Mostrar mensagens com a etiqueta A Guiné aos olhos das actuais gerações. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta A Guiné aos olhos das actuais gerações. Mostrar todas as mensagens

domingo, 13 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6587: A Guiné aos olhos das actuais gerações (5): Primeira semana de trabalho em Catió (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 11 de Junho de 2010:

Caros camaradas
Na continuação dos relatos anteriores da experiência de uma jovem portuguesa envolvida em acção de voluntariado em formação na Guiné-Bissau no Verão do ano passado, aqui deixo agora o resultado da 1.ª semana ocorrida no início de Setembro de 2009.

Podemos apreciar (e talvez avaliar) o choque sofrido quando as formadoras contactaram com a realidade em que tinham que desenvolver o trabalho, a forma superior como resolveram as contrariedades, os ganhos obtidos com as iniciativas.

Um abraço para toda a "Tabanca".
Hélder Sousa
Fur. Mil. TSF

Jovens de Catió

Giovanni


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (5)

Primeira semana de trabalho em Catió

Hélder Sousa / Marta Ceitil

No que diz respeito aos relatos das experiências da jovem Marta Ceitil, envolvida com outras três companheiras de aventura (Telma, “Xana” e Andreyna), nas acções de formação desenvolvidas por voluntários no âmbito dos “Projectos de Voluntariado para a Cooperação” (com divulgação no blogue NÔ DJUNTA MON), que na prática é também o veículo de divulgação das acções efectuadas, e que resultam da promoção efectuada pela Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento, o Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária (www.isu.pt), dizia eu que esses relatos levaram-nos até Catió, no início de Setembro do ano passado, local onde se iria desenrolar nova acção de formação.

Dos relatos anteriores tomámos conhecimento de como progressivamente Marta (e presumo que também as outras companheiras) foram tomando contacto com as novas realidades em que estavam inseridas, de como foram reflectindo sobre as suas experiências e de como haviam ganhos recíprocos. Ensinar e aprender.

Isto é sempre assim, se estivermos atentos e despidos de preconceitos. Em circunstâncias dessas, se se quiser, aprende-se sempre. Também como concluímos dos escritos anteriores o êxito dessas acções de trabalho (e de outras, tal como pudemos ler no Relatório da AD), está essencialmente na atitude, não se ser “inter rail” mas sim estar lá de corpo inteiro.

Neste relato das acções de Catió, que a seguir se apresenta, cobrindo a 1ª semana de trabalhos, chamo particular atenção para o choque que representou a descoberta de que os locais de trabalho (o edifício da escola, o quadro, as carteiras) não eram bem como sempre tinham como dados adquiridos (“eram de lama!…”) e a forma, quanto a mim muito criativa, como resolveram e ultrapassaram esses aparentes obstáculos e até os transformaram em motivos de empenhamento dos professores.

Esse relato está datado de 9 de Setembro, e foi o que se segue:

Data: 9 de Setembro de 2009

Assunto: Boletim Informativo de Catió - Marta Ceitil vira quase Balanta!

Olá
Kuma ki bó stá? Portugal sta diretu?


Estamos em Catió quase há duas semanas e parece que já cá estamos há um ano. Catió é lindo de cortar a respiração, mas não se passa nada... Por um lado temos muita sorte por estarmos na Missão Católica, temos água, electricidade, espaço para trabalharmos e comida com fartura, incluindo doces. Por outro, temos regras, horários, muito tempo livre e somos vigiadas 24 horas sobre 24 horas. Sentimo-nos como se estivéssemos numa gaiola dourada. Continuo com o mesmo princípio: propus-me a esta experiência, eu quis isto, estou a crescer a cada dia que passa e por isso mesmo quero tirar o máximo partido de tudo o que estou a ver, a sentir e a aprender. Até porque, infelizmente o tempo está a passar rápido demais, falta menos de um mês para regressar. Quantas e quantas vezes em Portugal, nos picos do trabalho, não pensei: “quem me dera ter tempo para mim”. Pois bem, agora tenho e decidi optimizar este tempo para tratar de mim, corpo e mente.

Na primeira semana que passou estivemos a preparar a formação e a ambientarmo-nos a esta vida. Fomos passear com o Padre Maurício ate a uma Tabanka que se chama Mato Farroba, não quero dizer nenhum disparate, mas acho que no tempo da Guerra Colonial era um sítio privilegiado de esconderijo dos “Turras” (combatentes guineenses). De qualquer maneira vou investigar e depois confirmo. Em Mato Farroba fomos visitar a escola, onde alguns dos professores a quem nos vamos dar formação costumam dar as suas aulas aos alunos de ensino básico. A escola tem duas salas, construídas com lama e com palha a servir de telhado. Os bancos e as mesas também são feitos com lama, e não existe um quadro na sala. Senti um aperto no coração... como é que é possível? Claro que me questionei o que e que eu estou aqui a fazer? Que raio de sentido e que a formação que nós vamos dar tem para estes professores, quando eles precisam bem mais do que pedagogia? Eles precisam de uma sala que não se dissolva com a chuva, precisam de bancos, mesas, cadeiras, quadro, sei lá...precisam de tudo o que eu sempre dei por adquirido e que só hoje dou valor. Passados estes minutos iniciais de choque, de revolta e de confrontos com estas duas realidades, percebi que a nossa vinda aqui faz sentido e que posso contribuir de alguma forma. Como? Só temos de ser criativas. Ok, não há quadro, não há bancos, e então? Decidimos que na nossa formação vamos só usar materiais da terra, mostrar que o que tem podem utilizar recursos didácticos que iram facilitar o ensino dos seus alunos. Nem imaginam o desafio que tem sido..., temos feito coisas tão giras, o nosso mais recente bébé é um ábaco com paus, linha e sementes de pinha, ficou liiindooo!!!

A Formação está a correr bem, os professores estão maravilhados com o que podem fazer com os materiais da terra, e apesar de estarem formatados para darem aulas como se ainda estivéssemos no “Estado Novo”, tem reagido positivamente a nossa iniciativa. Ainda temos mais duas semanas de trabalho com eles e acredito que ainda me vão surpreender muito.

Para além da formação tenho ocupado o meu tempo a tratar de mim, todos os dias vou correr 1 hora. Nunca gostei de correr, mas aqui com esta paisagem no meio das tabankas é brutal. Ao inicio as pessoas ficavam muito surpreendidas, e algumas crianças vinham a correr atrás de mim a dizer: “Curri Branco Pélélé”!!! lolol!!! Mas agora já estão habituadas e não me ligam nenhuma.

Chego a casa e junto-me a elas, Andreyna, Xana e Telma para fazermos Yoga e fazermos a nossa sessão de dança. Todos os dias dançamos uma música tradicional da Guiné.

No outro dia vinha da feira para casa, e aparece um Balanta que me acompanha o caminho todo. Os Balantas são a Etnia predominante da Guiné-Bissau e os Homens balantas caracterizam-se por usarem um barrete encarnado (símbolo que fizeram o fanado que é um ritual tradicional que marca a passagem do jovem adolescente para adulto).

A nossa conversa foi qualquer coisa, ele mal falava crioulo só mesmo o seu dialecto, mas lá nos conseguimos entender. Então, o meu amigo Balanta queria que eu fosse a sua mulher e tivesse 8 filhos. Eu só me conseguia rir, e dizia-lhe que não podia, que já tinha marido e filhos, e depois o que seria deles, coitadinhos sem mim, lol! Depois passámos pela casa dele, e lá me apresentou a família. Afinal já tinha mulher, os 8 filhos, queria só que eu fosse a outra mulher! Mesmo “á lá Guiné!!” Já me estava a imaginar a escrever um livro cujo o titulo seria: ”Casei com um Balanta”! Mãe, Pai, estou a brincar!!

O Giovanni que já cá está há 3 anos, tem-me ajudado a perceber melhor as diferenças e características entre as várias etnias, e por isso já sei algumas palavrinhas, no próximo mail o cumprimento já vai ser em Balanta.

É também Graças ao Giovanni que temos tido momentos no mínimo hilariantes. Ele é completamente avariado da cabeça, e não tem problemas nenhuns com isso, diz, faz o que pensa e quer. No outro dia estávamos todos os almoçar com o Padre, e ele aparece na sala em tronco nu, com uma folha de Palmeira a tapar as partes íntimas a dizer que era o Adão! LOL Surreal!! Este é só um exemplo, isto é assim sempre e a toda a hora.

Bem, acho que este mail já esta a ficar para lá de grande por isso vou-me despedir com muitos beijinhos cheios de saudades.

Mantenhas pa bós
Da vossa Badjuda di Guine
Marta Ceitil

**********

Volto a interrogar-me: que se pode dizer quanto a isto?

Sei que a experiência, em todos os aspectos, foi altamente importante para a Marta. Como já vos disse anteriormente, no fim destas acções de formação a Marta e companheiras regressaram a Portugal mas a Marta (pelo menos) voltou para lá onde ainda se encontra actualmente e cada vez com maior segurança daquilo que quer.

Nesta experiência em Catió teve a possibilidade de reflectir sobre as diferenças entre realidades diferentes, cada qual com as suas características próprias e com ‘janelas de oportunidade’ para se fazer bom trabalho, assim se queira; teve também a experiência do “encontro” com o balanta que queria acrescentar mais alguém ao seu harém; teve a possibilidade de observar a vida da comunidade.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6443: A Guiné aos olhos das actuais gerações (4): Primeiras impressões de Catió e viagem até Bubaque (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6443: A Guiné aos olhos das actuais gerações (4): Primeiras impressões de Catió e viagem até Bubaque (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros camaradas Editor e Co-Editores
Em anexo vos envio o 4.º relato das experiências de 'formação' de Marta Ceitil, para integrarem, caso entendam, na série respectiva.

Este IV documento relata a ida para Catió, depois das aventuras em Mansoa.
Há um fim-de-semana com viagem até Bubaque, descoberta dos encantos das ilhas e depois a chegada a Catió, com o alojamento na Missão Católica.

Estas são as primeiras impressões... depois virá o trabalho... e as dificuldades e as perplexidades, com as consequentes interrogações e o abalar de 'certezas' adquiridas... mas isso fica para o próximo relato!

Um abraço
Hélder Sousa


Fotos de Catió


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (IV)

Primeiras impressões de Catió e viagem até Bubaque


por Hélder Sousa / Marta Ceitil

No seu anterior mail, do final de Agosto, a Marta tinha-nos dado conta como correu a sua experiência em Mansoa. Os avanços sua aprendizagem, os preconceitos quanto à questão de trabalho com jovens ‘militares’, a comovente e inesquecível festa de aniversário que os formandos e amigos lhe proporcionaram. Tudo isto, tendo sempre como base uma atitude que só pode ser classificada como correcta e a única que verdadeiramente funciona: está lá para ensinar mas também muito para aprender.

É essa a chave do sucesso. E é curioso como se pode perceber, pela leitura do “Relatório de Actividades da AD”, na pág. 30, a propósito das actividades das “ong”, como os guineenses entendem certo tipo de ‘colaborações’ e a sua esterilidade, exactamente no sentido do que atrás se disse. Reparem:

“Outro dos aspectos notáveis destes tempos modernos, é o da tentativa de descredibilização da competência dos quadros nacionais, como forma de justificar o envio de rapaziada nova, recém-cursada, sem experiência alguma de terreno, sem dominarem minimamente os conceitos teóricos e práticos do desenvolvimento e que apenas são ouvidos porque ao chegarem ao país, metem a mão no bolso, puxam pela carteira, metem-na em cima da mesa e, do alto da sua sobranceria e deslumbramento, clamam: chegou o Pai Natal!

Vamos distribuir fundos!

É uma rapaziada do tipo “inter-rail”, passeiam pelo mundo inteiro sob o chapéu do subdesenvolvimento, estão sempre de passagem, não chegam a conhecer nada e nada aprendem, convencem-se que o mundo começou com eles, que eles são o big-bang e permitem-se dar aulas técnicas a quem passou a vida a queimar pestanas e que têm a modéstia de reconhecer que o muito que ainda têm de aprender será…com aqueles que sabem.
Afinal, cada tempo tem o seu colonialismo… e o seu combate.”


Não acham que está bem caracterizado? Pessoalmente gostei bastante da classificação da “rapaziada tipo ‘inter-rail’…. que passeia pelo mundo sob o chapéu do subdesenvolvimento, sempre de passagem …. não chegam a conhecer nada e nada aprendem …. e convencidos que o mundo começou com eles”. Um mimo!

Agora, depois da experiência de Mansoa, a Marta vai para Catió. Iremos tomar conhecimento de como o trabalho, a formação, irá decorrer, com as suas vicissitudes e a superação expedita das dificuldades, dos seus ganhos emocionais, mas entretanto ficamos por uma visita a Bubaque e a viagem e chagada a Catió, com as primeiras impressões.

Espero que os camaradas que andaram por Catió possam reconhecer e corroborar as impressões que a Marta nos vai trazer.

Esse mail, datado de 3 de Setembro, foi o que se segue:


Subject: Catio: novas aventuras do sul da Guiné
Date: Thu, 3 Sep 2009 11:45:54 +0000

Olá :)

Kuma di kurpo? Kuma di Galinha? Kuma di trabajo?

Já estamos em Catió e aqui a saudação é ligeiramente diferente. Mais uma vez peço desculpa pelos erros ortográficos, mas estes computadores continuam a ser um mistério para mim, este é italiano, ainda é pior.

No fim-de-semana fomos para as Ilhas, Bubaque. A viagem de 4 horas foi no mínimo surreal: uma “tempestade gigante com ondas do tamanho do mundo”, passei quase todo o tempo enjoada, não sei se pelas ondas, se pelo o cheiro da aguardente de cana que todos os que iam no barco estavam a beber. Tirando esta viagem tudo o resto em Bubaque foi brutal. Comemos muito bem, fizemos praia, fomos sair à noite onde tivemos oportunidade de assistir a um concerto de um músico famoso (não me lembro do nome) mas quem em vez de cantar, faz playback e dança muito…

Já estamos a ficar especialistas na Batida (Kizomba) no Decalé, Gumbé e no Kuduro :)

Segunda-feira viemos para Catió. A viagem foi tranquila, tinham-nos dito que ia ser horrível que as estradas estavam más... nada disso foi mesmo “Shanti Shanti”. Catió fica no Sul da Guiné e é lindo, lindo. Aqui sim, sinto e vejo a Guiné que idealizei: paisagem verde, que contraste com o castanho das tabankas. Aqui as pessoas são bem mais calmas, parecem alentejanos.

Estamos muito bem instaladas, na Missão Católica. O Padre Maurício (italiano) é uma personagem, muito bem disposto, tem 60 anos, e tirando o meu pai, é dos homens mais charmosos que alguma vez vi na vida :) Para além do seu aspecto físico faz umas massas óptimas. Está na Guine desde 1973 e é um espectáculo ouvir as suas histórias. A missa também é qualquer coisa…, primeiro é dada em crioulo e depois a música é tocada com djambés. Segunda-feira começamos a dar a formação aos professores. Este vai ser o nosso maior desafio, mas acredito que vamos dar conta do recado.

Connosco na Missão Católica está um rapaz italiano o Giovanni que é a maior personagem que alguma vez conheci. Tem 26 anos, e está na Guiné há 3 anos. Ficou por Catió e agora ajuda o Padre Maurício na horta. O Giovanni é baixinho, gordinho e parece o Pai Natal. No outro dia fomos com ele de carro ver a Horta, e no rádio começou a dar Madona - Material Girl, o que é que foi aquilo? Parecia louco, a cantar e a dançar como se não houvesse amanhã. Surreal, nem consigo descrever. Na Horta, quisemos ajudar, pegámos nas enxadas e começámos a cavar, não sei bem para quê. Esta minha experiência durou 15 minutos, além de ter ficado exausta tive o meu primeiro encontro imediato com uma cobra. Desta vez não fiquei calma, desatei aos berros e fugi para o carro e só saí lá de dentro quando chegámos a casa.

Enfim... tenho tantas histórias ainda para contar, mas fica para depois. Continuo encantada, e cada vez a gostar mais disto. Sinto-me mais tranquila e de bem comigo própria. Nunca tinha estado assim...em paz. Também estou a gostar de sentir que estou a aproveitar cada momento desta experiência e a tirar o máximo partido dela.

Bem, por agora é tudo, na próxima semana envio mais notícias.
Beijinhos grandes com muitas saudades :)
Marta Ceitil



Que se pode dizer quanto a isto?

Podemos perceber como a Marta emprega sempre um entusiasmo, uma alegria, uma atitude de “gostar do que faz”, em tudo quanto observa e relata. E a franqueza e aparente ingenuidade dos relatos de algumas passagens só dão mais autenticidade às mesmas.

Apenas para que possam compreender como toda esta experiência ‘de Verão’ foi importante, revelo que a Marta depois de ter regressado a Portugal no início de Outubro passado, já se encontra de novo na Guiné, agora desenvolvendo trabalho no âmbito dos “Médicos del Mundo” que não deixaram de aproveitar todo o seu entusiasmo e gosto por aquela terra e aquelas gentes.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6260: A Guiné aos olhos das actuais gerações (3): Estou feliz e estou grata por esta oportunidade (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6260: A Guiné aos olhos das actuais gerações (3): Estou feliz e estou grata por esta oportunidade (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros amigos Editor e Co-Editores
Em anexo envio o terceiro documento da série que me propus colocar com a experiência da Marta Ceitil em terras guineenses.

Depois de Bissau, agora foram duas semanas de formação em Mansoa.

Acho interessante o relato com os locais e a 'população-alvo' das acções de formação.
É igualmente comovente a forma como conseguiram criar-lhe um ambiente envolvente para o seu primeiro aniversário passado afastado da família.

É curiosa a forma como a aprendizagem e o progressivo (re)conhecimento da Guiné e dos guineenses vai moldando o sentir desta jovem.

Calculo que muitos dos nossos camaradas 'atabancados' tenham igualmente passado por um processo semelhante, em termos de aproximação à terra e às suas gentes, e se revejam agora nestes relatos, com 'histórias em tempos de paz' (relativa, é certo!).

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (III)

Estou feliz e estou grata por esta oportunidade


Hélder Sousa / Marta Ceitil

No seu anterior mail, datado de 9 de Agosto, a Marta já tinha tido oportunidade de revelar os avanços da sua aprendizagem, de como eles funcionaram em género de ‘terapia de choque’ e como isso a estava a ajudar a crescer.

Agora vamos tomar conhecimento como correu a acção seguinte, em Mansoa. Chamo a atenção para o tipo de acções de formação, para os temas e para o ineditismo de envolver militares, com sessões no quartel-general e na discoteca. Imaginem isso cá!

Acresce ainda o facto do aniversário da nossa narradora ter ocorrido durante esse período, o que também a marcou de forma indelével, como poderemos constactar.

Esse mail, datado de 25 de Agosto, foi o que se segue:

Subject: Já lá vai quase 1 mês: saudades!!!

Date: Tue, 25 Aug 2009 19:49:07 +0000

Olá :)

Kuma ki bo mansi?? Esta é a minha preferida, significa: como é que amanheceste?

Chegámos hoje a Bissau, estivemos estas duas semanas em Mansoa, que fica no interior a 1 hora de caminho. Mansoa é conhecida também pelo seu quartel militar que é o segundo maior do País. Sempre que acontece alguma coisa na Guiné foi arquitectado em Mansoa.

Políticas e guerras à parte, amei Mansoa. Foi quase uma colónia de férias "à lá Guiné". Estivemos na Escola Nacional de Voluntariado, com 250 jovens de todo o país. Ficámos a dormir com eles em camaratas.

A adaptação aqui custou um bocadinho mais, andávamos a queixar da nossa residencial em Bissau, aqui... bem passámos de um Hotel de 5 estrelas para a tabanka. Não há casas de banho com sanita, é um buraco. Para tomarmos banho, tínhamos de ir buscar água ao poço todos os dias e tomar banho à caneca. A minha adaptação demorou um dia, assim que entrei no ritmo adorei. Gostava do ritual de ir buscar a água com as mulheres e colocar o balde na cabeça (esta parte não me correu bem, não me consigo equilibrar com aquilo), tomar banho ao ar livre é brutal, principalmente à noite sem electricidade. Lavamos a nossa roupa com a água do poço, no primeiro dia em decidimos lavar, foi um acontecimento social: 4 brancas a lavarem a sua roupa, até tiraram-nos fotos e tudo!

Outra parte interessante, é ver a minha evolução em relação aos bichos: todas as noites era eu que inspeccionava o nosso colchão, e rede mosquiteira. Qual baratas voadoras, sapos, ratos, minhocas, qual quê, nada disto me faz impressão. Também ainda não tive nenhum encontro com uma iguana, a ver vamos se mantenho a mesma postura.

Entretanto apanhei outro ‘estaladão’ invisível. Eu tinha um preconceito enorme em relação aos militares, andava na rua e cada vez que via um mudava para o outro lado da estrada e nem sequer olhava ou cumprimentava (na Guiné toda a gente se fala, diz bom dia e kuma?). Pois bem, uma das áreas de actuação da RENAJ (a entidade parceira com a qual o ISU trabalha), é precisamente ‘desconstruir’ esta ideia à volta dos jovens militares e aproximá-los da juventude civil. Neste campo de férias, estiveram presentes 5 mulheres e 10 homens militares. 5 deles foram meus formandos (3 mulheres e 2 homens) e foi brutal ver a minha reacção inicial, desconfiada de tudo, e depois ver como me deixei ir. São pessoas como eu, e como qualquer outro Guineense, pelo menos ali naquele contexto. São mais inteligentes do que alguma vez eu pensei que fossem, e esta nova geração está mesmo empenhada nesta aproximação entre militares e civis, o que para mim faz todo o sentido, e querem ter uma participação activa na sociedade através do movimento associativo.

Em relação à formação, correu bem. Foi dada pelo Evaldo que é um animador em Saúde Sexual Reprodutiva dos Médicos do Mundo. O meu papel aqui foi orientá-lo ao nível pedagógico, trabalhar e preparar as sessões com ele, pensar nos métodos que ele iria utilizar para que os formandos assimilassem bem os conteúdos da formação. No entanto, dado o tema da formação e visto eu ser mulher, acabei por intervir mais do que ao que devia na formação, pois todos queriam que eu falasse da minha experiencia e trouxesse exemplos e comparasse a realidade da Guiné com a de Portugal. Adorei falar sobre este tema, não me senti nada incomodada, no fim de cada sessão ficavam todos à conversa comigo para tirar dúvidas ou simplesmente falar sem tabus. Tivemos uma componente prática: os formandos tiveram de fazer uma campanha de sensibilização para as doenças sexualmente transmissíveis, com especial enfoque no HIV/SIDA, na discoteca de Mansoa junto dos jovens e no Quartel-General junto dos militares. Ambas correram muito bem e mais uma vez ficou o sentimento de: "Missão Cumprida"

Quanto ao meu dia de anos, não quero ferir susceptibilidades, mas este foi sem sombra de dúvida o melhor aniversário de sempre. Os meus formandos e não só, os restantes jovens das outras turmas passaram o dia inteiro a preparar-me uma festa, pois queriam que eu me sentisse em casa, e não ficasse triste por não ter a minha família e amigos ali. Só para contextualizar, nós estávamos numa escola, não há cozinha, a comida era-nos chegada pela Missão católica, pelo que preparar o que quer que seja envolve ir à tabanka e arranjar lá tudo o que for necessário. A minha formanda Emília, passou a tarde toda a fazer bolos para os 250 jovens. À noite preparam-me uma festa que tinha um apresentador, e eu era a convidada de honra. Fizeram-me uma peça de teatro que representa o meu percurso de vida até chegar ali, escreveram-me cartas, dançaram para mim, fizeram um discurso brutal... Claro está que não consegui reter as lágrimas chorei baba e ranho.

Em anexo seguem algumas fotos, estou quase uma preta da Guiné;)

Hoje foi o último dia e foi uma choradeira pegada. Nem quero imaginar como vai ser o dia em que me for embora para Portugal. Mas... uma coisa de cada vez, agora estou aqui.

Bem por agora, é tudo. Até sexta-feira vou estar em Bissau, depois vou para Bubaque, e segunda Catió. Estou sem telemóvel agora, não conseguimos carregá-lo, mas como dizem os guineenses: "Parece que vamos conseguir arranjar uma solução"

Beijinhos grandes com muitas saudades.

P.S - Caso o meu mail não tenho sido claro nesse sentido, deixo aqui o meu testemunho: Estou feliz, nunca, mas nunca tinha experimentado este tipo de realização e estou grata por ter esta oportunidade.

Marta Ceitil



2. Volto a perguntar, o que se pode dizer quanto a isto?

Acompanhando estes relatos podemos lembrar as nossas próprias experiências: o contacto com a fauna (mosquitos, baratas voadoras, sapos, ratos, minhocas, etc.), a aprendizagem do ‘banho à fula’, os sanitários ‘arejados’, enfim, ainda se lembram?

Depois não tenho palavras pare exprimir o que penso que ela deve ter sentido com a situação de passar o seu aniversário longe da família, pela primeira vez, e do que as colegas e alunos fizeram para suprir essa falta, contribuindo com o carinho e o envolvimento de todo o grupo de tal modo que afinal esse aniversário foi tornado inesquecível.

No texto a Marta faz referência ao ISU, entidade de que darei mais indicações proximamente.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF

Mansoa > Escola Nacional de Voluntariado

Mansoa

Mansoa > Aniversário

Mansoa > Aniversário

Mansoa > Aniversário

Mansoa > ENV > Cantando o hino da Guiné

Mansoa > ENV > Turma de saúde sexual reprodutiva

Mansoa > Escola Nacional de Voluntariado

Mansoa > lavando a roupa

Mansoa > Escola Nacional Voluntariado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6219: O 6º aniversário do nosso blogue (15): Seis anos de vida! É Obra! Vamos reflectir (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6099: A Guiné aos olhos das actuais gerações (2): Sinto que estou a aprender e a crescer na Guiné-Bissau (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

sábado, 3 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6099: A Guiné aos olhos das actuais gerações (2): Sinto que estou a aprender e a crescer na Guiné-Bissau (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros amigos Editor e Co-Editores e restantes camaradas
Aqui vos envio o 2.º texto com as crónicas da Marta Ceitil, enviadas aquando da sua aventura como formadora em terras da Guiné e para colocarem na série respectiva.

Neste episódio a Marta já começou a dar a primeira série de formações, em Bissau, sendo que a sua aprendizagem vai ser dura mas profunda e duradoura.

Escrevi aprendizagem porque foi exactamente isso que se passou: a Marta foi ensinar e acabou aprendendo também!

Aprendeu a dar novos valores às coisas da vida, aprendeu a dar e a receber, aprendeu a gostar da Guiné.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (II)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL




Depois do seu mail de 29 de Julho, em que dava conta das impressões iniciais e onde tudo era novidade, a Marta enviou novo mail em 9 de Agosto, já então com algum tempo de estadia e também de trabalho.

O mail foi o que se segue:

Saudades di mi terra :)
9 Aug 2009 18:49:02 +0000

Olá Família
E Kuma? Kurpo sta diritu? ;)

Pois é, já lá vão duas semanas e parece que já cá estou há um mês. Aqui é tudo tão diferente, a noção de tempo a passar também é diferente.

Já demos a nossa primeira formação, começou na terça-feira e acabou no sábado. Foi incrível. Não estava nada à espera de ter tanto jeito para isto! Nem estava à espera de gostar tanto de dar formação. Substimei o nível de conhecimento dos meus formandos, e levei um ‘estaladão’ na cara invisível: superaram todas e quaisquer expectativas que eu tinha. Foi uma experiência incrível e sinto que estou a aprender e a crescer a cada dia que passa. Sinto também que estou a mudar algumas coisas, ainda é cedo para dizer isto, mas agora, no presente, sinto que cada vez mais dou importância ao que realmente é importante e relativizo aquilo que não vale a pena, nomeadamente coisas minha e fúteis, que como um bom leão que sou, tenho e faz parte do meu ser, ser vaidosa e gastar (se me pudesse dar a esse luxo…) rios de dinheiro em cremes, em roupa, em botas Timberland. Não estou a dizer que quando voltar, vou ser toda ‘Shanti Shanti’ e ser contra o consumismo, mas aqui e agora isso não vale nada. Esta confrontação das duas realidades é brutal e está a fazer-me muito bem. O desafio é saber gerir bem esta confrontação e saber questionar sem me deixar levar pelo extremismo. Mas acho que estou a conseguir.

A semana que passou também foi um bocado tensa, afinal o sítio onde nós estamos não é assim tão protector dos animais como nós achávamos. No outro dia chegámos a casa, e os donos do aparthotel estavam cá fora no jardim a jantar e perguntaram se éramos servidas. Agradecemos e dissemos de imediato que não, o cheiro estranho a carne era insuportável! De seguida vou à cozinha (que é partilhada) para preparar o nosso jantar, quando... na bancada da cozinha está a cabeça da Nucha, a nossa bambi!!! Não aguentei e desatei a chorar!! Que horror! Percebi logo o que é que os outros estavam a jantar!!

Eu sei, estou na Guiné e é normal estas coisas... mas bolas, criámos uma relação com os animais e aos poucos estão todos a ser comidos! O Galo, já era, também já foi morto, (nem sabia que se comiam Galos, pensava que eram só galinhas), qualquer dia é o Manel e a Maria os nossos chimpanzés!!!

Enfim, estas e outras coisas fazem-me crescer e o ter de lidar com elas também!
O que vale é que amanhã vamos já para Mansoa, já estamos um bocado fartas de Bissau. Também é por isso que estou a escrever, vou ficar até ao dia 26 de Agosto em Mansoa, e aí não há mesmo internet, só o telemóvel. Estamos ansiosas para ir, vamos para a Escola Nacional de Voluntariado, funciona como um Campo de Férias com vários jovens que se inscrevem para ter formação em: Associativismo Juvenil, Saúde Sexual Reprodutiva, Planeamento Estratégico, e Metodologia de Projecto. Eu vou ser coordenadora e responsável pela Formação de Saúde Sexual Reprodutiva, e acho que vai correr novamente bem. Já temos os nossos amigos que são impecáveis, ontem à noite começou a doer o ouvido à Telma, eu com uma lanterna espreitei o ouvido... tinha um bichinho lá dentro. Tínhamos de ir a uma farmácia, ligámos ao nosso amigo Cemjoão (não é o 99 é o cem) que tem uma mota, para nos ajudar a encontrar uma farmácia. Impecável, tratou de tudo e conseguiu as tais gotas para o ouvido que mata o bicho!

Hoje ligámos à nossa médica que nos confirmou que fizemos bem. Só aventuras!!! Cada vez que andamos de Táxi é um filme, mas o lado bom é como os taxistas são todos senegaleses, farto-me de falar francês e afinal não estou assim tão mal quanto achava estar.

Estamos a ser muito bem tratadas e bem recebidas por todos. Andamos na rua e parece que estamos na aldeia, toda a gente nos conhece :)

Bem, este mail está a ficar muito grande, só para vos mandar um grande beijinho e dizer que tenho muitas saudades vossas :)

Espero que esteja tudo bem convosco. Na terça-feira ligo à Joana para dar os parabéns ao Francisco!

Beijinhos grandes
Marta Ceitil



O que se pode dizer quanto a isto?

A aprendizagem desta jovem faz-se a um ritmo acelerado. O contraste entre a sua realidade até então vivida e a dura realidade guineense contribui fortemente para um crescimento mental, um crescimento interior, que a vão levar a novos e mais elevados patamares do relacionamento humano.

É verdade que a atitude ajuda muito. Se se parte com o espírito de grupo, de partilha, o ensino e a aprendizagem entrelaçam-se e atingem-se resultados positivos.
De qualquer modo essa aprendizagem tem, como sempre, aspectos duros.

Veja-se a descoberta de que a Casa/Pensão não era propriamente um zoológico ou um habitat/refúgio de animais indefesos…

Veja-se como se aprende que não se pode ir para estes locais com preconceitos, pois rapidamente se pode levar um ‘estaladão’…

Mas também se veja como a Guiné permite, se assim se quiser e estiver disposto a isso, que rapidamente as pessoas procurem superar os seus limites e se questionem sobre os valores da Vida.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6054: Controvérsias (68): Preciso de entender coisas que não alcanço (Hélder Sousa)

Vd. primeiro poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 23 de Fevereiro de 2010:

Caros Editor e co-Editores
Em anexo envio-vos este texto que preparei e que caso mereça aprovação poderá ter continuidade.

Trata-se, como digo, de apresentar através das impressões colhidas junto duma jovem pertencente às novas gerações envolvidas em acções de trabalho na Guiné, como de forma progressiva mas consistente e bem fundamentada se pode explicar este fascínio que todos nós, os que aqui neste espaço têm vindo a revelar as suas memórias, revelamos relativamente à Guiné 'do nosso tempo'.

Essas memórias estão assentes tantas vezes sobre acontecimentos dramáticos ou traumatizantes mas, mesmo assim, acabamos sempre por revelar a atracção que a Guiné exerce sobre nós. Prova disso é o número crescente de elementos que integram as diversas missões que têm como objectivo a solidariedade no local, ou mesmo em simples contacto individual.

Poderão constactar que actualmente, em paz, apesar das dificuldades, que estiver com espírito positivo, com a mente aberta às diferenças mas principalmente à aprendizagem, encontra na Guiné o mesmo fascínio, encanto e atracção que tanto a nós nos tocou.

Para amenizar a conversa juntei fotos da Marta, do pai da Marta (o José Ceitil), dos seus livros e também da casa em Bissau onde a nossa 'narradora' se instalou.
Uma das fotos mostra a casa, a outra mostra a Marta, ao centro, com os outros elementos envolvidos nas acções de formação que iriam decorrer e a outra o macaquinho Manel, um dos 'habitantes' daquela casa.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (I)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL

Há algum tempo atrás pensei que o tema que vos proponho fazia todo o sentido.

Sou da opinião que sim, porque cabe perfeitamente no âmbito do ‘nosso’ Blogue, até porque uma das suas características, uma das suas ‘marcas’, é termos em comum a Guiné, termos estado lá, estar aberto a quem é de lá e a quem gosta de lá.

Também não é menos certo que existe aquela ideia de que os nossos jovens ‘já nem nos podem ouvir falar da Guiné’ tal como até já figurou, mais coisa menos coisa, como ‘frase do dia’. Sinceramente acho que, quanto a este último aspecto, o que faltou foi contar, em devido tempo, aos nossos filhos as nossas venturas e desventuras daqueles tempos sofridos, e esse facto de os termos sufocado apenas nas nossas memórias e agora de repente saltarem cá para fora é que será talvez o que os pode fazer estranhar e até duvidar se alguma vez ‘isso’ aconteceu…

Acresce também que fui reparando, em apontamentos no nosso Blogue mas também em outras fontes, que não são raros os depoimentos de jovens que nos tempos de hoje, pelos mais diversos motivos, estão ou estiveram na Guiné e que falam dela e a descrevem com simpatia e entusiasmo, principalmente das suas gentes e das paisagens, não escondendo as dificuldades e as carências. Isto foi para mim particularmente notório no Blogue criado e mantido pelo pessoal envolvido na construção da designada ‘Ponte Europa’ (S. Vicente), no Blogue ‘Bissau Calling’ mantido por Miguel Sousa e ainda outros.

Deste modo, e para ilustrar estes novos ‘descobrimentos’, proponho-me trazer aqui 4 ou 5 relatos com a vivência de uma jovem, Marta Ceitil, que esteve na Guiné a desenvolver trabalho na área da formação, de Julho a Outubro passados e em que é perfeitamente possível apercebermo-nos da sua progressiva integração e até, porque não dize-lo, paixão por aquele terra.

No entanto é justo começar pelo princípio, como sempre. E isso o que é?

Já vos disse que fui ‘formado’ pela ‘escola vilafranquense’, nas suas várias vertentes. Aí, entre os meus vários amigos está o José Ceitil, que alguns dos membros do nosso Blogue poderão conhecer pois foi funcionário da TAP, e no ano passado, algures em Junho, aquando dum dos encontros que fomos promovendo para reacender a actividade da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense, UDV, desabafou um tanto preocupado, que a sua filha Marta tinha comunicado decidir abandonar uma carreira promissora e “partir para a Guiné para fazer formação”.

O Zé Ceitil é um homem habituado a enfrentar os desafios da vida, nunca virou a cara à luta, é autor de dois pequenos livros, que recomendo, um deles com o bem sugestivo título de “Vidas Simples, Pensamentos Elevados” que na prática é toda uma proposta de postura para a vivência na sociedade, é igualmente autor da “História do Clube de Futebol Os Belenenses”, saído no ano passado. Naquele dia o Zé Ceitil era o mesmo, confiante, incapaz de ‘cortar as asas’ a quem queria voar, mas preocupado… Então a sua ‘caçula’ ia para o ‘cú do Mundo’ com todo aquele cortejo de conceitos reais e imaginados de problemas, doenças, miséria, dificuldades várias, ainda com os assassinatos do Nino e do Tgamé bem recentes… não seria uma preocupação legítima? Claro que era!

Procurei tranquilizá-lo, disse-lhe que as coisas no local não eram bem como a comunicação social as relata, que não tinha conhecimento de qualquer tipo de animosidade quanto aos portugueses, bem pelo contrário, dei-lhe referências do nosso Blogue, dos dois que acima referenciei, de mais outros e falei-lhe das diversas iniciativas que regularmente ocorrem para levar apoios a entidades diversas, falei da AD, enfim, procurei, à minha medida, contribuir para dar a confiança necessária que qualquer retaguarda deve proporcionar.

E então a Marta lá foi, quase no final de Julho, integrada num projecto chamado “Nô Djunta Mon” de que poderei falar depois. O seu primeiro mail para a família, que teve a gentileza de me enviar também, é o que se segue:

Olá Família!!
Kuma dia Kurpo?

Antes de mais peço desculpa por qualquer erro ortográfico que possa dar, mas este computador é um mistério para mim, vou demorar umas horas a escrever o mail.

Enfim, só para vos dizer que chegámos e está tudo bem. As coisas andam calmas por aqui, calmas demais segundo os guineenses, pelo que é possível haver alguma coisa quando saírem os resultados definitivos das eleições. De qualquer maneira volto a referir que a nossa segurança não está em causa.

À parte disso, estou adorar. Estamos num casa linda e temos como animais de estimação dois chimpanzés (o Manel e a Maria) um “bambi” que se chama Nucha, um galo está na janela do nosso quarto, e todos os dias a partir das 4 da manhã começa a cantar. Confesso que ao galo já tenho vontade de o esganar, muitos patinhos, galinhas e um ratinho.

Só começamos a dar formação para a semana, esta semana temos andado em reuniões e reconhecimento do local.

Tenho saudades, mas estou feliz. E por aí como anda tudo? Estão bem? O Diogo e o Francisco estão bem? A Avó está boa? Na quinta ela faz anos, vou tentar ligar nesse dia.

Beijinhos grandes
Gosto muito de vocês.
Marta Ceitil



Como se pode observar neste primeiro mail há uma grande preocupação da Marta em dar todas as garantias aos familiares de que não está nem em perigo nem em dificuldades. A sua descrição do local onde está alojada é no mínimo ternurenta, com aquela confissão da vontade em ‘calar’ o galo…

As coisas depois irão tomar o seu rumo, irá dar formação em Bissau, depois em Mansoa e mais tarde em Catió, mas isso ficará para outros relatos se entenderem que tem merecimento.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa - Manel

Livros do Ceitil
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5821: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (9): A Presse Lusitana

Vejam também o poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau