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domingo, 3 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11187: Memórias de Mário Oliveira, Cabo Condutor de Máquinas da Vedeta de Fiscalização Belatrix (2): A vaca do Cabo Jaquim

1. Mensagem do nosso camarada Mário Ferreira de Oliveira (1º Cabo Condutor de Máquinas, na situação de reforma, Vedeta de Fiscalização Bellatrix, 1961/63), com data de 8 de Janeiro de 2013:

Carlos Vinhal Meu camarada e Editor
Mantanhas
Aconteceu uma quase desgraça: inadvertidamente apaguei sem guardar os email recebidos da Tabaca Grande.
Estive agora cerca de um mês sem abrir o email porque estive três semanas em Cantanhede, e além disso tenho andado um pouco adoentado, isto é um corpo “velho” de 76 anos a resistir às “ordens” de uma mente que teima em manter-se jovem. Antes de ir para a parvónia tinha alinhavado a segunda história da arca de recordações da Guiné, aqui vai ela!


Memórias de Mário Oliveira, Cabo Condutor de Máquinas da Vedeta de Fiscalização Bellatrix

2 - A Vaca do Cabo Jaquim

O herói da história de hoje era “patrão” da LDP 1 ou 2 (?) o Cabo de Manobra Joaquim. Sei que era de Setúbal, tinha mais de 40 anos de idade, e um perímetro abdominal directamente proporcional aos petiscos em que se envolvia sempre que podia, não fosse ele de Setúbal cidade de bons petiscos e melhores vinhos. Tinha como “imediato” o Luís Marinheiro de Manobra, que era um “castiço do caraças” e vai ser o herói da história nº 3, não me recordo quem era o Fogueiro da LDP.

O Cabo Joaquim era respeitado pela malta toda, quer pela sua idade quer por ser um bom marinheiro e era tratado familiarmente por “cabo Jaquim”. Tinha por mim um especial ”carinho”e tratava-me por Márinho, tratamento que eu nunca admiti a f. da p. nenhum (diminutivos são para as mulheres) mas que a ele admitia e vou contar porquê.

Todos os Grã Tabaqueiros sabem o que são os tornados na Guiné, como se formam e como rapidamente nos surpreendem com rajadas de vento de extrema violência e chuva torrencial. As LDP não eram habitáveis, pelo que as guarnições depois de as fundearem da parte de dentro da ponte cais de Bissau iam para o edifício onde era a Rádio Naval, o refeitório e caserna das praças (agora dizem é chique dizer : Os Praças).

Ponte Cais de Bissau

Um dia pela manhã cedo formou-se rapidamente um tornado, que fez garrar a LDP do Jaquim indo esta em poucos minutos embater violentamente na ponte cais. Era de partir o coração um navio novinho em folha sujeito a desfazer-se com os porradões que dava nos pilares em cimento da ponte cais. E nós na Bellatrix amarrada com bons cabos, a ver a triste cena. Não vi outra solução que não fosse acudir à emergência, subi a escada, corri pela ponte cais e depois de estudar os movimentos que a LDP fazia com a forte ondulação (não sou maluco) saltei-lhe para dentro, lá me equilibrei até à casinha da máquina, arranquei com os motores, peguei no leme, fiz marcha à ré e afastei a LDP do perigo maior. Depois fiz-me ao largo e aguentei proa ao vento até o tornado amainar. Entretanto sem eu dar por isso tinha em cima da ponte cais uma “plateia” composta pelo Comandante da Defesa Marítima, cabo Jaquim e toda a sua “tripulação” gente que eu não tinha tido tempo de ver, envolvido que estava com o leme e com a máquina.

Quando atraquei o Jaquim vem direito a mim com lágrimas nos olhos e diz-me:
- Oh! Márinho se não fosses tu a minha Lanchinha tinha ido ao fundo.

O sacana ia-me partindo as costelas com o abraço que me deu.

Claro está que nesse dia fui o “herói de serviço”, toda a malta me dizia:
- Eh pá prepara o peito que vem aí bruta medalha!

Não veio a bruta medalha, (nem era caso para isso) mas veio coisa muito mais útil, uma bruta garrafa de Macieira oferecida pelo “Contramestre Manel”, disse ele para “aquecer” e a gratidão eterna do camarada cabo Jaquim.

Como sabem a Armada Portuguesa é casa de velhas tradições que a marujada faz questão de cumprir, uma delas é bem portuguesa: as alcunhas!

Uma alcunha pode ser depreciativa, como por exemplo: “Pintelho eléctrico”, “Peúgas”, “Botinhas”, “Ferro em Brasa”, “Rupias”, “Cabeça de Vaca”, “Tomate Saloio” e tantas outras aplicadas aos oficiais que traziam da vida privada para os navios o mau humor das suas vidas e aliviavam o stress como agora se diz, perseguindo por ninharias a marinhagem.

Mas também havia alcunhas que demonstravam o muito respeito que os marinheiros nutriam por alguns oficiais, que pelo seu profissionalismo, coragem, exemplo e humanismo se impunham à consideração e respeito das guarnições dos navios. Estou a lembrar-me de “Quebra-Mar” alcunha do Capitão de Mar-e-Guerra Mário dos Reis Antunes, ou “Boroeste” alcunha do na altura 1º Tenente Barros, natural da região de S. Pedro do Sul, ou “Contramestre Manel” alcunha do na altura Capitão de Fragata Manuel Lopes de Mendonça, Comandante da Defesa Maritima da Guiné ou seja o nosso Comandante.

O “Contramestre Manel” era neto ou bisneto do Comandante Henrique Lopes de Mendonça, oficial de elevada cultura, membro da Academia das Ciências, etc. etc. etc. que foi quem escreveu em 1890 a letra de ” A Portuguesa “


Feitas as apresentações vamos lá à história da vaca. 

Um dia o cabo Jaquim foi com a LDP em serviço a Jabadá, que como se recordam ficava a umas milhas, poucas, no Geba a montante de Bissau. Encontrou por lá uma vaca, e logo imaginou as “petisqueiras” que a vaca dava.

 Localização de Jabadá. Vd. carta de Tite

Abica a LDP junto às oficinas navais, descarrega a bichinha, amarra-a nas imediações da cozinha e toca a fazer os convites para a petiscada e arranjar quem matasse e esfolasse a desgraçada que em má hora se atravessou no caminho de um marujo.

Claro que o “Márinho”, estando a Bellatrix no plano, estava disponível e foi dos primeiros a ser convidado.

Andávamos nós junto à cozinha, “salivando” e preparando a “orgia”, “cabeça de gesso” trazido da Manutenção Militar aberto, primeiros copos bebidos, tudo isto na hora do serviço, chega o “Contramestre Manel”, vê por ali aquele “maralhal” todo, (todo não, alguns quando o viram aproximar-se, foram-se pirando) e admirado de ver uma vaca viva, manda chamar o cabo do rancho e pergunta?
- Olha lá, então apresentas na contabilidade facturas de bifes e tens aqui uma vaca?
- Senhor Comandante a vaca não é minha, é do cabo Jaquim!

Entretanto o Jaquim que estava por perto, aproxima-se faz a continência e diz:
- Senhor Comandante a vaca é minha!
- Ai é! Onde é que a compraste?
- Não a comprei, achei-a!
- Achaste a vaca! Então uma vaca é lá coisa que se ache, troca lá isso por miúdo?
- Senhor Comandante fui a Jabadá fazer o serviço tal, encontrei lá a vaca meti-a na Lancha e trouxe-a.

Diz-lhe o Comandante:
- Olha lá Joaquim, se na tua terra as vacas não têm dono, aqui na Guiné ficas a saber que têm! Não te aplico já uma “porrada” porque tens a caderneta limpa, mas vais imediatamente levar a vaca ao mesmo sitio onde a encontraste.

O cabo Jaquim, de orelha murcha, dando graças a Deus por não ter sido castigado disciplinarmente, foi levar a bichinha a Jabadá, e nós na imergência fizemos uma “punheta de bacalhau” para darmos conta do “cabeça de gesso”.

 Vidal, Karamon Kêta e Mário Oliveira

1961 > Batuque de Africanos e Europeus >  Mário Ferreira de Oliveira Cabo Condutor de Máquinas
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Nota do editor:

Vd. poste anterior de 10 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10922: Memórias de Mário Oliveira, Cabo Condutor de Máquinas da Vedeta de Fiscalização Belatrix (1): O Soldado Desconhecido do Ana Mafalda, 1961

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10922: Memórias de Mário Oliveira, Cabo Condutor de Máquinas da Vedeta de Fiscalização Belatrix (1): O Soldado Desconhecido do Ana Mafalda, 1961

1. Mensagem do nosso camarada Mário Ferreira de Oliveira* (1º Cabo Condutor de Máquinas, na situação de reforma, Vedeta de Fiscalização Bellatrix, 1961/63), com data de 8 de Janeiro de 2013:

Luís Graça e Camaradas da Guiné
Um Bom Ano Novo

Quero começar por agradecer a Honra que me foi concedida de ser admitido como membro de pleno direito da Tabanca Grande. Devo contudo fazer uma pequena afinação na minha ficha de inscrição, eu sou cabo C.M. dos Q.P. na situação de Reforma. Cabo CM significa cabo condutor de máquinas, antigamente éramos fogueiros-motoristas, aqueles gajos que enegrecidos pelo pó do carvão ou o corpo manchado por salpicos de óleo só seriam vistos e o seu labor valorizado, se o convés dos Navios de Guerra fosse de vidro. Conduzíamos enormes caldeiras e outras máquinas e “maquinetas” que propulsionavam os navios e alimentavam de energia todos os sistemas de armas. Apesar de sermos a base do poder técnico-militar dos navios, éramos mal amados pelos “Tétézinhos” que,  de reluzente uniforme branco e unha envernizada, zelavam pela disciplina na Armada.

Isto que acabei de escrever não é História, é pré-história, fui há uns meses visitar uma fragata daquelas obsoletas nas Marinhas da NATO que os nossos aliados nos cedem a troco de uns milhões, e vim de lá “maluco”:  o camarada cabo CM, que teve a gentileza de me mostrar as instalações de máquinas, levou-me no final a uma sala com ar condicionado, repleta de monitores, onde através de câmaras de vídeo e comandos à distancia os CM confortavelmente sentados, conduzem todo o sistema de máquinas.

E lembrei-me então daquela noite em Bissau, atracados à muralha, ia o NRP Sal a caminho de Angola, estava eu de “quarto” ao gerador, o chefe de máquinas, espreitando pela escotilha “caçou-me” sentado no vão da porta da casa das máquinas P.P. a menos de um metro do gerador, bastava-me estender o braço para apalpar o tubo de circulação de água, e só não me deu cinco dias de detenção, segundo me afirmou no dia seguinte, depois de me passar uma valente “piçada”, por eu estar na 1ª classe de comportamento, isto é absolutamente inacreditável, eu não abandonei o gerador, estava apenas sentado junto dele. Mas vamos lá então ao meu relato de hoje.


N/M "Ana Mafalda" (1951-1975)

O Soldado Desconhecido do “Ana Mafalda”

Quando o “Botas” mandou apitar à faina e ordenou “largar cabos” e “avante a toda a força” que Angola é nossa, milhares de rapazes foram arrancados das suas aldeias, e depois de uma carecada, aprenderem a fazer direita volver e apresentar armas, foram enfiados em tudo o que navegava e enviados, parte deles sem saberem sequer a localização geográfica, para Angola, Guiné e Moçambique, defender sonho que se verificou irrealizável do Portugal do Minho a Timor.

Entre o que navegava e foi aproveitado para o transporte de homens e todos o tipo de equipamentos e armas, encontrava-se um navio da Sociedade Geral, o “Ana Mafalda”, pomposamente classificado na época de navio de passageiros, podia na realidade transportar 56 passageiros em três classes, 1ª, 2ª e 3ª e nos porões umas valentes toneladas de carga. Nos porões foram montados beliches e, onde anteriormente se estivavam toros de madeira ou carga a granel, passaram a alojar-se, nas piores condições, soldados (vulgo carne para canhão) e o "Ana Mafalda" passou a ter mais uma classe: a 4ª, transformando-se finalmente em navio de passageiros.

Mas perdoem-me a ironia, naquela viagem para a Guiné foi também um navio “turístico” porque para nós,  marujos, navegar sem fazer “quartos” é turismo, é que o navio transportava também cerca de três dezenas de marinheiros que seriam a primeira guarnição do Comando da Defesa Marítima da Guiné e da primeira Esquadrilha de Lanchas, Bellatrix, Canopus, Denebe e LDP 1 e LDP 2.

Saída a barra do Tejo, apresentou-se-nos um mar calmo mas de ondulação larga que fazia baloiçar o "Ana Mafalda" de BB-EB e de proa a popa, curiosamente não estando mau tempo, é do pior que se fabrica para “maçaricos” que pisem pela primeira vez o convés de um navio a navegar.

Contudo, a maior parte dos soldados portou-se galhardamente, havendo mesmo grupos que jogaram à lerpa de Lisboa a Bissau, enquanto houve uns patacos jogou-se, a coisa só amainou quando os mais hábeis limparam literalmente os bolsos dos “saloios”. Recordo-me até de um dos rapazes ter sido apontado como o gajo que ganhou mais dinheiro.

Aí pelo quarto dia de viagem sem factos a registar, a não ser dois marinheiros dos mais antigos terem ido protestar junto do Comandante de Bandeira, pela má qualidade da alimentação, coisa que de imediato se resolveu, passando as praças da Marinha a comerem do rancho dos Sargentos do Exército, estava uma “gajada” composta de marinheiros e soldados a descascar favas (não estou a reinar, estávamos em Abril, mês das favas) em cima dos pranchões que tapavam a boca do porão, quando por nossa surpresa uns quanto soldados transportavam em braços, conforme podiam, um camarada meio desfalecido que depositaram em cima das cascas das favas.
- Ai, Ai - gemia o desgraçado! Ai que não volto a ver a minha rica mãezinha!

Olho para o gajo e disparo:
- Oh pá tem, lá calma que de enjoo ninguém morre!
- Morre, morre - afirmaram os que o tinham trazido do fundo da 4ª classe para o ar puro do convés, o que tinha sido uma boa ideia - ele há quatro dias que tudo o que come ou bebe vomita.

Acontecia que eu, apesar da minha pouca idade, 24 anos, era já um “velho marinheiro” e sabia que o enjoo é como o medo, todos o sentem, o segredo é aprender a dominá-lo. É que eu aos 24 anos já tinha navegado uns milhares de milhas. Além da comissão a Angola no N.R.P. Sal, no Petroleiro Sam Brás (quem é que se lembra dele) tinha feito sete travessias do Atlântico para as Antilhas Holandesas (Aruba e Curaçao) e contava no meu curriculum com duas viagens das Antilhas a Nova Yorque.

Quanto a enjoo tinha feito o meu “tirocínio” nos melhores navios que para esse efeito existiam: os Destroyeres. Nas manobras que em 1957 se fizeram com uma Esquadra da NATO, que foram interrompidas por causa da Gripe Asiática e do mau tempo, eu tinha sentido a bordo do NRP Dão o que o “Soldado Desconhecido” estava a sentir. Na Armada o enjoo não é doença, e um gajo mesmo que vomite as tripas e metade do fígado tem que fazer os “quartos”. Eu já tinha sofrido de enjoo até às lágrimas, quando se tem de recorrer às ultimas reservas do querer, no limite da resistência moral e física, e num esforço inimaginável fazer o que está superiormente determinado.

Decidi então dar a mão àquele “sacana”, começando por dizer aos camaradas que o reclinassem com as costas apoiadas num saco de favas, e ao gajo eu disse:
- Olha para o horizonte lá longe onde o mar se junta com o céu, não olhes para o mar aqui junto da borda, que te faz andar a cabeça à roda!
- Ai, Ai - continuava o rapaz.

Encosto-me a ele e digo-lhe ao ouvido:
- Tu és homem para guardar um segredo?
- Sou, sim,  senhor marinheiro.
- Olha,  eu sou um homem igual a ti, também enjoo (o que era verdade) mas tenho uma erva que trouxe da Índia (o que era mentira) e quando o mar está bravo e me vejo aflito, tomo um chá e fico logo bom, vou-te fazer um chá dessa erva que te faz passar o enjoo, mas tens de ficar de bico calado, porque já tenho pouca erva.

Feito o acordo, fui à cozinha do navio e pedi um púcaro de chá e umas bolachas ao despenseiro, o soldado bebeu o chá em pequenos goles como lhe recomendei e foi mordiscando as bolachas. Fui dizendo ao gajo:
- Olha que isto não vai passar já, vais ficar melhor pouco a pouco, se apetecer vomitar fazes força e não vomitas, porque o chá não deixa. Dormes cá em cima ao ar puro e vais ver que com o fresco da noite ficas melhor, e amanhã vais almoçar ao pé de mim, e depois voltas a beber outro púcaro de chá, calas é o bico!

Tive o meu “protegido” debaixo de olho até chegarmos a Bissau. O “gajo” recuperou bem. Nunca mais o vi. Que Deus o guarde se ainda for vivo.

Largamos de Lisboa a 27-4-1961 (salvo erro).
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10746: Tabanca Grande (369): Mário Oliveira, ex- 1º Cabo Condutor de Máquinas (na situação de reforma), Vedeta de Fiscalização Belatrix, 1961/63, grã-tabanqueiro nº 589

sábado, 1 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10746: Tabanca Grande (369): Mário Ferreira de Oliveira, 1º Cabo Condutor de Máquinas (na situação de reforma), Vedeta de Fiscalização Bellatrix, 1961/63, grã-tabanqueiro nº 589


NRP Sal - Foto enviada pelo nosso camarada Manuel Lema Santos (MLS),  com a seguinte nota datada de 27 de novembro último: "Para que nada falte mesmo ao camarada (Cabo de Manobra) que escreveu o artigo que li, aqui envio o navio-patrulha Sal, P584. Aliás, bela imagem que sugiro ser enviada ao autor do artigo. É uma imagem oficial, cedência da Revista da Armada".


1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro, Mário Ferreira de Oliveira, em dia de grande significado histórico e patriótica que hoje comemoramos (e continuaremos a comemorar, com ou sem feriado nacional):

De: Mário Oliveira
Data: 1 de Dezembro de 2012 10:09
Assunto: pedido de adesão á Tabanca Grande

Nhô Luis Graça! Home Grande,
Corpo di bó stá bom?
Bó casa tudo stá bom?
Tabanca Grandi stá bom?
Amim fala mantanhas pra bó e pra bó casa e pra camaradas di Tabanca Grandi.


Isto foi só um pequeno teste ao crioulo, em que, in ilo tempore, dava um jeito, mas agora dou é barraca.

Agradeço a tua rápida resposta e peço desculpa pelo meu atraso em responder, mas acontece que em informática sou um nabo e tive de esperar que o meu filho estivesse disponível para me ensinar a digitalizar e a enviar por email as fotos.

Espero ter aprendido e que este histórico email chegue em boas condições.

Solicito a todos os camaradas do Grande Fórum de Camaradagem que é a Tabanca Grande, que me seja concedida a Subida Honra de ser um de vós. Para o efeito junto as duas fotos da "praxe".

Sou natural de Cantanhede, onde nasci em 13-10-1936, casado com a Maria Fernanda, também de Cantanhede, sou pai de dois filhos, a Margarida, arquiteta, e o Paulo, técnico de eletrónica naval, e  resido em Vale de Milhaços, Seixal.

A minha comissão de serviço na Guiné teve a duração de 28 meses, e foi cumprida em 61/63 na Vedeta de Fiscalização "Bellatrix" onde para além de "pau para toda a obra" fui fogueiro-motorista, eram assim designados naquele tempo os actuais CM [. Cabos de Manobra]..

Quanto à minha expressão "infeliz" capitão G3,  utilizei-a porque o tristemente lendário fuzileiro, conhecido entre outros epítetos nada abonatórios por capitão G3, na Guiné, tendo como pano de fundo operações militares, onde diariamente militares dos três ramos faziam inimagináveis sacrifícios e de armas na mão morriam e matavam, o tal G3 passou-se para o IN, levando com ele conhecimentos e técnicas de combate, que lhe valeram a promoção a oficial e um posto de comando. Mas a infelicidade dele não se ficou por aqui: enviado com outros guerrilheiros para a Argélia, frequentar um curso que daria (se não fosse entretanto caçado) promoção quem sabe a general, teve a infelicidade de ver a carreira interrompida por um golpe de Estado de sinal contrário.

Tempos depois, isto para abreviar o que se sabe, responde em tribunal militar, e cumpriu a pena a que foi condenado. Não deve portanto nada à sociedade. Tem direito à sua privacidade, e fazer da sua vida o que entender. Que na madrugada libertadora que foi o 25 de Abril tenha finalmente encontrado a paz e a felicidade que não teve nos tempos conturbados do fascismo.

Agradeço a foto do NRP Sal, e irei retribuir com uma foto da proa do Sal, rasgando as vagas de uma enorme tempestade no dia 25 de dezembro de 1960, que há Natais inesquecíveis, ai isso há, até para os homens do mar!

Para todos um abraço amigo, do grato
Mário Oliveira

2. Comentário do L.G.:

Mário:
A tua juventude e jovialidade não passam despercebidas, são dignas de registo e de regozijo. O teu pedido de adesão já tinha sido aceite pelo régulo e adjuntos da Tabanca Grande [vd,. poste P10728]. Espero agora que os muitos e dignos representantes, na nossa Tabanca Grande, dos três ramos das forças armadas que bateram com os quatro costados na Guiné, de 1961 a 1974, abram alas e te recebam com ramos de palma em arco, festivamente...

Toma boa nota: és o grã-tabanqueiro (ou membro da Tabanca Grande) nº 589 (*)... Não és o grã-tabanqueiro mais velho, à tua frente e com quase 98 aninhos vai a nossa decana Clara Schwarz...De qualquer modo, rapazes da tua boa colheita de 1936 não temos muitos, e para mais marinheiros, dos bravos, como tu. Felizmente que venceste a barreira da "literacia" informática. com a ajuda do teu filho. Estás de parabéns, guarda esse mail, histórico, para mostrares aos teus filhos, netos e bisnetos.

A honra é toda nossa, a tua presença é também é uma recompensa para aqueles de nós, grã-tabanqueiros, amigos e camaradas da Guiné, que fazemos  todos os dias este blogue, desde 23 de abril de 2004, e que já ultrapassou os 4,3 milhões de visualizações. O mês passado tivemos 116 mil visitas, o que dá uma média diária de 3850... Vê estes números também como uma oportunidade para comunicares com esta vasta comunidade virtual (e real) que vai de Portugal ao Brasil, e de Cabo Verde à Lapónia... A rapaziada está por todo o lado, e ainda mexe como tu as falanges, falanginhas, falangetas, pernas, pernetas, neurónios...

Quanto ao teu crioulo, pá!, bate a bota com a perdigota: só mostra que os anos que constam do teu BI ou CU,  podem ser de calendário (manga de luas, as tuas) mas não são anos  mentais... Neste annus horribilis de 2012 alegra-nos e honra-nos a tua jovial presença sob o nosso mágico, secular, frondoso e fraterno poilão da Tabanca Grande!...

PS - A história do tal capitão G3, o ex-fuzileiro António Tavares Trindade,  já aqui foi evocada pelo nosso camarada Mário Pinto (**).

Por outro lado, saiu há dias um livro autobiográfico do António Tavares Trindade, com o título O homem a quem chamaram G3.

Vd. aqui, no Sítio do Livro, da editora Vírgula, a referência à obra e ao autor (nascido em 1944, em Lisboa).

(**) Vd. poste de 19 de janeiro de 201o > Guiné 63/74 – P5678: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (34): O turra branco "Capitão G3" (Mário G R Pinto)