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terça-feira, 3 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16045: Historiografia da presença portuguesa em África (70): Vozes do império que não chegavam ao céu: António de Almeida, antropólogo e deputado à Assembelia Nacional: intervenção, antes da ordem do dia, por mor de Cabo Verde, em 24 de fevereiro de 1944




Folha de rosto do Diário das Sessões, nº 48, de 25 de fevereiro de 1944, 


1. António de Almeida (Penalva do Castelo, 1900 - Lisboa, 1984)

(i) professor, antropólogo e político português: foi, entre 1938 e 1957, deputado à Assembleia Nacional,pela União Nacional, o partido (único) do Estado Novo;

(ii) nasceu a 21 de agosto de 1900, em Sezures, em Penalva do Castelo, no distrito de Viseu;

(iii) formado em Medicina, exerceu medicina escolar e foi professor na Universidade de Lisboa e no Liceu Normal (Pedro Nunes);

(iv)  fez um pós-graduação na Escola de Medicina Tropical e na Escola Superior Colonial; doutorou-se em medicina pelo Instituto de Medicina Tropical (IMT);

(v) beneficiou, em 1934, de uma bolsa da Junta de Educação Nacional;

(vi)  dois anois depois, realizou trabalhos antropológicos em Angola e, a partir de 1935, foi lecionar Quimbundo e também Etnologia e Etnografia Colonial, na Escola Superior Colonial;

(vii) dirigiu o Centro de Estudos de Etnologia do Ultramar:

(viii)  participou em várias expedições antropológicas e etnológicas nas colónias portuguesas;

(ix) a partir de 1953 até 1954, chefiou a missão antropológica de Timor, acompanhado, entre outros, do antropólogo Mendes Correia e do poeta e investigador Ruy Cinatti;

(x) como antropólogo salientou, "com muita minúcia, nos seus estudos, a diversidade étnica dos povos, a vida cultural e social e a fisiologia e carácter dos indígenas";

(xi) "as suas publicações, escritas para um grande público ou para congressos internacionais, serviram para criar e fortalecer a imagem do trabalho científico dos portugueses nas colónias";

(xii) em 1970, foi jubilado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), onde lecionou as matérias de Etnologia do Ultramar Português e de Antropobiologia;

(xiii) enquanto professor, "preocupou-se com o ensino colonial, tanto no estrangeiro, como em Portugal, e expôs várias medidas que permitiriam reformar a instrução ultramarina";

(xiv) faleceu a 16 de novembro de 1984, em Lisboa.

Fonte. Adapt de António de Almeida. In Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consult. 2016-05-03 10:37:58]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/$antonio-de-almeida,4



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Baía do Mindelo > c. 1943/44 > A foto não tem referências a datas mas é visível tratar-se do [navio] Colonial [, ainda a navegar no final dos anos 40]. Foto do álbum do Hélder Sousa (*)

Foto: © Hélder Sousa (2009). Todos os direitos reservados.

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III legislatura (1942-1945) > 2ª sessão legislativa (1943-44)

Castilho, J. M. Tavares – Almeida, António de. In: Os deputados à Assembleia Nacional: biografia e carreira parlamentar. [Em linha] Lisboa: Assembleia da República. [Consult em 2 de maio de 2016],. Disponível em http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/a/almeida_antonio_de.pdf

Excerto de intervenão, antes da ordem do dia, em 24 de fevereiro de 1944, do depuitado António de Almeida,  referindo-se ao decreto-lei nº 33.508 que autorizava o governo a enviar a Cabo Verde uma missão técnica  "com o propósito de estudar e resolver os problemas relativos à construção e melhoramento das estradas, ao aproveitamento de recursos hidráulicos e ao revestimento florestal". Diário da Sessões, nº 48, pp. 65-66. Reproduzido com a devida vénia. Revisão e fixação de texto., (ª*) LG.


65 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: durante a interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional o Governo publicou, pelo Ministério das Colónias, um importantíssimo diploma, cuja futura e benéfica repercussão económica e social consideravelmente se há-de fazer sentir no Arquipélago de Cabo Verde, ao qual se destina tão oportuna disposição legislativa. Refiro-me ao decreto-lei n.° 33.508, que autoriza o Governo a organizar e a enviar às terras crioulas uma missão técnica com o propósito de estudar e resolver os problemas relativos à construção e melhoramento das estradas, ao aproveitamento de recursos hidráulicos e ao revestimento florestal.

Sr. Presidente: descobertas há cerca de quinhentos anos pelos nossos navegadores, as desabitadas ilhas de então cedo constituíram objeto da nossa intensiva ação colonizadora; porém, a partir do domínio castelhano inicia-se a via dolorosa da população caboverdeana - ainda hoje não terminada -, parecendo que os agentes adversos, humanos e meteorológicos, se têm conluiado para molestar esta valiosa parcela do nosso Império de além-mar.

66 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48

Assim, até ao final do século XVIII, as ilhas não mais deixaram de ser alvo de persistentes assaltos dos corsários estrangeiros; algumas erupções do fumegante vulcão do Fogo projetaram suas lavas devastadoras a grandes distâncias; uma pavorosa inundação arrastou para o mar um quarteirão completo da vila da Ribeira Grande, a capital de outrora; e, por seu lado, no século XIX, os governos da metrópole alhearam-se dos assuntos cabo-verdianos, em virtude de, primeiramente, andarem empenhados em expulsar os franceses e depois por serem possuídos pela preocupação obsessiva de implantar entre nós as recém-importadas ideias liberais.

Para cúmulo da desventura surgem, temporariamente, as horrorosas crises alimentares, que, persistindo até aos nossos dias, irão vitimar muitas dezenas de milhar de pessoas e de animais: três grandes períodos de fome no século passado e já outros tantos no atual - em 1903, em 1921 e o último há três anos apenas; e para ensombrar mais este quadro de infortúnio, em 1856, uma mortífera epidemia de cholera morbus dizima famílias inteiras, ficando desertas muitas aldeias da Ilha de S. Nicolau.

Sr. Presidente: a ação erosiva dos homens e dos animais - especialmente os milhares de cabras domésticas e selvagens que, na maior liberdade, vagueiam pelo Arquipélago - tem auxiliado enormemente a repetição das vagas de miséria, motivando profundas alterações meteorológicas, derivadas da destruição contínua e desorientada das espécies botânicas que cobriam as ilhas até à data do seu descobrimento; e haveremos apontado as principais origens das calamidades cabo-verdianas se acrescentarmos as violentas lestadas, que, acelerando a desarborização, comprometem a pluviosidade e, por conseguinte, condicionam a escassez de água, com prejuízo grave para o clima e para a vida e bem-estar da gente crioula.

Frequentemente, também, se tem imputado à imperfeita divisão da propriedade, ao primitivismo de processos agronómicos utilizados pelos naturais e à sua indolência uma cota parte das causas dos males que afetam o Arquipélago. Se, com efeito, o cabo-verdiano não sabe ainda tirar da terra tudo o que esta lhe pode oferecer, no entanto numerosas pessoas, no tempo das lavouras, mourejam nos campos ingratos e ressequidos, desenvolvendo esforços pertinazes e admiráveis; outras dedicam-se afanosamente às labutas da pesca marítima, laboram nos trapiches ou engenhos do açúcar, nas fábricas de conservas de peixe e de manipulação de tabaco e na indústria salineira, quando não se ocupam no transporte de pesados fardos, à cabeça e a pau e corda, por carreiros alcantilados, pedregosos e difíceis, tão característicos destas acidentadas ilhas.

E se seus habitantes não conseguem empregar-se na terra-mãe e arranjam possibilidades de emigrar, fazem-no de preferência para as colónias portuguesas de África, Américas e ilhas de Sandwich, territórios onde são apreciados condignamente, tanto pelo seu amor ao trabalho como pelas qualidades morais e intelectual que possuem.

Ultimamente, e por causa da guerra, as dificuldades dos caboverdeanos aumentaram extraordinariamente; a falta de navios mercantes estrangeiros que, antes do conflito e não obstante a temerosa competição das Canárias e de Dakar, se serviam dos seus portos a fim de se abastecerem de alimentos frescos e de combustíveis, junta a outros fatores de esmorecimento comercial, concorre bastante para o estado de depressão económica em que o Arquipélago se encontra.

Sr. Presidente: o Governo, após a elaboração de demorado e indispensável plano de obras - para o qual preponderantemente contribuiu a visita a Cabo Verde do ilustre Ministro das Colónias, realizada em 1942 -, conhecendo minuciosa e perfeitamente todas as circunstâncias, propõe-se enfrentar satisfazer as mais instantes necessidades da colónia e estimular o seu progresso, promovendo, tanto quanto humanamente for possível, a extinção ou a neutralização das crises de fome que, de onde em onde, apoquentam os naturais.

No notabilíssimo relatório que acompanha o decreto-lei n.° 33.508, em síntese magistral, focam-se as múltiplas facetas dos problemas postos em equação: construção de estradas e caminhos de montanha e beneficiamento das vias existentes, poucas e mal conservadas; aproveitamento da água das ribeiras, das nascentes e do subsolo, quer para abastecimento de água potável às povoações e para os serviços de salubridade pública, quer para regas, favorecendo a fertilidade dos terrenos e melhoria da produção; e, finalmente, a intensificação do repovoamento florestal, tarefa basilar, sem a qual não se obterão regularidade de chuvas, abundância de água e benefício do clima.

É a primeira vez, Sr. Presidente, que as ilhas crioulas veem as suas questões vitais tratadas em conjunto pela metrópole, com o carinho, inteligência e bom senso que há tanto tempo reclamavam o portuguesismo dos cabo-verdianos e o excecional valor político e estratégico da posição do Arquipélago no Atlântico. (Ao fazer esta afirmação não pretendo esquecer as diferentes tentativas parcelares, e que por isso resultaram infrutíferas, ensaiadas em favor de Cabo Verde).

A par das indicações de carácter administrativo e técnico e dos patrióticos fins a atingir pela missão, e com a maior brevidade - no diploma declara-se que as obras começarão a executar-se imediatamente após a conclusão dos trabalhos de gabinete e dentro de um prazo que nunca excederá dezoito meses -, a presente medida legislativa contém nova e excelente doutrina que enche de contentamento não só os cabo-verdianos como ainda todos quantos se entregam ao estudo dos seus problemas.

Sr. Presidente: a demonstrar, por forma objetiva e insofismável, que «ali também é Portugal», o Governo da Nação, depois de haver preparado, convenientemente, um plano de trabalhos, vai ordenar o respetivo estudo in loco, em condições análogas às que, em matéria de obras públicas, se estão pondo em prática nas ilhas adjacentes, o que equivale a dizer que os encargos da missão correm por conta da Mãe-Pátria, talqualmente o que acontece com as missões técnicas enviadas à Madeira e aos Açores.

Contudo, não é a liberalidade financeira do Governo central que deve impressionar, mais em especial esta nobilíssima atitude, de incalculável significado político, nacional e internacional, no momento presente, traduz absoluta garantia e certeza indubitável da dedicação e interesse que a Nação vota às ilhas, de Cabo Verde, aproximando-as espiritualmente cada vez mais da metrópole, colocando-as em situação moral semelhante à das ilhas adjacentes - o caminho natural para a respetiva identidade de regimes administrativos, a aspiração máxima dos portugueses de lei que são todos os filhos do Arquipélago, completamente integrados na civilização ocidental e cristã, inteiramente assimilados ao nosso espírito, à cultura lusitana.

Tenho dito.

2. Comentário do editor LG:

É um texto de um grande cinismo ou de uma grande ingenuidade. O médico e professor de antropologia colonial António de Almeida fala-nos da grande tragédia que foi, afinal,  a sociedade esclavagista de Cabo Verde, e das grandes secas e fomes que dizimaram a sua população ao longo dos séculos.  Mas é incapaz de dar conta do germes do nacionalismo que começam a despontar, no início dos anos 30 do séc. XX, muito antes de Amílcar Cabral, guinéu de origem caboverdiana. É verdade que, com a I República, as gentes de Cabo Verde foram os primeiros, de entre as populações africanas, a aceder ao estatuto de cidadania portuguesa. Mas como é que se podia, em 1944,evocar genuíno e arreigado o portugesismo dos cabo-verdianos. e "demonstrar de forma objetiva e insofismável", que 'ali também é (era) Portugal', quando o auxílio de Salazar chegava tarde e a mais horas ? Mais fizeram, isso sim,  os "expedicionários" que, como o meu pai, Luís Henriques (1920-2012)  ou o pai do Hélder Sousa, Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), ou o pai do Luís Dias, Porfírio Dias (1919-1988),  ou o capitão médico José Baptista de Sousa (1904-1967), Chefe dos Serviços Cirúrgicos das Forças Expedicionárias de Cabo Verde, organizaram, livre e espontaneamente, campanhas de socorro à população das ilhas (, nomeadamente da ilha de São Vicente onde se concentrou o grosso das NT durante a II Guerra Mundial).
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Notas de leitura: