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sexta-feira, 17 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21176: Historiografia da presença portuguesa em África (221): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - III e última Parte (1882 -1918) (Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > Vista da fortaleza da Amura.  Fonte: Valdez, Francisco Travassos - "África Ocidental : notícias e considerações : dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa : Imprensa Nacional, Tomo I, 1864,  406 p., gravuras. Imagem do domínio público.


Guiné > Bissau > s/d > Vista do interior da fortaleza da Amura... Do lado direito, os seculares poilões que povoavam o interior da fortaleza, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. Do lado esquerdo, a antiga casa do Comando demolida em 1911 para no mesmo lugar se construir novo edifício. Origem: Fototeca da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Guiné > Bissau > c. 1912 > Vista do interior da fortaleza da Amura: edifício do comando militar...  


Guiné > Bolama > c. 1912 ] > Primitiva ponte-cais... À direita, em segundo plano o palácio do governador. [Bolama foi capital da província até 1943].


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > c. 1912 ] >  Antiga Fortaleza.


Imagens do domínio público: cortesia de Armando Tavares da Silva. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné

As três últuimas imagens são provenientes de: Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914.

Imagens: cortesia de Armando Tavares da Silva


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [ III e última Parte , de 1882 a 1918]. 

 Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
_________________________________________
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

III e última Parte  (1882-1918)

__________________________________________ 

1882, 11 Fevereiro  
Bordo do Guiné                    
Tratado de paz, amizade e obediência do régulo de Gam Pará,  representado por Senne Dabri
1882, 11 Fevereiro  Bordo do Guiné                      Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Jabadá, Bambi Jai e o governo da província da Guiné Portuguesa [, Pedro Inácio de Gouveia, 1881-1884]
1882, 30 Junho Geba                            Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Indorná, Dembel Alfabacár, e o governo da Província da Guiné Portuguesa 
 1882, 27 Outubro Buba                     Tratado de submissão, obediência e vassalagem do régulo do Forreá, Bakar Kidaly 
1883, 5 Abril      
Ilha de Djeta                          
Tratado de paz, amizade e obediência com o rei das Ilhetas, Adjú Pumol, na presença do comandante militar de Bissau, capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões 
1885, 16 Abril  Escuna Forreá                         Auto de vassalagem do rei das Ilhetas, Jepomon, perante os delegados do governo da província
1885, 15 Junho  Cacheu                              Auto de perdão aos gentios de Cacanda,  representados, entre outros, por Calotarcô, rei de Bernim e Ampanamacá, fidalgo de Bassarel, perante o capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões
1885, 4 Dezembro Buba                             Tratado de paz entre os fulas e beafadas por intervenção do governo e respectiva documentação anexa 
1886, 3 Dezembro  Buba                             Tratado de obediência e vassalagem ao governo por Iáiá, régulo do Forreá, Labé, Cabú e Cadé
1887, 4 Abril    Farim                          Tratado de paz, obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, prestada pelo rei de Dembel, senhor do chão de Faladu, perante o secretário-geral Augusto Cezar de Moura Cabral 
1891, 14 Fevereiro  Bissau                          Auto de submissão e vassalagem do régulo de Antula, Incamundé, feito em Bissau na presença do comandante militar, tenente Julio Cezar Barata Feio
1892, 2 Maio    Geba                             Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabomba, Denbá Methá
1892, 4 Maio    Geba                              Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cocé, Sambel Cumbandi e seus fidalgos 
1892, 7 Maio    Geba                           Auto de vassalagem a pedido do régulo de Corubal, Damão Jábú e seus fidalgos, estando presente o secretário-geral Cezar Gomes Barboza
1892, 28 Agosto Buba                         Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabú e Forreá, Mamedi-Paté-Coiada, acompanhado dos seus conselheiros e chefes principais das tabancas dos dois territórios, e na presença do tenente Sebastião Casqueiro
1893, 27 Março Bissau                          Auto de vassalagem a pedi do do régulo de Chime [Xime,] e seus vassalos, perante o comandante militar, capitão Zacharias de Souza Lage
1894, 22 Julho Bissau                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine [Cacine,],  perante o governador Luis Augusto de Vasconcellos e Sá  [1891-1895]
1895, 9 Março Cassine                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine perante o comandante do presídio de Buba, tenente Annibal Augusto da Silveira Machado Júnior 
1895, 10 Abril  
Barro (Farim)         
Auto de vassalagem a pedido do régulo de Barro,  perante o comandante militar de Farim, tenente Jayme Augusto da Graça Falcão 
1898, 31 Janeiro  Bolama                            Acordo entre o governador Álvaro Herculano da Cunha [1899-1900] e o alferes de 2.ª linha Cherno Cali, chefe do Forreá 
1898, 23 Março Bolama                           Auto da Audiência concedida pelo governador Álvaro Herculano da Cunha a representantes das tribos de Cayó [ Caió]
1899, 13 Maio Bolama                            Auto de preito e homenagem prestado ao governo portuguez pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes
1903, 4 Maio  Bissau                           Auto de vassalagem prestado pelo chefe dos balantas de Pache, Bembeça, e seus grandes,  perante o comandante militar de Bissau, Manoel José do Sacramento Monteiro
1909, 14 Agosto Bissau                             Auto de vassalagem prestado pelos régulos de Intim, Bandim e Antula perante o governador Francelino Pimentel  [1909-1910], no edifício da residência
1918, 6 Janeiro Bolama                            Auto de submissão prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque), perante o governador da província [Carlos Ivo de Sá Ferreira, 1917-1919]

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[Atualizámos a grafia de alguns topónimos conhecidos, como por exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG] 

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Nota do editor:

 Último poste da série > 15 de julho de 2020 >  Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 2 de Maio de 2009:

Porto: 02MAI09

Caro Luís/Caro Carlos:

Com as agulhas acertadas e já em velocidade de cruzeiro, junto envio em anexo a 3.ª estória, 2.ª sobre Madina Xaquili - Parte 2.

ab
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

3 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60 - Parte 2.

Preâmbulo

Como referi anteriormente, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4256 (1.º e 2.º dias dessa minha experiência), passei por Bambadinca, onde tive que ir para cima dum abrigo até à uma da manhã, por se estar à espera de um ataque (que por acaso foi no dia seguinte) e também por Galomaro onde não consegui dormir por causa das rãs.



Relato do 3.º dia – 14JUN69:

Nesse dia, bem cedo, lá seguiu uma coluna de uns três ou quatro Unimogs para nos colocar no último buraco habitado em direcção ao Corubal e a Madina do Boé, então já abandonada [, cinco meses antes, em 6 de Fevereiro de 1969].

Pelo caminho e, por indicação dos meus camaradas, tivemos que ir a uma tabanca, suponho que Umaro Cossé, encher uns garrafões com água, pois não se sabia com o que se contava em Madina Xaquili. Lá fui entabular conversações com o chefe da tabanca no sentido de nos fornecer o precioso líquido.

Cabe referir que duma maneira geral achei os nativos na Guiné sempre muito simpáticos e corteses. Não foi o que aconteceu em Umaro Cossé. Fiquei com a ideia que teriam água boa, mas a do poço que nos indicaram parecia leite, cal de pintar ou coisa assim. Dava a ideia que nos queriam despachar. Foi a água que levámos. Mais tarde, já em Madina e porque dispúnhamos de um filtro, essa água até se bebia. Mas era preciso limpá-lo constantemente.

Madina Xaquili vista de Sul (direcção de Padada). Em 1.º plano a lavra de mancarra do João

Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos.

Um dos abrigos. Em segundo plano vê-se parte da antena dipolo que montámos

A coluna regressou a Galomaro e ali ficámos sós e isolados. O princípio da época das chuvas estava a deixar impraticáveis as picadas e, como não tardámos a verificar, o rádio que levámos, um daqueles que tinham um gerador manual e com os quais até se conseguia ligar de Bissau para Lisboa, só de dia conseguia contactar Galomaro e apenas em morse. À noite nem isso. Coisa estranhíssima, mas real, tendo em conta uma distância de uns 25 Km.

Estava a chegar o fim da manhã e havia muito a fazer.

Comecei por perguntar ao João Vieira que munições tinham para as suas armas, metade Mausers, metade G3. A resposta foi zero, zero. Tinham gasto tudo na caça e não podiam justificar um novo pedido pois nunca tinha havido contacto com o IN. Insólito… Peguei numa das suas armas e espreitei pelo cano. Estava completamente entupido. De acordo com o João, como aliás sempre aconteceu com as decisões a tomar sobre os problemas da tabanca, lá foram limpar as armas e municiarem-se.

Como havia palhotas vazias, o João indicou-no-las e instalámo-nos. O cozinheiro já sabia que tinha que fazer o almoço e o rádio-telegrafista andava às voltas com a instalação de uma antena.

A minha casa. Ao meu lado o Sajuma, que se viria a oferecer para ajudante de padeiro

A primeira refeição foi com o prato nos joelhos (ver foto) mas ao jantar, com umas tábuas, já se tinham improvisado, uma mesa, dois bancos e um coberto com folhas de palmeira.

A 1.ª refeição, ainda sem refeitório

Depois do almoço, acompanhado com cervejas a uns 30 ou 40 graus, dei as primeiras instruções:

1 – (só aos metropolitanos) Não iria tolerar problemas relacionados com sexo, até porque na tabanca só havia as mulheres dos milícias e nada de bajudas. Que fossem criativos, e foram, como mais tarde descreverei.

2 – (para todos) Quando se sentisse o ruído de viaturas ou de helis, toda a tropa se devia apresentar minimamente fardada e em passo de corrida. Imaginava que lá aparecesse o Caco, mas só apareceu o Cor Hélio Felgas, de heli.

3 – Enquanto não se construíssem latrinas dentro do arame, todo o militar que fosse à orla da mata levaria um camarada armado para lhe fazer a segurança.

A par disso, formei um grupo para fazer uma mesa e uns bancos e outro para começar a abrir o abrigo para o nosso precioso cano de morteiro 60 e suas 16 granadas. Ficou perto da minha palhota pois seria eu que o manobraria (em Mafra tinha tido a oportunidade de fazer bastantes disparos para um velho blindado que existia lá na Tapada).

Por mim, decidi, com a companhia do João, ir ver as cercanias e nomeadamente o local, fora do arame, onde as mulheres se abasteciam de água e lavavam a roupa, pois era urgente arranjar água de melhor qualidade.

A nascente de água onde as mulheres também lavavam a roupa

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


Já com o fim do 1.º dia a chegar, havia um turbilhão de ideias na minha cabeça sobre as medidas a tomar urgentemente, tanto mais que o rádio-telegrafista me veio informar que não conseguia estabelecer ligação com a sede da Companhia. Sabia, já do Agrupamento, que o IN estava a uns escassos 10 Km, que vim a confirmar mais tarde quando fiz uma operação na zona de Padada.

Antes do pôr-do-sol tomámos a 2.ª refeição preparada pelo nosso cozinheiro, um rapaz atestado, que já tinha estado na Legião Estrangeira. Já jantámos sentados à mesa improvisada, estando eu de calções. Só depois verifiquei que tinha sido massacrado pelos mosquitos. As minhas pernas tinham muitas dezenas de picadas. Passei um pouco mal.

Ver relampejar ao longe e a conversar com alguns milícias, sentado num tronco constituiu o prelúdio da minha 1.ª noite em Madina Xaquili.

Como era sabido, quase todos os ataques e flagelações na zona Leste, eram feitos invariavelmente ao princípio da noite por causa da retirada IN, como aliás aconteceria no 1.º ataque à tabanca, em 24JUL69. Bambadinca constituiu uma excepção pois a aproximação IN não podia ser feita de dia por causa da população Civil das imediações, afecta às NT. Assim sendo, este alferes, sabendo disso, às nove dez horas da noite, enfiava um pijama e dormia que nem um justo. Acho que nessa altura já estava apanhado pelo clima. Se fosse hoje dormiria de camuflado. Não me estou agora a ver ir operar o morteiro em pijama ou muito menos aparecer em Galomaro na mesma figura, o que poderia ter acontecido, como descreverei no último episódio desta estória.

Nos dois dias seguintes, iriam ser levadas à prática as medidas que não deixavam de fervilhar na minha cabeça, mas isso será tema para o próximo poste onde também contarei que desisti de construir latrinas por causa do meu poio que desapareceu.

Até para a semana, camaradas.
__________

Nota de CV:

Vd. os dois postes anteriores desta série>

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

terça-feira, 28 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)

1. Primeira parte da segunda história para a série A Guerra vista de Bafatá, enviada pelo nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, no dia 25 de Abril de 2009:


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

2 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60. – Parte 1

Preâmbulo:


Como já tive oportunidade de referir anteriormente, com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever, até por qualquer leigo em matérias militares, que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossê, aproximando-se de Bafatá.

Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossê era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro que me asseguraria a logística.

De 12 a 24 de Junho de 1969 foi o tempo que estive fora do Agrupamento.

Por sorte, muita sorte, fui e vim sem nada me acontecer como descreverei neste relato, que em vez de chamar Diário deveria chamar Horário, tal a intensidade com que vivi esta experiência de contacto directo com a realidade da guerra, embora por sorte não chegasse a ter o baptismo de fogo (esse baptismo calhou lá em Madina Xaquili ao camarada Luís Graça, em farda n.º 2, precisamente um mês depois de eu ter saído de lá). Posteriormente e durante uma semana, houve mais dois ataques.

Segundo me contaram, no 1.º ataque teria morrido o militar que enquanto lá estive, fez as vezes de meu ordenança. Gostaria muito, da não confirmação desse facto, pelo que vou identificá-lo na foto em que aparecemos os dois durante uma Operação que fizemos na zona de Padada.

A petiscar na Operação que fizemos (com a segurança montada). Eu estou sentado e o militar em questão de pé, à direita. Padada, 21JUN69.

Relato do 1.º e 2.º dias – 12/13 de Junho de 69:

Nesse primeiro dia segui numa coluna do Esquadrão de Cavalaria (cujo aquartelamento era encostado ao do Agrupamento) para Bambadinca. Quando estava a pôr numa GMC uma mala com roupa e um colchão de espuma, chega o Sr. Cap Campos, Comandante do Esquadrão, dizendo que eu não podia levar o colchão pois eram coisas de mais!!! Salvo algumas excepções, sempre houve uma certa antipatia em relação aos militares de Infantaria por parte dos oficiais do Esquadrão (que se achavam superiores …) Como eu já não era nenhum periquito e sabia o terror que o Cor. Felgas exercia sobre os Oficiais do Quadro, retorqui:
- Foi o nosso Cor. Felgas que disse para levar o colchão.

Engoliu em seco e lá fui até Bambadinca, onde vim a pernoitar. Encontrei lá o Alf Mil Almeida, do Pel Caç Nat 63, que tinha sido meu colega no liceu em Bragança e que me mostrou os cantos à casa e os poucos estragos do 1.º ataque, 15 dias antes. Jantei e a seguir, cumprindo instruções, lá fui com o Chico Almeida sentar-me em cima dum abrigo, à conversa até cerca da uma da manhã, pois o outro ataque tinha sido a essa hora. Aí fiquei a saber que naquele momento estavam a torcer o braço a um possível elemento IN que tinham capturado naquele dia. Nada aconteceu, fui dormir.

Nunca é demais rever Bambadinca de outro ângulo.

No dia seguinte, sem as mordomias do Agrupamento e talvez por as canalizações estarem avariadas por causa do 1.º ataque em 28 de Maio de 69 [, a Bambadinca], tomei o meu 1.º banho à fula.

Um banho não à fula mas de fula

Depois do banho > Bafatá, Setembro de 1968

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


À tarde segui noutra coluna para Galomaro. Sorte e mais sorte, o IN já estaria a fazer a aproximação para o 2.º ataque a Bambadinca, pois foi atacada nessa noite (13Junho de 69).

Cheguei a Galomaro quase à hora de jantar e tomei contacto com outro tipo de Aquartelamento (ainda não tinha sido construído o verdadeiro aquartelamento): As refeições, a cozinha, o comando da Companhia funcionava tudo, ao que me pareceu, numa palhota grande. Todo o pessoal, desde o Comandante até ao último soldado dormiam num barracão, antigo celeiro da mancarra. Foi aí que tentei dormir: Entravam e saíam militares de e para os seus postos e sobretudo centenas de rãs coaxavam num charco encostado ao barracão, sendo o som reflectido e ampliado para dentro pelo entablamento do telhado. Tudo isso era para mim um pouco estranho, mas o que me meteu realmente impressão foi o facto de pensar na possibilidade da entrada de um elemento IN onde dormia toda a Companhia. Seria uma mortandade.

Depois do jantar houve o respectivo breefing sobre a minha ida para a tabanca.

O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar, deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam escolheu, um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista.

Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas. Perante a minha insistência em levar mais alguma coisa, apenas conseguiu desencantar uma caixa de granadas tipo pinha que, pelo aspecto das mesmas e da caixa de madeira toda podre e esburacada das térmitas, dava ideia que as ditas granadas já tinham feito a última Grande Guerra. Como não estavam escorvadas não tive receio de as levar aos saltos pela picada.

Quanto a géneros, levámos os habituais: latas de atum, de chispe, etc.

Entretanto, pelas 9 ou 10 horas lá se ouviu o 2.º ataque a Bambadinca. Sorte a minha...

No dia a seguir, 14 de Junho de 69, o meu 3.º dia dessa já longínqua experiência, vou chegar a Madina Xaquili (**) onde passarei dias com uma intensidade de acontecimentos nunca antes vividos, mas esse relato será incluído no próximo Poste.

Até para a semana camaradas.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. primeiro poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(**) Sobre Madina Xaquili, vd. postes de:

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate



"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).