Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 21 de julho de 2017
Guiné 61/74 - P17610: Notas de leitura (979): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (7) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Julho de 2017:
Queridos amigos,
Não hesito em propor a todo e qualquer interessado no estudo da Guiné Portuguesa a consultar este levantamento documental tão laborioso, como o fez Armando Tavares da Silva, foi pena que o seu levantamento documental rarissimamente faça interpretações e quando as faz não aparecem cabalmente documentadas. Dá como certa uma permanente tensão entre a administração e os comerciantes, é verdade que se registaram tensões ligadas por vezes a interesses menos nobres, mas nunca foram uma constante, os atores mudavam de campo com relativa facilidade. E o autor despede-se deixando no ar a existência de analogias entre o movimento de libertação e o que se passara em três períodos distintos, entre 1891 e 1915, na esfera de Bissau. Nada de mais equívoco fazer suposições sem demonstrações de conteúdo.
E gaba-se a edição de Caminhos Romanos, é um livro para ficar, belas imagens e muito bons mapas.
Um abraço do
Mário
A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926,
Por Armando Tavares da Silva (7)
Beja Santos
“a Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar 1878-1926”, por Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016, é um contributo documental inescapável doravante para quem se dedicar à historiografia desta região. Nenhum outro investigador, até ao presente, carreara, em sequência cronológica, tanta documentação que viesse dar mais visibilidade aos atos políticos da governação e aos empreendimentos militares a partir do momento em que se criou a província da Guiné. Fica à disposição de todos, sem sombra de dúvida, uma narrativa de decisões políticas, sublevações, operações, avanços e recuos, e sobretudo o histórico da crescente presença portuguesa, partindo de praças e presídios para a criação de povoações, postos militares, gradual desobstrução às práticas comerciais; e também em narrativa de conjuras, confrontos tremendos, apeamento de heróis, clarificação de alianças entre colonizador e colonizado.
Estamos agora em 1919, Souza Guerra é um governador que assiste a um ato insólito, a greve dos funcionários públicos, coisa nunca vista na província. Armando Tavares da Silva insiste na luta entre duas fações: a fação ligada à generalidade do funcionalismo público, maioritariamente cabo-verdiano, e a fação dos comerciantes de Bissau. Não é por indícios espúrios que se pode constituir uma teoria, quanto muito, e mesmo na posse de informações irrefutáveis num dado período, não se pode generalizar a toda a história da Guiné este confronto. No momento exato em que concluo a apreciação desta louvável investigação histórica, estou a passar a pente fino os relatórios da gerência da filial em Bolama do BNU, neste período. Lêem-se nestes documentos coisas surpreendentes e uma delas passa pela crítica acerba de que uma boa parte dos funcionários desapareciam metade do ano de Bolama para virem até ao continente fazer negócios e tratar das propriedades, e depois voltavam à capital para cuidar dos impostos, mormente do imposto de palhota. Terá base de sustentação falar num confronto estruturado entre funcionários e comerciantes? Duvido, até prova em contrário. É facto que aparecem figuras de prática maquiavélica, caso de Sebastião Barbosa, um secretário-geral reizinho, pronto a minar uma governação conducente ao desenvolvimento e à harmonia entre etnias, funcionalismo e interesses comerciais.
E assim chegamos à governação de Vellez Caroço, um dos nomes mais prestigiantes para a consolidação da presença portuguesa nesse período que antecede outros governadores que irão preparar o terreno para o trabalho exemplar de Sarmento Rodrigues. Ele chega à Guiné em 1921, põe em funcionamento os órgãos legislativos e executivos da colónia, vai quebrando a influência de Sebastião Barbosa. Começa a pôr a casa em ordem, exige a correção e porte aos funcionários, dirige-se aos administradores de circunscrição, pede-lhes equilíbrio nos seus atos políticos: “Acabem as dissensões, dominemos as más disposições próprias deste clima depauperante e unidos trabalhemos todos para o engrandecimento da província”. É criada a circunscrição de Cacine, é uma forma de fazer sair da obscuridade uma zona do sul sujeita a muita pressão externa. É um tempo em que se misturam a dignidade do cargo político com atos de comércio, mesmo que praticados posteriormente.
É o caso do ex-governador Carlos Pereira que requerera a concessão por aforamento de 25 mil hectares de terreno na circunscrição civil da Costa de Baixo, era notória uma escandalosa concessão. Vellez Caroço dá a conhecer ao ministro que Carlos Pereira, como governador da província, informara sobre o requerimento de outros pretendentes que esta concessão não podia ser dada, por os terrenos estarem todos ocupados pelos indígenas… Era assim que se agia na maior das impunidades.
Vellez Caroço não hesita em mandar fazer sindicâncias a alguns administradores de circunscrição, e até mesmo a figuras de prestígio como o coronel de engenharia Guedes Quinhones, a quem se deve o traçado do que virá a ser a artéria principal da nova Bissau, que Sarmento Rodrigues embelezará. O governador procedeu em conformidade para moralizar a vida pública, procurou melhorar os serviços e deixou impressões dignas de atenção no seu primeiro relatório anual. Está focado no saneamento da província, vive um momento de paz e de ausência de revoltas, procura dar consciência aos seus superiores de que é necessário que a Guiné Portuguesa não seja encarada como uma colónia de Cabo Verde.
A situação financeira é o calcanhar de Aquiles da sua governação, haverá uma onda de protestos pelos comerciantes afetados. O governador volta a Lisboa mas é reconduzido no seu posto, regressa à província em Abril de 1924, há incidentes em Acra, ocorre uma nova operação a Canhabaque e a outras localidades. O governador procura pôr em execução uma política de desenvolvimento, interfere na Agricultura, na Saúde, na Educação, nas comunicações. Só que a crise fiduciária estende-se enquanto o governo central parece alheado ao problema. Formam-se falanges de apoio e de oposição à prática governativa de Vellez Caroço, os ataques são constantes, é preciso fazer frente à crescente influência da Casa Gouveia, encontrar uma solução para a questão dos cambiais e aliviar as dificuldades para as transferências. Vellez Caroço será exonerado e vai chegar à Guiné em Março de 1927 o Major Leite de Magalhães. Está aberto o caminho a um conjunto de governações dotadas de solidez e que funcionarão dentro dos parâmetros do Ato Colonial. Vive-se um período de paz, que o autor enfatiza, referindo a viagem do Secretário de Estado do Ultramar em 1947 e a visita do Presidente Craveiro Lopes em 1955.
E termina numa forma críptica, assim: “Uma paz que viria a durar uns escassos trinta anos! – Seria o ressuscitar do conflito de interesses e das velhas tensões que estiveram na base das questões de Bissau de 1891, 1894 e 1915!”.
Diga-se em abono da verdade que o final está totalmente desfasado da realidade dos factos. A paz que se quebra a partir de 1961 e que é um processo contínuo de 1963 a 1974, tem um contexto totalmente distinto de sublevações, conjuras e intrigas, as tais questões de Bissau prenderam-se a revoltas de certos grupos étnicos que só se mostrarão pacificados depois da campanha de Bissau liderada por Teixeira Pinto. Insinuar analogias é não ter o mínimo de compreensão histórica do que foi o processo descolonizador orientado por um movimento de libertação que tinha Amílcar Cabral à frente, que trazia um quadro ideológico preciso, uma organização eficaz, que foi crescendo e que se disseminou por uma boa parte do território, era dirigida por uma pequena burguesia, não havia tensões com os comerciantes como nos exemplos dados do autor.
Enfim, Armando Tavares da Silva levanta mais uma hipótese infundada, culmina o seu notável levantamento documental de uma forma tristemente desastrada.
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Nota do editor:
Vd. postes de:
30 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)
3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17536: Notas de leitura (974): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (2) (Mário Beja Santos)
7 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17554: Notas de leitura (975): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (3) (Mário Beja Santos)
10 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17563: Notas de leitura (976): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (4) (Mário Beja Santos)
14 de Julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17582: Notas de leitura (977): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (5) (Mário Beja Santos)
17 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17591: Notas de leitura (978): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (6) (Mário Beja Santos)
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