quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24745:Manuscrito(s) (Luís Graça) (237): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte IV: 10 anos de impunidade

 

Capa  do livro de José Manuel de Castro - José do Telhado-  Vida e aventura, a realidade. a tradição popular. Ed. autor, 1980, 193 pp., il.  (Tipografia Guerra, Viseu). 


Índice do livro supracitado, de José Manuel de Castro - José do Telhado-  Vida e aventura, a realidade. a tradição popular (...)

1. José Manuel de Castro Pinto (n. 1941, Vidago, Chaves) tem sido um dos autortes contemporâneos que, na esteira de Camilo Castelo Branco   [“Memórias do Cárcere”, II Vol, 8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleção "Obras de Camilo Castelo Branco, Edição Popular, 54")]  e de Eduardo Noronha [ José do Telhado: romance baseado sobre factos históricos. 4ª ed. Porto: Editorial Domingos Barreiros, 1983, 399 pp. (1ª ed., Porto, 1923) ]   tem contribuido para reforçar o mito do Zé do Telhado, "repartidor público", que roubava aos ricos para dar aos pobres... 

José Manuel Castro Pinto é autor também de "O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura ?" (Plátano Editora, 2002, 256 pp.) e ainda "José do Telhado - Volume 2: culpado e inocente" (Plátano Editora, 2003, 288 pp.), duas obras obras que ainda não lemos.

Da primeira obra  ("O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura ?") recorremos à sinopse, constante do portal Wook (com a devida vénia): 


(...) "Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes.

O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores.

Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez.

Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros.

Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento." (..)

2. No seu primeiro livro sobre o Zé do Telhado, edição de autor (1980), José Manuel de Castro [Pinto] lamenta a escassez da documentação sobre o José Teixeira da Silva (1816-1875). Nos seus trabalhos sobre esta personagem, controversa mas histórica,  ele socorre-se de três fontes: (i) "as informações de testemunhas oculares"  transmitidas pelos  livros e jornais; (ii) os arquivos judiciais; e iii) a tradição oral. 

O autor é crítico em relação às duas, e nomeadamente ao seu processo judicial  (ele foi julgado no tribunal do Marco de Canaveses, e a documentação está  arquivado no museus da antigo Tribunal da Relação do Porto). 

A partir da tradição e da documentação existente, reconstroi alguns dos principais episódios da vida de Zé do Telhado como salteador, chefe de um bando que, durante uma década (1849-1859) atuou impunemente no Norte do Pais, nomeadamente nos distritos do Porto, de Braga e de Vila Real, no Minho, Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, nas faldas do Marão.

Viveu numa das épocas mais conturbadas e violentas da nossa história, com diversas guerras civis na sequência das invasões francesas e da fusão da corte para o Brasil, em 1807,  da revolução liberal de 1820 e da difícil consolidação da monarquia constitucional, até à Regeneração  (1851-1890).

 Aqui vão 20 episódios da vida do Zé do Telhado que o José Manuel de Castro [Pinto] recriou:

(i) Custódio, o "Boca Negro", chefe de um bando de que o Zé do Telhado se tornará o sucessor e líder incontestado (pp. 14-21);

(ii) assalto à Casa de Cadeade, do dr. António Fabrício, freguesia de Santa Marinha do Zêzere, Baião, concelho do Porto  (pp. 22-33);

(iii) uma noite de invernia, arredoeres de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, s/d (pp. 34-45);

(iv) assalto à Casa de Carrapatelo, de D. Ana Vitória de Vasconcelos, freguesia de Penha Longa, concelho de Marco de Canaveses, distrito do Porto, 8 de janeirode 1852 (pp. 46-64);

(v) "o cruzeiro das partilhas", na serra de Montedeiras, freguesia de Penha Longa, concelho de Marco de Canaveses, distrito do Porto, na noite de 8 de janeiro de 1852 (pp. 65-71);

(vi) assalto no lugar de Paradela, à Casa de Domingos Camelo, freguesia de Fervença. concelho de Celorico de Basto, distrito de Braga, abril de 1852 (pp. 72-76);

(vii) a morte do "Avarento" (um dos elementos do bando), na Eira dos Mouros (lapso do autor: a Eira dos Mouros é na serra de Montedeiras), freguesia de Santa Cristina de Figueiró, concelho de Amarante, distrito do Porto,  12 de maio de 1852 (pp. 77-83);

(viii) "uma  ceia com conta paga", estalagem do Torrão, concelho do Marco de Canaveses, distrito do Porto, em viagem para a terra natal (em Ribeira de Pena) do negociante e armador Bernardo José Machado, dono da barca "Oliveira"  (pp. 84-90);

(ix) o galego sovina e o rabequista pobre, estradas de Barcelos e Braga, distrito de Braga, s/d (pp. 91-97);

(x) o barbeiro gabarola e a feira do Pico, Pico e Vila Verde, concelho de Vila Verde,  distrito de Braga, s/d (pp. 96-107);

(xi) "um salvo-conduto milagroso", arredores de Santa Marat de Penaguião, distrito de Vila Real, s/d. (pp. 108-114);

(xii) cercado em casa de Manuel Teixeira, Sardoal, freguesia de Mancelos, concelho de Amarante, noite de 16/17 de março de 1857 (pp. 115-125);

(xiii) cercado em sua própria casa, Castelões de Recezinh0s, concelho de Penafiel, distrito do Porto, s/d (pp. 126-131);

(xiv) "a denúncia do esconderijo", s/l, s/d (pp. 132-136);

(xv) "duelo de morte com o Zé Pequeno" (seu rival no bando e denunciante), Lixa, concelho de Felgueiras, distrito do Porto ( pp. 137-144);

(xvi) assalto à Casa de Senra, de D. Ana Ricardina, freguesia de Aião, concelho de Felgueiras, distrito do Porto, 23 de fevereiro de 1859 (pp. 145-150);

(xvii) "o batismo do pobre", dias depois do assalto à Casa de Senra, s/d. (pp. 151-156);

(xviii) assalto â Casa de Sequeiros, do Padre Albino, freguesia de Unhão, concelho de Felgueiras, distrito do Porto, março de 1859 (pp. 157-165);

(xix) o assalto a um pobre lavrador, no dia seguinte ao asssalto à Casa de Sequeiros (pp. 166-169);

(xx) "entregue esta burra ao dono!" , feira de Vila Meã, sede do julgado de Santa Cruz de Riba Tâmega, distrito do Porto, s/d (pp. 170-174).

Camilo Castelo Branco, companheiro de cárcere do Zé do Telhado, e seu confidente, diz, no seu estilo inconfundível, que o "Torre e Espada",  o herou patuleia que se tornou fora-da-lei,   se estreou "(...)  na noite de 12 de dezembro de 1849, salteando de surpresa uma casa de Macieira [Paredes] , que tinha nomeada de rica em dinheiro velho. O proprietário. Maciel da Costa,, foi ferido, e  arrastado para confessar onde tinha a saca das peças, ao mesmo tempo que o criado, seu único doméstico, gemia amarrado de mãos para as costas, pedindo a Deus que terminasse depressa o inventário dos haveres de seu amo. (...) Era valioso o tesouro do lavrador, e a repartição foi equitativa  (op. cit., pp. 91/92).

Zé do Telhado, ainda segundo o Camilo,  teria começado, como fora-da-lei, no bando do irmão, Joaquim do Telhado, que "mantinha nessa época as tradições da família, saindo à estrada, com um séquito de populares foragidos à perseguição política"  contra setembristas e miguelistas, os dois grandes vencidos da guerra da Patuleia (outubro de 1846 / junho de 1847). 

Em fins de 1849 e princípios de 1851, Zé do Telhado foi obrigado a refugiar-se no Brasil. Embarcou, "com passaporte" (sic),  na barca "Oliveira", propriedade do comerciante  Bernado José Machado. E foi na mesma barca, atracada na Ribeira do Porto,  que, dez anos depois, em 1859, tentou de novo voltar ao Brasil, mas agora como passageiro clandestino. Denunciado, acabou por ser  preso, julgado e condenado ao desterro em Angola (onde morreu em 1875,  e onde ainda hoje é recordado).

Considerado o inimigo público nº 1 na sua época,  para a sua detenção foi decisiva a ação do fundador e administrador do concelho  de Marco de Canaveses, Adriano José  de Carvalho e Melo (1825-1894), na altura, em 1859, comissário da polícia do Porto. 

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores: 

19 de setembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24674: Manuscrito(s) (Luís Graça) (232): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte III

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