Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Guiné 63/74 - P5949: Blogpoesia (68): A caixa de Pandora... Ou um poema panteísta contra a misoginia... No Dia Internacional da Mulher (Luís Graça)
A caixa de Pandora...
Ou um poema panteísta contra a misoginia...
No Dia Internacional da Mulher
(Para a minha mãe, Maria,
para a Alice,
para a Joana,
para todas as mulheres do nosso blogue,
para todas as mulheres de Portugal e da Guiné-Bissau,
para todas mulheres do mundo)
Os deuses criaram a primeira mulher,
e puseram-lhe o nome de Pandora.
Diziam os gregos antigos que fora por castigo,
como presente envenenado,
oferecido aos homens,
a quem Prometeu, o titã, tinha dado o fogo,
roubado aos céus.
Na sua fabricação,
à imagem e semelhança dos deuses,
trabalharam Hefesto e Atena,
sob as ordens do próprio Zeus,
e com o auxílio do resto do Olimpo.
Cada dividindade se esmerou
e lhe deu uma qualidade:
a graça,
a beleza,
a meiguice,
a paciência,
a compaixão,
a persuasão,
a generosidade,
a inteligência emocional,
a sensibilidade,
a sensualidade,
o sexto sentido,
a graciosidade na dança,
a arte da sedução,
o erotismo,
o talento para a cozinha,
a destreza para os trabalhos manuais,
o amor maternal…
Porém Hermes, o pérfido,
inocolou no seu coração
o vírus da traição e da mentira.
Zeus, o colérico e vingativo pai dos deuses
e de todas as demais criaturas,
mandou então a sua obra-prima
para a terra,
qual cavalo de Tróia.
Epimeteu, irmão de Prometeu, estava por este avisado:
- Do céu nunca virá nada de bom!
Nunca aceites nenhum presente divino…
Deslumbrado com a sua beleza,
Epimeteu tomou Pandora como esposa.
Em casa, ele tinha uma misteriosa caixa
que outrora lhe enviara o céu.
Pandora fora instada a nunca a abrir,
em circunstância alguma.
Mas a curiosidade feminina foi superior às suas forças.
Outros dizem
que era o seu dote de casamento.
… Lá dentro, na caixa de Pandora,
estavam todos os males e todas as doenças,
incluindo a peste (a pior das doenças),
que haveriam de afligir a humanidade,
até ao fim dos séculos dos séculos…
Mas, no fundo da caixa, ficou ainda
um resto do recheio,
o único elemento que não se chegara a libertar,
porque Pandora, assustada,
ainda conseguira fechar a tampa,
na última fracção de segundo …
E esse elemento era… a Esperança,
disfarçada de mal !
Apesar do erro irreparável,
Pandora vai permitir aos homens,
empunhar com orgulho o archote de fogo
que lhes dera Prometeu,
manter acesa a luz ao fundo do túnel,
manter vivo esse outro fogo do conhecimento e da paixão,
dominar alguns dos piores males
que estiveram prestes a destruir a humanidade,
conquistar o direito ao futuro,
lutar contra a doença e a morte,
alimentar a esperança,
combater o fatum, a condenação ao absurdo,
levá-los, enfim, aos seres humanos
a superar as limitações da sua condição animal...
Com Pandora, não somos definitivamente criaturas divinas,
nem obras-primas da criação,
somos assumidamente seres livres,
humanos,
frágeis,
vulneráveis,
mortais,
bons e maus,
mas donos do nosso destino.
Com Pandora, tornámos irrisórios os deuses,
libertámos criadores e criaturas,
deixámos a suburbanidade do Olimpo,
humanizámos a vida,
hospedámo-nos no sistema solar,
começámos a escrever a história,
ganhámos a terra como nossa casa,
conhecemos a vertigem e o sabor
da aventura da liberdade...
Pandora não é a fonte de todos os males,
não é o pecado original,
é afinal “a que tudo dá",
em grego.
Com Pandora somos fogo e estopa,
mas já não vem o diabo... e assopra!
Para quê o diabo,
se voltámos a ter, de volta,
a caixinha de Pandora,
agora domada e explicada às criancinhas,
e outrora mortal brinquedo dos deuses ?
Luís Graça
Imagem (do domínio público): Pandora (1861), escultura de Pierre Loison (1816-1886).
Palácio do Louvre, Paris. Fonte: Wikipedia (com a devida vénia...)
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4 comentários:
Para quê presentes Divinos ?
Basta estar atento ao que os terrenos nos oferecem.
Obrigado
Jorge Félix
Abri, li e, como quase sempre, ao ler-te fiquei tentado a reler, a ir á mitologia grega e avivar a memória, mas não. Só digo:
- não gosto dos "dias de..." pois isso faz pressupõe que algo está mal, algo é consumo,algo deve ser diferente e cada vez menos distante do padrão...não todos os dias têm que ser só dias.
- no fundo da caixa, se bem me lembro, ficou a Esperança...a trela que os deuses dão aos homens...é que eles, deuses são criação destes e não o inverso...
O Homem, macho ou fêmea,em cada dia que passa terá que ser sempre mais ele e nunca querendo para os outros o que para ele não quer...só...
Ah e um abraço até porque gostei como quase sempre...
Ab José
CARO LUIS,
GOSTEI MUITO
MANUEL MAIA
Abri, li e imprimi.
Reli e "abusivamente" postei no meu humilde(*)blogue (jeroalcoa.blogspot.com) como complemento a uma postagem que tinha feito no dia anterior sobre o Dia Internacional da Mulher.
Posto isto, parabéns Luís. Mais uma que te ficamos a dever.
Parafraseando o camarada Manuel Maia: GOSTEI MUITO.
Um grande abraço, JERO.
(*)-Pagarei em géneros.Mas terá que ser em Alcobaça.A data de visita fica do teu lado...
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