segunda-feira, 5 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24370: A galeria dos meus heróis (50): Diz-me quem foi o teu pai... (Luís Graça)

 


A galeria dos meus heróis > Diz-me quem foi o teu pai…

por Luís Graça (*)


Há gajos que nascem com o cu virado para a lua. E que fazem gala disso… Como o teu cunhado, por exemplo…

Quem, o Ulisses?

 Sim, Jorge, só tens um,  que eu saiba.

 Já agora retifica: ex-cunhado... Mas nunca fomos à bola um com o outro.

E eu aproveitei então para esclarecer, o meu interlocutor, que já não via o Ulisses desde 1974, a seguir ao 25 de Abril… Mal saiu a amnistia aos faltosos, refratários e desertores, voltou à sua terra para abraçar o paizinho e as manas e, claro, para limpar a caderneta militar.

Veio com pressa, mal nos vimos. Mas ainda me lembrava dele na escola, ao ex-cunhado de Jorge, hoje o senhor embaixador com nome de rua na terra, o doutor por extenso Ulisses  C...

Foi um puto mimado, pelo menos  na escola. O pai, o senhor Anselmo, já era uma pessoa importante e rica. (Ou rica e importante, como queira o leitor.) O Ulisses gostava de se armar em vítima quando as coisas não lhe corriam de feição, nomeadamente no recreio, nas jogatanas de futebol ou nas partidas do pião.

Sou mais velho que vocês, já não vos apanhei na escola acrescentou o Jorge.

Foi um sortudo, o Ulisses!...

Se ele estivesse aqui responder-te-ia logo: “Sortudo, eu?!... A minha mãezinha ia morrendo de parto. A dona Natércia é que nos salvou. A mim e a ela, à força de braço!"

A dona Natércia?!... exclamei eu. A parteira que  nos aparou a todos. Era tão ou mais popular que o nosso João Semana… Mas eu não sabia dessa história do parto que podia ter corrido mal.

Há,  sim. E a nossa terra não teria agora  atalhou o Jorge uma figura tão grada como o senhor embaixador Ulisses C...

A mãe do Ulisses adorava contar essa história, aos netos e às visitas lá de casa, de como a velha parteira a salvara a ela e ao seu menino…

− O "menino de sua mãe", estou a ver!

− A minha ex e as suas irmãs não escondiam a ciumeira que tinham dele  , confidenciou-me o Jorge, uns bons anos mais velho do que eu. − Nascera prematuro, mas safou-se. Naquele tempo foi, de facto,  um sortudo... (Morriam 125 crianças com menos de um ano de idade por cada mil nascimentos.)

Naquele tempo, não havia cuidados neonatais, com exceção da Maternidade Afredo da Costa, inaugurada em 1932, na capital.   Estamos a falar dos finais da guerra, doze anos depois, em 1944, quando o Ulisses veio ao mundo, em casa.

− Nem as senhoras iam ter os filhos aos hospitais, que horror!− lembrei eu.

Em amena  cavaqueira com o Jorge, o nosso historiador local, o homem que mais sabia sobre as misérias e  as grandezas das famílias tradicionais da terra, vim a descobrir que o Ulisses nunca mais voltara à "parvónia" depois da amnistia de 1974…

Nem no funeral do pai… Ou do paizinho, como ele o tratava. O que sempre achei uma ingratidão comentava o Jorge.  No funeral da mãe, da querida mãezinha, entendia-se, ele estava fora do país, ilegal, exilado. A mãe morreu cedo com cancro da mama, incurável na época.

Claro, o pai Anselmo visitava-o no estrangeiro, com alguma regularidade,  até ao dia em que as relações entre eles se azedaram quando o Ulisses e as manas  descobriram que o pai tinha arranjado uma amante 20 e tal anos mais nova.

Mas… exilado, dizes tu?!

É uma figura de estilo. Como sabes, ele fugiu à tropa.

 À tropa ou da tropa?... Não é a mesma coisa: legal e tecnicamente, ele não foi um "fujão", como alguns que a gente conheceu. Foi refratário, com muitos outros… Refratário ou  desertor era bem mais grave do que faltoso na época, até porque estávamos em guerra.

Aqui o Jorge gracejou comigo,  dizendo:

− Eras ainda um puto, não te deves lembrar...  Mas em 1961, e eu já em Angola,  não tenho ideia de Portugal ter declarado guerra contra nenhum Estado estrangeiro soberano:

− A não ser talvez a Índia que, no final desse ano,  vai ocupar e usurpar descaradamente...

− ... a nossa joia da coroa!...− apressou-se o Jorger  a completar a minha frase.

E depois elucidou-me:

− Afinal, lembras-te!... E, como os nossos homens capitularam, e não se bateram até a última gota de sangue contra as tropas do Pandita Nehru, Salazar tratou os nossos prisioneiros de guerra, no seu regresso à Pátria, com o maior dos desprezos… 

− Só soube muito mais tarde... Também nunca vi semelhante humilhação aos militares,  na nossa história. 

− Sou dessa geração, tenho dois ou três colegas do tempo de escola e da tropa, naturais do concelho,  que ficaram prisioneiros de guerra na Índia e que, quando regressaram, coitados, estiveram semanas e semanas sem sair à rua com vergonha... Vergonha de serem gozados ou escarnecidos  pelos vizinhos. 

 Mas tu também te lixaste, Jorge, foste dos primeiros da terra a marchar para Angola, "rapidamente e em força"... 

− De pistola-metralhadora em punho, capacete de aço e farda amarela.  E as praças equipadas com mauser, estás a imaginar?!… A desfilar na marginal de Luanda. Mas tive uma sorte danada, uma hepatite recambiou-me cedo para o hospital de Belém.

Foi então a ocasião para conhecer melhor a história do Ulisses, o Ulysses com y grego, como ele gostava de escrever, e do seu pai, o senhor Anselmo.  

Das suas origens do Anselmo, sabia-se pouco. Sabia-se que tinha vindo de fora. E, tal como outros que vieram de fora, tinha sido bem recebido na terra e tivera sucesso, em termos  pessoais, familiares e profissionais.  Aqui casou aqui, teve filhos e aqui criou e desenvolveu os seus negócios.

− Os "saloios" sempre trataram bem os "galegos", os que vinham de fora, do Norte...  − observou, com sarcasmo, o Jorge. 

Muito antes de Portugal ter aderido à EFTA, a Associação Europeia de Comércio Livre, já o Anselmo tinha um negócio de import-export (como gostava o filho de dizer aos basbaques dos putos da escola)…  

− Digamos, tinha alguns contactos, embora ainda tímidos, mas pioneiros, com países da Europa do Norte. Com uma ou outra representação de empresas escandinavas (e depois italianas), na área das alfaias e máquinas agrícolas.

Começou no tempo da Segunda Guerra Mundial, com uma pequena oficina metalúrgica, aventurando-se depois na reparação automóvel. Passou, entretanto, a ter uma bomba de gasolina da Shell. Uma novidade, já que ainda havia poucos carros. Havia poucos automóveis particulares, um ou outro carro de aluguer, uma meia dúzia de camionetas de transporte de mercadorias... Ainda sou do tempo em que só havia uma camioneta de passageiros por dia com destino à capital... E a estrada ainda era macadmizada.

Os negócios do senhor Anselmo foram crescendo no pós-guerra, em condições de mercado mais favoráveis, e sobretudo ao longo da década de 1950, com a tímida abertura da economia, ao ponto de se ter tornado, à escala regional, um médio industrial. Era dos poucos que tinha carro e, mais importante, era o único que já tinha ido a Roma ver o Papa e visitado os lugares santos em Jerusalém. Viajava com alguma frequência para a Europa do Norte, com destaque para a Holanda (hoje Países Baixos) e também para a Itália (onde tinha a representação de uma conhecida marca de motocultivadores e tratores).

Quando se soube, por um dos diários da capital, o "Novidades" (jornal oficioso da  hierarquia da Igreja Católica portuguesa), que tinha sido recebido pelo Papa Pio XII, integrando um grupo de peregrinos católicos,  portugueses e brasileiros, o seu estatuto social na terra subiu mais uns dois ou três pontos. Passou a ter lugar na primeira fila na igreja, ao lado dos notáveis locais que tinham contribuído  com um "conto de réis ou mais" para o restauro da igreja matriz. (Eram "poucos mas bons", e sobretudo "almas piedosas", esses beneméritos, como dizia publicamente o pároco, a quem os dos "reviralho" chamavam, entre dentes, o "sabujo dos ricos".)

Nunca foi, ao que se saiba, um católico praticante. O Anselmo ia à missa ao domingo, mais para "ver e ser visto" e, naturalmente,  acompanhar a esposa. O Jorge achava que ele era do "reviralho"...

− Mas finório como ele sempre foi,  nunca falou de política comigo. Nem nunca o ouviu falar de política com os filhos.

Também é verdade, sempre declinou o insistente convite para integrar a União Nacional (o partido do Estado Novo), alegando  a sua origem social modesta: era filho de operário, vinha de um sítio mal afamado (a Marinha Grande), tinha a 4.ª classe, embora fosse um autodidata e poliglota. Ironicamente, insinuava que não podia competir com os doutores, médicos, advogados e magistrados da comarca.

Recusou igualmente um linsonjeiro convite para integrar o executivo camarário, mas aí tinha um argumento de peso, os seus múltiplos afazeres como empresário de quem já dependiam algumas dezenas de famílias da terra. Em boa verdade, a razão não era essa: ele movimentava mais dinheiro que a câmara toda, dependente das "esmolas" do senhor governador civil do distrito para poder construir um simples lavadouro público ou abrir um estradão ...

Com uma grande superioridade moral, e elevação de espírito, deixou bem claro, à tacanha elite local, que não precisava da política para subir na vida... Acabou,  no entanto, por se aproximar de alguns círculos da elite financeira e política do Estado Novo, quando encabeçou um grupo representativo das "forças vivas" locais que se "mexeram para trazer para a terra a primeira agência bancária".

Todavia, sabia-se pouco da sua história de vida passada. Sabia-se, isso sim, que tinha vindo "de fora"... Insinuavam alguns dos seus poucos inimigos que tinha vindo "foragido" da Marinha Grande logo a seguir à revolta de 1934.

− O 18 de Janeiro de 1934 ?... − indaguei eu.

 Sim, mas ele não gostava de falar desses tempos, pelo menos quando eu frequentava a  casa da família, depois de casado. O pai era operário vidreiro, desde miúdo, e terá morrido misteriosamente uns meses depois da revolta de 1934. Havia versões contraditórias, para uns o pai tinha morrido, de infeção, depois de baleado, num perna, pela tropa de Leiria; para outros, teria morrido, muito simplesmente de silicose, o que sempre me pareceu mais verosímil ... 

A mãe, a avó paterna do Ulisses, era operária na Tomé Feteira. Era natural de  Vieira de Leiria. Terá morrido ainda mais cedo, de tuberculose. Lá em casa do Anselmo, só havia uma velha foto da família, dos anos de 1910, com os pais e os irmãos, pequenos. Também nunca houve grande curiosidade em saber mais da vida desses obscuros (e, de algum modo, incómodos) antepassados.

Das poucas vezes que o Anselmo, a mulher e os filhos foram a Veira de Leiria, em passeio, aproveitando para visitar uns primos, deu para perceber melhor a sua origem: esses parentes viviam, como os pescadores, em "palheiros", casas de madeira, sob estacaria, construídas na duna e que na época balnear alugavam aos forasteiros.

− Apesar da distància, naquela época, o meu ex-sogro gostava de ir à Praia da Vieira, só para assistir à  arte xávega e passar lá  uns dias na terra da sua mãe... Chegou a alugar um "palheiro" nos anos cinquenta... Mas a muher e os filhos detestavam... preferindo São Pedro de Moel, que já era chique nesse tempo, atraindo as famílias burguesas da região...

Estamos, entretanto, a falar de uma época em que  o industrial era menos considerado socialmente do que o comerciante. O proprietário agrícola, de média ou grande dimensão, esse, sim, tinha mais estatuto. E o Estado Novo estava bem representado por algumas famílias tradicionais agrárias. Umas eram de tradição republicana, e outras não escondiam a seu amor à bandeira azul e branca da monarquia.

Com o 28 de Maio de 1926, e sobretudo com o salazarismo, clarificaram-se  as águas… Os agrários da região, absentistas nalguns casos, deram-se bem com o Deus, Pátria e Família, monárquicos e republicanos reconciliaram-se, sentindo-se representados, mal ou bem, na União Nacional... 

A "praça da jorna" continuou a funcionar ao longo dos anos, fornecendo mão de obra dócil e abundante, os "cavadores de enxada", às principais casas agrícolas. Até que veio, como uma enxurrada, o êxodo rural, a emigração para as cidades e para França, além da guerra colonial... e depois o 25 de Abril.

Mas, também, ao fim de três ou quatro gerações, o património fundiário (e nomeadamemnte as quintas) destas famílias já andava pelas ruas da amargura: nuns casos, hipotecado aos bancos, noutros expropriado por interesse público ou  vendido ao desbarato para a especulação imobiliária, ou, noutros casos ainda, mal entregue a caseiros ou a feitores... Poucos se modernizaram, inviabilizando as explorações agrícolas. Os netos ou os bisnetos já tiveram que mendigar um emprego "à mesa do Estado".

Foi, além disso, o Anselmo, um homem de visão, como então se dizia… Pôs os quatro filhos a estudar. As raparigas tinham o quinto ano, o rapaz foi mais longe, chegando a embaixador na então CEE . Comunidade Económica Europeia. Uma das raparigas foi professora primária, outra assistentes social. A mais velha, a ex-mulher do Jorge, ficou a trabalhar com o pai, no escritório das empresas.

O Anselmo nunca foi íntimo das famílias mais tradicionais da terra, mas acabou por ser um dos homens mais endinheirados da região. Investiu no bom tempo também no imobiliário, fez um bairro de casas "à Raul Lino", com o nome da esposa. E acabou por vender as moradias a seguir ao 25 de Abril, antes que fossem ocupadas. 

Não se adaptou bem aos novos tempos, mas também não se colou aos partidos que, entretanto, nasceram com a liberdade. Os negócios tiveram altos e baixos, com a descolonização, depois a crise económica e financeira dos anos 70 e 80. A integração na CEE já chegou tarde para ele. A fábrica teve de ser intervencionada. Antes da declaração de falência, e muito  por desgosto com a vida, e com o rumo que tomou o país, para além de problemas de saúde (era diabético), morreu nos princípios dos anos 90, com oitenta e tal anos. Tinha nascido com a República.

 O Ulisses ainda foi meu colega de escola… Mas não propriamente meu amigo, Separavam-nos três anos e os seus "tiques de classe", quero eu dizer os seus trejeitos de menino rico… Ele já na 4.ª classe e sempre na primeira fila.  Na altura juntavam-se os putos das várias classes. Ele tirou o 2.º ano (hoje o 6.º ano) no colégio da terra, que eu nunca pude frequentar. Depois o pai mandou-o para Lisboa para seguir o liceu. Ficou na casa de uma tia materna, cujo marido trabalhava nas finanças. Tinha explicações particulares de francês e de inglês. E fez a sua primeira viagem ao estrangeiro por ocasião da  Expo 58, em Bruxelas. Ganhou o gosto pelas viagens e pelas línguas estrangeiras. 

− É capaz vir desse tempo o sonho de enveredar pela carreira diplomática − interrompeu o Jorge. Estou a vê-lo, no regresso da Expo 58... Imagina, um luxo que não era para todos, ir de Lisboa a Bruxelas, de comboio… Um puto com 14 anos!... Eu já namorava com a irmã mais velha… Ofereceu-me um cartaz a cores com o ícone da Expo 58, o Atomium, se bem recordo.

Uns anos depois, estava a frequentar, na faculdade de letras de Lisboa, o curso de germânicas... Ainda apanhou a crise académica de 1962 mas o pai tratou de o ir buscar rapidamente, antes que as coisas dessem para o torto (como deram). Entretanto foi à inspeção com a malta do ano dele, a de 1944. O pai estava convencido que ele nunca seria apurado para o serviço militar. Tinha um problema no ouvido esquerdo devido a uma otite, mal curada, que apanhara em criança, na época balnear. Vinha munido de uma valente cunha e de um relatório médico, passado por um conceituado otorrino, professor da faculdade de medicina de  Coimbra. O pai fez questão de entregar pessoalmente o documento ao presidente da junta médica militar.

O melhor que o Ulisses conseguiu foi uma ida ao Hospital Militar Principal, na Estrela, para uma consulta da especialidade. A gravidade do diagnóstico não foi confirmada. E o Ulisses viu-se apurado para todo o serviço militar, para grande desgosto dos pais.

Podia ter acabado o curso de germânicas, antes de ser chamado para a tropa,  mas, logo em 1964 numa viagem à Alemanha, numa "summer school" organizada pelo Instituto Goethe, ele arranjou maneira de ficar por lá, tendo-se fixado na Holanda, onde o pai tinha contactos. 

−  Tudo combinado com o pai, que mexeu todos os pauzinhos para o pôr a bom recato.   adiantou o Jorge.   Não foi uma decisão fácil para o meu ex-sogro: o Ulisses era o único rapaz da família, e era esperado que fosse o seu sucessor à frente dos negócios. 

− Mas a vida trocou-lhe as voltas − acrescentei eu.

De facto, aqui contava muito a opinião da mãe que, segundo uma cena melodramática que terá feito lá em casa, "preferia ir ver o seu filho a Amsterdão, terra de herejes, do que ir ao cemitério depositar-lhe uma coroa de flores". A mãe era uma senhora conservadora,   beata e amiga dos pobres. E não autorizava que se falasse de política  à hora das refeições.  De resto, não era hábito falar-se política naquela época, muito menos nas casas das pessoas decentes.

A senhora tinha ficado muito impressionada com a morte do Licas, o filho mais velho da empregada doméstica (na altura, dizia-se "criada"), que morrera em Angola, em 1962. Fora o primeiro soldado da terra a morrer na "guerra do ultramar". E o caixão nunca veio, "nem cheio de pedras". A família era pobre de mais para pagar a urna de chumbo e o transporte marítimo...

A verdade seja dita: o Ulisses não desperdiçou as novas oportunidades que lhe surgiram pela frente... Formou-se em direito europeu na Holanda, trabalhou no Parlamento Europeu e, talvez ainda mais importante, casou com uma holandesa, filha de um importante dirigente político, de um partido na área da social-democracia, filiado na Internacional Socialista. Abriram-se-lhe depois as portas da diplomacia europeia.

− Foi o Euromilhões do Ulisses, diríamos hoje! − comentou o seu ex-cunhado. − Hoje tem uma reforma dourada, um vasto capital de relações sociais, é livre de fazer os seus negócios na área do imobiliário, vive entre  o Algarve  e a Holanda, a terra dos seus filhos e netos... Não nos falamos, desde que eu me divorciei da sua irmã. Nem nunca mais apareceu por cá.

− De qualquer modo, ele  é mais holandês do que português!  − arrematei eu. − Que é como quem diz, tem o melhor de dois mundos.  Mas temos de reconhecer que teve um bom pai.

© Luís Graça (2023)




Título das páginas centrais (4 e 5) do "Diário de Lisboa", de 18 de janeiro de 1934.  São escassas as referências ao que se passou na Marinha Grande e noutros pontos do país, de Almada a Silves, de Lisboa a  Coimbra... E nos dias seguintes a censura foi implacável: não há mais referências a estes acontecimentos, de resto ainda hoje mal conhecidos dos portugueses... Sobre o 18 de janeiro de 1934, ler por exemplo o artigo de Fátima Patriarca, publicado na "Análise Social", em 1993.

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Nota do editor:

17 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Luís

Não será propriamente um "herói".
Será mais uma pessoa que aproveitou as oportunidades que a vida lhe proporcionou.
Com mais ou menos "esperteza", com mais ou menos "golpe de baú", também é verdade é que não se deixou acomodar, já que foi tirando os cursos que depois lhe facilitaram o abrir de outras portas.
Acaba por ser uma figura que pode "encaixar" em alguns tipos de pessoas que vamos conhecendo, por aqui e por acolá. Nas nossa proximidades e na vida pública.
E também não deixa de ser interessante conhecer estes "percursos de vida".

Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O titulo da série "A galeria dos meus heróis" é irónico... A palavra "herói" há muito que é ambigua... O "Torre e Espada" Zé do Telhado foi desterrado para Angola onde o seu túmulo continua ser venerado... Quem é herói hoje ?. ..


Hélder Valério disse...

Sim Luís, calculei que houvesse por aí alguma ironia.
Aliás, e como escreves, à semelhança da frase icónica de um filme dos tempos áureos do cinema português "seu palerma, chapéus há muitos!" também se pode agora dizer, com a profusão de heroísmos vários (desportistas, combatentes, etc.) que "heróis há muitos!".
Recordo até que cheguei a interrogar-me sobre essa classificação num "post", já com alguns anos, a propósito do falecimento em gesto heroico e altruísta (para mim, esse sim, verdadeiramente heroico) do amigo do Manuel Augusto Reis colocando em confronto essa classificação de "herói" com a dos são "muito bons a matar".

Hélder Sousa

Antº Rosinha disse...

Houve muitos "exilados políticos" que sem o serem, aproveitaram a boa vontade dos países acolhedores.

Esse jovens, em geral estudantes, oriundos de familias gradas, inteligentemente, tal como os antigos estudantes do império, viram o "furo".

Um posinho de anticolonialismo, outro posinho de antisalazarismo, algum dom para línguas, e dava direito a uma bolsa de estudos,com mais algum subsídio, até direito a um canudo "inteiramente" merecido.

Aqueles que foram trabalhar para a França naquela época, vão e vêm, pra cá e pra lá no gozo de merecidas férias (integrais).

Alguns, devido à idade, vêm com os pés para a frente, quando os filhos ainda sentem algum portuguesismo.

Eduardo Estrela disse...

Olá Hélder Valério!
Na passada quarta feira tive o privilégio de beber duas imperiais com o nosso comum amigo Carlos Lã, no Fórum Algarve em Faro. Falámos de ti e mostrei-lhe as fotos que publicaste no blog e onde ele aparece.
Grande abraço
Eduardo Estrela

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Hélder, eu preferia que a série se chamasse "Contos com mural ao fundo"... E podíamos jogar com as palavras homofónas mural/moral... Mas os meus contos, as minhas histórias, não têm que ter "moral nenhuma"...Não são contos (i)morais... Cabe ao leitor escrever, "no mural ao fundo", a sua conclusão, o seu comentário, o seu grafito...

Um obrigado pelos teus comentários: nada somo o "feedback",a avalião crítica, dos nossos leitores... E hoje em dia, no meio do ruído infernal, da cacofonia, das redes sociais, ter um leitor já é um privilégio...

Temo que os leitores venham a desaparecer em breve... Fui acumulando livros para ler quando chegasse á idade da reforma: hoje olho para as estantes dos livros e sinto que jã não tenho vontade nem ânimo nem prazer em os ler... Mas também fico chocado quando os meus filhos me mando vendé-los, para os "recircular", no OLX ou na Feira da Ladran... Ou entyão dã-los, muito simplesmente, à biblioteca municipal da terrea...

Um abraço, mano!...

Anónimo disse...


São retratos do tempo do nosso viver ou antes um filme interessante menos corrosivo dos que Eça de Queiroz, escreveu há mais de cem anos. Luís e Hélder desculpai intrometer-me no vosso diálogo que me despertou o espírito. Grande abraço.

Francisco Baptista

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A propósito da história desta relação pai-filho, atrevo-me a dizer que nos faltou, em geral, à nossa geração, exemplos de tenacidade, determinação, vontade de vencer, luta contra o preconceito, capacidade de superar a desgraça familiar, e de rcomeçar de novo... Sobretudo a garra, a motivação para a liderança, a autonomia, a independèmncia, o poder, a autorrealização... Claro, muitos de nós conseguimos saltar as barreiras de classe e apanhar o chamado "elevador social", subindo subcave ou da cave para os 1ºs e 2ºs e até 3ºs andares...

Nesse aspeto o Ulisses foi um sortudo, mas também não se quis encostar à sombra da bananeira... como os "morgadinhos" lá da terra que não precisavem de estudar porque já tinham tudo ao nascer, terras, casas, cavalos e serviçais...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Francisco, bem pelo contrário, não incomodas nada... Tens muito a dizer sobre este tema da "mobiliddae social" e da importància de se ter um pai, uma máe, ou ambos, que nos dão exemplos, valores e afetos... Sempre admirei, por exemplo, os filhos dos professores primários, no tempo do Estado Novo, que mal ou bem tinham que ser os primeiros da turma... Ser líder é justamente isso, ir à frente mostrando o caminho... Faltou-nos, a muitos de nós, na terra idade, os bons exemplos de liderança...

Anónimo disse...

Caro Luís Graça,
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Nao sejas ou penses assim que estás muito errado:
Acredito que leitores não faltam , embora nem todos tenham a bagagem intelectual para fazer comentários , manter uma conversa e trocar idéias como sucede neste post... Acredita que, com pesar, me situo neste grupo . Mas quando tenho tempo leio ( e gosto de ser os comentários ); mas fico-me po aí.

<< vendé-los, para os "recircular">>
...aqui ( Nova Iorque) por vezes aparecem livros, (por vezes montes de livros!) nas ruas especialmente nas vésperas dos dias em que passa o carro do lixo. Se alguém quiser apanhar algum, o livro terá mais uns tempos de vida. Mas na maioria dos casos vão directamente para o carro de reciclagem que passa uma vez por semana.

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mas isso já é uma saída muito honrada... : a maior parte das vezes ninguém aceita "livros usados"...
Há anos, porque tinha uma coleção parcial mas sem interrupção da Revista "National Geographic Magazine" que eu pensei seria bem recebida ( edições do espaço de 30 anos, de 1980 a 2010) fui oferecê-la e mandaram-me dar uma curva... tive mesmo de procurar um receptor de papéis para me desfazer dela. O mesmo tinha sucedido anos antes com uma coleção /edição completa da Enciclopédia Britânica...
Por isso eu teimo em dizer que "odeio tudo que é digital"... quanto mais não seja , porque apenas consigo andar a passo , para me desculpar da minha incapacidade de correr quem vai de maratona...
João Crisóstomo, Nova Iorque

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, João. E bom ter-te por cá, afinal estamos à distância de um clique... Mas precisamos sempre de um abraço ou de uma voz para matarmos as saudades... que vamos acumulando.

Dás-me uma dica, um dia vou pegar nesse tema dos livros que são parte de nós ou da nossa casa, e de que um dia teremos de nós desfazer... Como tudo o mais que vamos acumulando. Afinal, somos lixo e vivemos na economia do lixo...

Um bom "Dia da Consciência" em todo o mundo! Sei que estás a trabalhar para isso. Obrigado pelas tuas boas notícias..Ab, LG.



José Teixeira disse...

Luís.
Já que não te sentes com coragem para ler os livros que adquiriste, porque a vontade de ler está a esmorecer com a idade, pelo menos, continua a escrever histórias como esta, porque os vindouros precisam de te ler.
São histórias com sumo, bem realistas e sobretudo com alma.

Grande abraço do
Zé Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, obrigado pelo incentivo. Que é recíproco: tu também és um bom contador de histórias... As "Estórias do Zé Teixeira" já vão em sessenta, o que é obra!...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Est%C3%B3rias%20do%20Z%C3%A9%20Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A escrita também exige muita disciplina e teimosia... Ando com esta história do Ulisses há mês e meio...Começa sempre no meu bloco de notas, com um pou dois parãgrafos de "arranque"... Gosto de escerever à mão...

Depois de várias versões, vistas, rasuradas, reescritas, revistas, é que passo para o portátil... É também uma boa terapia, para além da edição do blogue que partilho todos os dias com o Carlos Vinhal e, uma vez por outra, com o nosso Eduardo MR... (O Jorge Araújo anda também mais ocupado, mas faz-nos falta, como nos fdazem faltam os nosos leitores e os seuc comentários.)

Entrretahnto, com fisioterapia diária, matinal, e ginásio, com PT, duas vezes pro semana, fico mais estafado... Às vezes o corpinho pede sesta...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Porra, também tive um "bom pai"... Não tinha era o "cacau" e os conhecimentos do pai do Ulisses...

António José Silva Nabais Pinheiro disse...

Esta história faz-me lembrar do Manzoni(não sei se escreve assim) mas o companheiro Manzoni filho de agricultor abastado do Alentejo, também "fugiu" para França só que neste caso o pai não "teve com meias medidas" vai de contactar a Interpol e procurar o rapaz e recambiá-lo para cá .Estivemos na recruta em Caldas da Rainha e nunca mais soube dele nem do Alberto Matos que foi atleta dos 400 metros de barreiras no sporting. Aqui fica este pequeno apontamento por ter acabado de ler a bela história acima descrita!

Eduardo Estrela disse...

Uma bela história, na linha das que o Luís Graça nos brinda de vez em quando, enriquecendo o blog e retratando uma época que na maioria das coisas descritas, é actual
Abraço fraterno e continuação das tuas melhoras, de modo a ganhares alento para a leitura dos livros que foste adquirindo.
Eduardo Estrela