terça-feira, 28 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)

1. Primeira parte da segunda história para a série A Guerra vista de Bafatá, enviada pelo nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, no dia 25 de Abril de 2009:


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

2 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60. – Parte 1

Preâmbulo:


Como já tive oportunidade de referir anteriormente, com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever, até por qualquer leigo em matérias militares, que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossê, aproximando-se de Bafatá.

Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossê era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro que me asseguraria a logística.

De 12 a 24 de Junho de 1969 foi o tempo que estive fora do Agrupamento.

Por sorte, muita sorte, fui e vim sem nada me acontecer como descreverei neste relato, que em vez de chamar Diário deveria chamar Horário, tal a intensidade com que vivi esta experiência de contacto directo com a realidade da guerra, embora por sorte não chegasse a ter o baptismo de fogo (esse baptismo calhou lá em Madina Xaquili ao camarada Luís Graça, em farda n.º 2, precisamente um mês depois de eu ter saído de lá). Posteriormente e durante uma semana, houve mais dois ataques.

Segundo me contaram, no 1.º ataque teria morrido o militar que enquanto lá estive, fez as vezes de meu ordenança. Gostaria muito, da não confirmação desse facto, pelo que vou identificá-lo na foto em que aparecemos os dois durante uma Operação que fizemos na zona de Padada.

A petiscar na Operação que fizemos (com a segurança montada). Eu estou sentado e o militar em questão de pé, à direita. Padada, 21JUN69.

Relato do 1.º e 2.º dias – 12/13 de Junho de 69:

Nesse primeiro dia segui numa coluna do Esquadrão de Cavalaria (cujo aquartelamento era encostado ao do Agrupamento) para Bambadinca. Quando estava a pôr numa GMC uma mala com roupa e um colchão de espuma, chega o Sr. Cap Campos, Comandante do Esquadrão, dizendo que eu não podia levar o colchão pois eram coisas de mais!!! Salvo algumas excepções, sempre houve uma certa antipatia em relação aos militares de Infantaria por parte dos oficiais do Esquadrão (que se achavam superiores …) Como eu já não era nenhum periquito e sabia o terror que o Cor. Felgas exercia sobre os Oficiais do Quadro, retorqui:
- Foi o nosso Cor. Felgas que disse para levar o colchão.

Engoliu em seco e lá fui até Bambadinca, onde vim a pernoitar. Encontrei lá o Alf Mil Almeida, do Pel Caç Nat 63, que tinha sido meu colega no liceu em Bragança e que me mostrou os cantos à casa e os poucos estragos do 1.º ataque, 15 dias antes. Jantei e a seguir, cumprindo instruções, lá fui com o Chico Almeida sentar-me em cima dum abrigo, à conversa até cerca da uma da manhã, pois o outro ataque tinha sido a essa hora. Aí fiquei a saber que naquele momento estavam a torcer o braço a um possível elemento IN que tinham capturado naquele dia. Nada aconteceu, fui dormir.

Nunca é demais rever Bambadinca de outro ângulo.

No dia seguinte, sem as mordomias do Agrupamento e talvez por as canalizações estarem avariadas por causa do 1.º ataque em 28 de Maio de 69 [, a Bambadinca], tomei o meu 1.º banho à fula.

Um banho não à fula mas de fula

Depois do banho > Bafatá, Setembro de 1968

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


À tarde segui noutra coluna para Galomaro. Sorte e mais sorte, o IN já estaria a fazer a aproximação para o 2.º ataque a Bambadinca, pois foi atacada nessa noite (13Junho de 69).

Cheguei a Galomaro quase à hora de jantar e tomei contacto com outro tipo de Aquartelamento (ainda não tinha sido construído o verdadeiro aquartelamento): As refeições, a cozinha, o comando da Companhia funcionava tudo, ao que me pareceu, numa palhota grande. Todo o pessoal, desde o Comandante até ao último soldado dormiam num barracão, antigo celeiro da mancarra. Foi aí que tentei dormir: Entravam e saíam militares de e para os seus postos e sobretudo centenas de rãs coaxavam num charco encostado ao barracão, sendo o som reflectido e ampliado para dentro pelo entablamento do telhado. Tudo isso era para mim um pouco estranho, mas o que me meteu realmente impressão foi o facto de pensar na possibilidade da entrada de um elemento IN onde dormia toda a Companhia. Seria uma mortandade.

Depois do jantar houve o respectivo breefing sobre a minha ida para a tabanca.

O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar, deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam escolheu, um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista.

Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas. Perante a minha insistência em levar mais alguma coisa, apenas conseguiu desencantar uma caixa de granadas tipo pinha que, pelo aspecto das mesmas e da caixa de madeira toda podre e esburacada das térmitas, dava ideia que as ditas granadas já tinham feito a última Grande Guerra. Como não estavam escorvadas não tive receio de as levar aos saltos pela picada.

Quanto a géneros, levámos os habituais: latas de atum, de chispe, etc.

Entretanto, pelas 9 ou 10 horas lá se ouviu o 2.º ataque a Bambadinca. Sorte a minha...

No dia a seguir, 14 de Junho de 69, o meu 3.º dia dessa já longínqua experiência, vou chegar a Madina Xaquili (**) onde passarei dias com uma intensidade de acontecimentos nunca antes vividos, mas esse relato será incluído no próximo Poste.

Até para a semana camaradas.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. primeiro poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(**) Sobre Madina Xaquili, vd. postes de:

26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate



"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).

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