terça-feira, 10 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24742: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (1): Canjadude, região do Gabu, 27 de abril de 1973: 6 foguetes, mais ou menos certeiros, lançados a 12 km de distância, mas sem consequèncias de maior (João Carvalho, ex-fur mil enf, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1973/74)

Guiné > Região de Gabu  > Canjadude > 1973 > CCAÇ 5 (Gato Preto) > Interior do Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude (o furriel miliciano João Carvalho é o 2º a contar da direita)... 

No mural, na pintura na parede, pode ler-se: [gato] preto agarra à mão grrr.... Percebe-se que estamos no Rio Corubal com o destacamento de Cheche do lado de cá (margem direita) e... a mítica Madina do Boé, do lado de lá (margem esquerda)... 
 
Depois da retirada de Madina do Boé, em 6 de fevereiro de 1969, de Cheche e de Béli, o aquartelamento de Canjadude, era a posição mais a sul, mantida pelas NT, na região de Gabu, setor de Nova Lamego, a par de Cabuca (mais a nordeste).


Guiné >Região de Gabu > Canjadude > 1973 > CCAÇ 5 (Gatos Pretos) > Vista geral do aquartelamento... Em abril de 1973, as NT são surpreendidas por um ataque certeiro de 6 foguetões 122 mm... Mais uma escalada na guerra... 

Fotos (e legendas): © João Carvalho (2005).Todos os direitos reservados. [Edição e kegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 



Carta geral da antiga Província da Guiné Portuguesa (1961) (Escala 1/500 mil) > Posições relativas de Nova Lamego, Cabuca, Canjadude, Béli, Ché-Ché (ou Cheche), e Madina do Boé (as duas últimas posições,  na margem esquerda do rio Corubal)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

1. Excertos de um aerograma  enviado, a um irmão, pelo João Carvalho (ex-fur mil enf, CCAÇ 5, Canjadude, CCAÇ 5m 1973/74, e hoje farmacêutico; é um dos veteranos do nosso blogue, tendo ingressado na Tabanca Grande em  23/1/2006).

Iniciamos hoje uma série com testemunhos, inéditos ou não, sobre ataques ou flagelações, com foguetões 122 mm (que começaram a ser utilizados pelo PAIGC desde o últim0 trimestre de 1969), 


Canjadude, s/d (c. abril/maio de 1973)


(...) No dia 27 de abril de 1973 às 22h e 50m, estava eu no clube de oficiais e sargentos, a conversar com mais dois furriéis e com o soldado que trabalha lá, quando ouvimos... Bum-bum!!! (dois sons graves, logo seguidos). 

Um dos furriéis virou-se para o outro e disse:

− Não batas com os pés no balcão que é chato. (Quando se bate no balcão, parece uma saída de morteiro.)

Então o outro, com um ar muito espantado, diz:

−  Mas eu não toquei no balcão. 

Ficámos a olhar uns para os outros, assim meio desconfiados, até que chegámos à conclusão que devia ser um ataque pois, de imediato ouvimos um estrondo enorme e o clube abanou por todos os lados. Logo a seguir outro igual. 

Ficámos completamente despassarados e resolvemos sair a correr pela porta principal, porque,  se abrissemos a porta lateral, via-se luz cá de fora e podiam começar a atirar para nós.

Eu vinha em último lugar a correr (semiagachado) a contornar o clube para ir para a vala, quando bati com a cara numa coisa duríssima e caí para trás e em cima do outro furriel que estava ainda no chão e que lhe tinha sucedido o mesmo. 

Levantámo-nos e ele disse que era uma viatura que estava ali parada (nós não víamos o Unimog porque saímos dum sítio com luz e ainda por cima como não havia lua não havia claridade nenhuma e a viatura não costumava estar estacionada naquele lugar).

Contornámos a viatura e metemo-nos na vala, andando ao longo desta para sairmos debaixo dos mangueiros. Olhei para dentro do quartel e vi um clarão enorme acompanhado de um grande estrondo (parecia que estava numa sala com 10 amplificadores ligados ao mesmo tempo). 

Entretanto começaram a sair do quartel morteiradas para o mato e também rajadas de metralhadora, ou seja o fogo era já o nosso.

Um indivíduo que estava na metralhadora Breda, perto de nós, dava uma rajada, parava e depois berrava:

 Filhos disto e daquilo, não querem lá ver ?! Vêm gozar com a velhice ?! ... 

Depois, mais uma rajada e repetia a mesma coisa. Agora, quando me lembro, até dá vontade de rir! O fogo parou e eu e o outro furriel, fomos à enfermaria tratar da cara e dos outros feridos se os houvesse. Fiz um corte no nariz e debaixo de cada vista... o outro furriel tinha cortes um pouco menos profundos...

Um dos furriéis que também estava no clube contou que foi a correr pela parada do quartel e que se meteu dentro de um dos abrigos, tendo entrado pela janela um estilhaço que lhe passou por cima. 



Em conclusão, fomos atacados por 6 foguetões lançados mais ou menos a 12 km daqui. Um deles caiu a uns 300 m do arame farpado, outro mesmo no centro do quartel e os outros mais ou menos em cima do arame farpado. Não faço ideia como é que a 12 km conseguem enfiar com os 6 foguetões praticamente dentro do quartel.

Felizmente não houve nada de grave. Só 3 pessoas é que apanharam com estilhaços, mas já com tão pouca força,  que só tiveram umas feridas superficiais. Houve muitos joelhos esfolados nas valas mas... O foguetão que caiu no meio do quartel, deitou abaixo parte da cozinha, o que não faz mal pois aquilo já estava a cair! 

Este ataque pregou-nos um bom susto mas, com uma sorte incrível, não houve nada de especial. (...)


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]


2. Comentário do editor LG:

Sobre o  foguetão (na realidade, um foguete autopropulsionado) de 122 mm, utilizado pelo PAIGC, deixamos mais algumas notas,  da autoria do nosso especialista em artilharia, o cor art ref Nuno Rubim:

(i)  o sistema era conhecido pelo PAIGC como Arma Especial - Grad: 

(ii) na gíria dos guerrilheiros, também era conhecido como "jacto do povo" e "mulher grande";

(iii) era uma arma de artilharia, de bater zona, e não de tiro de precisão;

(iv) o alcance máximo era de 11.700 m para 40º de elevação;

(v) segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de novembro de 1969, a 9.800 m;

(iv) conforme imagens â esquerda, o foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho ) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade afim de estabilizar a vôo; as alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo (cortesia de Nuno Rubim, 2007):

(v) historicamente, os quatros alvos das NT a ser atingidos teráo sidom emn 1969, Bedanda (a 24 de outubro), Bolama (a 3 de novembro), Cacine (a 4 de novembro) e Cufar (a 24 de novembro);

(vi) nº de foguetes previstos: 17 (média, 4,25; máximo, 6, em Bolama; mínimo, 3, em Cacine);

(vii) nº de foguetes utilizados: 15 (dois avariados);

(viii) nº  confirmado de foguetes que atingiram o objetivo: 10 (66,6% de eficácia);

(ix) distância de tiro: 9,8 km (Bolama), 3,4 km (Bedanda), 3,2 km (Cacine) e 2,0 km (Cacine).


O Luís Dias, outro nosso especialista em armamento, acrescentou:

(...) "A arma Katyusha era originalmente a denominação para os foguetões utilizados pelos multi-lançadores, que eram transportados em diversos tipos de camiões. Depois da guerra, os soviéticos aperfeiçoaram estes multi-lançadores, com o surgimento do míssil 122mm BM-21 GRAD, colocados em viaturas diversas e com diverso número de tubos. 

Aperfeiçoaram também um míssil portátil, na origem do anterior, mas ligeiramente mais curto, com o mesmo calibre, com a denominação 9P132/BM-21-P, que era lançado pelo unitubo 9M28/DKZ-B e era este o míssil mais utilizado nos ataques por foguetões na Guiné, pelo menos dentro do território, tendo sido, inclusive, capturadas diversas rampas de lançamento do tipo referido, conforme diversas fotos existentes (CCAÇ 4740, Cufar, 72/74) (...).

_______________

Nota do editor;

(*) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P482: O ataque de foguetões 122 mm a Canjadude, em abril de 1973 (João Carvalho, ex.fur mil enf, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1973/74)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João Carvalho, 12 km de distância ? Parece-me mal calculado...O PAIGCtinha assim tanto medo dos "Gatos Pretos" ? DE Canjadude para baixo, já não havia tropa, e além disso em anril de 1973 a FAP ainda não sabia como çlidar com os Strelas...

O que é feito de ti, que há anos não dás sinais de vida ? Um abralo forte, Luis

Valdemar Silva disse...

João Carvalho aquilo é que foi, os tipos com bons artilheiros.

Mas, faz-me confusão "..o destacamento de Cheche do lado de cá (margem direita)..", então o Cheche não era do lá de lá do rio Corubal?
E os foguetões tinham espoleta retardadora, primeiro ouvisse "Não batas com os pés no balcão que é chato" e só depois a explosão ?

O ruído da passagem do foguetão por cima da minha cabeça, fez-me parecer a subida de um foguete antes de rebentar a anunciar a saída da procissão numa festa minhota.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Carvalho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, ainda bem que estás atento e és bomm observador: a legenda estava incorreta, de facto, Ché-Ché (ou Cheche, como a gente dizia) fica(va) na margem ESQUERDA do rio Corubal, tal como Madina do Boé...

Peço desculpa. O lapso foi meu.(Ver aqui a carta de Jabiá.)

https://arquivo.pt/wayback/20170226005724/http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial55_mapa_Jabia.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Joáo Carvalho tem página no facebook... Deve estar reformado... Eis o seu CV abreviado:

https://www.facebook.com/joao.carvalho.90

(i) Trabalhou como Director técnico na empresa Farmácia Valadas Suc.

(ii) Trabalhou como Enfermeiro na empresa Serviço Militar

(iii) Trabalhou como Chefe de enfermaria da prisão na empresa Forte de Elvas

(iv) Trabalhou na empresa Military service

(v) Trabalhou na empresa Instituto Nacional de Estatística

(vi) Trabalhou na empresa Central Termoeléctrica

(vii) Estudou em Faculdade Farmácia de Lisboa

(viii) Andou na escola Liceu Gil Vicente - Lisboa

(ix) Andou na escola Escola Portugália

(x) Vive em Lisboa

(xi) De Lisboa