Fotograma nº 1 > "De herói a vilão", eis a história do Zé do Telhado, aqui, sargento patuleia, recebendo a mais alta condecoração do país, a Torre e Espada, das mãos do general Sá da Bandeira, a quem salvou a vida, em combate, na Guerra da Patuleia (out 1846 / jun 1847), que se seguiu à Revolta da Maria da Fonte.
Fotograma nº 2 > O fantasioso (no filme) assalto à Casa do Carrapatelo, Marco de Canaveses, sita nas faldas da serrra de Montedeiras e na margem direita do rio Douro, a escassos quilómetros na nossa casa em Candoz.
Fotograma nº 3 > Um destacamento dos Granadeiros da Rainha, em perseguição, mal sucedida, do Zé do Telhado e do seu bando, em 1852
Fotograna nº 4 > Um filme "romântico" mas também um "western à portuguesa" onde há de tudo: amor, perdição, ciúme, traição, nobreza, camaradagem, ação, coragem, assaltos, tiroteiro, loucas correrias a cavalo, duelo, morte... Foi uma época, a da consolidação da monarquia constitucional, nas décadas de 20, 30, 40 e 50 do séc. XIX, violenta, pautada por sucessivos episódios de guerra civil (as chamadas "lutas liberais": dos liberais contra os absolutistas, dos liberais entre si)... Calcula-se que mais de 20 mil portugueses tenham morrido às mãos de portugueses... Estamos muito longe, portanto, do país de "brandos costumes" dos nossos contos de fadas e príncipes encantados...
Fotograma nº 5 > O "duelo de morte" com o José Pequeno, o "vilão da história", que traiu o bando, e aquem, diz o Camilo, o Zé do Telhado, cortou a língua com uma tesoura depois de morto.
Mas o "ajuste de contas final" entre os dois teria sido na Lixa, e não na serra, como vemos no filme de 1945 que, de resto, é considerado um "remake" do filme mudo, de 1929, realizado por Rino Lupo, com exteriores filmados no Solar de Beirós, São Pedro do Sul; o guião, por sua vez, tem como fonte o livro de Eduardo Noronha (1859-1948), "José do Telhado: Romance Baseado sobre Factos Históricos" (1923). (As cenas do exterior deste primeiro filme, o de 1929, foram rodadas em diversos sítios por onde andou o "nosso herói": Amarante, Vila Meã, Lixa, Marco de Canaveses, Felgueiras, Serra do Marão, Sobreira em Caíde de Rei, Lousada, e na casa onde nasceu José do Telhado, em Recesinhos, no lugar do Telhado, Penafiel. Fonte: Penafiel, Terra Nossa).
Fotogramas do filme "José do Telhado" (1945). disponível no You Tube, na conta "MusaLusa".
Uma das raras fotos da época (pormenor) do Zé do Telhado, de seu nome de batismo José Teixeira da Silva (c. 1816-1875), aqui com o seu irmão Joaquim Telhado, também ele bandoleiro, à sua direita.
Fonte: Manuel Vieira de Aguiar, "Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses" (Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp). , 1947, pág. 273. (Foto extraída do livro de Sousa Costa, " Grandes dramas judiciários: tribunais portuguees", Porto, O Primeiro de Janeiro, 1944)
Contracapa do livro de Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 54")
1. Comentários de alguns dos nossos leitores sobre estes escritos do editor Luís Graça com referência ao Zé do Telhado, cujo "fantasma" ainda paira pelos vales do Sousa e do Támega e pelas serras à volta (Montemuro, Marão, Montedeiras...) (*)
(i) Francisco Baptista:
Amigo Luís Graça, já poucos escrevem, poucos comentam. Estamos todos a ficar com as pilhas gastas. Tu és dos poucos que continuas a dar grandes provas de vitalidade.
Gostei de saber por ti do Zé Telhado, de quem pouco sabia, como a maioria dos portugueses, sabem o nome e a fama de bandoleiro, que roubava aos ricos e dava aos pobres. Nem sabia que sobre ele já tantos escritores tinham escrito.
É natural que ele também te motivasse a ti pois além do mais era de perto de Candoz a outra terra que tu amas mais. Gostei de ler e espero por mais capitulos. Estou a pensar comprar também " As Memórias do Cárcere", de Camilo.
Estou um pouco como o camarada Francisco Baptista. No Porto, o Zé do Telhado é uma referência vaga, de uma espécie de Robin dos Bosques à portuguesa, que passou pela Cadeia da Relação da cidade antes de ser deportado para Angola. Só se fala nele quando se visita a cadeia (atual Centro Português de Fotografia) e se espreita a cela onde Camilo Castelo Branco viu o Rio Douro aos quadradinhos. Nessa ocasião fala-se de Ana Plácido, como não podia deixar de ser, e por arrastamento fala-se do Zé do Telhado também.
O encontro entre Camilo Castelo Branco e o Zé do Telhado na cadeia não terá sido o primeiro que eles tiveram. Muito tempo antes, o próprio Camilo foi assaltado pelo Zé do Telhado, numa ocasião em que viajava de diligência entre Vila Real e o Porto! O próprio Camilo fala no assalto num dos seus incontáveis livros (não me recordo de qual) e chama patife, facínora, ou outros nomes equivalentes, ao seu assaltante. Mal sabia ele que iria encontrar-se de novo com o antigo salteador na cadeia e que iria refazer a imagem que tinha feito dele.
Durante a minha comissão militar em Angola nunca ouvi falar do Zé do Telhado, nem uma só vez. Inclusivamente, no meu grupo de combate havia dois militares negros naturais de Malanje e nunca os ouvi fazer qualquer referência a ele. Já os brancos de Angola admiravam outras personagens, que não o Zé do Telhado; admiravam Paulo Dias de Novais, Salvador Correia de Sá, Silva Porto, Norton de Matos, etc.
23 de outubro de 2023 às 02:02
(iii) José Teixeira;
O Zé do Telhado tinha bem demarcada a sua zona de atuação. Do Marco de Canavezes a Vila Real até Cete, Paredes, sobretudo na orla da estrada real. A conhecida estrada Porto a Vila Real com uma variante para a Régua. Era a estrada por onde passavam os grandes comerciantes do Vinho Fino, vulgo, Vinho do Porto.
(iv) Valdemar Queiroz:
Quanto ao apelido/alcunha "do Telhado", há três versões.
No filme "Zé do Telhado", com Vergílio Teixeira, há uma cena em que ele, numa taberna, aperta a mão a outro bandidolas provocando-lhe dores.
Foi uma grande treta, o outro bandidolas era Juvenal Araújo que eu conheci, já dentro dos cinquenta anos, mas quando fez o filme era um matulão que ganhava apostas por rasgar uma lista telefónica fechada, o que deixaria o Vergílio Teixeira com as falanginhas e falangetas partidas.
O que é que a gente sabia sobre o século em que a liberdade e a justiça passaram a ser também uma bandeira, pela qual muitos portugueses se bateram e morreram?!... Afinal, o século em que passámos a ter uma constituição, se consolidou a monarquia constitutucional, se derem passos importantes no processo de "modernização", se aboliu a escravatura e a pena de morte...
Em 1945 fizeram um "western" à portuguesa em que o nosso Zé do Telhado (interpretado pelo galã Virgílio Teixeira) é um perfeito oficial e cavalheiro. (Só dei uma rápida vista de olhos ao filme disponivel no You Tube, parte dos exteriores terão sido rodados na nossa serra de Montedeiras.)
O filme está disponível aqui, na conta : https://www.youtube.com/watch?v=i_6MmOOrDh4
Cartaz do filme "José do Telhado" (1945), a preto e branco, 98 minutos: produzido e realizado por Armando de Mirando, e contracebado por Virgílio Teixeira e Adelina Campos, nos dois principais papéis. Os exteriores foram filmados em Vouzela, em 1945. O filme foi estreado no Porto (Coliseu, em 15/12/1945), e emLisboa (Polteama, 16/1/1946). Fonte: Cinept / UBI (com a devida vénia...)
(…) "Na noite de 22 de Maio [de 1852] (**) deu José do Telhado batalha campal à tropa no local denominado Eira dos Mouros [freguesia de Santa Cristina de Figueiró, concelho de Amarante, distrito do Porto] (**)
− Não posso; matem-me que eu estou sem pernas.
− Faz o ato de contrição − retrucou o chefe.
O ferido resmuneou o acto de contrição , e a estalajadeira verteu lágrimas piedosas.
José dos do Telhado estirou-a com uma bofetada, e desfechou contra o peito do camarada, dizendo;
− Acabaram-se-te os teus trabalhos, e os meus estão em começo. Adeus!
O cadáver não podia responder a este saudoso vale do seu chefe. (pp. 95/96)
(…) Noutra noite, cercou-lhe a tropa a casa, estando ele no primeiro sono. Despertou-o a mulher, e ajudou-o a vestir muito de seu vagar. Caminhou para uma porta transversal, e retrocedeu a ir buscar o relógio esquecido, e a dar ordens ao criado para lhe conduzir de madrugada o cavalo a designado sítio. Abriu uma janela, e disse para os soldados:
− Que tal está a noite, rapazes ?
Retirou da janela, e abriu a pequena porta, que defrontava com uma cortinha para a qual relevava saltar por cima de um quinchoso. Aí estavam postados três soldados. José Teixeira aperrou a clavina de dois canos, e disse:
− Agachem-se, que quero saltar. Os dois primeiros que se moverem, passo por cima deles mortos.
Os soldados agacharam se, e ele saltou. Já de dentro da cortinha, atirou dois pintos (*****) aos soldados, e e disse-lhes:
− Ou ambos! − disse o José Pequeno, lançando mão da faca.
− Ou isso ! − redarguiu o José do Telhado, sacando de uma tesoura. E acrescentou:
− Hei de cortar-te com ela a língua.
A primeira arremetida que se fizeram, apagaram a luz da vela, e arcaram peito a peito. Revolveram-se na escuridade um quarto de hora, rugindo alternadamente injúrias e pragas ferozes.
José Teixeira já tinha um braço rasgado; mas José Pequeno expedira o último rugido pela fenda que a tesoura lhe abria na garganta. O chefe ergueu o joelho sobre o peito do cadáver, quando os dois gumes da tesoura se encontraram ao través da língua que o denunciara.
O homicida aparecer na Lixa ao outro, e disse a multidão parada à porta do morto:
− Se não sabem quem matou este traidor, aqui o têm.
E passou adiante. obrigando o cavalo a garbosa upas.
Coisa é digna de reparo, que o ministério público não desse querela contra o assassino. Bem pensada a irregularidade, dá de si que a moral pública, representada pela polícia criminal e administrativa, propôs um voto de gratidão ao matador do formidável celerado da Lixa. (...) (pp. 100-102)
In: Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 54")~
(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / parênteses retos: LG)
Este obra está disponível em formato pdf, no sítio da Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 2020, 232 pp, edição de Ivo Castro e Raquel Oliveira, distribuição gratuita. (Segue a 2ª edição, revista pelo autor, Porto, 1864.)
https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2022/03/Memorias-do-Carcere.pdf?btn=red
(*) Último poste da série > 21 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24777: Manuscrito(s) (Luís Graça) (239): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte VI: no desterro em Angola, Zé do Telhado "continua a realizar proezas: subjuga os pretos, funda prósperas roças, dirige negócios" (Padre Manuel Vieira Aguiar, 1947)
(**) Vd. José Manuel de Castro - José do Telhado- Vida e aventura, a realidade. a tradição popular. Ed. autor, 1980, 193 pp., il. (Tipografia Guerra, Viseu).
(***) Vd. Wikipedia: Na época(1852) era conhecido por Regimento de Granadeiros da Rainha, unidade de elite criada em 1842, responsável pela guarda pessoal da Rainha D. Maria II; em 1855, o regimento adopta a actual designação de RI2 - Regimento de Infantaria 2, com sede em Lisboa. Quando Camilo escreveu as "Memórias do Cárcere" já era RI 2,
(****) O "quarto" era um equena bala de chumbo, de forma angular.
(*******) Na época o "pinto" valia cerca de 480 réis. Também era conhecido como "cruzado novo".