terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 23 de Fevereiro de 2010:

Caros Editor e co-Editores
Em anexo envio-vos este texto que preparei e que caso mereça aprovação poderá ter continuidade.

Trata-se, como digo, de apresentar através das impressões colhidas junto duma jovem pertencente às novas gerações envolvidas em acções de trabalho na Guiné, como de forma progressiva mas consistente e bem fundamentada se pode explicar este fascínio que todos nós, os que aqui neste espaço têm vindo a revelar as suas memórias, revelamos relativamente à Guiné 'do nosso tempo'.

Essas memórias estão assentes tantas vezes sobre acontecimentos dramáticos ou traumatizantes mas, mesmo assim, acabamos sempre por revelar a atracção que a Guiné exerce sobre nós. Prova disso é o número crescente de elementos que integram as diversas missões que têm como objectivo a solidariedade no local, ou mesmo em simples contacto individual.

Poderão constactar que actualmente, em paz, apesar das dificuldades, que estiver com espírito positivo, com a mente aberta às diferenças mas principalmente à aprendizagem, encontra na Guiné o mesmo fascínio, encanto e atracção que tanto a nós nos tocou.

Para amenizar a conversa juntei fotos da Marta, do pai da Marta (o José Ceitil), dos seus livros e também da casa em Bissau onde a nossa 'narradora' se instalou.
Uma das fotos mostra a casa, a outra mostra a Marta, ao centro, com os outros elementos envolvidos nas acções de formação que iriam decorrer e a outra o macaquinho Manel, um dos 'habitantes' daquela casa.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (I)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL

Há algum tempo atrás pensei que o tema que vos proponho fazia todo o sentido.

Sou da opinião que sim, porque cabe perfeitamente no âmbito do ‘nosso’ Blogue, até porque uma das suas características, uma das suas ‘marcas’, é termos em comum a Guiné, termos estado lá, estar aberto a quem é de lá e a quem gosta de lá.

Também não é menos certo que existe aquela ideia de que os nossos jovens ‘já nem nos podem ouvir falar da Guiné’ tal como até já figurou, mais coisa menos coisa, como ‘frase do dia’. Sinceramente acho que, quanto a este último aspecto, o que faltou foi contar, em devido tempo, aos nossos filhos as nossas venturas e desventuras daqueles tempos sofridos, e esse facto de os termos sufocado apenas nas nossas memórias e agora de repente saltarem cá para fora é que será talvez o que os pode fazer estranhar e até duvidar se alguma vez ‘isso’ aconteceu…

Acresce também que fui reparando, em apontamentos no nosso Blogue mas também em outras fontes, que não são raros os depoimentos de jovens que nos tempos de hoje, pelos mais diversos motivos, estão ou estiveram na Guiné e que falam dela e a descrevem com simpatia e entusiasmo, principalmente das suas gentes e das paisagens, não escondendo as dificuldades e as carências. Isto foi para mim particularmente notório no Blogue criado e mantido pelo pessoal envolvido na construção da designada ‘Ponte Europa’ (S. Vicente), no Blogue ‘Bissau Calling’ mantido por Miguel Sousa e ainda outros.

Deste modo, e para ilustrar estes novos ‘descobrimentos’, proponho-me trazer aqui 4 ou 5 relatos com a vivência de uma jovem, Marta Ceitil, que esteve na Guiné a desenvolver trabalho na área da formação, de Julho a Outubro passados e em que é perfeitamente possível apercebermo-nos da sua progressiva integração e até, porque não dize-lo, paixão por aquele terra.

No entanto é justo começar pelo princípio, como sempre. E isso o que é?

Já vos disse que fui ‘formado’ pela ‘escola vilafranquense’, nas suas várias vertentes. Aí, entre os meus vários amigos está o José Ceitil, que alguns dos membros do nosso Blogue poderão conhecer pois foi funcionário da TAP, e no ano passado, algures em Junho, aquando dum dos encontros que fomos promovendo para reacender a actividade da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense, UDV, desabafou um tanto preocupado, que a sua filha Marta tinha comunicado decidir abandonar uma carreira promissora e “partir para a Guiné para fazer formação”.

O Zé Ceitil é um homem habituado a enfrentar os desafios da vida, nunca virou a cara à luta, é autor de dois pequenos livros, que recomendo, um deles com o bem sugestivo título de “Vidas Simples, Pensamentos Elevados” que na prática é toda uma proposta de postura para a vivência na sociedade, é igualmente autor da “História do Clube de Futebol Os Belenenses”, saído no ano passado. Naquele dia o Zé Ceitil era o mesmo, confiante, incapaz de ‘cortar as asas’ a quem queria voar, mas preocupado… Então a sua ‘caçula’ ia para o ‘cú do Mundo’ com todo aquele cortejo de conceitos reais e imaginados de problemas, doenças, miséria, dificuldades várias, ainda com os assassinatos do Nino e do Tgamé bem recentes… não seria uma preocupação legítima? Claro que era!

Procurei tranquilizá-lo, disse-lhe que as coisas no local não eram bem como a comunicação social as relata, que não tinha conhecimento de qualquer tipo de animosidade quanto aos portugueses, bem pelo contrário, dei-lhe referências do nosso Blogue, dos dois que acima referenciei, de mais outros e falei-lhe das diversas iniciativas que regularmente ocorrem para levar apoios a entidades diversas, falei da AD, enfim, procurei, à minha medida, contribuir para dar a confiança necessária que qualquer retaguarda deve proporcionar.

E então a Marta lá foi, quase no final de Julho, integrada num projecto chamado “Nô Djunta Mon” de que poderei falar depois. O seu primeiro mail para a família, que teve a gentileza de me enviar também, é o que se segue:

Olá Família!!
Kuma dia Kurpo?

Antes de mais peço desculpa por qualquer erro ortográfico que possa dar, mas este computador é um mistério para mim, vou demorar umas horas a escrever o mail.

Enfim, só para vos dizer que chegámos e está tudo bem. As coisas andam calmas por aqui, calmas demais segundo os guineenses, pelo que é possível haver alguma coisa quando saírem os resultados definitivos das eleições. De qualquer maneira volto a referir que a nossa segurança não está em causa.

À parte disso, estou adorar. Estamos num casa linda e temos como animais de estimação dois chimpanzés (o Manel e a Maria) um “bambi” que se chama Nucha, um galo está na janela do nosso quarto, e todos os dias a partir das 4 da manhã começa a cantar. Confesso que ao galo já tenho vontade de o esganar, muitos patinhos, galinhas e um ratinho.

Só começamos a dar formação para a semana, esta semana temos andado em reuniões e reconhecimento do local.

Tenho saudades, mas estou feliz. E por aí como anda tudo? Estão bem? O Diogo e o Francisco estão bem? A Avó está boa? Na quinta ela faz anos, vou tentar ligar nesse dia.

Beijinhos grandes
Gosto muito de vocês.
Marta Ceitil



Como se pode observar neste primeiro mail há uma grande preocupação da Marta em dar todas as garantias aos familiares de que não está nem em perigo nem em dificuldades. A sua descrição do local onde está alojada é no mínimo ternurenta, com aquela confissão da vontade em ‘calar’ o galo…

As coisas depois irão tomar o seu rumo, irá dar formação em Bissau, depois em Mansoa e mais tarde em Catió, mas isso ficará para outros relatos se entenderem que tem merecimento.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa - Manel

Livros do Ceitil
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5821: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (9): A Presse Lusitana

Vejam também o poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

5 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Hélder:

Louvo a tua iniciativa de, através do nosso blogue, dar voz aos nossos jovens que estão a descobrir a Guiné-Bissau e a trocar, mesmo que temporariamente, o relativo conforto e segurança da casa dos papás e do seu país, cá nesta ponta da Europa, mas mesmo assim dentro das muralhas de Schengen...

Interpretaste muito bem aquilo que é também a nossa missão, ou o nosso dever, enquanto geração da guerra colonial: a de passar os nossos melhores exemplos e valores às gerações seguintes, a dos nossos filhos e netos.

Se me permites, faço apenas um pequeno reparo: não gostei de ver a referência a (e a foto de) o "macaquinho Manel"... O Manel é um chimpanzé (dari, como dizem os guineenses), logo um primata, como nós, um hominídeo, como nós, embora de um género e espécie diferente... Tem em comum connosco (Homo Sapiens) cerca de 98% do património genético... O chimpanzé só existe África, a nossa terra natal... Possivelmente nunca existiríamos se o chimpanzé não tivesse tido sucesso no seu processo evolutivo...A longo prazo está ameaçado... Haverá talvez 150 mil indivíduos em liberdade, o seu habitat está a desaparecer... Na Guiné-Bissau só existe nas florestas do Cantanhez... O Manel devia lá estar, em liberdade, no seu "habitat", não em Bissau.

Eu sei que nós não somos da "geração do ecologicamente correcto"... E não há aqui nenhuma crítica implícita ou explícita ao que escreveste, ou ao que escreveu a tua amiga...

Temos, contudo, a obrigação de também passar esta mensagem aos outros homens, sejam eles portugueses ou guineenses... "O dari é nosso parente, os nossos parentes não ficam presos, entre altos muros, nos nossos quintais, ou acorrentados à nossas árvores... Temos que proteger o dari, nosso parente"...

Um chicoração. Luís Graça

Anónimo disse...

Helder

O teu amigo Ceitil é o Comissário de bordo da TAP que eu conheci quando, também, por lá andei uns (poucos) anos? Se é, diz-lhe que eu o aconselho a aprender crioulo... "pa pude fala cum fidja di bô" e ... um abraço.
Alberto Branquinho

Hélder Valério disse...

Caro A. Branquinho
Assim é, de facto, é o mesmo Ceitil que deves ter conhecido. Já lhe endossei a recomendação da aprendizagem do crioulo, que certamente lhe dará jeito quando em breve lá for visitar a Marta que já lá está outra vez, agora com outro tipo de trabalho.

Quanto à questão/observação/reparo do Luís relativamente ao "Manel" da foto, já registei.
No entanto, 'em legítima defesa', peço que repares que o mesmo está sem amarras, portanto em liberdade de movimentos, embora seja certo fora do ambiente natural.
Do ponto de vista 'jornalístico' é também uma constactação dum facto, a existência do "Manel" (e da "Maria") em presença 'livre' naquele espaço e portanto também a 'fidelidade' aos factos não está defraudada, independentemente do 'ecologicamente correcto'.
Mas sim, deve-se fazer passar a mensagem que o dari deve e tem que ser protegido.
Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Ora aqui está o que todos esperávamos, mais alguém, jovem, interessado em continuar o nosso caminho, de outra forma, felizmente, por terras da Guiné.

Já vão sendo alguns que poderão dar continuidade a este projecto iniciado pelo Luis Graça, com a colaboração directa e empenhada dos restantes editores e apoiada por todos os que intervêm neste espaço.

O Hélder, esse está de parabéns, conseguiu mais um elemento para nos dar a conhecer como vão andando as coisas por lá.

Um abraço
BSardinha

Unknown disse...

Ao meu amigo Ceitil
Um grande abraço do teu colega da TAP (C/C joao Meneses). Parabéns pela filha que tens (que não conheço pessoalmente)e pelo trabalho que desenvolveu e perdurará na Guiné. Liga-me à Guiné um sentimento de amizade, quem sabe, de terra amada, também. Fui Fuzileiro Especial tendo estado lá em 1972, no Destacamento de Fuzileiros Especiais nº21 (Fuzileiros Africanos). Fuzilados alguns, os meus homens, aquando da Independência. Gostaria, um dia, de trocar opiniões e conhecimentos adquiridos, com ela, se a Marta não se importar.
Um grande abraço Zé