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domingo, 23 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25675: Fotos à procura de.. uma legenda (181): Nos navios de transporte de tropas ,em que fizemos o "cruzeiro das nossas vidas", havia sessões de cinema, ao ar livre, no convés...

 


T/T Quanza > BCaç 617 >  A caminho da Guiné > c. 8-15 janeiro de 1964 > Tela para projeção de filmes  ao ar livre...




T/T Quanza > BCaç 617 > A caminho de Guiné > 9 de janeiro de 1964 > Exercício de salvamento a bordo


Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. As fotos do  João Sacôto (ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66; piloto e  comandante da TAP, reformado) não mentem: no T/T Quanza, onde viajou para a Guiné, havia uma tela, pendurada no mastro principal (o da ré), no convés, onde era pressuposto projetar-se filmes... 

Não sabemos quais, nem quantos, nem a que horas... (se é que chegou a haver alguma sessão dessas durante a viagem). Mas só podia ser à noite...Como as noites eram frias e ventosas, em alto mar, é de imaginar que as sessões de cinema ao ar livre não deviam ser muito concorridas... 

Alguém se lembra ainda destes "cruzeiros das nossas vidas" ? Nos outros navios de transporte de tropas (Niassa, Uíge, Ana Mafalda, Carvalho Araújo, etc.) também havia sessões de cinema à noite, no convés ?  E serviam-se mantas e pipocas ?

Camaradas, a caixa de comentários é vossa...

PS1 - Parece que a Companhia Nacional de Navegação foi inovadora, terá ido a primeira a instalar telas  gigantes no convés para sessões de cinema ao ar livre, nas carreiras de África, logo em finais dos anos 40... E nomeadamente no navio Angola.

Diz a Wikipedia, sobre a Companhia Nacional de Navegação (CNN):

(...) A CNN deteve a maior frota do país, com nove unidades: o "N/T Príncipe Perfeito" (1961), que se constituía no seu navio-almirante, os gémeos "N/T Angola" (1948) e "N/T Moçambique" (1949), o "N/T Niassa" (1955), os irmãos "N/T Índia" (1951) e "N/T Timor" (1951), o "N/T Quanza" (1929),os gémeos "N/T Lúrio" (1950) e o "N/T Zambézia" (1949).

Nestes navios se fez a maior parte do transporte dos contingentes militares, material, funcionários do Estado e portugueses que iam para os antigos territórios portugueses em África Ocidental. (....) Alguns deles faziam ainda as carreiras de África Oriental e do Extremo Oriente.(...)


PS2 - Temos mais de 60 referências com o descritor "O cruzeiro das nossas vidas"... Não nos lembramos de ler, nesses postes, alusão a sessões de cinema ao ar livre... Mas alguns navios, como era o caso do Quanza, em 1964, já estava equipado...

PS3 - Sobre o N/M Quanza ver aqui...
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25555: Fotos à procura de... uma legenda (180): não sendo a G3, que espingarda automática empunham estes dois militares do BCP 21, no Leste de Angola, c. 1970/72 ?

sábado, 16 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24962: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (3): Amboim, Angola: crianças pilando café

 

Angola - Indígenas de Amboim descascando café

Fonte: Capa da Gazeta das Colónias: quinzenário de propaganda e defesa das colónias, Ano II, nº 26, Lisboa, 25 de setembro de 1925. Diretor: Leite de Magalhães; editor: Joaquim Araújo; propriedade: Empresa de Publicidade Colonial Lda.

O então diretor, António Leite de Magalhães, foi major do exército, governador da Guiné entre 1927 e 1931.





Por este anúncio, de página inteira, ficamos a saber que em 1925 a Companhia Nacional de Navegação, SARL tinha já uma importante frota: 

  • 14 paquetes (os mais pequenos, com menos de 4 mil toneladas, só faziam serviço de cabotagem);
  • 5 vapores de carga;
  • 3 rebocadores (no Tejo);
  • o maior dos paquetes, em termos de arqueação bruta (c. 9 mil toneladas), era o "Nyassa".

A CNN fazia transporte de passageiros e mercadorias para os portos da Afríca Ocidental e Oriental. Era conhecida anteriormente pela sigla ENN (Empresa Nacional de Navegação a Vapor para a África,  Portuguesa, ou Empresa de Navegação Nacional, 1899-1918), e teve o monopólio das rotas para as colónias, até 1922, ano em que foi criada a empresa concorrente, a  Companhia Colonial de Navegação, com sede em Angola.



Postal da Empresa Nacional de Navegação a Vapor para a África Portuguesa (ENN)
Portugal. 2 de janeiro de 1899. Imagem do domínio público. Cortesia da Wikimedia Commons

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Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série:


15 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24958: Capas da Gazeta das Colónias (1924-1926) (1): Os "angolares", indígenas de São Tomé

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24036: Blogues da nossa blogosfera (176): revisitando e revendo mais 13 da nossa velha lista (de L a N)


Memórias de Jolmete - Ex-alf mil Manuel Resende, CCAÇ 2585 (1969/71), o régulo da Tabanca da Linha

1. Continuamo a rever a nossa lista (já antiga e que nunca tinha sido  atualizada, aumentada, corrigida,  melhorada...) dos cento e poucos blogues e outras páginas na Net  que faziam parte da nossa blogosfera (c. 110)... Constava/consta da coluna estática do nosso blogue, no lado esquerdo.

Hoje fizemos a verificação, desses blogues e páginas, de L a N (n=13). Metade desses sítios já não existem, foram descontinuados, mudaram de URL... 

Como temos dito, é o preço que se paga por uma existência virtual, que é sempre precária, dependente da boa vontade ou dos caprichos dos servidores (alguns que já não existem, como o Clix, o Sapo, o Terràvista... O Serviço de Alojamento Gratuito de Páginas Pessoais do Sapo, por exemplo, foi descontinuado em dezembro de 2012.)

Os blogues e outras páginas que deixaram de estar "on line" vêm assinalados, em baixo, com um asterico. Nalguns casos têm novos endereços. Alguns destes "sítios" (ou "web pages") poderão ser recuperados através do Arquivo.pt.


Lamparam II, Página de Leopoldo Amado (*)

"Espaço guineense de análises, divulgação de textos e comentários sobre a Guiné-Bissau e o mundo africano. Envie-nos a sua contribuição: leopoldo.amado@gmail.com"...

"Bem-vindo ao Lamparam, espaço guineense de permuta de ideias, reflexões, análises e comentários. Lamparam:  nome escolhido propositadamente para este espaço, justifica-se por verosimilhança,  pois é a palavra ou a expressão por que se designa no crioulo da Guiné-Bissau um engenho tradicional de propulsão normalmente utilizado nas plantações e nas bolanhas da Guiné-Bissau para afugentar a acção predatória das aves sobre as culturas."

Infelizmente teve vida curta: de fevereiro a setembro de 2006... E o nosso amigo e grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, historiador,  também já nos deixou em 2021, vítima da pandemia de Covid-19. Vivia em Bissau. É uma grande perda para a Guiné-Bissau.

Tem um novo "site", com novo "design",  mas o URL é o mesmo, 

https://www.ligacombatentes.org/
"Primeiro estava no Blogue-Fora-Nada, que era uma caserna da tropa. Agora chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné. Blogue-Fora-Nada E vão três. Não desertei. Mudei-me apenas para este Tê Dois. Rés do chão com jardim, barbecue e vista para o mar, as Berlengas da minha infância ao fundo: para poder cultivar as minhas blogarias de luxo. Dispenso a piscina, mas não as falésias de Paimogo ou a praia da Peralta,na Lourinhã. © Luís Graça (2006-2008). Direitos reservados."

... Desde 2013 que não é atualizado... Mas o autor promete voltar, se tiver vida e saúde...



Cortaram-lhe o pio, ao fim de muitos anos. Quem disse que as páginas na Net  morrem de pé?... Mas foi salva, felizmente, pelo Arquivo.pt

Infelizmente já não pode ser atualizada... É uma "peça de museu". Mas tem imensos recursos para quem se interessa por temas como a saúde, o trabalho, as profissões de saúde, a história da medicina e da saúde, etc.



Estava alojada no Sapo. Foi descontinuada. 

http://lusotopia.no.sapo.pt/indexGB.html

Mas mesmo assim foi capturada pelo Arquivo.pt em novembro de 2013




Teve vida efémera. Os "Maçaricos" (ramo a que pertence o nosso editor LG pelo lado paterno) publicaram um livro e fizeram dois encontros. Depois esgotaram as baterias... A página, alojada no Sapo, foi descontinuada... Mas o Arquivo.pt capturou-a 

http://macaricos.no.sapo.pt/


Um pouco de história sobre o clã (interessa a alguém ?):

(...) "Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a antiga escola primária.

E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira".(...) 

  • Marinha Portuguesa
Portal oficial da Marinha Portuguesa na internet. O endereço correto é:

https://www.marinha.pt/pt



A página já não existe, a banda também não... Criada em 2006, fez mais de 150 cocnertos pelo mundo fora,  durou cerca de 10 anos... Cada um foi à sua vida... O João Graça continua a ser nosso grã-tabanqueiro. E a tocar violino.

https://myspace.com/melechmechaya

"O Portal das Memórias de África e do Oriente é um projecto da Fundação Portugal-África desenvolvido e mantido pela Universidade de Aveiro e pelo Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento desde 1997.

"É um instrumento fundamental e pioneiro na tentativa de potenciar a memória histórica dos laços que unem Portugal e a Lusofonia, sendo deste modo uma ponte com o nosso passado comum na construção de um identidade colectiva aos povos de todos esses países.

https://1950pinto.blogspot.com/

Ainda vai mexendo, desde 2012... O José Pinto pertenceu ao BCav 8320/72  (Bula, 1972/74). Fala sobretudo dos convívios que a malta do batalhão ainda vai fazendo.


"Este Blog destina-se a contar estórias da CCAÇ 2585 passadas em Jolmete (Pelundo) desde Maio de 1969 a Março de 1971, altura da nossa comissão militar. Propomo-nos também divulgar trabalhos e convívios de todas as Companhias que por lá passaram, antes e depois de nós, e que queiram colaborar. Aceitamos estórias reais, ou mais ou menos, desde que tenham um fundo de verdade."

Página do Manuel Reswnde, régulo da Tabanca da Linha (Algés).


Alojado no Sapo, foi descontimaudo me finais de 2012.Mas pode ser consultado aqui, através do Arquivo.pt. Estão cá todos os navios que nos levaram para (e trouxeram da) Guiné. Frota da marinha mercante existente em 1958. 



Ver novo endereço do portal, que abrange o universo da lusofonia:
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terça-feira, 13 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17465: (De) Caras (74): "Contrabando da ternura": que bem me sabiam essas encomendas, de que fui portador (na marinha mercante) mas também recetor (Augusto Silva Santos, ex-tripulante da marinha mercante e ex-fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).



Foto 1 – Bissau, Abril de 1970. A bordo do N/M "Alfredo da Silva", com a restante pessoal das máquinas. Sou o primeiro da direita



Foto 2 – Bandeira dos navios da Sociedade Geral [, fundada em 1919 pelo industrial Alfredo da Silva, o líder da CUF - Companhia União Fabril; em pouco mais de meio século de existência, teve 57 navios, fora rebocadores, tornando-se um dos mais importantes armadores do país]




Foto 3 . N/M "Rita Maria", da SG


Foto 4 – N/M "Alfredo da Silva", da SG



Foto 5 – Bandeira dos navios da Companhia Nacional de Navegação


Foto 6 – N/M "Niassa", da CNN





Foto 7 – CCAç 3306, Jolmete, Novembro de 1972. Em convívio com outros camaradas, após termos “devorado” umas das célebres encomendas vinda da metrópole, com os saborosos enchidos e queijos. Estou ao centro da mesa. 




Foto 8 – CCAÇ 3306, Brá, Novembro de 1973. Por vezes essas encomendas também chegavam com um “bom” vinho.



Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada, foi tripulante da marinha mercante e depois  fur mil da CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73).


Camarada e Amigo Carlos Vinhal, bom dia!

Sobre o assunto em referência, a par dos outros camaradas que já escreveram sobre o assunto (Tony Levezinho, Hélder Valério Sousa, e Juvenal Amado), também eu tenho alguma coisa a contar, por ter estado muitas vezes envolvido nesse saudável "contrabando".

Se achares interessante, agradeço a publicação do que junto envio.

Forte abraço com votos de muita saúde.

Augusto Silva Santos


2. “Contrabando da Ternura”

por Augusto Silva Santos


Tendo eu começado a minha vida de marinheiro muito cedo, assim também cedo me iniciei no agora chamado “contrabando da ternura”, pois andei embarcado nos navios da marinha mercante dos 18 aos 21 anos ("Rita Maria", "Alfredo da Silva" e "Niassa") até ser chamado para a vida militar e, posteriormente, mobilizado para a Guiné.

Pela razão acima, algumas foram as vezes que mães, pais, amigos e até namoradas, de vizinhos meus mais velhos já mobilizados, sabendo das minhas viagens para terras do ultramar, nomeadamente para Cabo Verde, Guiné, Angola, e Moçambique, algumas vezes me solicitavam para ser portador desta ou daquela encomenda, nem sempre de comes e bebes, como se costuma dizer. 

Eram de facto muito diversas essas célebres encomendas, que felizmente sempre consegui fazer chegar aos seus destinatários através dos mais diversos meios, normalmente através dos amigos que se encontravam sediados nas cidades onde aportávamos, que posteriormente as encaminhavam até ao mato.

Um dos beneficiados ainda chegou a ser o meu irmão, que nos finais de 1970 já se encontrava na Guiné no BCaç 3833 / CCaç.3307 – Pelundo, encomendas essas que um ou outro amigo recolhia e fazia chegar até à “arrecadação do Batalhão” sita em Brá / Quartel dos Adidos, e que ele acabava por receber sempre que havia uma coluna da Companhia de Transportes ou da própria Companhia. 

Quis o destino que também eu viesse mais tarde a ser mobilizado para a Guiné, e fosse parar em rendição individual a uma das Companhias desse Batalhão, neste caso para a CCaç 3306 – Jolmete. Aí, passei também eu a ser contemplado, neste caso por via das encomendas que os meus pais despachavam por um vizinho meu (infelizmente já falecido) que comigo andara embarcado no "Alfredo da Silva".

Importa salientar que, sendo o meu falecido pai do quadro do pessoal civil da Marinha de Guerra, também ele tinha vários elementos amigos a cumprir serviço militar em diversos sítios, nomeadamente na Guiné, e também para eles fui algumas vezes portador de encomendas. 

Mais tarde, nomeadamente quando já estava colocado no Depósito de Adidos em Brá, passei a ser também receptor, mas nem sempre bem sucedido. Lembro-me que, numa dessas ocasiões, tendo recebido uma “valente” encomenda (um saco de viagem cheio das mais diversas iguarias), alguém durante a noite fez com que o mesmo tenha simplesmente desaparecido, sem que tenha havido qualquer magia. Foi mesmo roubada. 

Na altura, debaixo da revolta pelo acontecido e mesmo não o conhecendo, ao “amigo do alheio”, roguei-lhe as mais diversas pragas mas, passados todos estes anos, sinceramente espero que lhe tenha feito muito bom proveito, porque se calhar bem mais precisava do que eu.

Que bem me sabiam essas encomendas da ternura ou da saudade!

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Nota do editor:

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15607: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1917/73): Parte I: A caminho de CTIG, de 3 a 9/4/1971, no navio "insular" Angra do Heroísmo, fretado nesse ano ao Exército para transporte de tropas


Foto nº 1 > Lisboa, Cais da Rocha Conde de Óbidos, 3/4/1971: um dia chuvoso...


Foto nº 2 > Lisboa, 3/4/1971> T/T Angra do Heroísmo e, ao fundo, na margem direita do Tejo, o Monumento dos Descobrimentos e o Mosteiro dos Jerónimos


Foto nº 3 > Lisboa, estuário do Tejo, 3/4/1971 > Largada do T/T Angra do Heroísmo, vendo-se ao fundo o Bugio onde, dizem, acaba o rio e começa o mar...


Foto nº 4 > T/T Angra do Heroísmo, 3/4/1971 > A caminho da Guiné... A proa do navio


Foto nº 5 > T/T Angra do Heroísmo, 3/4/1971 > Convés: ao centro o Capitão QEO Daniel António Nunes Pestana, cmdt da CCAV 3366


Foto nº 6 >  T/T Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné, em viagem de 3 a 9/4/1971...



Foto nº 7 >  T/T Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné; 3 a 9/4/1971... Mais aspeto da proa...


Foto nº 8 >  T/T Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné; 3 a 9/4/1971... Eu num dos barcos salva-vidas


Foto nº 9 >  T/T Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné; 3 a 9/4/1971... Uma cena insólita... Uma Berliet no convés do navio...

Fotos (e legendas): © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados. 

1. Início da publicação de fotos do álbum de um dos nossos mais recentes grã-tabanqueiros, o n.º 707,  o Armando Costa, de seu nome completo Armando Silva Alvoeiro da Costa (ex-fur mil mec auto,  CCAV 3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*).

O Armando, que ainda não tinha paga a sua "jóia", mandou-nos um lote de fotos (49) "das que possuo da Guiné  (Bissau, Cumeré, Susana e Varela), do período de 1971 a 1973". Prometo mandar mais... Diz-nos que "a qualidade é a que se pode arranjar, resulta da digitalização de postais de fotos que tirei, Os negativos perdi-lhes o rasto"...

Ele partiu para a Guiné em 3 de março de 1971, em dia chuvoso, como se depreende, da foto n.º 1 (Lisboa, Cais da Rocha Conde de Óbidos). O mais insólito (ou talvez não...) foi ter ido num navio da carreira Lisboa-Madeira-Açores, o T/T Angra do Heroísmo. O navio devia ir a abarrotar (foto n.º 7), transportando homens e material de guerra (foto n.º 8)...

Além do pessoal do BCAV 3846, deve ter levado também o pessoal da Companhia Independente CCAV 3378 (Olossato, Brá).

O BCAV 3846, além da CCAC 3366 (Susana, Cumeré), era composta pelas CCAV 3364 (Ingoré, Cumeré) e CCAV 3365 (S. Domingos, Cumeré), A unidade mobilizadora foi o RC 3. O Comando e a CCS ficarm em Ingoré. Cmdt do batalhão: ten cor cav António Lobato de Oliveira Guimarães. O pessoal deste batalhão regressou a casa em 8/3/1973, exceto o da CCAV 3365 que embarcou mais tarde (17/3/1973).


O T/T Angra do Heroísmo. Cortesia do blogue  Dicionário de Navios Portugueses, de   Luís Miguel Correia (um especialista neste domínio)


2. Já agora ficamos a conhecer as características do T/T Angra do Heroísmo:

(i) navio de passageiros de 1 hélice;

(ii) construído em Hamburgo, Alemanha, em 1954/55;

 [, "baptizado com o nome de 'Israel', foi oferecido nesse mesmo ano ao estado judaico, como indemnização pelos prejuízos causados à comunidade hebraica entre 1933 e 1945 pelos nazis e integrado na frota da companhia Zim Israel Navigation, com sede em Haifa"; (...) "colocado na linha regular de Nova Iorque, o navio manteve esse serviço durante dez anos";  (...) "em 1959 foi abalroado por um cargueiro norte-americano e reparado no estaleiro naval de Brooklyn"... Vd. o blogue Alernavios]

(iii) registado no porto de  Lisboa, depois de comprado, em segunda mão,  pela Empresa Insulana de Navegação, SARL,  de Lisboa, para fazer a carreira Lisboa - Madeira - Açores;

(iv) ano de abate: 1974;

(v) comprimento ff 152,71m;

(vi) comprimento pp 138,34m;

(vii) boca 19,87m;

(viii) pontal 11,00m;

(ix) calado máximo 8,71m;

(x) capacidade de carga 4 porões com capacidade para 9019m3 de carga, incluindo 536m3 de carga frigorífica;

(xi) tonelagem 10.187 TAB, 6.230 TAL, 6.870 TPB, 13.900 T deslocamento;

(xii) aparelho propulsor um grupo de turbinas a vapor AEG, construídas em Berlim Ocidental, por Allgemeine Electric Gesellschft, 2 caldeiras;

(xiii) potência 11.500 shp a 119 r.p.m.;

(xiv) velocidade máxima 19 nós;

(xv) velocidade normal 18 nós;

(xvi) passageiros: alojamentos para 80 em primeira classe, 43 em turística A, 80 turística B e 120 em turística C, no total de 323 passageiros;

(xvii) tripulantes 139

Esta detalhada e preciosa informação é da Revista do Clube de Oficiais da Marinha Mercante Nov/Dez 96, reproduzida  no sítio Navios Mercantes Portugueses: frota existente em 1958

Durante o ano de 1971, para além da carreira para a Madeira e Açores, o Angra do Heroísmo fez diversas viagens Lisboa - Bissau, fretado ao Ministério do Exército, para transporte de tropas e material de guerra.

Em 14/10/1973 saiu de Lisboa na última viagem à Madeira e Açores, imobilizando no Mar da Palha após regresso ao Tejo em 25.10.1973. Em 4/2/1974 passou a pertencer à CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, SARL, na sequência da fusão entre as empresas Insulana e Colonial.

Em 5/4/1974 foi vendido a sucateiros espanhóis e a 14 desse mesmo mês chegava a Castellon, a reboque, procedente de Lisboa, para ser desmantelado. Assim acabou mais um glorioso navio da nossa gloriosa marinha mercante. (Sobre a curiosa história deste navio, ver mais informações aqui).

PS - Temos aqui mais camaradas da CCAV 3366 / BCAV 3846 (Susana, 1971/73), nomeadamente o Luiz Fonseca, ex-fur mil trms, e o Delfim Rodrigues, ex-1.º cabo aux enf.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15401: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (4): No regresso a Lisboa, em março de 1969, no N/M Uíge: 1246 passageiros, distribuídos pela 1ª (n=57), 2ª (n=133) e 3ª classes (n=1056)



Foto nº 1 > T/T Ana Mafalda... na viagem de Lisboa-Bissau, em 1967: o alf mil Alfredo Reis é o primeiro da direita. E em segundo plano, à sua direita, se não erro, o Alberto Branquinho, que foi seu colega de liceu em Santarém.  O Branquinho era alferes da CART 1689 / BART 1913 (, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69).


Foto nº 2 > O T/T Uíge, o paquete da Companhia Colonial de Navegação, onde o alf mil Alfredo Reis regressou a casa... tal como muitos de nós.





Foto nº 3 > T/T Uíge > Março de 1969 > Distribuição do contingente militar e familiares, pelas três classes do navio... Entre os alferes milicianos, havia 4 futuros grã-tabanqueiros, ou sejam, membros da nossa Tabanca Grande: o Alberto Branquinho (CART 1689), o António Moreira, o A, Marques Lopes e o Alfredo Reis  (CART 1690)(*)...  O nº de passageiros era de 1246, a grande maioria (as praças) viajando em "terceira classe"... Lembrei-me logo do título do livro do José Rodrigues Miguéis, "Gente da Terceira Classe" (**)

Foto nº 4 > T/T Uíge > Março de 1969 >Cumprimentos de despedida do comandante de bandeira, do Comandante e Oficiais do navio


Foto nº 5 >  T/T Uíge > Março de 1969 > Nome do capitão de bandeira, do comandante, do imediato, do chefe de máquinas, do comissário, do médico e do 1º radiotelegrafista


Foto nº 6 > Menu do jantar de despedida, em 7 de março de 1969

Foto nº 8 > Programa do concerto

Fotos (com exceção da nº 1) do regresso, no T/T Uíge, em março de 1969



Guiné > Zona leste > Geba > CART 1690 (1967/69) >  Continuação da publicação do álbum fotográfico do alf mil Alfredo Reis, que nos foi disponibilizado pelo seu amigo e camarada A. Marques Reis.


Fotos: © Alfredo Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]




Informação do nosso leitor (e, presume-se, camarada) Gabriel Tavares sobre a figura do Capitão de Bandeira:

Capitâo de Bandeira é o oficial da armada (marinha de guerra) nomeado para representar as autoridades navais a bordo de navio mercante fretado pelo Estado para transporte de guerra (pessoal e material). Tem autoridade sobre toda atripulação. Para as tropas havia o comandante das tropas embarcadas, oficial mais antigo de todos os oficias das forças embarcadas.

Se o Oficial da Armada que tinha de ser da classe de Marinha fosse mais graduado ou antigo que o comandante militar de bordo (comandante das forças embarcadas) acumulava as duas funções.

Esta legislação entretanto foi revogada em 2009.
G.Tavares, 24/11/2015

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15388: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (3): O que é um homem precisava no mato, num miserável destacamento como o de Banjara, em 1967 ?
(**) Gente da terceira classe é o título da crónica que narra a primeira viagem de José Rodrigues Miguéis  [Lisboa, 1901-Nova Iorque,1980] para os Estados Unidos da América. Ao ler este registo autobiográfico, o leitor poderá captar as primeiras impressões de uma realidade social que será desenvolvida nos contos e novelas.

Jornal de bordo - 1935

«(...) É preciso ter viajado num destes transatlânticos para se fazer uma ideia das fronteiras que separam os homens e as classes, mesmo dentro duma casca de noz. E somos poucos, aqui, não mais de cinquenta: que faria se fôssemos os duzentos ou quatrocentos da lotação, só Deus sabe, amontoados na imunda gafaria que é a terceira dos emigrantes. (...)

Ao partir, levavam consigo ao menos uma esperança: agora nem isso lhes resta. Muitos deles, com o sonho, seu único luxo, perderam por lá a saúde e a força de trabalho, que era toda a sua riqueza.
Com estes, os de torna-viagem, embarcaram na Madeira e agora comigo, em Lisboa, alguns portugueses que vão, como eu, à Inglaterra tomar o paquete para os Estados Unidos. Assim se juntam aqui, embora com destinos e em estados de alma opostos, duas correntes da mesma miséria: uma delas, ainda quente do sol da ilusão, parte para a zonas mais temperadas e prósperas do Leste americano; a outra regressa lá do equador e do trópico, fria de desapontamento, amolambada e escrofulosa, para se dispersar por todos os cantos deste nosso mundo cristão e ocidental. Correntes humanas, num inquieto e perpétuo corropio em torno destoutro mar de Sargaços, a vida.(...)»

in «Gente da Terceira Classe», 3.ª ed, Editorial Estampa, 1983 pp. 11 e 12

(Crónica publicada na revista «Seara Nova» nos anos 40 e depois integrada no volume intitulado «Gente da Terceira Classe». A primeira edição data de 1962).

Fonte: © Instituto Camões, 2001 (com a devida vénia...)

domingo, 31 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13551: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Anexo I: Depois de finda a comissão no TO da Guiné, em dezembro de 1969, ainda foi capelão da marinha mercante até abandonar a vida sacerdotal, em 1972, e casar-se na igreja de Cedofeita, Porto...



Capa da tese de dissertação de mestrado do Horácio Neto Fernandes, "Francisco Caboz: do angélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Porto:  Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. 1995, 147 pp. (A tese de dissertação, orientada pelo Prof Doutor Stephen R. Stoer, já falecido, está aqui disponível em formato pdf).



1. Publicámos, com autorização do autor, cerca de 35 páginas do livro  "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto: Papiro Editora, 2009) (*). [Vd. aqui página da Editora no Facebook]

O autor é o nosso camarada e grã-tabanqueiro Horácio [Neto] Fernandes eos excertos publicados são relativos à sua experiência como alf mil capelão no CTIG, de setembro de 1967 a dezembro de 1969. De rendição individual, o capelão Horácio Fernandes esteve a maior partte do sua comissão de serviço na CSS/ BART 1913,(Catió, 1967/69).

[ Horácio Fernandes: foto à direita, da autoria do nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mecânico de armamento, CCS/BART 1913].


Os 8 poste publicados correspondem às pp. 127-162 do livro que  já anteriormente tinha sido objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (Poste P9439, de 3 de fevereiro de 2012)

Trata-se de um livrro autobiográfico, Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O Horácio Fernandes vive há 4 décadas no Porto. Vestiu o hábito franciscano, tendo sido ordenado padre em 1959. Deixou o sacerdócio em 1972.. É casado, tem 3 filhos. Está reformado da Inspeção Geral de Educação onde trabalhou 25 anos na zona norte. Em 2006 doutorou-se em ciências da educação pela Universidadfe de Salamanca, Espanha.

Horácio Fernandes. Foto: cortesia da
Papiro Editora, Porto
 O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, pela Univeridade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, (1995): "Francisco Caboz: de angfélico ao trânsfuga, uma autobiografia (147 pp.) (A tese de dissertação, orientada pelo Prof Doutor Stephen R. Stoer, já falecido, está aqui disponível em formato pdf).

Alguns dos nossos leitores poderão ter curiosidade em saber o que aconteceu ao capelão Horácio Fernandes depois do seu regresso da Guiné em dezembro de 1969. Já aqui aconselhámos a leitura integral do livro. Fomos, entretanto, "repescar" a versão (muito mais sucinta) da sua história de vida, constante da tese de dissertação de mestrado em ciências da educação. Com a devida vénia, reproduzimos aqui as pp. 133-136 desse trabalaho académico. (LG)

Como j+a dissemis, o Horácio Fernandes abandonou o sacerdócio em 1972, dois anos e tal depois de regressar da Guiné. Não querendo voltar opara o concento, ainda se ofereceu , em vão, para prolongar a condição de capelão militar. Como alternativa, foi capelão na marinha mercante: leia-se a parte III, cap 4, do livro ("Capelão do Clube Stella Maris", pp. 163-174).

 Como ele explicou na sua tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, Horácio Fernandes "é o sujeito e objecto da autobiografia, coberto por um pseudónimo que pretende esconder o que revela. Francisco, modelo de pessoa e de vocação que nasceu em Assis; Caboz, de peixe tímido, que não se aventura ao alto mar, mas cresce humildemente nas rochas, que a maré baixa põe a descoberto. Morde a isca com muita facilidade, quando tem fome, mas se desconfia, mais ninguém o consegue apanhar" (p.95)-


Anexo I - Depois da comissão no TO da Guiné, Horácio Fernandes ainda foi capelão da marinha mercante  até abandonar a vida de padre, em 1972,  e casar-se na igreja de Cedofeita, Porto...


(...) As férias, de Capelão Militar, duas vezes por ano, eram passadas em casa de meus pais. Celebrava na minha terra e era muito solicitado pelas famílias da redondezas, para saberem notícias dos filhos. Não tinha tempo para ir visitar a instituição, nem sentia necessidade disso. Aliás, com o meu dinheiro, custeava as despesas dos estudos de minha irmã, que frequentava já o Instituto Comercial e consegui, com as economias liquidar as restantes dívidas de meu pai. Vivia, portanto, praticamente à margem da minha instituição.

Ainda cheguei a escrever algumas cartas, mas nunca obtive resposta. Talvez, por isso, quando acabou a tropa, escrevi aos Superiores a dizer que não estava disposto a voltar imediatamente para o Convento. Responderam-me, acenando-me com um lugar de Superior, numa residência da instituição. . Recusei e sem saber para onde ir, pedi para flcar mais um ano no serviço militar.

Como me disseram que não havia lugar, fiquei bastante ofendido, pois sabia que outros conseguiram ficar. Frustrada uma ida para Angola, para dar aulas no Liceu de Nova Lisboa, ofereci-me ao Clube Stella Maris para ir para Capelão do Mar, a ver como as coisas evoluíam, pois achava que não era capaz de voltar para a Instituição.

Tinha de tomar uma decisão, mas era muito penoso. A pressão social da minha família e das gentes que em mim tinham confiado continuava a ser um grande obstáculo, cada vez mais difícil de transpor. Preferi, pois, adiar mais algum tempo. Nascia também em mim o Trânsfuga.

O Apostolado da Mar, organização católica que fornecia capelães para os navios da Marinha Mercante, foi a solução provisória encontrada. Ganhava, assim, mais algum tempo, fora da jurisdição da Instituição, podia continuar a ajudar a família e entretanto tinha tempo para ponderar melhor a minha decisão-

Este adiamento nada resolveu. A decisão tinha de ser minha. O clima relacional nos navios da Marinha Mercante, fretados ao exército para transporte de tropas, era duplamente penalizador. Após as emoções da partida, os soldados iam como animais para o matadouro, em camaratas improvisadas nos porões. Alguns enjoavam e outros bebiam demais e nem para as refeições se levantavam. Revoltados, vingavam-se nos colchões de espuma que, no fim da viagem eram mandados ao mar. Por sua vez, a tripulação do navio, sob a jurisdição do comando militar, vivia num contínuo stress. A tripulação era constituída na sua grande maioria por jovens oficiais, a cumprir deste modo o serviço militar. Afogavam, pois, em garrafas de uísque a sua desdita.

Nos navios petroleiros a situação não era melhor. Passavam cerca de 25 dias a sonhar com o porto de Lisboa ou Leixões, mas aí chegados, passadas 48 horas, o navio zarpava novamente.

Eu percorria, durante o dia, todo o navio, quando o mar era calmo, mas só era solicitado para ouvir desabafos. Por isso, sentia-me inútil como padre; não obstante todos me tratarem com correcção, sentia-me como uma ave rara, com quem todos, levados pela curiosidade, queriam discutir assuntos de religião. Tirava algumas dúvidas, mas não resolvia as minhas.



Entretanto, ia-me preparando para o exame de admissão à Faculdade de Letras. Esta admissão constava da
matéria de História do 5º ao 7º ano e Filosofia do 6º e 7º.

Nas últimas viagens ao Golfo Pérsico, estava mesmo disposto a mudar de profissão, pedindo a redução ao estado laical. O isolamento de cerca de 25 dias de viagens, só com 30 a 40 homens a bordo, tentando esquecer o tempo, bebendo, ou criando situações conflituais, desenraizados socialmente, trouxe-me a noção do meu próprio isolamento. Nada me faltava a bordo. Contudo, achava inútil a minha presença ali.

Na minha indecisão ia-os ouvindo mas também desabafando os meus problemas. Esta situação não lhes passou despercebido e, na hora do desembarque, ofereceram-me um saco confeccionado a bordo e uma caneta, num estojo, onde se lia: «para o capelão. Prenda de casamento».

Nesta indecisão, bem dolorosa para mim e toda a minha família, novamente, uma pessoa teve grande influência: o padre da minha freguesia, um belga, assistente da Universidade de Lovaina em Físico-Químicas, que veio, já vocação tardia, para o Patriarcado. Ousadamente, tentou sacudir a religiosidade tradicional do povo da Freguesia, preocupando-se, sobretudo, em reconciliar as muitas famílias desavindas, o que para ele era essencial. Deixou de celebrar missa semanal na igeja paroquial, preferindo antes as casas das pessoas. Aí reunia toda a família, e outros que quisessem participar. No meio da refeição normal, constituída por aquilo que cada um levava, lia alguns extractos do Evangelho apropriados. Consagrava, depois, o pão e o vinho e dava a Comunhão que era o momento alto da reconciliação das pessoas, umas com as outras, porque,  dizia, ninguém pode estar de bem com Deus, sem estar de bem com os outros.

Nos dias de semana trabalhava como camarada de um barco e recebia o seu quinhão de peixe. Disso vivia e das aulas no Instituto dos Invisuais em Lisboa, sem levar dinheiro pelos outros serviços, prestados aos fregueses. [Há aqui um hiato no texto, o sujeito da frase ´deve ser um professor do Instituto dos Invisuais de Lisboa...] Toda a gente o estimava e admirava peia sua dedicação e desprendimento que contrastava com a normalidade. Foi incompreendido pelas hierarquias do Patriarcado, acabando por sair e casar com uma professora cega, com mais três irmãos cegos que continuou a amparar.

Foi ele que me orientou. Ia para sua casa e falávamos, demoradamente. Os seus conselhos e a sua corajosa atitude ajudaram a libertar-me da indecisão.

Depois de mais uma vez regressar à Guiné, com tropas, fiz a última viagem a Cabinda. Desembarquei e fui hospedar-me, como de costume, numa residência da Instituição. Pedi a redução ao estado laical e fiquei a aguardar. Embora continuasse a celebrar, recebia a visita de minha irmã, então a trabalhar no Porto e de outras raparigas, entre elas a minha futura mulher [, Milita].

Esta situação deve ter chegado aos ouvidos dos Superiores Maiores, que se ofereceram para me pagar determinada quantia mensal, para alugar um quarto na cidade, se eu abandonasse, de vez, a residência.

Mal abandonei a residência, esqueceram-se da promessa e fui morar com mas três colegas, num quarto alugado. Para sobreviver, dava explicações e oito horas semanais de aulas. Em contrapartida, leguei aos meus ex-confrades as alfaias litúrgicas do Apostolado do Mar e à Igreja de Arribas do Mar [, Ribamar, Lourinhã] os cálices que me tinham oferecido na Missa Nova ], em 15 de agosto de 1959].

Casei na capela românica da Cedofeita [, Porto], com a assistência apenas dos padrinhos, tal como me impôs o Bispo do Porto, em 1972 [, D. António Ferreira Gomes, regressado do exílio em 1969]. Tudo em conformidade com o habitus da obediência e subordinação. A paixão é que foi transferida do simbólico para o real. (...)

[Fonte: Horácio Neto Fernandes, "Francisco Caboz: do angélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Porto:  Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. 1995, pp. 133-136. (Disponível em formato pdf)... Com a devida vénia ao autor e à biblioteca da FPCE/UP.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13545: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte VIII (e última): (i) o fim da comissão e o regressa a casa; ... (ii) a angústia em relação ao futuro

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11059: Facebook...ando (23): Joaquim Rodrigues, ex-1º cabo, CCAÇ 2588 (Mansoa, Jugudul, Bindoro, 1969/71), reformado da Marinha Mercante



"O meu navio [,ex-Funchal]. Não há ninguém que o salve daquele cais podre, a cair aos bocados. Estava a empresa a pagar mais de 4 mil euros ao porto de Lisboa..." (Foto e legenda: Joaquim Rodrigues. Com a devida vénia...)


1. Mensagem colocada, hoje,  na nossa página do Facebook, Tabanca Grande Luís Graça, pelo nosso leitor (e camarada) Joaquim Rodrigues, reformado da Marinha Mercante, nascido em 1947, residente em Corroios, Seixal:

Bom dia,  camarada Luís. Eu sou ex-1º cabo Joaquim Rodrigues, da  Companhia de Caçadores 2588, que esteve em Mansoa, Jugudul, Bindoro, etc. 

Estou impressionado com tanta documentação, permitindo conhecer tantos camaradas que estiveram comigo na Guiné, à  distancia dum clique.

É sempre bom rever o passado e ver fotos por onde passamos .

Gostava que me dissessem se o capitão da companhia, Fernando Amaral.Sarmento, ainda é vivo. Era um bravo capitão.

Eu,  depois quando regressei a Lisboa,  fui trabalhar como empregado de mesa para os .navios,  onde estive até 2012 (#). Tenho uma reforma de miséria- há meses que não consigo comprar os medicamentos todos para o coração a minha mulher que não trabalha e tenho uma filha com 18 anos na escola,  é uma vida complicada.

Tanta gente que morreu para nada. Eu moro em Corroios,  na margem sul.

Um abraço a todos J.R.
Página no Facebook:
 www.facebook/joaquim.rodrigues.50552338


(#) Foi garçon na Classic International Cruises,  de janeiro de 1989 até 2012. [A empresa] Classic Internaternational Cruises  foi fundada em 1985 pelo saudoso armador grego sr. Potamianos,  falecido no ano passad. Um grande amigo e patrão. O primeiro da frota foi o Funchal que estava no mar da Palha [, estuáriod o tejo,] a aprodecer com o fim da marinha mercante. Este navio nasceu em 1961 na Dinamarca: tem 50 anos de história,  milhares de passageiros .felizes e milhares de milhas nos hélices que neste momento não os têm. E o futuro ninguém sabe. Joaquim Rodrigues, waiter no Funchal desde 1967. [J.R.]

2. Comentário de L.G.:

(i) Camarada J.R., sê bem vindo!... É verdade, tens aqui a malta da Guiné do teu/nosso tempo, ao alcance de um clique. Mas não penses que isto nasceu de geração espontânea. É trabalho de muitos anos (nove!) e de uma vasta equipa... Também tu podes fazer parte desta "tripulação": a jóia de entrada são 2 fotos tipo passe + 1 história.... Já somos mais do que o teu batalhão, o BCAÇ 2885.

Infelizmente, sobre a tua CCAÇ 2588, ainda temos poucas referências, contrariamente a CCAÇ 2589, que foi comandado pelo nosso grã-tabanqueiro Jorge Picado, então com 32 anos, eng agrónomo, pai de quatro filhos Devemos ser mais ou menos da mesma altura. Eu vim no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969. A minha companhia era a CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12). Desejo-te boa reforma, apesar das contrariedades e vicissitudes da hora presente. Vejo que as saudades do teu tempo de marinha mercante são mais do que muitas. É triste ver um orgulhoso navio  da nossa grande frota da mercante mercante estar a apodrecer e ir um dia destes para a sucata. Espero que Portugal e os portugueses ainda voltem a descobrir o caminho marítimo... para o Futuro!

(ii) CCAÇ 2588: Mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 7/5/1969 e regressou a 25/2/1971. Esteve em Mansoa e Jugudul. Comandantes>:  Cap inf  Fernando Amarl Campos Sarmento, cap inf Luís da Piedade Faria, cap mil art Armando Vieiras dos Santos Caeiro. Pertencia ao BCAÇ 2885 (Mansoa) (Comandante: ten cor inf João Pedro do Carmo Chaves de Carvalho).

Outras unidades orgânicas deste batalhão: CCAÇ 2587 (Mansoa, Jugudul, Mansoa, Porto Gole) (cap mil art Lourenço Gomes de Campos); e CCAÇ 2589 (Mansoa, Cutia) (Comandantes: cap inf  Francisco António Merndonça Martins Vicente; cap mil art Jorge Manuel Simões Picado)
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Nota do editor:

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7131: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (3): Oficial e cavalheiro: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal



O paquete Funchal, da Companhia Insulana de Navegação. Era uma das jóias da coroa  nossa Marinha Mercante. Inaugurado em 1961, levava caerca de 400 passageiros.  Luís Miguel Correia recorda-o aqui, com saudade, no seu blogue. E o nosso camarada  L.J. Mendes Gomes fez nele o primeiro cruzeiro da sua vida, antes de ser mobilizado para a Guiné. Foi comprado por um armador grego.  

Foto: Postal da época. Fonte desconhecida.



1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66.




OFICIAL E CAVALHEIRO: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal


por J.L. Mendes Gomes




Depois da viagem nocturna de comboio até Lisboa, Santa Apolónia, os felizardos tinham o paquete Funchal, na Rocha de Conde Óbidos, à espera. A saída seria às 12h.


Lisboa nunca lhe pareceu tão bonita. Parecia adivinhar o contentamento que o tomava, a si e seus camaradas, todos na casa dos 22/23 anos, coberta de um radioso dia de sol. O Tejo imenso e azul à esquerda e o casario esbranquiçado da cidade mourisca, à direita, em escadinha, até aos cumes altaneiros do Castelo de São Jorge. O Terreiro do Paço, imponente, voltado para o além …-…Tejo, num abraço fraterno. O Cristo Rei, lá em cima, a tocar as nuvens brancas do céu azulíneo. Tudo parecia associar-se à alegria que parecia envolver o mundo inteiro.


Largados do táxi que os levou até à beirinha do esbelto barco, todo de branco, ali ancorado, subiram, leves, a escada, de mala na mão, até ao portaló, onde os aguardavam, risonhos e garbosos, os oficiais da marinha mercante. 

Mais parecia um sonho. Um verdadeiro palácio se franqueava, no seu ventre. Salas imponentes, de ricos riposteiros e muitos sofás harmoniosamente distribuídos  pelo chão ricamente alcatifado, à volta de mesas de madeira luzente, com  vasos de plantas viçosas; vários bares, recheados de uma profusão de garrafas, sobre as prateleiras de madeira lustrosa como o mel, copos em vidro refulgente.


Longos corredores desaguavam em escadarias que davam para o imenso labirinto de fidalgas suites sobrepostas, nos diversos pisos que enchiam aquele enorme vaso, poisado nas águas mansas do Tejo, muito maior do que parecia, visto de fora.

Não tardou muito que um rugido cavo se fizesse ouvir, vindo lá das profundezas do  bojo, seguido de um grosso e forte silvo de corneta, atirado para os ares.  O barco começou a baloiçar levemente e o cais a afastar-se dele, saudoso. Mais uns minutos e as gentes, buliçosas, já pareciam distantes e minúsculas, a afastar-se, mais e mais…

Lisboa surgia deitada sobre as encostas suaves, ao longo das sete colinas, enquanto o paquete deslizava à tona das águas frescas do Tejo, como se fora uma larga avenida azul, à vista das margens ridentes de casario, à direita e altas escarpas amareladas de barro nú, à esquerda, em cortejo lento.

Mais um pouco e o oceano imenso aparecia à frente, sedutor, convidando-os para uma aventura, no segredo da suas ondas mansas, tecidas pela brisa branda, que vinha dos longes, da cortina de céu pendente do infinito. Dentro, uma população de pessoas desconhecidas para conhecer. O barco estava ao serviço das carreiras habituais de transporte marítimo, em trabalho e em recreio,  para quem o preferia à rapidez e às alturas dos voos em aeronaves…

O almoço aguardava-os num faustoso refeitório, com largas janelas pintadas pelo  azul natural do céu exterior, sempre renovado. Muitas mesas redondas, largas, cobertas de toalhas de brancura alvinitente. Ricos serviços de loiça e talheres prometiam uma cozinha deliciosa, nas breves horas que se iriam passar.

E foi verdade. O almoço mais parecia um banquete de reis e princesas. Empregados vestidos a rigor, de elegantes fatos brancos, bem brunidos, giravam graciosos, por entre as mesas, deixando os pratos a fumegar diante dos olhos regalados, enquanto outros iam enchendo os copos finos de dourado vinho branco ou de fogoso tinto, puro.

O navio sulcava já o largo oceano e um ligeiro baloiçar fazia desaparecer das mesas, ora nesta, ora naquela, alguns dos comensais mais desafortunados. Foi o caso do camarada Teixeira Lima, antigo colega, bexigoso, de Arouca e do pequeno Ribeiro Gonçalves, alentejano ratinho, das raias de Campo Maior. Ali seguiam com ele, na mesa dos que iam para o Funchal. De repente, levantaram-se e desapareceram porta fora… antes que fosse tarde, disseram-no depois. Felizardos os que aguentaram. Deles foi o reino dos … céus!
Ao jantar, já as coisas correram bem. Com todos à mesa, foi a desforra.


A tarde foi passada na amurada ampla, como largo terreiro, onde toda a gente ia aparecendo, curiosa e repetia os mesmos gestos de plenitude, perante o surpreendente deslumbramento da  vastidão das águas, sob a abóboda azul. Predominavam os nórdicos, lácteos, de meia idade, sedentos de sol e, de vez em quando, flausinas pintalgadas, de olhar indiferente, aparentemente, distante e castigador. Estratégias…

O barco seguia no seu ritmo certo, de manso alazão, rasgando a mole ingente de águas profundas e um largo manto revolto de espuma ficava-lhe atrás, perdurando em rendilhados brancos, cada vez mais ténues, até se perderem, desfeitos, na ondulação esverdeada.

Algumas gaivotas acompanhavam-no, teimosas, talvez à procura dos peixes batidos ou estonteados pelo rodar potente da hélice… Durante a tarde, cada um entregou-se, naturalmente, ao que mais preferia desfrutar. À noite, no jantar, já havia  histórias desmedidas de aventura amorosa, na boca de alguns camaradas…difíceis de encaixar em tão curto pedaço de tempo.

Ao Quim Luís, nada disso interessava, para já. Sorver a frescura da brisa carregada de iodo que se desprendia daquele caldeirão refervente, em salpicos de espuma, olhar para os longes do mar infinito, imaginar o que iriam ser os próximos tempos nas imaginárias paragens da ilha bela e desconhecida, era tudo o que lhe perpassava por detrás dos olhos, a partir da amurada alta da nave baloiçante. Só a meio do dia seguinte estariam defronte da ilha. Se tudo corresse bem.

Faltava pouco, pensando que a maior parte do tempo seria passado a dormir numa das suites de 1ª classe, reservada para os oficiais… Antes, porém, de se irem deitar, ainda haveria o serão festivo e dançante, ao ritmo da orquestra especial de bordo, no amplo salão, iluminado por faustosos candelabros e lustres faiscantes de luz irizada.

Toda a gente que ali seguia irradiava satisfação, nos rostos, em troca gratuita de sorrisos, como se se conhecessem há muito tempo…Foram poucos os que não deram o seu contributo de dança, tão descontraída, quanto possível, naqueles tempos. Sem saberem, estavam a despedir-se dos ventos ingénuos do romantismo…

Os Beatles endiabrados já tinham lançado os primeiros lagidos de revolução no seu imprevisto de sons e de ritmo. As primeiras horas do 2º dia de viagem já eram passadas, quando o nobre salão ficou deserto e o barco, em silencioso baloiçar, conseguiu adormecer a miríade de hóspedes aconchegados no seu ventre...

Era um enxame  de destinos desconhecidos e separados que seguia ali. Uma teia entrelaçada de sonhos. Sonhos a nascer, sonhos a crescer e sonhos a  cumprir-se… Antes de ir deitar-se, não resistiu à tentação de subir à proa do barco. Nunca vira coisa assim.   Sublime e esmagadora solidão. Debruçado e cotovelos na grade húmida, apoiou a cara nas mãos em concha e caíu em êxtase, irresistível.

Aquela visão não lhe parecia deste mundo. Um espelho imenso resplandescente reflectia a chuva densa e transparente de um luar banhado de leite que caía de uma enorme bola, inesgotável, recortada no firmamento longínquo, profundo e escuro, salpicado de luzinhas trementes.

Apenas ouvia o borbulhar, lá em baixo, da água cortada pela quilha do barco que seguia afoito, logo abraçado por abundantes madeixas  de espuma e a frescura da brisa a entrar pelas narinas. Só a baforada de fumo negro que se desprendia da gorda chaminé, saliente da crista do navio e as pálidas janelas iluminadas da torre de comando, davam sinal de vida.

Para trás, ficava um imenso ermo coberto pelo mesmo manto diáfano e fosforescente. Ficaria ali a noite inteira, inebriado, não fosse um súbito arrepio de frio que lhe percorreu a espinha da cabeça aos pés. Em passos lentos, deixou o deslumbramento e dirigiu-se para o seu quarto nº 444. Fácil de fixar, ao meio do corredor, do lado esquerdo    (a bombordo, como se dizia na língua dos mares). Acendeu a luz do quarto e ficou dentro de uma verdadeira suite, de hotel de 5 estrelas. Estava saciado e certo de que o seu caminho passava por aquelas horas de encantamento.

O roncar soturno que vinha da casa das máquinas até ao travesseiro fresco onde poisou a cabeça e o embalar suave e ritmado,do barco, para cima e para baixo, ajudou-o a desprender-se, feliz, daquele dia tão intenso de vivências.A Madeira não lhe aconteceria, também, por mero acaso. Amanhã, já estaria a pisar de novo, terra. Terra estreita, cercada de água por todos os lados, assim se aprendia na 4ª classe. Madeira, Porto Santo e Desertas, formam aquele arquipélago onde a gente se sente e é português. Com todas as vastas possessões ultramarinas, espalhadas pelo mundo inteiro, recordou as horas passadas, com os colegas, vaidosos, diante do mapa, na escola primária.No dia seguinte, ia sentir ao vivo essa experiência mítica. Depois, ainda viria certamente, a mesma sensação por terras de África. Oxalá, não. Naquelas circunstâncias. Não. Não queria pensar nisso. Cada dia, no seu dia…Era o lema de vida que elegera.

 
[Continua]



[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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