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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Julho de 2024 com mais um texto, desta feita alusivo aos Horizontes da Memória.

Horizontes da Memória

Programa audiovisual de história do dr. José Hermano Saraiva, o plágio do título serve a minha liberdade de “heresias” e os meus devaneios das tardes deste verão, no disfrute dos 0,35€ diários da minha pensão de combatente...

Neste mês de julho de 2024 faz 60 anos que o Benguela, cargueiro de transporte de gado - com o currículo de navio negreiro, tinha transportado milhares de angolanos e moçambicanos para os trabalhos forçados nas roças de cacau e nas obras públicas de S. Tomé e Príncipe -, desatracou do Cais da Rocha do Conde de Óbidos cheio como um ovo, 900 militares ou carne para canhão na Guerra da Guiné (o meu batalhão mais uns pelotões independentes), partilhavam na harmonia possível os seus três porões com viaturas auto, armamento, obuses de artilharia e bombas de avião. Singrou nos caminhos marítimos de Bartolomeu Dias, Vaco da Gama, Nuno Tristão, etc., portugueses de antigamente, fomos desestivados na ponte-cais de Bissau, carregamos ao ombro o “saco-chouriço” com todos os nossos bens e o Forte da Amura foi o nosso destino.
N/M Benguela - Com a devida vénia a Dicionário de Navios Portugueses

Cumprido um ano de “intervenção às ordens de Comando-chefe”, a fazer a guerra por Bula, Morés, Talicó, S. João, Fulacunda, Cafine, Cacine, Cufar, Buba, Jncassol, Porto Gole e por outros lugares menores onde o inimigo andasse, fomos parar a quadrícula de Buruntuma, tabanca fronteiriça no extremo Leste, onde sobrevivemos quase outro ano – se até aí atuamos como “tropa especial” e móvel sem o ser, de camião, de lanchas LDM e de avião Dakota, à média duma operação por semana, naquela fronteira com a GConacry chegamos a dar batalha três vezes ao dia, o inimigo abundava do outro lado, e sempre com o mesmo à-vontade, a lançar granadas de mão, a metralhar com a G3, a Breda, a bazuca, os morteiros e o canhão s/r 10,7 NATO, - é que o Domingos Ramos, comandante da Frente Leste do inimigo tinha sido nosso camarada, ele tinha tirocinado em Pequim e nós na Fonte da Telha era a nossa diferença…

A guerra é a mãe de tudo, profetizou Heráclito de Éfeso. Faz 60 anos que fomos para a Guiné, não acabamos com a sua guerra, mas a sua guerra acabou com muitos de nós, o MFA não foi gerado com esse propósito, mas nasceu come ele e realizou-o há 50 anos – acabou com a guerra da Guiné para a malta do Portugal europeu, mas legou uma ainda mais mortífera aos guineenses. Amílcar Cabral queixava-se de sermos seus ocupantes ilegais há 500 anos, os seus naturais queixam-se dos 500 anos que andamos a iludi-los…

Para nós, a guerra do Ultramar começou em 1961, para os nossos antepassados começou com a gesta do infante D. Henrique, os 500 anos da sua longevidade alimentaram-se do sangue dos homens e do coração das mulheres, a mesma classe castrense da sustentabilidade desses 500 anos foi que sustentou os 50 anos de longevidade do regime político contra o qual virou as armas – que esconjurou o regime, superou o mantra da guerra civil, que criou a via pacífica e que entregou o destino do país ao Povo são realidades e verdades históricas.

O dia 25A aconteceu “inteiro e limpo”, funcionou como catarse do stresse da guerra da Guiné, também surfei as ondas da euforias, a emergência das derivas e o desvario do PREC encurtou-me essa felicidade, li bastante sobre a guerra civil espanhola, ainda visionei prédios com o andar destruído por granadas lançadas pelo vizinho de cima, deixar em paz a caçadeira Benelli das caçadas às perdizes nas ladeiras do Douro e nas planícies do Alentejo e ter de regressar à G3 nessa contingência foi um grande pesadelo, o 25N dos corajosos foi a terapia das disfunções aos ideais do 25A e esconjurou a perda da felicidade adquirida.

As celebrações das efemérides da mudança de regime pelas armas quando exorbitantes são divisionistas, sem prejuízo de merecedoras, mas numa justa medida. O regime anterior celebrava o 28 de maio, não raro com pompa e circunstância, mas sem decreto de feriado nacional, o regime democrático tem o dever de celebrar condignamente as datas do 5 de outubro, do 25 de abril e do 25 de novembro, mas sem decretos de feriados nacionais. Para quando a celebração das datas institucionais nacionais? Estamos à espera sentados. O Norte fundou a nossa nacionalidade no Castelo de Faria, em 25 de abril de 1127, independência do reino e de Portugal foi conquistada no Castelo de Guimarães em 24 de junho de 1128, os portugueses usaram a mobilidade para a sua dilatação até Coimbra, naturalmente, Lisboa é uma das conquistas do Norte – e há demasiado tempo os conquistadores se deixaram oprimir pelos conquistados…

O 5 de outubro foi um golpe de Estado, celebra a queda do regime, a monarquia fundou e construiu Portugal ao longo de quase 800 anos, em 1910 já era constitucional e evolutiva, na esteira das monarquias inglesas e nórdicas, nações das mais avançadas do mundo. As valas da desgraça foram cavadas pela primeira República, o Estado Novo nem será o seu pior legado, o 25 de Abril foi um golpe de Estado à imagem e semelhança do de 5 de outubro, aquele foi patriótico, de reação ao ultimato inglês ao Mapa Cor-de-Rosa e este iniciou-se corporativo, de reação à equiparação dos capitães milicianos aos direitos e sinecuras da estática classe dos capitães do QP.

Neste mês de julho de 2024 há outras efemérides: a do encontro do MFA da Guiné no mato do Oio com o PAIGC de Conacry, no contexto da sua manobra da capitulação militar; e a Lei 7/74 da Descolonização, que Freitas do Amaral explicitou e o general Spínola promulgou… A Quarta Comissão da ONU havia atestado a sua semana de vilegiatura pelos 2/3 da Guiné libertados e que o PAIGC os governava como Estado aos seus pares de Nova Iorque, o MFA não encontrou ninguém dele em Bissau, aquele partido armado era tão prestável para os encontros a tiro e aquele partido-armado demorou duas semanas a disponibilizar um delegado e em Morés, - sítio indelével na minha memória, foi uma operação de dar e levar muita porrada, escorraçamos uma grande manada de vacas, os jatos F84 (ou 86?) matavam-nas à rajada e nós varejávamos as laranjeiras com os canos das G3, o inimigo foi expropriadas das laranjeiras, mas aquelas rustáceas do Morés ainda esperam que cumpramos as ordens aéreas e terrestres do seu abate à catana ou com fogueiras aos pés.

As respetivas manifestações recomendam parcimónia, deixemos Salazar, Caetano, Tomás e os outros estar bem mortos, a paráfrase da cantautora Ana Lua Caiano tanto serve a razão como o erro. A antropologia política e social à parte (é bicicleta do Luís Graça), chamo os consequentistas à colação: o 25A foi um acontecimento de libertação, o MFA foi o ator principal da segunda maior derrota dos 800 anos da História de Portugal (a primeira foi em Alcácer Quibir), o 25 de Novembro da maioria foi o 25 de abri-2 para todos, todos, todos!

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25678: (In)citações (267): Compensações às colónias (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quarta-feira, 22 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24161: Dossiê Pidjiguiti, 3 de agosto de 1959 - Parte I: Eu estive lá (Mário Dias)

Guiné > Bissau > 1959 > Os 1ºs cabos milicianos Mário Dias (o primeiro, de pé, do lado direito) e Domingos Ramos (o primeiro da frente, do lado esquerdo): estiveram juntos na tropa, entre 1959 e 1960, até ao dia (novembro de 1960) em que o Domingos Ramos desertou, passando-se para o lado dos nacionalistas e independentistas do Amílcar Cabral (*)

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Passados tantos anos, continua a haver curiosidade, da parte dos nossos leitores, sobre o que se passou em Bissau, no cais do Pijiguiti (lê-se: Pidjiguiti), ou  Pindjiguiti (como escrevem, mais recentemente, os guineenses), ainda uns anos antes da guerra em que estivemos envolvidos.  No nosso blogue, publicámos logo no início duas versões, de Luís Cabral (na altura "guarda-livros" da Casa Gouveia) e do nosso camarada Mário Dias, um dos históricos do nosso blogue (**), e que frequentou, em 1959,  o 1.º CSM que se realizou na Guiné e de que fizeram parte alguns futuros quadros do PAIGC, como Domingos Ramos, o Constantino Teixeira ou o Rui Djassi.

Escrevemos na altura (***):

(...) O "massacre do Pidjiguiti"(sic) é um dos mitos fundadores do PAIGC. Aliás, marca o início da "luta de libertação nacional", na narrativa do PAIGC (que então se chamava apenas PAI).

Este depoimento do Mário Dias é uma peça importante para se fazer a história recente da Guiné-Bissau: reivindicações laborais dos  marinheiros do serviço da cabotagem das casas comerciais de Bissau (e, em particular, da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF – Companhia União Fabril) estiveram na origem de graves tumultos que foram prontamente reprimidos pelas autoridades portuguesas.

O depoimento do Mário Dias terá que ser tido em conta pelos nossos historiadores (tanto de um lado como do outro). E sobretudo por nós, portugueses e guineenses, que temos direito à verdade. Eu só conhecia (e mal) a versão do PAIGC, que fala em massacre, em 50 mortos e mais de um centena de feridos. 



Notícia de primeira página do "Diário de Lisboa", edição de 4 de agosto de 1959 (em que o destaque ia para as peripécias da XXII Volta a Portugal em Bicicleta): a agència Lusa, noticiava, a partir de Lourenço Marques, um "fait-divers": "Elefantes trucidados pelo comboio no vale do Limpopo"... 

Fonte: Citação:(1959), "Diário de Lisboa", nº 13166, Ano 39, Terça, 4 de Agosto de 1959, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_17262 (2023-3-22)

Na época, é bom lembrá-lo,  a imprensa portuguesa não era livre, pelo que nunca nos poderia dar a, nós, metropolitanos, uma versão isenta dos acontecimentos. Havia a censura, a polícia política, o partido único, o Salazar... É bom não esquecê-lo. E, nós, adolescentes (eu tinha 12 anos), estávamos longe de pensar que a futura guerra da Guiné iria sobrar também para nós (dez anos depois, no meu caso)...

Infelizmente, não conheço investigação de arquivo sobre este assunto. Talvez o nosso amigo e membro da nossa tertúlia, Leopoldo Amado, possa fazer luz sobre este e outros acontecimentos que antecederam o início da guerrilha do PAIGC, na sua tese de doutoramento sobre a guerra colonial 'versus' guerra de libertação que eu estou ansioso por ver apresentada e discutida, em provas públicas, na Universidade de Lisboa. (...)

Guiné-Bissau > Bissau > 1976 >  Planta da cidade em mapa publicado a seguir à independência. Veja-se a localização do porto do Pidjiguiti (para os barcos de pesca e de cabotagem), à esquerda do porto de Bissau (para os navios da marinha mercante). Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes (2005).
 

Os acontecimentos do Pidjiguiti em Agosto de 1959: 

depoimento de Mário Dias (***)

Muito se tem escrito e comentado sobre os acontecimentos que tiveram lugar no cais do Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959 (*****). Eu estive lá. À época dos factos, cumpria o serviço militar obrigatório, ainda como recruta (o Juramento de Bandeira teve lugar uma semana depois, precisamente a 10 de Agosto).

Para melhor entendermos a greve e consequente revolta dos marinheiros, há que recuar um pouco no tempo e no contexto em que se movimentava a actividade dos marinheiros.

As principais casas comerciais da Guiné (vou designá-las pelo nome abreviado como eram conhecidas), Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita, tinham ao seu serviço frotas de lanchas 
– umas à vela e outras a motor  – que utilizavam no serviço de cabotagem transportando mercadorias para os seus estabelecimentos comerciais e, no regresso, traziam para Bissau os produtos da terra, principalmente mancarra e arroz. A maioria deste tráfego era pelo rio Geba, até Bafatá e, para o Sul até Catió e Cacine.



Guiné > Bissau > 1969 > Cais do porto de Bissau. Foto tirada do lado do Pidjiguiti.

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Anualmente, essas empresas se reuniam para acordarem os salários a pagar aos diversos elementos da tripulação das embarcações. Esse acordo tinha a finalidade de ajustar o salário nas várias frotas, de forma a evitar concorrência no engajamento do pessoal. É claro que, embora efectivamente todos os anos fossem aumentados, os marinheiros não eram tidos nem achados nestas reuniões. Era comer e calar à boa maneira da época. O mesmo se passava, aliás, em relação ao preço a praticar anualmente na compra do amendoim (mancarra) e que era fixado por tabela governamental, ouvidos os comerciantes. Os agricultores não era ouvidos nem tinham voto na matéria.

Acordo estabelecido, as várias firmas comerciais começaram a pagar aos marinheiros o novo salário. Porém, a Casa Gouveia não procedeu ao aumento e continuou a pagar pela tabela do ano anterior. Passaram-se meses e os marinheiros questionavam o gerente  –   na altura o ex-funcionário do quadro administrativo Intendente 
 [António] Carreira – sem resultados e até com uma certa sobranceria, tique que lhe deve ter ficado dos tempos de funcionário administrativo. Com o descontentamento a aumentar e ânimos cada vez mais exaltados se chegou à tristemente célebre tarde de 3 de Agosto de 1959.

E agora o relato dos acontecimentos por mim presenciados e conforme informações na altura colhidas.

Nesse dia passou por Bissau, a caminho de Angola, uma alta entidade da Força Aérea. Ocupava no governo, salvo erro, o cargo de Secretário de Estado de Aeronáutica 
 [na altura, Subsecretário de Estado da Aeronàutica, Kaúlza de Oliveira de Arriaga (1955 - 1961)].

Fosse qual fosse a sua função, a verdade é que tinha direito a honras militares à sua chegada ao aeroporto. Não havendo outra tropa com capacidades para tal missão, embora ainda recrutas e como tal impedidos regulamentarmente de prestar guardas de honra, acabámos por ser nós a fazê-lo. Bem limpos e engraxados, mauser com baioneta calada, luvas brancas, partiu a Companhia de Recrutas para Bissalanca.

A cerimónia decorreu de forma brilhante (nós éramos um espanto!) e iniciámos o regresso ao nosso quartel em Santa Luzia. Ao aproximarmo-nos da praça do Império, comecei a reparar que muita gente se dirigia apressadamente, alguns até corriam, em direcção ao rio. E, um pouco antes de atingida essa praça, fomos interceptados pelo comandante da companhia, capitão 
  [José Severiano]  Teixeira, que se dirigiu ao oficial que comandava a coluna, tenente Vaz Serra, com quem esteve a conversar por alguns momentos.


Guiné > 1970 > Vista aérea do Geba Estreito entre o Xime e Bafatá > Na época, a Casa Gouveia ainda tinha um serviço de cabotagem entre Bissau e Bafatá, embora precisasse de segurança militar próxima, no troço Xime-Bambadinca-Bafatá.. Foto do 
Arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Retomada a marcha, ficámos todos surpresos por virarmos à direita em direcção ao rio em vez de à esquerda para Santa Luzia. Conforme descíamos a avenida da República víamos que algo devia estar a acontecer pois cada vez havia mais pessoa aglomeradas e maior era a agitação que demonstravam. 

A certeza tive-a quando, já perto da Casa Gouveia, vi, em cima de um camião que seguia para o hospital, vários homens em grande exaltação. Um deles ficou-me na memória: de pé, escorrendo sangue de um ombro, barafustava e agitava os braços, dava punhadas no peito como um possesso. Impressionante! Ainda hoje, passados todos estes anos, quando se fala destes acontecimentos do Pidjiguiti, é esta a imagem que me ocorre.

Chegados ao local, vi uma considerável multidão nas imediações, os portões do Pidjiguiti encerrados e uma força da PSP, constituída por pouco mais de uma dezena de seguranças, como chamávamos aos polícias africanos, armados com es
pingardas Lee Enfield 7,7 mm, enquadrados por 2 ou 3 graduados europeus.

Na altura já tinham terminado os tiros e encontravam-se apenas a conter a multidão e a evitar que os marinheiros e trabalhadores do cais de lá saíssem em direcção à Casa Gouveia. Fomos mandados apear das viaturas e só então nos deram as indicações da nossa missão que foi, simplesmente, cercar os terrenos anexos ao Pidjiguiti (no local onde mais tarde nasceram as Oficinas Navais e instalações da Marinha e Fuzileiros) que na altura eram terrenos baldios. Não devíamos deixar ninguém sair por esse lado que não tinha vedação. Ainda vimos alguns tentando fugir por aí, atravessando o lodo, mas desistiam ao ver o cordão por nós ali formado. 

Nós, militares intervenientes, não demos nenhum tiro. Aliás, nem podíamos pois nem tínhamos munições. Como já referi estávamos a regressar de uma guarda de honra quando fomos desviados para o local. Deve ter sido bem caricata a nossa postura, de luvas brancas, num cenário daqueles.

Ali nos mantivemos, aproximadamente 30 minutos, até os ânimos acalmarem (era o que se pretendia) e regressámos ao quartel.

Nos dias seguintes não se falava de outra coisa. Como não tinha assistido ao início dos acontecimentos, fui perguntando aos que mais de perto o tinham seguido e a versão generalizada era a seguinte:

Nessa tarde, mais uma vez, aproveitando a presença do gerente da Casa Gouveia no local [o intendente António 
Carreira],  os marinheiros e descarregadores pertencentes a essa firma comercial reclamaram pelo aumento de salário que todas as outras empresas já estavam a praticar.

– Casa Gouveia, nada. Então como é, senhor Intendente? 

As coisas começaram a azedar e teve que retirar apressadamente a bem da sua integridade física. Chamou-se a polícia. Um subchefe  que para lá se dirigiu, não sei se por falta de tacto em situações como aquela ou porque a exaltação dos marinheiros e trabalhadores era já considerável, foi agredido com um remo na cabeça e teve de imediato que ser socorrido e levado para o hospital. 

Vieram reforços, já armados, e como se organizava no cais um movimento em direcção à Casa Gouveia, armados de remos, ferros e do que havia à mão com a intenção de tudo escavacar, fecharam os portões para impedir a sua saída. Mesmo assim não desistiram e começaram a galgar o portão e a vedação.

Entretanto, o comandante militar, tenente-coronel Filipe Rodrigues, chegado ao local inteirou-se da situação e, ao ver aquele grupo armado de remos, paus, etc. a marchar agressivamente em direcção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para dispararem por ser a única forma de os deter.

E foi assim que aconteceu. O resultado foram 16 mortos e não 50, ou até mais, como já tenho visto escrito. Por mim, um que fosse já era demais. Mas, atendendo às circunstâncias do momento, hoje questiono-me: que teria acontecido se não tivesse sido travada aquela multidão da única forma que foi possível? Certamente teríamos muita destruição e bastantes mais mortes a lamentar. E ter-se-ia gerado uma espiral de violência de consequências muito mais graves.

Da narração destes tristes acontecimentos podemos realçar os seguintes factos:

(i)  O PAIGC não esteve por detrás da ocorrência. Ela foi inteiramente da responsabilidade dos marinheiros e trabalhadores do cais pertencentes à Casa Gouveia, por motivos meramente laborais. Os marinheiros das outras empresas não estiveram envolvidos, pelo menos no início dos acontecimentos. É possível que, por solidariedade, alguns se lhes tenham juntado. O PAIGC aproveitou-se inteligentemente deste movimento, como sempre fez - o que só nos merece admiração - para conquistar mais uns tantos seguidores.

(ii)  Não se pode considerar o ocorrido como uma simples greve, conforme é vulgarmente referido. Foi mais do que isso. Tendo começado por greve, rapidamente se transformou numa revolta violenta cujas consequências são difíceis de prever se não tivesse sido travada. Se a referida revolta era ou não justificada, é-me difícil concluir. Sim, atendendo à injustiça de que estavam a ser vítimas. Não, pelas proporções que lhe deram.

(iii) Antes de concluir, parece-me que o termo massacre, aplicado aos acontecimentos do Pidjiguiti, é um pouco exagerado, não por o número ser muito inferior aos 50 habitualmente referidos, mas porque o conceito que a palavra implica, se refere à chacina indiscriminada, a uma carnificina injustificada do género descrito nos livros de história como passar tudo a fio de espada.

(iv) Com respeito aos massacres de populações balantas e beafadas na região de Bambadinca nos primeiros anos de 60, referidos no blogue-fora-nada (****), embora não os possa negar ou confirmar, tendo eu saído da Guiné em Fevereiro de 1966, nunca deles ouvi falar o que é estranho pois, como se diz na Guiné, noba ka ta paga cambança - aforismo com um sentido semelhante ao as notícias espalham-se depressa. Numa terra como a Guiné onde tudo se sabia e comentava, é estranho que nunca tivesse ouvido falar em tal acontecimento. Deve ter sido muito bem ocultado.

(v) E já que estamos a tratar de massacres, assunto tão melindroso e de que frequentemente acusam as nossas tropas, só tenho a dizer que durante toda a guerra colonial a que assisti e em que participei (depois da Guiné tive uma comissão em Moçambique e duas em Angola) massacres, massacres mesmo, na verdadeira acepção da palavra, só conheci um: foi o perpetrado pela UPA (mais tarde FNLA) no Norte de Angola em Março de 1961 sobre os fazendeiros brancos e suas famílias bem como sobre os negros bailundos fiéis aos seus patrões. Mas esses já estão esquecidos ou, convenientemente, nunca são referidos.

[Revisão / Fixação de texto / Negritos / Parênteses retos: LG]



Guiné-Bissau > Bissau > 2005 > Também eles, os filhos, netos e bisnetos do Pidjiguiti, os filhos, netos e binetos das vítimas da repressão da manifestação dos marinheiros e trabalhadores do Porto do Pidjiguiti, em 3 de agosto de 1959, têm direito à verdade.(*****)

Foto: © Jorge Neto (2005). Todos os direitos reservados
 [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas de L.G.:



(...) Eu sou o Mário Dias, fui para a Guiné com 15 anos (em 1952). De lá saí em 1966. Conheço, como seria de esperar - dada a minha longa permanência naquelas terras - a quase totalidade da Guiné. Lá cumpri o serviço militar obrigatório (recruta e CSM - Curso de Sargentos Milicianos) e, estando já na disponibilidade, regressei à efectividade de serviço (em 1963) como furriel miliciano apenas com a intenção de colaborar e ajudar na guerra que tinha já começado.

Fiz parte de um grupo de oficiais e sargentos que se deslocaram a Angola para tirar o curso de comandos e, uma vez regressados, formámos um grupo que actuou na célebre Operação Tridente, na ilha do Como (Janeiro a Março de 1964). Posteriormente, demos instrução e fizemos parte dos 3 primeiros grupos de comandos da Guiné. (...)


(****) Fui eu que fiz referência, em 2006, em e-mail interno que só circulou pela nossa tertúlia, a alegados "massacres de populações balantas e beafadas" que terão ocorrido na região de Bambadinca, no início da guerra,reportando-me apenas a conversas, soltas, que eu fui tendo, durante a minha comissão (Maio de 1969 a Março de 1971) com os meus queridos soldados (leais, valentes, insuspeitos, fulas) da CCAÇ 12 mas também com outras fontes como o malogrado Seco Camará, mandinga do Xime, extraordinário guia das NT (morto em 26 de Novembro de 1970, na Op Abencerragem Candente > post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)...

(*****) Vd. poste de 21 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24160: Fotos à procura de... uma legenda (171): Uma falsa imagem que anda por aí a "ilustrar" o massacre do Pijiguiti, de 3 de agosto de 1959

domingo, 15 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21547: (D)o outro lado do combate (62): o primeiro contingente cubano em acção no Boé em 1966 (Jorge Araújo)



Foto 1 - Citação: (1963-1973); "Fernando de Andrade com um grupo de guerrilheiros do PAIGC e internacionalistas cubanos", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43457 (com a devida vénia).



Foto 2 – Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO27, c.1967. Ao fundo as colinas do Boé – Poste P18873, com a devida vénia.



Foto 3 – Madina do Boé: Imagem do aquartelamento. Foto do álbum de Manuel Coelho, ex-fur mil trms, da CART 1589 (1966/68) – Poste P8548, com a devida vénia.



O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo; tem  270 referências no nosso blogue.

 

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE: 
O PRIMEIRO CONTINGENTE CUBANO EM ACÇÃO NO BOÉ (1966) 


► ADENDA AO P21529 (09.11.20) (*)


1. INTRODUÇÃO



O local de martírio, pelo sofrimento continuado na sua defesa, denominado Madina do Boé, enquanto território circunscrito à intervenção das forças militares que nele combateram até 05/06 Fev 69, continua a suscitar superior interesse no aprofundamento da sua historiografia, onde cada contributo se transforma em mais uma peça do puzzle na reconstrução da memória colectiva da «Guerra dos Doze Anos» (CTIG; 1963-1974).

Pelas diferentes narrativas publicadas na última quinzena, no Blogue, acreditamos que está longe o dia em que se poderá dar por encerrado este dossiê, uma vez que muito ainda estará, provavelmente, por dizer, contar e/ou escrever.

Para além do acima exposto, o conteúdo da carta manuscrita por Amílcar Cabral (1924-1973), em 12 de Abril de 1966 [por sinal dia de aniversário de minha mãe (1928-2015)], e enviada de parte incerta ao seu camarada Aristides Pereira "Xido" (1923-2011), onde são dadas informações sobre diversos assuntos, mescladas com "orientações/ordens", nomeadamente as relacionadas com os planos a desenvolver pela guerrilha no Sector do Boé, que, a partir daquela data, iria receber "reforços operacionais" com a chegada dos primeiros elementos do contingente cubano, está na origem deste texto que identifiquei como "Adenda ao P21529" (*).

Porque, entre os diferentes temas tratados na carta, se aborda a chegada dos primeiros cinco "internacionalistas cubanos": três artilheiros (Antonio Lahera Fonseca, Heriberto Salabarria e Loreto Vásquez) e dois médicos (Rómulo Soler Vaillant e Raúl Currás Regalado), fomos em busca de algo mais consistente para nos ajudar a compreender o papel desempenhado por esses "reforços", oriundos do Mar das Caraíbas, nos tempos que se seguiram.

Para o efeito, começaremos por analisar, no ponto 2, o conteúdo das "memórias do médico-cirurgião militar Rómulo Soler Vaillant", a que tivemos acesso na nossa investigação, em particular aquelas que se enquadram neste contexto.


2. MEMÓRIAS DO MÉDICO-CIRURGIÃO MILITAR CUBANO RÓMULO SOLER VAILLANT (GUINÉ, 1966/67) DA SUA PASSAGEM PELO BOÉ 


O médico-cirurgião militar Rómulo Soler Vaillant nasceu em 1936, na cidade de Guantánamo, uma das dez províncias de Cuba, onde está situada a Base Naval dos Estados Unidos. Já graduado em medicina, e como maior experiência em cirurgia, realiza a pós-graduação no Hospital Militar de Matanzas «Mário Muñoz Monroy» (Setembro de 1965 a Fevereiro de 1966). Durante este período de tempo trabalhou como cirurgião, Chefe do Serviço de Cirurgia e Director do Hospital.


Em Março de 1966, é integrado na missão internacional com destino à Guiné-Bissau, como cirurgião e médico da guerrilha do PAIGC, com o nome de guerra  "Raúl Sotolongo Soler".


Fez a viagem de avião, com escalas,  até chegar a Conacri, na Guiné-Conacri, na companhia de sete outros companheiros, dois eram médicos (ele e o Raúl Currás Regalado) e os restantes artilheiros e morteiristas [como por exemplo: os tenentes: António Lahera Fonseca e Heriberto Salabarria e o soldado Loreto Vásquez].


Conheceu o Amílcar Cabral (1924-1973) com quem conversou por diversas ocasiões, para além de realizar tarefas de organização dos medicamentos e outros do seu perfil médico, às vezes em Conacri, outras em Boké ou já na "mata",  com os guerrilheiros.


Após a chegada do resto do seu grupo "mobilizado" em Cuba, cuja composição era de oito médicos e vinte militares, seguiram por estrada até Boké, uma localidade a mais de duzentos quilómetros, perto da fronteira com a Guiné-Bissau. 


Boké era a base de abastecimento e infiltração para a Guiné-Bissau, com um hospital de rectaguarda. Esta cidade ficava a cerca de 40 - 50 quilómetros de Simber, a linha de fronteira entre as duas Guinés.


Sobre a constituição deste "grupo", recupero as informações publicadas no Poste P16224, da autoria do,  também, médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado, onde se refere: 


"(...) Em 21 de Maio de 1966, depois de me incorporarem neste contingente, constituído por artilheiros, morteiristas e médicos, embarcámos para a Guiné no navio Lídia Doce. A viagem durou dezasseis dias, chegando ao porto de Conacri em 06 de Junho desse ano. "(...) 


Do primeiro grupo de nove médicos, três (?) viajaram de avião porque o PAIGC precisava deles com urgência.


Continua: 


(...) "De Boké partimos em transporte para Simber, linha fronteiriça com a Guiné-Bissau, a passagem decorreu sem dificuldades. (…)

O acampamento base onde nos encontrávamos chamava-se Kanchafra [Kandiafara ?] ou Cubucaré, não me lembro bem, só me explicariam (mais tarde) os Drs. Júlio García Olivera ("Bebo") e o Luís Peraza Cabrera, que juntos formávamos o grupo médico da Região Sul.

"No Leste e Oeste do país (Guiné-Bissau), existiam também grupos guerrilheiros do PAIGC, conselheiros e médicos cubanos, entre eles os Drs. Jesús Pérez, Teudy Ojeda Suárez (ortopedista) e Domingo Díaz Delgado (neurocirurgião), Raúl Currás Regalado (medicina geral) [12Set1941-15Mai1976]


"Faleceu em 15 de Maio de 1976, entre Nova Lisboa e Lobito, durante a sua missão humanitária em Angola] que, como nós, tiveram que realizar diversos procedimentos cirúrgicos. Devo esclarecer que, excepto o Dr. Pedro Labarrere que já era especialista (internista), quase todos nós tínhamos experiência como alunos, em internato e em pós-graduação do referido perfil, mas ainda não éramos especialistas.

Um acontecimento maravilhoso e marcante, para mim e também para todos nós que formamos o grupo de cubanos nas "matas" da Guiné, foi a chegada, como chefe da missão, do Víctor Dreke, um homem simples, valente e com condições mais do que comprovadas como chefe e líder.

O costume dos guerrilheiros era dançar e cantar por dois ou três dias antes de atacar um quartel e, principalmente, quartéis com tropas numerosas e bem armados. 

Sobre este ataque, foi feito um filme com a direcção do cineasta José Massip e pela câmera de Dervis Pastor Espinosa, onde entrei no baile e, sem camisa, passei como um nativo [ver o filme cubano 'Madina Boé' – Poste P21522]. 

Madina Boé era uma região muito importante para os portugueses e também para os guerrilheiros: em duas ocasiões foi atacada e o fogo inimigo [NT] praticamente não permitiu que os guerrilheiros avançassem. 

Desta vez, os Drs. Virgílio Camacho Duverger, Ibrahim Rodríguez, Santiago Milton Echevarria Ferrerá ("Xisto") e eu [Rómulo Vaillant], garantiríamos o ataque ao quartel de Madina do Boé do ponto de vista médico. Camacho e Ibrahim preparariam as melhores condições no Hospital de Boké e Milton e eu acompanharíamos a tropa.

Instalamos o posto médico nas nossas mochilas a menos de um quilómetro de onde aconteceria o combate. Sob o comando dos chefes guerrilheiros do PAIGC e de Víctor Dreke, este quartel foi atacado, houve surpresa por parte do inimigo [NT], causando baixas com um incêndio que duraria cerca de 30 minutos (creio). 

Depois da surpresa e quando saímos dos abrigos, foram incontáveis os reabastecimentos e os disparos de canhões [sem recuo] contra nós, bombardeamentos e lançamentos de morteiros, claro que recuávamos a uma velocidade superior à dos projécteis que nos atiraram. Se não me falha a memória, tivemos apenas cerca de seis ferimentos, todos leves. Nunca corri tanto na minha vida.

Numa ocasião acompanhei um pequeno grupo de guerrilheiros (bigrupo) durante um reconhecimento, fui na frente durante a viagem e ouvi um grito alto de quem era o meu segurança... Raúl... - Não se mexa, não ande, você está num campo minado - e ele começou a guiar os meus passos para que ambos saíssemos do perigo, eu recusei-me a fazê-lo e gritei para ele vir-me buscar, e ao meu lado, eu pulei e subi para cima dele, graças ao meu santo eu saí desse tormento são e salvo". (…)


 


3. - OUTROS FACTOS RELATADOS NO LIVRO "LA HISTORIA CUBANA EN ÁFRICA", DE RAMÓN PÉRES CABRERA, SOBRE AS ACÇÕES MILITARES DOS CUBANOS EM MADINA DO BOÉ,  EM 1966


► FRENTE LESTE



Os três artilheiros cubanos chegados em [29] de Abril: Antonio Lahera Fonseca, Heriberto Salabarria e Loreto Vásquez, seguiram para a Frente Leste que tinha como comandante Domingos Ramos, que havia acompanhado Amílcar Cabral na sua viagem a Cuba para participar na «Primeira Conferência Tricontinental», que decorreu em Havana de 9 a 12 de Janeiro de 1966.



 


Foto 5 – Citação:
(1966), "Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Pedro Pires e Vasco Cabral na Conferência Tricontinental em Havana", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44215 (com a devida vénia).

 

Os três cubanos, armados com AK, de fabrico chinês, para além de ensinarem o manejo de artilharia aos guerrilheiros, participavam nas acções destes em combate. Estes foram, com efeito, os primeiros cubanos a participarem nas actividades da guerrilha na Guiné (Bissau).


As acções tiveram início a partir do 1.º de Maio de 1966 contra o quartel de Madina do Boé. Por parte das forças das FARP participaram dois bigrupos, utilizando metralhadoras ligeiras e lança-roquetes, apoiados por dois morteiros 82 mm. Este quartel estava defendido por cerca de duzentos militares com potente armamento que incluía: dois morteiros de 81 mm, três metralhadoras calibre .50  [, 12.7 mm, talvez a Browning] e bazucas de grande potência [, 8.9 cm]. No ataque do dia 1.º de Maio, domingo, as FARP tiveram dois feridos.


No dia 12 de Maio, 5.ª feira, o mesmo quartel foi fustigado novamente, com fogo de artilharia, tendo atingido algumas "barracas". Nos dias 20, 6.ª feira, e 31, 3.ª feira, desse mês, realizaram-se novos ataques. 


Neste último ataque, a resposta dos portugueses causaram dois feridos aos guerrilheiros. No dia 23 de Julho, sábado, realizou-se o quinto ataque contra o quartel, onde participaram forças de infantaria e artilharia das FARP. 


Nessa ocasião foram atingidas quase a totalidade das instalações dentro do perímetro fortificado do quartel, apesar de não serem conhecidas as baixas inimigas [NT].


De facto as NT, neste ataque ao quartel, registaram três baixas, a saber (CECA; pp 202/203):


■ Soldado, Augusto Reis Ferreira, natural de Montargil (Ponte de Sôr);

■ Soldado, Carlos Manuel Santos Martins, natural da Cova da Piedade (Almada);

■ 1.º Cabo, Rogério Lopes, natural de Chão de Couce (Ansião).



Capa dp livro de Ramón Pérez Cabrera


Os guerrilheiros (FARP) tiveram três mortos e vários feridos. No dia 31 de Julho, domingo, foi realizado um novo ataque ao quartel com fogo de artilharia.

Neste mês de Julho de 1966, chegou à Guiné (Bissau) o 1.º comandante Raúl Menéndez Tomassevich a pedido de um grupo de oficiais das FAR  [, Forças Armadas Revolucionárias, cubanas], acompanhando, pelo país, Amílcar Cabral, João Bernardo Vieira "Nino" e Francisco Mendes. 

Na companhia de Tomassevich faziam parte os comandantes Lino Carreras, Flávio Bravo e outros comandantes das FAR. Tomassevich permaneceu vários meses assessorando os membros das FARP na organização das Bases guerrilheiras e participou na planificação da «Operação Madina do Boé», efectuada nos dias 10 e 11 de Novembro de 1966.

Esta seria a maior acção realizada até esta data pelas FARP.


No dia 10 de Novembro, 5.ª feira, às cinco da tarde, os guerrilheiros iniciaram os ataques com fogo de canhões e morteiros contra as instalações do quartel, onde estariam uns trezentos efectivos sob o comando de um capitão [o Cap Mil Inf Jorge Monteiro, autor do livro «Uma Campanha na Guiné; 1965/67»] que, entrincheirados nas suas fortificações defendiam-se com as suas armas de infantaria apoiados por potentes armas pesadas: dois morteiros de 81 mm, três metralhadoras de .50  [12,7 mm ] dez metralhadoras de .30 [7.62 mm].  Os atacantes estavam acompanhados por cerca de trezentos e cinquenta guerrilheiros que contavam com boas armas de infantaria e um poderoso armamento pesado: três canhões sem recuo de 75 mm, três morteiros de 82 mm, 15 lança-roquetes e seis metralhadoras antiaéreas de 12,7 mm, utilizadas em tiro rasante.

As acções planificadas pelo comandante Tomassevich, em coordenação com Amílcar Cabral, previam ainda a inclusão de emboscadas de contenção nas áreas de circulação terrestre e fluvial, assim como contra helicópteros. Na liderança das forças atacantes estava o comandante Domingos Ramos, membro do comité político do PAIGC e um dos líderes mais queridos e respeitados pelos guerrilheiros.

No combate participaram seis internacionalistas cubanos: os tenentes Aurélio Riscard Hernández, Heriberto Salabarria Soriano, Virgílio Camacho Duverger, médico, os soldados Loreto Vásquez Espinosa e Milán Suárez, anestesista. Também participou Ulises Estrada Lescaille [nome de Guerra, de Dámaso José Lescaille Tabares (11.12.1934-26.01.2014], membro da Inteligência cubana. (Op. Cit; pp 100-101).


Fonte: https://books.google.pt/books?id=4HT2AgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-PT#v=onepage&q&f=false




4.  TESTEMUNHO DO MÉDICO CUBANO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER (1934-2003) O ATAQUE AO QUARTEL DE «ADINA DO BOÉ EM 10 DE NOVEMBRO DE 1966 – Poste P16613


Ao terceiro mês de estar na região Leste [novembro'66], é-lhe pedido que realize um reconhecimento ao quartel de Madina do Boé, considerada por si como a missão mais importante em que participou, tendo por companhia o dr. Milton Echevarria, médico do seu grupo na Frente, e o apoio de guias/guerrilheiros destacados para aquela acção, caminhada que, disse, demorou perto de cinco horas, uma vez que a base estava a cerca de três quilómetros dali.

Em 10 de novembro de 1966, uma quinta-feira, a operação concretizava-se. Antes do ataque, na companhia de um enfermeiro cubano anestesista que havia chegado para reforçar o grupo de saúde, criou um posto sanitário avançado em território da Guiné-Bissau, perto da zona do combate, de modo a facilitar a assistência médica e a prestar os primeiros socorros aos combatentes que ficassem feridos, pois não era fácil chegar ao Hospital de Boké.

Conta que a primeira morteirada lançada pelos portugueses [da CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local onde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos. Os estilhaços da granada atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta que não deu tempo para o levar até ao hospital para o poder operar. 

Durante a evacuação, a caminho do hospital [não indica qual: se a enfermaria que ajudou a criar em território da Guiné-Conacri, se o Hospital de Boké], Domingos Ramos faleceu.


Nota final: 

Para mais detalhes sobre a morte de Domingos Ramos, consultar o poste P16662 > Domingos Ramos, desertor do exército português e herói nacional da Guiné-Bissau: entre o mito e a realidade: as últimas palavras que ele nunca poderia ter dito, nem muito menos escrito, antes de morrer, em 10/11/1966, no ataque a Madina do Boé (Jorge Araújo).


► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).


Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

13Nov2020

__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21529: (D)o outro lado do combate (61): A chegada dos primeiros cubanos em abril de 1966, e o reforço da guerrilha no Boé, conforme carta de Amílcar Cabral para "Xido", o nome de guerra de Aristides Pereira

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Boé > Madina do Boé  > 16 de julho de 1968 > "Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o ten cor pqdt Fausto Marques [, cmdt do BCP 12],  e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o ten pqdt Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive  no "Algarve na Guiné”.



Foto (e legenda): © José Nico (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Nico, ten gen pilav ref, publicou recentementee, em plena pandemia de Covid-19, um livro de  memórias,  "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas" (edição de autor, Lisboa, 2020, 384 pp.) (*)... 

Profusamente ilustrado, com cerca de 120 fotografias, infografias e mapas, o livro esgotou-se, num ápice, sem qualquer promoção (a não ser talvez no nosso blogue e no boca a boca de camaradas e amigos...).

O autor vai fazer uma reimpressão (, tiragem de 500 exempales), havendo já um número razoável de pedidos de encomenda.  Entre esses pedidos, já está o nosso, já que o livro não chegou às nossas mãos, na primeira hora, com muita pena nossa.  

Conforme acordado com o José Nico, vamos publicar um poste a chamar a atenção para essa reimpressão e para novos pedidos de encomenda do livro.

O José Nico, mesmo não sendo formalmente membro da Tabanca Grande, tem mais de vinte referências no nosso blogue e frequenta com regularidade os convívios da Tabanca da Linha, também ela, "fechada", por causa da pandemia em curso.

Graças ao Mário Santos, mas também ao Miguel Pessoa, tem-nos chegado alguns textos notáveis do José Nico, ex-.ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70.

O nosso grã-tabanqueiro Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA, BA 12, Bissalanca, 1967/69) apresenta o autor do livro, seu contemporâneo, camarada e amigo,  nestes termos:

(...) "O General Nico iniciou a sua carreira como cadete na Academia Militar em 1960, sendo brevetado em 1964, após 3 anos de tirocínio...

Voou depois em Tiger Moth, Piper Cub, Chipmunk, C-45, Broussard, Alouette III, Puma SA 330, DO27, T6, T-33, T-37, F-86, Fiat G-91, DC-6, C-130H e Boeing 707.

Dedicou toda a sua vida ao ideal da Força Aérea e cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1967 e 1970.

O então Tenente Piloto Aviador José Nico era um Oficial rigoroso e dedicado. Em combate, mostrou sempre bravura, coragem e serenidade, apesar do perigo constante da reacção do inimigo; tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado... actuou em missões de reconhecimento fotográfico e visual, bombardeamento, apoio de fogo e escolta de protecção às nossas tropas de superfície e da Marinha.

Este livro é um documento histórico de uma grande riqueza analítica, que relata sem subterfúgios um pedaço indelével das nossas vidas." (...) (**)


José Nico, ten gen
pilav ref
2. Um dos textos notáveis, da autoria do José Nico, aqui publicados no nossoblogue, e 30 de abril de 2018 (e também parcialmente reproduzido no seu livro, acima citado), tem a ver com outra batalha, não a de Quitafine (, contra as antiaéreas do PAIGC, )  mas a de Madina do Boé, entre abril e julho de 1968.

É texto demasiado extenso mas de leitura empolgante que surgiu num único poste (***)... e que merecia muito mais comentários do que aqueles que teve (, quatro na altura).

Vamos reeditá-lo agora, por partes, com a devida autorização do autor, com quem falámos ao telemóvel. É uma homenagem também aos bravos de Madina do Boé, tanto do Exército como da FAP.  Madina do Boé, como se sabe,  viria depois a ser retirada, no ano seguinte, em 6 de fevereiro de 1969, por decisãodo Com-Chefe, gen Spínola.

[Título, revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, em três partes, da responsabilidade do editor LG]


A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (***)

por José Nico (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

 

A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional 1201 da Base Aérea n.º 12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a Secretaria, do outro. 

Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de ter chegado à Base, vindo de Bissau. Alguém que passa por mim, entrega-me um papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tínhamos conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no Leste do território. 

Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da CCaç 1790 [, hoje cor inf ref José Aparício],  cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia 11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.


Madina do Boé – O alvo para a estreia dos cubanos 
em combate

Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou, pelo menos,  forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege. 

Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.

De facto, Madina era uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só era imediato em termos relativos, dada a distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios meios.

As limitações no apoio a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades,  como era o facto de estar rodeada de pequenas elevações [1] , são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC. 

Era ali que os quadros, regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger,  levou mesmo a então URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os portugueses daquela posição. 

Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de 'Nino' Vieira, acreditou durante muito tempo nela.

Foram essas vulnerabilidades que também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amílcar Cabral,  que estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes internacionalistas [2], enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das capacidades dos seus guerrilheiros. 

Esta decisão, em princípio acertada, não evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e simultaneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que ele descreve essa acção no seu livro“Amílcar Cabral para além do seu tempo” [Lisboa, Editora Hugin, Lisboa, 1998] [3]:

(...) “A primeira operação militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966 [, ao tempo da CCAÇ 1416]:

Esta instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.

O comando guerrilheiro  situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. 

Pela parte cubana encontra-se o tenente Artémio, chefe dos assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulises Estrada, Chefe da 5ª Direcção do Ministério do Interior cubano. 

Junto deles, encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.

Domingos dá ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar; têm coberta a pequena elevação [, a colina de Dongol Dandum,] de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando a confusão e a desorganização.

Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do corpo de Ulises com a clara intenção de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra copiosamente. Ulises, ajudado por outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na retaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.

O grupo guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de morteiros para os atingir.

Ulises considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos do Exército português, e, acompanhado por outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, República da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do PAIGC”. (...)  

[A versão de Oscar Oramas é tirada a papel químico do depoimento de Ulises Estrada...]

Depois deste episódio,  que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas,  quando todo o Boé ficava completamente isolado). 

Dessa vez, durante 13 horas consecutivas,  a posição foi violentamente bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos Fiat G-91, o ataque cessou imediatamente.

(Continua)

 José Nico, ten gen pilav ref

___________

Notas do autor {, complementadas pelo editor LG]:

[1]-  O próprio aquartelamento ficava no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura. [Vd. carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil: a colina Dongol Dandum, a sul do antigo aquartelamento de Madina do Boé, está na cota 171].

[2] - Testemunho de Ulises Estrada Lescaille: “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea Bissau, "La Fogata", 21 de maio de 2003
http://lafogata.org/003oriente/oriente5/or_record.htm

(...) “Cubanos em Guiné:

Oramas fue designado posteriormente embajador de Cuba en la República de Guinea con la tarea principal de atender las relaciones con el PAIGC, mientras que a mí, como oficial de la Inteligencia cubana vinculado al apoyo a movimientos de liberación nacional, el comandante Manuel Piñeiro me asignó la misión de llevar en abril de 1966, en la motonave cubana Uvero, la ayuda solicitada por Amílcar y otras prometidas por el Che a diferentes movimientos de liberación nacional.

Paralelamente se unen al PAIGC los primeros tres médicos y asesores militares cubanos, quienes participan en el primer combate contra el ejército portugués el primero de mayo de ese año.

Una vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.” (...)

Já agora, aqui fica o resto do depoimento do Ulises Estrada, publicado em "La Fogata", em 21 de maio de 2003 [, e onde diz do Amílcar Cabral: "Aunque no era comunista, tenía vastos conocimientos del marxismo- leninismo"]:


(...) Así, en el Frente Este, atacamos el cuartel de Madina Boé, una fortaleza muy bien protegida por los tugas (portugueses) con el apoyo de miembros de la tribu fula, que eran los que estaban en la superficie, ya que los soldados estaban en trincheras bien cubiertas o bajo tierra.

Me encontraba al lado de Domingo, quien con la mitad de su cuerpo cubría el mío para protegerme, cosa que no pude evitar, y abrimos fuego con un cañón B-10 desde una pequeña elevación situada a unos 600 metros del cuartel. Los portugueses tenían colimada la zona y respondieron con certeros disparos de mortero, mientras nosotros continuamos haciendo fuego con el cañón sin retroceso, ametralladoras y fusiles.

Un rato después de iniciado el combate, sentí que corría por el lado derecho de mi espalda un líquido caliente y pensé que estaba herido por uno de los morterazos que caían a nuestro alrededor. Era Domingo, sangraba copiosamente. Tomé su cuerpo en unión de otro compañero y lo condujimos al puesto médico, situado a unos cien metros de la zona de combate. El médico cubano me informó que había fallecido. No podíamos dejar el cadáver del dirigente guineano en manos portuguesas. Tomamos su cuerpo y en un camión nos trasladamos a través de sembrados de arroz hacia la frontera con Conakry.

Llegamos a Boké, donde se encontraba el puesto de mando fronterizo y entregamos su cadáver al compañero Arístides Pereira, para que pudieran darle sepultura y rendirle los honores que merecía este luchador, que fue uno de los primeros altos jefes del PAIGC en caer en combate.

Los cubanos continuaron combatiendo junto al PAIGC en numerosas acciones militares. Nueve de ellos entregaron allí su sangre generosa: Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro LLopins, Radamés Sánchez Bejerano, Eduardo Solís Renté, Felipe Barriendo Laporte, Radamés Despaigne Robert y Edilberto González. (...)

[3] - Note-se como Oramas, numa lógica de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre a acção do chefe guerrilheiro [, Domingos Ramos.] para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional, apesar do desaire sofrido. 

Não me parece nada credível que o movimento de Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulises que é um preto matulão. Era mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulises que estava ao seu lado.

[Vd. também postes de:


18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo) ]

 ____________

Notas do editor :

(*) Vd. postes de:

25 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21293: Bibliografia de uma guerra (97): "A Batalha do Quitafine", de José Francisco Nico, Ten-General PilAv. O livro pode ser adquirido através do endereço "batalhadoquitafine@sapo.pt" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)