é apenas uma “vitamina”… Uma "mesinha", como se dizia na Guiné. Um placebo, uma droga para enganar doentes e sãos. Do Laboratório Militar, que dava para tudo, até para a tusa, o paludismo, a dor de corno, a blenorragia, a saudade, a neuratesnia, o medo... Tomavam-se com uísque, as "pastilhas LM"...
Mas qual a diferença entre uma coisa e outra, numa botica onde é pressuposto vender-se tudo o que te faz bem à saúde e até o que te envenena e te mata?!... E ainda por cima tem o nome de alguém, uma mulher, que nunca foi boticária, a Madame Curie, a avaliar pelo que tu sabes das palavras cruzadas. Prémio Nobel de qualquer coisa, física ou química, sabes lá. Que a tua incultura geral é do tipo Reader's Digest.
"Absorvit – don't worry, be happy!”: em inglês, em letras garrafais, para consumo do turista estrangeiro que, por engano, se aventurar por estas bandas da cidade onde o trânsito é caótico, por causa das obras na Praça de Espanha.
E, logo a seguir, em letras mais pequenas, tipo legenda de filme, para o indígena lusitano, tratado por você, por deferência ou cinismo: “Sente-se em baixo? Viva o seu lado positivo da vida”. (Eh!, pá, o gajo que traduziu a frase, devia ter apanhado um monumental chumbo no exame em inglês!).
Mas adiante: ficas a saber que o “Absorvit é muita vitamina”… E registas no teu bloco de notas: “A vida tem dois lados, ou dois polos: um positivo, outro negativo. E às vezes funde-se como as lâmpadas”. Já lá vai o tempo em que se fabricavam lâmpadas elétricas e fusíveis para toda a vida... Que bom, quando na vida não havia curto-circuitos ! (... Idiota, quem te meteu essa cabeça?!)
E, logo a seguir, em letras mais pequenas, tipo legenda de filme, para o indígena lusitano, tratado por você, por deferência ou cinismo: “Sente-se em baixo? Viva o seu lado positivo da vida”. (Eh!, pá, o gajo que traduziu a frase, devia ter apanhado um monumental chumbo no exame em inglês!).
Mas adiante: ficas a saber que o “Absorvit é muita vitamina”… E registas no teu bloco de notas: “A vida tem dois lados, ou dois polos: um positivo, outro negativo. E às vezes funde-se como as lâmpadas”. Já lá vai o tempo em que se fabricavam lâmpadas elétricas e fusíveis para toda a vida... Que bom, quando na vida não havia curto-circuitos ! (... Idiota, quem te meteu essa cabeça?!)
Fazes coleção de frases feitas, expressões lapidares, lugares comuns, grafitos, provérbios excêntricos, anexins, citações famosas... É um dos teus passatempos, além da sopa de letras, no café do teu bairro, com a bica depois do almoço. Disseram-te que era bom para prevenir o Alzheimer, ou pelo menos adiá-lo. És um hipocondríco de merda, tens um medo das doenças que te pelas. De resto, quem não tem? Até os médicos e os padres...
Espantosamente os muros do IPO parecem estar livres dessa peste dos grafiteiros. Talvez os gajos sejam supersticiosos e lá, no mais recôndito do seu íntimo, tenham um medo do caraças do deus do cancro que os vigia, qual big brother. Não acreditas em deus, mas começas a suspeitar que há um deus do cancro. Ou até que há um deus para tudo.
E vem-te à cabeça, uma frase cruel que te impressionou, do Camilo Castelo Branco, nas "Memórias do Cárcere":
"Ignoro (...) se Deus deixou remédio para os defeitos das suas obras; confesso só que é um blasfemo atrevimento querer-lhas corrigir"...
Conhecias outra, um provérbio, que é ainda mais devastador para um crente:
"Se Deus o marcou, é porque algum defeito lhe achou".
De que vale, afinal, um gajo, lutar contra o destino, se o teu corpo já traz, logo à nascença, as marcas dos "defeitos de fabrico"?!... E as taras todas dos teus antepassados até à cagagésima geração!...
Mesmo assim, não te deixas intimidar: aqui estás, à porta do IPO, à espera de Deus e de remédio para as suas obras imperfeitas
Enfim, ficas pelo menos a saber que há um lado da vida que se trata com antibiótico, outro com vitamina. Antibiótico, faca, bisturi, laser, radioterapia, isótopos, quimioterapia, penicilina, morfina, etc., vem tudo a dar no mesmo. O que será o que esconde aquela fachada do IPO onde nunca entraste? Daqui a uns anoos nem batas brancas haverá, serás tratado por robôs, muito mais inteligentes do que tu...
Não disfarças a tua ansiedade, confessa. Nunca lidaste bem com as doenças, sobretudo a dos outros. E muito menos com a morte dos que te eram queridos: a tua primeira mulher, ainda tão jovem, os teus pais, já velhotes... Estás a escrever furiosamente como se fumasses cigarros uns atrás dos outros. Já não fumas há muito. Desde os anos 80, quando apanhaste aquela maldita pneumonia, a seguir a uma vulgar gripe sazonal. Ou crise palúdica, febrões, sezões de África?! ...
Enfim, ficas pelo menos a saber que há um lado da vida que se trata com antibiótico, outro com vitamina. Antibiótico, faca, bisturi, laser, radioterapia, isótopos, quimioterapia, penicilina, morfina, etc., vem tudo a dar no mesmo. O que será o que esconde aquela fachada do IPO onde nunca entraste? Daqui a uns anoos nem batas brancas haverá, serás tratado por robôs, muito mais inteligentes do que tu...
Não disfarças a tua ansiedade, confessa. Nunca lidaste bem com as doenças, sobretudo a dos outros. E muito menos com a morte dos que te eram queridos: a tua primeira mulher, ainda tão jovem, os teus pais, já velhotes... Estás a escrever furiosamente como se fumasses cigarros uns atrás dos outros. Já não fumas há muito. Desde os anos 80, quando apanhaste aquela maldita pneumonia, a seguir a uma vulgar gripe sazonal. Ou crise palúdica, febrões, sezões de África?! ...
Chegaste a temer tratar-se da doença nova que então espalhava o terror entre a malta que estivera em África, o HIV-Sida. No teu caso, na Guiné e depois em Angola. Lembras-te do médico que não conseguiu escondeu o nervosismo: depois de te apalpar o baixo ventre, foi logo direitinho ao lavatório do cubículo para lavar as mãos... O que estranhaste: os médicos que tu conhecias, até então não lavavam as mãos à frente do doente... Afinal, o ato médico sempre foi revestido de uma certa sacralidade...
Há um corropio de gente que vai comprar tabaco ou cartões da raspadinha. E mais raramente o jornal... Acabam de entrar e sair dois jogadores compulsivos, com o ar de quem não acordou em dia de sorte. Para tudo é preciso sorte. No amor, no jogo, na caça, na política, na guerra. Mas tentam, uma e outra vez. Contaste até seis, as raspadinhas que eles deitaram fora. Depois desistiram e perderam-se no meio da multidão, ao dobrar da esquina. Irritados, chateados... Amanhã talvez tenham mais sorte. Afinal, só calha a quem joga. Também devem acreditar que há um deus da sorte, como há um deus do cancro, e do amor, e do jogo, e da caça, e do poder, e da guerra.
As mães levam as criancinhas para a escola, logo de manhã. Vão com ar ensonado, as criancinhas, ainda a comer o resto do papo-seco. Por que é que, meu Deus, dão pão de plástico às criancinhas?!... Passeiam os vizinhos os cãezinhos. Um pai, com ar apressado, leva um carrinho de bebé, com duas crianças, a mais velha dependurada no estribo, em posição instável. Já vão atrasados para a escolinha.
Os velhos, como tu, já apareceram nas esplanadas, a seguir à Tabacaria e Papelaria Polana, no nº 17A, se não erras. Não perdem pitada dos primeiros raios de sol. E que raio de nome é o do restaurante, no nº 19? “Bogani Desperta Caxito”, lê-se no toldo. Café, pastelaria, take away, restaurante Caxito. Outro topónimo de ressonância africanista, neste caso uma cidade de Angola, a norte de Luanda, mas onde tu nunca foste quando lá estiveste. Quanto a Bogani, é marca de café, deduzes tu. Bogani Desperta. Enquanto há gente que espera, desespera, espera, à porta do IPO..., ficas a saber que o Bogani Desperta, diz a publicidade no toldo.
Não é mal pensado, um comes & bebes aqui à beira de um hospital, para mais oncológico, por onde passam centenas, milhares de pessoas, todos os dias. Um gajo pode estar a morrer de cancro, mas continua a comer todos os dias, nem que sejam bifanas, pizas ou hambúrgueres (se é assim que se escreve).
E no nº 17 o restaurante Quinta Avenida. Que nome pomposo! Faltam-te os arranha-céus, para te sentires em Nova Iorque. O edifício mais alto, por aqui, ainda é o velhinho, quase centenário, IPO, que não terá mais do que seis ou sete andares, se bem os contaste, por deformação profissional. Em Angola, eras o "senhor engenheiro pela Universidade Técnica de Lisboa". Cá, dizias, com graça, no tempo da Expo 98, que eras um "trolha da construção civil com diploma de engenheiro".
Segue as instruções do teu psicoterapeuta: "Relaxe, respire fundo, peito aberto, coração ao alto!"... Ou "ao largo? "... Há uns que são mais aviadores, e ordenam-te" "coração ao alto!". Outros são mais marinheiros, e berram "coração ao largo!".
Há mais carros estacionados em segunda fila, com os condutores lá dentro e os piscas ligados, à espera de alguém que foi ao IPO. É um corropio de carros e ambulâncias a entrar e a sair do IPO, olhas tu pelo retrovisor do esquerdo.
Um assistente operacional (é assim que se diz agora?!, dantes dizia-se operário, houve uma "upgrade" da nomenclatura ...), com a bata do IPO, vem também à Tabacaria. Na esplanada há já quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, a fumar. Um condutor de ambulância da Cruz Vermelha Portuguesa compra o "Record". A menina do Restaurante Quinta Avenida monta o resto das mesas e cadeiras da esplanada que ocupa parte do passeio. O segurança do IPO também vem comprar raspadinhas. Há duas jovens a tomar café. Uma, mais gordinha, fuma. A outra, mais magrinha, também fuma e está ao telemóvel. Devia ser proibido fumar num raio de cem metros do IPO, apontas tu no teu bloco de notas. E agora até dizem que os telemóveis também fazem mal à saúde. Por causa das radiações. És um trolha da construção civil, não sabes nada de (ir)radiações, ionisantes ou não-ionisantes.
Deixaste de fumar por conselho médico, mas sobretudo por medo do cancro do pulmão. “O medo tem muita força, meu amigo”, diz-te o Zé Conde que está lá dentro à espera do veredicto dos médicos. Como se os médicos tivessem o poder da vida ou da morte. Ou não têm mesmo?!
3. Há mais carros em segunda fila. Estás no teu carro, no lugar do condutor, enquanto aguardas o regresso do teu amigo, teu "mano" e teu compadre que vieste acompanhar. Estás impaciente, vê-se que não gostas de esperar, muito menos à porta de um hospital, para mais oncológico. Até na barriga da tua mãe, não gostaste de esperar. Com medo do escuro, com medo de ficar sufocado. Ficaste com a fobia do ventre materno. Acabaste por nascer prematuro.
Estás no lugar do condutor. O do morto é ao lado. Lembras-te das colunas logísticas que fazias na Guiné. Ias na GMC do tempo da guerra da Coreia. Sentado ao lado do condutor. No lugar do morto. Com os pés virados para a mata, sempre pronto a voares ao primeiro tiro ou explosão...
3. Há mais carros em segunda fila. Estás no teu carro, no lugar do condutor, enquanto aguardas o regresso do teu amigo, teu "mano" e teu compadre que vieste acompanhar. Estás impaciente, vê-se que não gostas de esperar, muito menos à porta de um hospital, para mais oncológico. Até na barriga da tua mãe, não gostaste de esperar. Com medo do escuro, com medo de ficar sufocado. Ficaste com a fobia do ventre materno. Acabaste por nascer prematuro.
Estás no lugar do condutor. O do morto é ao lado. Lembras-te das colunas logísticas que fazias na Guiné. Ias na GMC do tempo da guerra da Coreia. Sentado ao lado do condutor. No lugar do morto. Com os pés virados para a mata, sempre pronto a voares ao primeiro tiro ou explosão...
Continuas mal estacionado, agora no lugar reservado às cargas e descargas da farmácia e estabelecimentos contíguos. A esta hora da manhã já não há lugares livres para estacionar. Aqui e no quarteirão à volta, delimitado pelos muros do IPO, a Av Madame Curie e a Rua Professor Lima Basto. Tiveste que fixar os nomes das ruas e chegar ao IPO pelo GPS... Estás em Lisboa há uma porrada de anos, e ainda há sítios que tu mal conheces: ruas, becos, praças, calçadas, escadinhas, miradouros, vilas e até bairros...
Nem a pagantes, lá dentro ou cá fora, há lugares de estacionamento. O lisboeta não gosta de pagar o estacionamento do carro. Daqui um bocado o gajo da EMEL ou o polícia municipal vai chatear-te. Mas ainda é cedo. Não te enerves.
À tua frente, ao lado da Farmácia, na esquina da Avenida Madame Curie, fica a tabacaria e papelaria Polana… Nº 17A, se bem descortinas o número de polícia. Deve ser de alguém que retornou de África, de Moçambique, uma das joias da coroa do nosso império colonial. Tens uma vaga ideia de ouvir falar do Hotel Polana, havia um dos gajos da companhia na Guiné que era moçambicano. Nunca fostes para esses lados do Índico. Trabalhaste em Angola. Há anos que não voltas lá, a última vez foi para estar com o teu filho e o teu afilhado. E agora tens lá netos que ainda não conheces. Nem sabes se ainda vais ter tempo de os conhecer.
À tua frente, ao lado da Farmácia, na esquina da Avenida Madame Curie, fica a tabacaria e papelaria Polana… Nº 17A, se bem descortinas o número de polícia. Deve ser de alguém que retornou de África, de Moçambique, uma das joias da coroa do nosso império colonial. Tens uma vaga ideia de ouvir falar do Hotel Polana, havia um dos gajos da companhia na Guiné que era moçambicano. Nunca fostes para esses lados do Índico. Trabalhaste em Angola. Há anos que não voltas lá, a última vez foi para estar com o teu filho e o teu afilhado. E agora tens lá netos que ainda não conheces. Nem sabes se ainda vais ter tempo de os conhecer.
Há um corropio de gente que vai comprar tabaco ou cartões da raspadinha. E mais raramente o jornal... Acabam de entrar e sair dois jogadores compulsivos, com o ar de quem não acordou em dia de sorte. Para tudo é preciso sorte. No amor, no jogo, na caça, na política, na guerra. Mas tentam, uma e outra vez. Contaste até seis, as raspadinhas que eles deitaram fora. Depois desistiram e perderam-se no meio da multidão, ao dobrar da esquina. Irritados, chateados... Amanhã talvez tenham mais sorte. Afinal, só calha a quem joga. Também devem acreditar que há um deus da sorte, como há um deus do cancro, e do amor, e do jogo, e da caça, e do poder, e da guerra.
As mães levam as criancinhas para a escola, logo de manhã. Vão com ar ensonado, as criancinhas, ainda a comer o resto do papo-seco. Por que é que, meu Deus, dão pão de plástico às criancinhas?!... Passeiam os vizinhos os cãezinhos. Um pai, com ar apressado, leva um carrinho de bebé, com duas crianças, a mais velha dependurada no estribo, em posição instável. Já vão atrasados para a escolinha.
Os velhos, como tu, já apareceram nas esplanadas, a seguir à Tabacaria e Papelaria Polana, no nº 17A, se não erras. Não perdem pitada dos primeiros raios de sol. E que raio de nome é o do restaurante, no nº 19? “Bogani Desperta Caxito”, lê-se no toldo. Café, pastelaria, take away, restaurante Caxito. Outro topónimo de ressonância africanista, neste caso uma cidade de Angola, a norte de Luanda, mas onde tu nunca foste quando lá estiveste. Quanto a Bogani, é marca de café, deduzes tu. Bogani Desperta. Enquanto há gente que espera, desespera, espera, à porta do IPO..., ficas a saber que o Bogani Desperta, diz a publicidade no toldo.
Não é mal pensado, um comes & bebes aqui à beira de um hospital, para mais oncológico, por onde passam centenas, milhares de pessoas, todos os dias. Um gajo pode estar a morrer de cancro, mas continua a comer todos os dias, nem que sejam bifanas, pizas ou hambúrgueres (se é assim que se escreve).
E no nº 17 o restaurante Quinta Avenida. Que nome pomposo! Faltam-te os arranha-céus, para te sentires em Nova Iorque. O edifício mais alto, por aqui, ainda é o velhinho, quase centenário, IPO, que não terá mais do que seis ou sete andares, se bem os contaste, por deformação profissional. Em Angola, eras o "senhor engenheiro pela Universidade Técnica de Lisboa". Cá, dizias, com graça, no tempo da Expo 98, que eras um "trolha da construção civil com diploma de engenheiro".
Se o polícia te aparecer a chatear-te, dizes que estás à espera de um doente. O que é verdade, mas não adianta. Ele põe-te a mexer. E, se refilares, ameaça-te com "o papelinho da multa", a arma dos pequenos poderes. Dantes, na tropa, embrulhavam-te em papel selado. Ainda és desse tempo, vê como estás velho. Agora acabaram com o papel selado. Azul. Vinte e cinco linhas. E margens regulamentares. Proibido escrever nas entrelinhas, muito menos nas margens.
Mas ainda é cedo para te preocupares com o polícia ou o fiscal da EMEL. A esta hora estão a fazer a barba para pegar ao serviço. Depois vão tomar a bica, dar uma olhadela pelo jornal "A Bola", no quiosque da esquina e, pelo meio da manhã, talvez venham para a rua exercer a função.
Mas ainda é cedo para te preocupares com o polícia ou o fiscal da EMEL. A esta hora estão a fazer a barba para pegar ao serviço. Depois vão tomar a bica, dar uma olhadela pelo jornal "A Bola", no quiosque da esquina e, pelo meio da manhã, talvez venham para a rua exercer a função.
4. Já função do pâncreas, náo sabes qual é!... Mas deve ser um órgão fodido... Devias saber mais da anatomia e fisiologia do corpo humano. E a função do fígado? E do baço? E da tripa? E do rim, e da bexiga ?... E até do raio da próstata!... Nunca deste conta da tua... Até um dia em que começares a mijar sangue e a levantares-te de noite, diversas vezes, para aliviar a bexiga...
"Don't worry, be happy": é a melhor frase do dia, regista-a aí, no teu caderninho. Se tu a repetires muitas vezes ao longo do dia, talvez resulte e tu consigas chegar à tua casa, vazia, onde ninguém te espera, nem um cão nem um gato, no Bairro de Santos, com o ar de quem ainda pode vir a esperar algumas coisas boas da vida, e até dar-se ao luxo de aspirar a ser feliz. Põe a felicidade na tua lista de desejos a pedir ao Pai Natal, se ainda acreditas nalguma coisa.
Segue as instruções do teu psicoterapeuta: "Relaxe, respire fundo, peito aberto, coração ao alto!"... Ou "ao largo? "... Há uns que são mais aviadores, e ordenam-te" "coração ao alto!". Outros são mais marinheiros, e berram "coração ao largo!".
Mas, não, não tens psicoterapeuta, se calhar até gostavas de ter, a tua ex, a segunda, também tinha, as amigas dela também tinham... Os psis faziam parte da herança de família mas tu é que pagavas a conta... Nunca deu certo um gajo ir para África trabalhar que nem um mouro e deixar cá as gajas, o cão e o gato. Hoje não tens mulheres, nem cães, nem gatos.
"Don't worry, be happy!"... É bom saber que alguém te ajuda (ou pode vir a ajudar) quando estás na merda. Um condutor de ambulância do Alentejo profundo (Mértola, se bem consegues ver pelo retrovisor o que está escrito na frente da viatura...) veio para aqui, à esquina da farmácia, fumar um cigarro eletrónico. Agora também está na moda, o raio do cigarro eletrónico.
"Don't worry, be happy!"... É bom saber que alguém te ajuda (ou pode vir a ajudar) quando estás na merda. Um condutor de ambulância do Alentejo profundo (Mértola, se bem consegues ver pelo retrovisor o que está escrito na frente da viatura...) veio para aqui, à esquina da farmácia, fumar um cigarro eletrónico. Agora também está na moda, o raio do cigarro eletrónico.
Mas reparaste, logo à entrada do IPO, num cartaz de 2 por 2 metros com os dizeres: "IPO sem tabaco"... Ao fim destes anos todos?... Afinal, tu estás muito à frente do IPO... Tu conseguiste deixar de fumar, depois de apanhares um cagaço... O cagaço faz bem à saúde. Os fumadores deviam apanhar um cagaço. Um pequeno cagaço não lhes faria mal.
Uma jovem sai do nº 15 para o trabalho com a lancheira na mão. Também está na moda, a lancheira na mão, de casa para o trabalho... O que fará ela?... "Call centre", adivinhas tu!... Bingo!... Mais uma aventura no país dos "call centers".
Há mais carros estacionados em segunda fila, com os condutores lá dentro e os piscas ligados, à espera de alguém que foi ao IPO. É um corropio de carros e ambulâncias a entrar e a sair do IPO, olhas tu pelo retrovisor do esquerdo.
Um assistente operacional (é assim que se diz agora?!, dantes dizia-se operário, houve uma "upgrade" da nomenclatura ...), com a bata do IPO, vem também à Tabacaria. Na esplanada há já quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, a fumar. Um condutor de ambulância da Cruz Vermelha Portuguesa compra o "Record". A menina do Restaurante Quinta Avenida monta o resto das mesas e cadeiras da esplanada que ocupa parte do passeio. O segurança do IPO também vem comprar raspadinhas. Há duas jovens a tomar café. Uma, mais gordinha, fuma. A outra, mais magrinha, também fuma e está ao telemóvel. Devia ser proibido fumar num raio de cem metros do IPO, apontas tu no teu bloco de notas. E agora até dizem que os telemóveis também fazem mal à saúde. Por causa das radiações. És um trolha da construção civil, não sabes nada de (ir)radiações, ionisantes ou não-ionisantes.
Porra, afinal o que faz mal à saúde, é um gajo estar vivo!... A vida é que faz mal ao cancro!... O cancro da mama, do esófago, da próstata, do pâncreas, da pele, do fígado, dos pulmões...
Uma mulher de meia idade veio cá fora raspar um cartão. Raspa com raiva. Ou é fé e determinação? Não lhe saiu nada. A Santa Casa da Misericórida de Lisboa (SCML) tem um móvel, à porta das papelarias, com um caixote do lixo só para os restos da raspadinha. Ecológica, a Santa Casa, amiga do ambiente. Há de comemorar os mil anos daqui a quinhentos, a Santa Casa.
Tens um marco do correio, vermelho, mesmo à tua frente. Um senhor, já mais velho do que tu, muito para cima dos 80, mas ainda com farta cabeleira branca, com ar de ter sido inglês e diplomata no Extremo Oriente, na outra incarnação, vem pôr uma carta no marco do correio... Já não vias este gesto, civilizado, urbano, romântico, e sobretudo tão terno, pòr uma carta de amor no marco do correio, há muitos anos. Quem será a felizarda da destinária? Afinal, nunca é tarde para amar... (Se bem te recordas, era uma canção italiana do teu tempo de Guiné.)
Um casal (ele, mestiço, não digas mulato que é racista) entra na papelaria. Mulatas são as mulas. Ela acaba de fumar e mandar a beata para o chão. Há gente sem educação cívica. Ou és tu que estás hoje mais sensível e intolerante?!... Em Luanda, fazias o mesmo... Mas Luanda tinha metros e metros cúbicos de lixo a cada esquina.
Uma mulher de meia idade veio cá fora raspar um cartão. Raspa com raiva. Ou é fé e determinação? Não lhe saiu nada. A Santa Casa da Misericórida de Lisboa (SCML) tem um móvel, à porta das papelarias, com um caixote do lixo só para os restos da raspadinha. Ecológica, a Santa Casa, amiga do ambiente. Há de comemorar os mil anos daqui a quinhentos, a Santa Casa.
Tens um marco do correio, vermelho, mesmo à tua frente. Um senhor, já mais velho do que tu, muito para cima dos 80, mas ainda com farta cabeleira branca, com ar de ter sido inglês e diplomata no Extremo Oriente, na outra incarnação, vem pôr uma carta no marco do correio... Já não vias este gesto, civilizado, urbano, romântico, e sobretudo tão terno, pòr uma carta de amor no marco do correio, há muitos anos. Quem será a felizarda da destinária? Afinal, nunca é tarde para amar... (Se bem te recordas, era uma canção italiana do teu tempo de Guiné.)
Um casal (ele, mestiço, não digas mulato que é racista) entra na papelaria. Mulatas são as mulas. Ela acaba de fumar e mandar a beata para o chão. Há gente sem educação cívica. Ou és tu que estás hoje mais sensível e intolerante?!... Em Luanda, fazias o mesmo... Mas Luanda tinha metros e metros cúbicos de lixo a cada esquina.
Mais uma mãe com a criancinha pela mão. Saem batas brancas, de vez em quando, do IPO. Vêm aqui tomar qualquer coisa na Pastelaria. Não dá para ver o que consomem nem muito menos para ouvir as conversas lá dentro. Uma bata branca sentou-se cá fora, puxa de um cigarro. O café puxa o cigarro, ainda te lembras do teu vício quando fumavas nos anos 80?... Grande camelo!... Gostavas do "Camel"!...
Uma jovem mãe também se senta, com um carrinho de bebé. Fuma e fala ao telemóvel. Desalmadamente. E é feliz ou parece sê-lo. A maternidade torna as mulheres felizes, aponta aí no teu caderninho.
A Farmácia Curie não tem mãos a medir, tem muita clientela, velhos que vêm aviar receitas. É uma mina, a velhice, para os boticários, os médicos, os fisioterapeutas, os nutricionistas, os ginásios, os hospitais, os cafés, os centros de dia, e até as juntas de freguesia. "Teme a velhice, que ela nunca vem só", apontaste há dias este provérbio dito popular, no teu caderninho. "Badameco" (do latim, "vade mecum", vai contigo), também lhe chamas, quando estás irritado contigo e com o mundo.
Uma jovem mãe também se senta, com um carrinho de bebé. Fuma e fala ao telemóvel. Desalmadamente. E é feliz ou parece sê-lo. A maternidade torna as mulheres felizes, aponta aí no teu caderninho.
A Farmácia Curie não tem mãos a medir, tem muita clientela, velhos que vêm aviar receitas. É uma mina, a velhice, para os boticários, os médicos, os fisioterapeutas, os nutricionistas, os ginásios, os hospitais, os cafés, os centros de dia, e até as juntas de freguesia. "Teme a velhice, que ela nunca vem só", apontaste há dias este provérbio dito popular, no teu caderninho. "Badameco" (do latim, "vade mecum", vai contigo), também lhe chamas, quando estás irritado contigo e com o mundo.
Os estabelecimentos estão todos bem situados, só o nº 15 é que te parece ser uma entrada de um prédio de habitação, com porteira. Se contaste bem, o prédio tem quatro andares e, pelo estilo e estado de conservação, deve ser dos anos 30. Disso percebes tu, que foste encarregado de obras, ganhaste bom patacão no tempo da Expo... ("Patacão", graveto, cacau... em crioulo da Guiné.)
A menina do restaurante Quinta Avenida veio, agora, fardada a rigor, de preto, e com um guardanapo branco no braço, fumar cá fora um cigarro eletrónico. Adoras as mulheres fardadas, ficam com um ar sexy, quando combinam bem o preto e o branco. Um adolescente de origem africana, auscultadores nos ouvidos, passa a falar alto ao telemóvel, e a gesticular, com ar gingão de rapper angolano. Parece feliz. A vida é bela quando um gajo está na casa dos verdes anos e não tem que ir para a puta da guerra, como tu foste na idade dele. Ou não está à espera de um amigo, à porta do IPO. Nem de Deus e de remédio para as suas obras imperfeitas.
Mais um estúpido de um gajo a fumar à porta do Bolgani Desperta Caxito. Deve ter 60 anos. Sabes lá se tem 60 anos, nunca foste bom a tirar idades... Nem pintas. Se tivesses tirado a pinta à tua, nunca te terias casado com ela, nem ela te deixaria viúvo aos 40 e picos anos. Porra, mal tiveste tempo de a amar!
Mais um jovem e uma velha a fumar na esplanada. Na papelaria, o negócio do tabaco e da raspadinha continua em alta, e ainda o dia é uma criança. Estás visivelmente irritado com a demora do teu amigo... E o IPO ali ao lado, a mexer-te com os nervos.
5. Desistes aqui do teu jogo, desistes de continuar a observar e a registar o formigueiro humano. Fechas o vidro do carrro mas ainda dá para ver a mulher da limpeza da farmácia a apanhar as beatas que formam uns montinhos à porta. Tudo por causa da merda da raspadinha. Deviam depositar o lixo à porta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a tal fábrica de fazer milionários excêntricos.
Pelo retrovisor do lado direito, apercebes-te que o teu amigo, camarada e compadre está de volta, o rosto inexpressivo, impávido e sereno, como nos dias, de manhã muito cedo, em que iam, os dois, de Unimog, cada um a comandar a sua secção, encher os bidões de água na "Fonte das Bajudas" (ou das "beijudas", dizia ele, sempre maroto, brincalhão, gaiato, que nada tinha de marialvo, mesmo crescido na campina ribatejana).
– Está no ir, mano: começo para a semana a quimeoterapia, daqui a umas semanas a radioterapia!... Não vou morrer desta merda, e até pode ser que me safe, diz-me o urologista...
Ligas o carro, fazes inversão de marcha, lês pela última vez o idiota do anúncio do Absorvit: "Don't worry, be happy!"... Que é como quem diz: "Foda-se, sê feliz!"
– Está no ir, mano: começo para a semana a quimeoterapia, daqui a umas semanas a radioterapia!... Não vou morrer desta merda, e até pode ser que me safe, diz-me o urologista...
Ligas o carro, fazes inversão de marcha, lês pela última vez o idiota do anúncio do Absorvit: "Don't worry, be happy!"... Que é como quem diz: "Foda-se, sê feliz!"
Não falaram mais pelo caminho, foste levá-o a casa, a 40 e tal quilómetros de Lisboa. Mas reviste, nessa manhã, na viagem de regresso, todo o filme da morte do "Campino", alcunha de filho e neto de campinos, que era o condutor da GMC que transportava os bidões da água. Era um filme com cinquenta anos, a preto e a branco, com duas testemunhas, mudas e impotentes, tu e o Zé Conde, o teu doente do IPO...
Mas um gajo, por muito que queira, não esquece o que viu e sofreu. Há meses que não havia sinais de atividade do IN (abreviatura de Inimigo, o turra), nas imediações do quartel, a menos de dois ou três quilómetros. Era uma operação de rotina, duas ou três vezes por semana. A água era racionada. Deixou de se picar o caminho quando se ia à água da "Fonte das Bajudas", de resto frequentada pela população local, maioritariamente fula... Os gajos nunca punham minas antipessoais naquele troço. Até esse dia fatídico em que o "Campino", que ia à frente, acionou uma mina anticarro reforçada, já no início da época das chuvas.
Restos do seu corpo e da pesada viatura foram encontrados num raio de cento e tal metros. Era um puto porreiro, deixou viúva e uma filha que nunca chegou a conhecer. Falava muito com o furriel Zé Conde, eram os dois ribatejanos, e trabalhavam antes da tropa na Quinta do Infantado, na Companhia das Lezírias, ele na coudelaria. Adorava touros e cavalos. Lembraste-te sempre dele, quando passas por aqui, por Porto Alto.
Ao chegar a Samora Correia, à porta do restaurante, já conhecido, onde almoçariam enguias fritas e umas sandochas de codorniz desossada, no Tretas & Olés, o Zé Conde, a partir de agora "o teu doente do IPO", só te disse, com um sorriso amarelo:
– Lembras-te?... Há cinquenta anos, a gente costumava dizer um para o outro: não te chateies, mano, a vida continua... dentro de momentos!
– "Don't worry, be happy!" – martelaste tu, três vezes, com a cabeça no espelho retrovisor do lado do condutor...
© Luís Graça (202o). Última revisão: 8 de junho de 2023. (*)
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Nota do editor:
(*) Originalmente publicado em 13 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21447: A galeria dos meus heróis (38): Don't worry, be happy! / Não te chateies, sê feliz (Luís Graça)
Nota do editor:
(*) Originalmente publicado em 13 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21447: A galeria dos meus heróis (38): Don't worry, be happy! / Não te chateies, sê feliz (Luís Graça)
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