1. O nosso Camarada João Adelino Aves Miranda, 1° Cabo Radiotelegrafista, da 1ª Cia do BCAÇ 4610/73 - Cumeré, Canquelifá, Nhamate -, 1974, actualmente emigrado na Alemanha, enviou-nos, com data de 15 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:
Camaradas,
A minha curta passagem pela Guiné está de alguma forma preenchida de recordações, na sua maioria boas.
Do Cumeré a Canquelifá
No entanto, recordo-me, por exemplo, de que quando acabei o IAO no Cumeré e me tive de juntar ao resto da Cia, creio que em Piche, eu e outros camaradas fomos enviados para o aeroporto e, quando lá chegámos, deparámos com um NorthAtlas a voltar, de uma viagem, para trás, com um problema técnico num dos motores.
Ouvimos dizer que ia ser resolvido o problema, e que, depois do avião levar ao seu destino os soldados que nele viajavam, regressaria para nos levar a nós.
Não queiram saber o desatino que foi entre a maioria da malta, ouvindo-se aqui e ali: “Eu não entro naquele avião nem morto”.
Outros chegaram à conclusão de que, se o aparelho fosse e viesse, seria sinal de que a avaria tinha sido bem reparada.
De facto a aeronave foi e veio, e levou-nos também ao nosso destino sem problemas.
Continuo na dúvida se realmente o destino do avião era Piche ou Nova Lamego, mas estou mais inclinado para a segunda hipótese.
Logo que chegamos, tínhamos à nossa espera uma coluna auto, na qual embarcamos, e vieram avisar-nos que, muito provavelmente, iríamos encontrar ao longo da picada elementos do PAIGC, mas que, em princípio, não haveria qualquer problema, já que nesta altura estávamos no pós 25 de Abril.
Por via das dúvidas acharam melhor seguirmos com a arma em pronta a fazer fogo.
De facto encontrámos alguns elementos do PAIGC, com uma cara muito séria a olhar para nós, o que me deixou muito pouco à vontade.
Enfim, chegámos a Canquelifá e fomos recebidos pelos velhinhos como verdadeiros VIPS, tivemos direito a “reportagens televisionadas pela RTP” e tudo (estão a imaginar aquelas câmaras de televisão feitas de caixas de papelão).
Depois prestaram-nos as “honras da casa”, mostrando-nos o aquartelamento e alguns buracos no chão da parada, feitos (segundo eles nos diziam) por mísseis. Como a guerra tinha acabado, não me assustei muito.
Eu pensava, até ter lido aqui no blogue que ouve tiroteio em algumas zonas da Guiné depois do 25 de Abril, que tinham cessado completamente as hostilidades na Guiné, e dizia-o, então, a toda a gente com quem conversava.
Puro engano meu, pelo que tenho vindo a constatar.
Assim, fiz a minha estadia de um mês e sete dias, se não me falha a memória, a dormir em cima de umas tábuas durante esse período, porque os velhinhos fizeram o “favor” de levar com eles os colchões do quartel.
Durante esse tempo recebíamos a visita de soldados do PAIGC, com certeza para estabelecer os trâmites da entrega do destacamento com o nosso Capitão.
Lamento não ter fotografias dessa entrega, nem qualquer outra foto de Canquelifá.
Bissau > Bissalanca > Junto do avião > Eu em pé, à esquerda, e, ao meu lado, o Sold radiotelegrafista Guimarães, o Cantineiro da Cia (cujo nome não recordo), o 1° Cabo Operador Cripto Rijo. Em baixo, o 1° Cabo Radiotelegrafista Dinis e a seu lado o Sold Radiotelegrafista Magalhães.
Um abraço,
João Miranda
1° Cabo Radiotelegrafista da 1ª Cia, BCAÇ 4610/73
Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
8 de Fevereiro de 2010 < Guiné 63/74 - P5790: Estórias avulsas (74): Porque rapei o meu bigode (Jorge Teixeira/Portojo)