quarta-feira, 7 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24375: Historiografia da presença portuguesa em África (371): As campanhas de pacificação na Guiné no livro "História do Exército Português", pelo General Ferreira Martins; Editorial Inquérito, 1945 (Mário Beja Santos)

Com a devida vénia a Cabral Moncada Leilões. Foto editada


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Não se pode dizer que a narrativa do general Ferreira Martins traga algo de novo àquilo que se tem vindo aqui ilustrar sobre as campanhas de pacificação, chamemos a este texto um exercício de divulgação. Há aqui algumas falhas de peso, não se fala na bravura de Graça Falcão no Oio, pelo que de novo se recomenda a quem queira estudar este período o importante levantamento documental efetuado por Armando Tavares da Silva que tem o título "A presença portuguesa na Guiné: história política e militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016.

Um abraço do
Mário



As campanhas de pacificação na Guiné no livro História do Exército Português, pelo General Ferreira Martins

Mário Beja Santos

Trata-se de uma obra de divulgação que fez a sua época, publicada em 1945 pela Editorial Inquérito. Veremos adiante que há de facto uma poderosa intervenção do Exército no caso vertente da Guiné, mas antes do Capitão Teixeira Pinto destacaram-se briosos oficiais da Marinha. Para quem se interessa pela matéria, a partir da página 470 deste tomo ir-se-á falar da pacificação da colónia da Guiné. Vamos ao que escreve o general Ferreira Martins.

Logo no começo do século XX, sendo governador o Primeiro-Tenente da Marinha Júdice Biker, houve que reprimir revoltas em Jafunco (1901) e no Oio (1902) utilizando as poucas tropas disponíveis, mas contando com a cooperação de canhoneiras e a intervenção de auxiliares indígenas. Houve sublevação do gentio do Churo (Cacheu), reprimida pelo novo governador, Soveral Martins, também oficial da Marinha, em 1904. O autor enfatiza que estas operações não foram completadas por uma ocupação efetiva e cita o marechal Bugeaud: “Em África uma expedição não seguida de ocupação não deixa mais vestígios do que o sulco de um navio no oceano”. Governava a Guiné em 1907 o Primeiro-Tenente Oliveira Muzanty, outro oficial da Marinha, a quem se deve a ocupação da ilha Formosa (Bijagós), quando se deu a sublevação de régulo do Cuor, Infali Soncó. Embora à espera de uma expedição metropolitana, Muzanty lançou-se numa coluna de operações sobre a região revoltada do Cuor. Infali aliciara os régulos de Badora e do Xime. Muzanty foi temporariamente bem-sucedido, assaltou com sucesso a tabanca de Campampe, que estava solidamente fortificada. Por curto tempo, a margem esquerda do Geba, entre Xime e Bafatá, ficou pacificada.

No princípio de 1908, um outro destacamento constituído por praças da Marinha e outros militares europeus foi encarregado de, sob o comando do Capitão Ilídio Nazaré, efetuar a reparação das linhas telegráficas danificadas por rebeldes no Quinara, efetuou-se a reparação e castigaram-se os rebeldes. Em março, o Capitão Botelho Moniz bateu os Felupes de Varela, que se negavam ao pagamento do imposto. E a 19 desse mesmo mês chegou a tão desejada expedição metropolitana que trazia uma companhia de Infantaria 13, alguma artilharia deficiente e uma força de engenharia. Muzanty viu-se obrigado a reforçar o grupo expedicionário com uma companhia da Marinha e uma companhia mista de Infantaria (deportados europeus e atiradores indígenas). Irão bater a margem direita do Geba. O primeiro combate deu-se em Canturé, em 6 de abril, os Biafadas bateram-se bravamente, a povoação foi incendiada, a expedição seguiu para Sambel Nhantá, esta era a sede do regulado, régulo e sua comitiva fugiram, a coluna avançou para Madina que após hora e meia de combate foi tomada incendiada. Em 1 de abril, hasteava-se a bandeira portuguesa no Cuor, neste regulado, em Caranquecunda ficou uma companhia de Infantaria macua, dispondo de armamento velho.

Muzanty foi depois defrontar-se com os papéis que em 1894 o Governador Vasconcelos e Sá não conseguiu dominar. Depois de bombardeadas pela artilharia da fortaleza de Bissau, as povoações de Intim, Bandim e Antula, marchou uma desfalcada coluna sobre Intim, onde foi violentamente atacada mas a povoação foi ocupada e destruída. Prosseguiu a operação para Contume, celeiro natural da ilha, deu-se aqui um violento combate que custou a vida ao alferes Jaime Duque. Os Papéis não desarmaram e atacaram a coluna, a resposta foi enérgica, dentro de um quadrado que Papéis e Balantas não conseguiam desarticular, e os rebeldes acabaram por fugir. Com este violente combate de Intim terminou na Guiné a campanha de 1908.

O autor fala agora das operações de 1909, cita um livro do antigo governador Carvalho Viegas, donde extrai a seguinte observação: “Foi o Balanta, talvez o indígena que maior resistência opôs à expansão do propósito colonizador, enfrentado com decisão e valentia as colunas enviadas a recontros em que as armas de fogo não puderam contê-lo à distância.”

Foi este o inimigo com que se defrontaram os portugueses em 1909 quando na região de Gole (Porto Gole) gente sublevada atacou na manhã de 21 de fevereiro o posto militar, a guarnição conseguiu repelir o atacante. Havendo indícios de que em breve voltariam os Balantas a atacar o fortim com mais numerosos elementos, mandou o governador Muzanty reforçar a guarnição com tropas de infantaria e artilharia. E pela primeira vez é referida a presença de Abdul Indjai, ele é o régulo do Cuor. Sucediam-se os ataques dos sublevados, sem êxitos.

Estamos agora em 1912, não se pode ainda falar na ocupação definitiva da Guiné, as rebeliões sucedem-se. Em 1912, o Governador Carlos Pereira, também ele oficial de Marinha, organizou uma coluna de operações para castigar revoltosos, dirigiram-se primeiramente a Binar, foram depois a Cacheu, foram sucessivamente punindo rebeldes. É neste contexto que aparece na Guiné o Capitão João Teixeira Pinto. Começa por castigar rebeldes do Oio, leva consigo Abdul Indjai, conta com a colaboração de duas lanchas e de um grupo armado pela administração de Geba. Em 1913, Teixeira Pinto, quase só com irregulares de Abdul Indjai e de outro oficial de segunda linha, Mamadu Sissé, foi a Cacheu e bateu o gentio de Churo. As sublevações acalmaram mas não desapareceram. Em fevereiro de 1914, os balantas de Braia trucidaram o Alferes Manuel Pedro e o seu pelotão de cavalaria, houve chacina, coube ao Capitão Teixeira Pinto vingar os desditosos camaradas trucidados. Coube a Teixeira Pinto responder, obteve a pacificação de toda a região Balanta entre Mansoa e Geba.

Graças ao seu crescente prestígio, o governo aproveitou para em 1915 submeter definitivamente os Papéis e Grumetes de Bissau, a sua rebeldia era permanente. Teixeira Pinto pôs-se à frente de uma numerosa coluna, contava com os irregulares de Abdul Indjai, travou com os rebeldes renhidos combates de Intim e Bandim, cujas posições foram tomadas depois de um bombardeamento. Teixeira Pinto atacou ainda outras povoações, lutando sempre com a inaudita resistência dos rebeldes. Teixeira Pinto é preferido em Safim, recolhe-se a Bissau, mas a coluna, sob o comando do Tenente Sousa Guerra, continua o avanço e tomou de assalto outras posições. Depois de dois meses de operações em que as forças de Teixeira Pinto tinham sofrido 47 mortos e 202 feridos, tomaram-se de assalto outras posições rebeldes e a ilha de Bissau foi considerada como submetida. O autor fala da ilha de Canhabaque, houve operações em 1917, comandadas pelo Major Ivo Ferreira (Governador da Guiné entre 1917 e 1919), tais operações demoraram oito meses, mas os atos de rebeldia continuaram. Em 1925, o novo Governador, Vellez Caroço, viu-se forçado a realizar novas operações na ilha, apreendeu armas e munições, parecia que o castigo tinha sido duro, pura ilusão, as operações foram retomadas em 1935-1936, são consideradas como o termo das operações de pacificação, daí o monumento em Canhabaque, evocativo que era tido como o fim das rebeliões. O General Ferreira Martins concluiu assim as suas referências às campanhas de pacificação.


General Luís Augusto Ferreira Martins (1875-1967)
Joaquim Pedro Vieira Júdice Biker (1867-1926)
Alfredo Cardoso de Soveral Martins (1869-1938)
Imagem da guerra do Cuor, fotografia de José Henriques de Mello, 1908
No Xime, no decurso da guerra do Cuor, fotografia de José Henriques de Mello, 1908
Estátua do Capitão João de Teixeira Pinto
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque, imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24357: Historiografia da presença portuguesa em África (370): Da CUF à Casa Gouveia, da Casa Gouveia à CUF: Uma viagem interminável (3) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Esta da pacificação a que fomos obrigados para manter os régulos "obedientes" dentro daquelas fronteiras que nos foram impostas (nós até queríamos fronteiras mais largas), foi uma trabalheira dum raio.

Essa pacificação feita por ingleses e franceses para os seus enormes impérios deram alguns filmes bastante interessantes.

Principalmente os filmes da legião estrangeira francesa, que foi criada para o efeito, e ainda existe, eram lotações esgotadas nos anos 50.

Fernando Ribeiro disse...

Caro Rosinha,

O único filme português de que me lembro sobre a "pacificação" dos africanos (mesmo que não estivessem em guerra, eram "pacificados"... pela guerra) é o "Chaimite" e está no Youtube para quem o quiser ver.

https://www.youtube.com/watch?v=ZJ2EbVp_NGc