sábado, 16 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22636: Lembrete (36): Convite para a apresentação do livro "Nunca Digas Adeus às Armas (Os primeiros anos da Guerra da Guiné)", por António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, dia 18 de Outubro de 2021, pelas 18 horas, no Pálácio da Independência - Largo São Domingos, 11 - Lisboa

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Notas do editor

Vd. poste de 4 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22597: Agenda cultural (786): Convite para a apresentação do livro "Nunca Digas Adeus às Armas (Os primeiros anos da Guerra da Guiné)", por António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, dia 18 de Outubro de 2021, pelas 18 horas, no Pálácio da Independência - Largo São Domingos, 11 - Lisboa

Último poste da serie de 9 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22528: Lembrete (35): Apresentação, no sábado, dia 11, na Tabanca dos Melros, do livro autobiográfico do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos". Intervenientes: além do autor, José Manuel Lopes, Ana Carvalho e Luís Graça. (Inscrição prévia, para o almoço de convívio, "vinte morteiradas", na "messe de Mampatá": 'vagomestre' Gil Moutinho, telef / telem 224890622 / 919677859)

Guiné 61/74 - P22635: Os nossos seres, saberes e lazeres (472): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20): Da Roliça até ao Vimeiro… E o derrotado Junot regressou a França com o nosso ouro e prata (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
À volta do meu casebre de Reguengo Grande não disponho só de moinhos, peras e abóboras, vinhas e fráguas que vêm dos tempos jurássicos. Aqui perto o tal el-rei Junot teve a sua malquerença, tudo lhe correu mal na Roliça e no Vimeiro, o absurdo é que regressou de malas aviadas cheias de riquezas portuguesas. A boa estrela protegia o Duque de Wellington, mas não se livrou dos apupos que ele viu no parlamento britânico, dera-se o ouro ao bandido, uma absurda condescendência com o invasor ainda por cima destruidor, vinha naquele contingente um general maneta, de nome Loison, de triste memória. Assim começava o século XIX todo ele acompanhado de destruição, guerra civil, descrença nas instituições, o Brasil independente e então acordou-se para as riquezas de África, isto enquanto o nosso património edificado se arruinava a olhos vistos. Mas ao pé do meu casebre os franceses levaram coça, Napoleão ainda decretará mais duas invasões, conhecerá brutas derrotas, suficientes para não haver menção delas no Arco do Triunfo...

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20):
Da Roliça até ao Vimeiro… E o derrotado Junot regressou a França com o nosso ouro e prata


Mário Beja Santos

Quem diria que este meu casebre, incrustado numa área protegida, está bem próximo de acontecimentos capitais ocorridos em 1808, o combate da Roliça e a batalha do Vimeiro? Há indicações nas proximidades que sugerem a visita ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, e bem perto do meu Reguengo Grande há sinalética que fala da Roliça e do seu interesse histórico. Tudo tem a ver com a primeira Invasão Francesa, Napoleão quis sufocar o poder económico e naval da Grã-Bretanha, decretou o Bloqueio Continental, o regente D. João disse sim, não ou quem dera, e Napoleão nomeou o general Jean Andoche Junot para nos reduzir a pó, era importante apanhar à mão a família real portuguesa e anular qualquer veleidade de independência nacional.

Irão dar-se aqui os primeiros passos gloriosos de um senhor que passará à História com o título de Duque de Wellington, e a primeira cena do primeiro ato ficará com o nome de refrega ou combate da Roliça, tudo se travou na localidade do mesmo nome em 17 de agosto de 1808. O tenente-general Sir Arthur Wellesley confronta-se com as forças francesas do general Henri-François Delaborde. Dia aziago para Napoleão, o Cerco de Saragoça era assumido pelos franceses como um fracasso, resistiram heroicamente, as tropas de Napoleão recuaram.

Combatemos ao lado dos britânicos, Bernardim Frei de Andrade era o comandante do corpo de forças portuguesas. Procurei aqui dar-vos algumas imagens esclarecedoras do campo de batalha, a Roliça fica na parte norte do concelho do Bombarral, o exército francês ocupou um pequeno planalto e para norte estende-se uma planície onde se deu a aproximação do exército anglo-luso. Houve vários movimentos estratégicos na Serra do Picoto e Planalto das Cesaredas, os franceses quiseram explorar a superioridade numérica. Os britânicos começaram a subir em relação às posições francesas. Os homens de uma brigada procuraram ultrapassar um regimento francês, foram atacados à retaguarda, apanhados de surpresa. Neste combate morre o tenente-coronel George Lake, foram feitos muitos prisioneiros e apreendidos estandartes que só serão recuperados dias mais tarde no Vimeiro. Os franceses retiram, acabou a refrega, os franceses perderam cerca de 600 homens, o exército anglo-luso tem 70 mortos, centenas de feridos e mais de 70 desaparecidos. A carreira europeia do duque começou aqui, tempos depois cometer-se-á o erro estratégico, ao assinar-se a Convenção de Sintra com Junot, de os deixar sair de Portugal com o nosso espólio, o Parlamento britânico entrou em fúria. Mas o significado da Roliça é muito mais do que simbólico: afinal, era possível bater os franceses em terra.

Travessa do Casal da Esperança, Reguengo Grande, Lourinhã, o paraíso do velho combatente
Monumento funerário do Tenente-Coronel George Lake
Legenda constante no monumento funerário
O ponto alto da Roliça, assistiu ao intenso dos combates
Aqui se combateu, por aqui se subiram estas veredas, num verdadeiro jogo do gato e do rato, muitos mortos e feridos, afinal os franceses não eram inexpugnáveis
Imagem da fachada da Sociedade Recreativa Sobralense, vinha dos plainos da Roliça e por aqui passei, dá gosto ver esta fachada curiosamente marcada por aspetos tradicionais e as linhas da Arte Deco. Posto isto, sigo para o Centro Interpretativo da Batalha do Vimeiro
Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Visita guiada ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Monumento comemorativo do I Centenário, o rei D. Manuel II esteve presente na inauguração, em 21 de agosto de 1908
Conjuntos de azulejos que se espalham pelo jardim circundante, mostrando aspetos alusivos à batalha, recomenda-se ao visitante que os observe atentamente, são belos e dão uma ajuda à compreensão da evolução da batalha
Foi neste extenso campo que se travou a Batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1808, Junot está à frente de 13 mil homens, Wellington comanda o exército anglo-luso com cerca de 19 mil homens. Junot decidiu um ataque direto ao outeiro do Vimeiro (onde hoje se encontra um monumento comemorativo) e procurou uma manobra de envolvimento. Os confrontos mais importantes e decisivos aconteceram no outeiro. As tropas de Junot atacam e fracassam, vêm a possibilidade de fixar o inimigo na colina. Na localidade do Vimeiro travou-se uma sangrenta peleja que acabou com a retirada dos franceses, perseguidos pela cavalaria anglo-lusa. Sem conhecimento do que se estava a passar no flanco esquerdo, duas brigadas francesas confrontaram os britânicos nos altos da Ventosa e Fonte de Lima, tudo lhes correu mal. Junot entendeu propor a Wellington um acordo de cavalheiros, dará pelo nome de Convenção de Sintra. Diz-se em português que nunca se deve dar o tesouro ao bandido, ainda hoje é um enigma o que levou os britânicos a autorizar o vencido a partir para França com o nosso querido património. O dado fundamental é que acabara no continente europeu a invencibilidade francesa. E tudo às portas do meu casebre.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22613: Os nossos seres, saberes e lazeres (471): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22634: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte VII: Contuboel e Dunane (entre Piche e Canquelifá) (Out - dez 1965)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de PIche, a meio da estrada entre Piche e Canquelifá, como rio Caium a sudeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Dunane >  Temos uma dúzia de referências a Dunane, um lugar perdido no Leste, um dos muitos Bu...rakos da nossa geografia de guerra,. E este topónimo remete ora para  o Cristóvão de Aguiar (CCAÇ 800, 1965/67) ora para o Zé Ferreira  da Silva (CART 1689/BART 1913, 1967/69), dois dos nossos escritores de talento. A diferença entre eles é que o Zé Ferreira, um "assumido bandalho", tem carradas de humor, que é coisa que falta (va) nos escritos do açoriano. 
 E foi ele, o Zé  Ferreira, quem celebrizou, na guerra da Guiné, o nome de Dunane, com o Bife à Dunane, criado por um cozinheiro madeirense, o "Senhor Badalhoco" (, texto que já faz parte do... Plano Nacional de Leitura).(*)

Foto (e legenda): © José Ferreira da Silva (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (**). 

Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).

Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (***)


Cristóvão de Aguiar.
Foto: Wook (com a devida vénia...)

Diário de Guerra

por Cristóvão de Aguiar

(Continuação)

Contuboel, 12 de Outubro de 1965

O meu Grupo de Combate vai dentro em breve para o destacamento de Dunane, quartel de campanha rodeado de arame farpado, sem qualquer tabanca (a que aí existia foi incendiada pelas nossas tropas, e a população que não morreu, fugiu para outros chãos) - fica então Dunane entre Piche e Can­quelifá, onde existem duas companhias, uma em cada uma dessas localidades, que por aquelas bandas a guerra é mesmo a doer. 

Vamos então render um outro Grupo de Combate, o do João Cortesão Casimiro, da nossa companhia, que, por estes dias mais próximos, conclui um mês de estada naquele que é considerado um dos piores desta­camentos daquela zona, sem as mínimas condições para se viver como gente: água bi­chenta, instalações em abrigos feitos de bidões de gasolina cheios de pedregulhos, o tecto coberto de troncos e por um oleado, e tudo isto rodeado de mata e de silêncio e guerrilheiros. 

Esta zona militar abrange, além das unidades já mencionadas, Nova La­mego, Bruntuma e Madina do Boé, onde, aí, nem se atre­vem as nossas tropas a meter o nariz fora dos abrigos de cimento armado, recebendo os ví­veres e o correio através de helicóptero, que lança os sacos das alturas e desapega-se logo para lugar mais se­guro... 

Em Dunane não há população, só meia dúzia de milícias indígenas. Com cerca de trinta homens, ao fim de pouco tempo não há solidão que re­sista. Só é preciso é que não falte vinho nem correio, porque assim o soldado acomoda-se com mais facili­dade...


Contuboel, 15 de Outubro de 1965

Recebi um rádio do comandante do batalhão acantonado em Bafatá, ao qual pertencemos, anunciando a rendição do pelotão de Dunane para o dia 18. Temos de sair às primeiras horas da manhã. E vinham também várias instruções sobre o mate­rial a levar, não esquecendo os sacos de areia nas cabi­nas dos Unimogs por causa de surpresas de­sagradáveis, que vamos atravessar zonas perigosas e algumas quase terra-de-ninguém, além das rações de combate para a via­gem, que deve demorar as suas quatro horas, com paragem em Nova Lamego e Pi­che... 

Reuni os homens do meu pelotão e transmiti-lhes todas as ordens que achei con­venientes quando à nossa futura partida (só não lhes revelei nem o dia nem a hora), or­dens que são para se cumprir à risca, sem a mínima discussão. E avisei-os que come­cem, desde já, a preparar os seus sacos de campanha, porque nunca se sabia quando largávamos para Dunane, a fim de render os nossos camaradas.

Dunane, 19 de Outubro de 1965

Após uma viagem atribulada e cansativa, chegá­mos por fim ao nosso destino. E eis-me aqui, diante de mim, nu, andrajoso, suplicante, a alma enregelada e crucificada na cruz destes dias sem nome. Nos olhos, uma forna­lha de fúria e uma fome antiga não sei em que víscera, essa fome de séculos que é já grito milenário de todas as bocas em mim. 

Eis-me, pois, aqui, disparando bombas de palavras ao concentrado silêncio da noite. 

Eis-me aqui, tentando pescar estrelas no poço aberto do firmamento. Eis-me aqui, indefeso e nu, interrogando não sei que morto que vive numa parte de mim... Em frente de mim, nu e com o frio de todos os pólos, interrogo-me como se fosse réu e juiz ao mesmo tempo. E as palavras que ouço vêm da minha voz antiga, saída do mais fundo de mim, carregada de pedras e de car­dos, que grita e se contorce, morre e ressuscita, e continuo, indefeso e nu, aqui em frente de mim...


Dunane, 21 de Outubro de 1965

CRISTAIS DE DOR

Cristais de dor na noite tenebrosa,
Ferindo o silêncio duro e magnético;
Nenhum gesto de luz, leve, carinhosa,
Calando na noite o grito profético.

Em bandos descem pássaros estranhos,
Trazem recados no bico agoirento;
Muito ao longe nos currais os rebanhos
Tremem e choram lágrimas de vento.

Nas palhotas sem luz sonhos vencidos,
Crianças sem estrelas nos olhos caídos,
E pão de tristeza em bocas de fome.

Silêncio, dor, tristeza, solidão,
Tudo o que tem quem vive nesta prisão,
E um número no lugar do próprio nome.



Dunane, 3 de Novembro de 1965

MORTOS-VIVOS

Somos os mortos-vivos duma geração
Tran­cada nos aposentos do medo.
Se ousamos outra voz no coro duma canção,
Dão-nos nova alma e este degredo.

Se puderes olha em frente de olhos repousados,
Ar­reda o medo da mente ferida.
E teus dias serão plenos, serenados
E a vida será um salmo de vida...



Dunane, 6 de Novembro de 1965

ANSIEDADE

Conto os dias pelos dedos
Um a um sem fa­lhar.
Triste de quem tem segredos
E não tem a quem contar...

Parti triste e triste estou
Longe de ti nesta terra,
Onde o Sol se apagou
Sob negras nuvens de guerra.

Se a dor que no peito sinto
Tivesse boca e contasse
Tudo o que peno (não minto)
Talvez ninguém acreditasse...



Dunane, 10 de Novembro de 1965

PRIMEIRA CANÇÃO DO MAR

A minha voz vem do mar,
Meus cabelos de espuma são,
É no cais que vou cantar
As penas do cora­ção.

As coitas do coração
Ai, coimas de amargura.
Diz-me lá tu, ó canção,
Que é da velha ternura
Do mar da minha infância
E porquê vida tão dura,
Este viver sempre em ânsia?

Tatuaram-me no braço
Uma âncora de esperança...
Ai, e no peito um cansaço
Já do tempo de criança...

O mar embalou meu berço
- Velha canção de embalar
E assim rimei meu verso
Com a triste voz do mar.

O mar indicou-me o mundo
Nas rotas das caravelas...
Foram-se os sonhos ao fundo,
Rotas ficaram as velas.


Dunane, 15 de Novembro de 1965

SEGUNDA CANÇÃO DO MAR

Nas ondas do mar salgado
Escrevi o meu destino
Assim tracei o meu fado
Desde o tempo de me­nino.

Fez-se o mar meu amigo
Desde os tempos de outra idade:
- Quando não está comigo,
Chora triste de saudade...

Tantas vezes boiei morto
Na crista das ondas bravas,
Mesmo à vista dum porto
Onde, amor, me esperavas...


Dunane, 18 de Novembro de 1965

UM BARCO NA NOITE

Na noite subversiva havia um barco
Anco­rado no cais.
O céu era o reflexo de um charco
E de outras sombras mais

Súbito acordou uma luz
Nos olhos adormecidos...
Uma candeia que conduz
A vitória aos vencidos.

Todo o Universo se encheu de asas
E de itinerários...
Trancámos as portas de nossas casas
Nós, os revolucionários...

Tudo por fim rolou na lem­brança
Na noite subversiva
O barco ancorado partia para França
E nós ali à deriva...

Só nos ficou o sonho e a esperança,
E o barco ancorado partiu para França...


Dunane, 23 de Novembro de 1965

Estou com o meu pelotão há mais de um mês neste destacamento de Piche. Antiga tabanca balanta, destruída pelas nossas tropas há já al­gum tempo, é agora um aquartelamento destinado a um pelotão das nossas tropas e a uma secção de milícias indígenas. 

Estamos em solidão absoluta e com falta de víve­res. À noite, entretém-se o pes­soal com o espectáculo deslum­brante dos incêndios das tabancas atacadas pelos guerrilheiros e cujas chamas se vêem ao longe lam­bendo o horizonte cir­cular que deste cabeço onde se situa o aquartelamento se abarca. Nem dentro do perímetro do arame far­pado se pode an­dar à von­tade.

Contuboel, 1 de Dezembro de 1965

Chegou o novo capitão para comandar a com­panhia. O primeiro, o que foi ferido na tal operação simulada, com o intui­to de trei­nar os homens para a dureza da guerra, nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima. In­formou-me há dias o nosso primeiro Mota que ele tinha sido transferido para uma re­parti­ção do Quar­tel General, em Bissau, após ter estado em prolongada con­vales­cença na metrópole. O guarda-costas, esse, foi para a Alemanha para lhe porem uma prótese nos cotos das pernas. Nesta vida da tropa são tão efémeros os senti­mentos.

Contuboel, 25 de Dezembro de 1965

OUTRO TEMPO

Tempo loiro, maduro,
Nas mãos o Universo.
Sentia-me seguro
Como a rima num verso...

Depois veio o frio
Das noites de Inverno.
E pensava (agora sorrio)
Nas penas do inferno.

- Já rezaste, rica cara?
Perguntava uma velha tia.
Dizia que já terminara
E tinha a alma em dia...



(Continua)

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Notas do editor:

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22633: (De)Caras (178): Viriato Madeira (1938-2011), ilustre cidadão da Ribeira Grande, ilha de S. Miguel, Açores, ex-alf mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bafatá, Bissau, 1963/65), citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (1963/65) > 1964 > A contar da esquerda: o açoriano de Santa Bárbara, Ribeira Grande, ex- alferes miliciano Viriato Madeira, comandante do 1º pelotão; a seguir o também açoriano, picaroto, ex-alferes miliciano Mário Goulart, comandante do 3º pelotão que todos os anos faz questão de nos acompanhar no almoço de convívio da CCaç 557; o algarvio, ex-alferes miliciano, Ildefonso Leal, comandante do 2º pelotão; e, em primeiro palno, à direita, o aveirense, ex-tenente miliciano médico, Rogério Leitão [, já falecido, em 2010].

Esta e outras fotos, do Cachil,. 1964, sãoão de fraca qualidade devido aos meios que havia naquele tempo e, além disso, foram reproduzidas de slides de um DVD que tenho da estada, na Guiné, da  minha  CCAÇ 557. 

O quarto alferes miliciano, comandante do 4º pelotão e 2º comandante da companhia (, e que não aparece aqui neste fotograma,)  era o  José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o marcelismo. (Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande; era um hoem afável mas firme nas suas convicções.).

Foto (e legenda): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados
. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Viriato Madeira foi aqui citado no "Diário de Guerra", do Cristóvão de Aguiar (**):

Camamudo, 12 de Junho de 1965

Vim a este destacamento de Bafatá en­con­trar-me com o meu amigo Viriato Madeira, que está prestes a terminar a sua comis­são. Esteve anteriormente, com a sua companhia, na Ilha do Como, durante cerca de um ano, rodeado de arame farpado e sem poder sair do aquartelamento de cam­panha, im­plan­tado no chamado reino do Nino, onde ninguém se atre­via a entrar ou a sair. Vie­ram de lá todos bem marcados. 

Foi tal a nossa alegria, que chorámos como duas crianças perdidas que se reencontram e abraçam uma à outra. E, para festejar o nosso encon­tro, preparou-me uma bebida, que ele chama bomba, espécie de cocktail revolu­cio­nário, que me pôs a dormir ou em coma alcoólico quase ins­tan­tanea­mente. Quando des­pertei, já era tarde para seguir para Contuboel. Mandei um rádio a prevenir que passava a noite em Ba­fatá, na sede do batalhão.

2. Comentários ao poste P9360 (*):

José Câmara:

Caro Colaço: Por informação recebida de Carlos Cordeiro, o Alf Mil. Viriato Madeira faleceu o ano passado.

Segundo a mesma fonte, o Viriato mantinha grande actividade cívica. Por isso mesmo granjeou grande simpatia entre a população da Ribeira Grande, Ilha de São Miguel. (***)

Um abraço amigo,
José Câmara

16 de janeiro de 2012 às 04:14

Carlos Cordeiro:

Caros amigos,

De facto, o Viriato Madeira foi uma pessoa de notável intervenção cívica. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento:
http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf (que se reproduz emnoata de rodapé (***)

Um abraço,
Carlos Cordeiro

16 de janeiro de 2012 às 13:00

José Botelho Colaço: 

O ex-alferes Viriato Madeira era um grande comunicador,  sempre bem disposto, ultimamente os nossos contactos eram menos assíduos devido ao seu estado de saúde segundo me dizia era do foro pancreático-

Estive nos Açores não o visitei porque o programa não contemplava a visita à Ribeira Grande.
A sua deslocação aos almoços da CCaç 557 só uma vez esteve presente, primeiro por motivos de trabalho e ultimamente pelo seu estado de saúde não o permitir, iam ficando sempre adiado para o próximo ano.

O Viriato dizia-me sempre quando eu me deslocasse à Ribeira Grande que não me preocupasse com hotel porque punha a casa dele à minha ordem.

E assim é aqueles que da lei da vida se vão libertando, a roda da vida não pára. (***)

Um abraço, Colaço

16 de janeiro de 2012 às 14:17

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(***) O seu nome foi dado, por exemplo, a um equipamento de grandes prestígio e utildiade público, o Coplezo de Piscinas Viriato Madeira. Entre outras funções cívias, foi presidemte da direção dos Bomabeiros Voluntários da Ribeira Gramnde (2001-2011).

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pelo seu falecimento em 2011:






Disponível em: http://base.alra.pt:82/Doc_Voto/IXvoto354_11.pdf 

Guiné 61/74 - P22632: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (74): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Acabaram-se as férias em Lisboa, Annette e Paulo retomaram atividades, Annette escreve ao filho, lembra-lhe que ambos visitaram Florença, há uns bons anos, o jovem sentia-se magnetizado pelo esplendor da cidade, arquitetura, belas-artes, a disposição da cidade junto do Arno, tinham ficado em Fiesole, fizeram passeio juntos, e quando a mãe trabalhava como intérprete ele maravilhava-se pelas galerias de arte e pelos palácios e jardins. Há a promessa de um trabalho para Jules, ele veio psicologicamente mais alentado de Lisboa, a relação com Paulo já chegou à intimidade, Jules disse-lhe mesmo em Lisboa que se sentia feliz com a adoração com que ele tratava a mãe. Annette conta o trabalho do livro que está a organizar para Paulo, foi esse projeto que alavancou esta estreitíssima relação de que nenhum dos dois quer abdicar. Para surpresa de Annette, julgava que o projeto do livro findava quando findasse a comissão na Guiné, Paulo deu-lhe a notícia de que vai haver um desfecho inesperado, ela que não se esquecesse que é um romance dentro de um romance, muitas vezes o que converge pode divergir, neste caso, sossegou-lhe ele, não há divergências, ele promete um final de obra que seja a celebração do amor. Cá estaremos para ver.

Um abraço do
Mário



Rua do Eclipse (74): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon cher Jules, mon brave gamin, desejo do coração que te encontres bem de saúde. Telefonei-te mal cheguei a Bruxelas, quando regressei de Lisboa, ainda desconhecia a minha agenda de trabalhos, o meu chefe admitira, antes de nós os dois termos partido para Lisboa, que setembro me reservava reuniões de trabalho só na Bélgica e Luxemburgo. Não aconteceu assim, depois de dois dias de trabalho em Bruxelas parti para Florença, um grande seminário no Instituto Universitário Europeu de Florença, juntaram-se grandes mestres da política e da investigação académica para debater o alargamento europeu em curso, não sabes o que eu aprendi sobre estes novos países, tanto os do Norte como os do Sul. Recordo uma viagem que fiz aqui contigo, estavas no primeiro ano da universidade, lembro-me perfeitamente da tua alegria esfusiante no Palazzo Vecchio e na Piazza della Signoria, tirei-te uma fotografia junto da Fonte de Neptuno, e depois junto da escultura de Donatello, Judite com a Cabeça de Holofernes, e a cópia do David de Michelangelo, prometi-te que iriamos ver o original na Galleria dell’Accademia, não aconteceu, fomos visitar a Ponte Vecchio. Tu tinhas estudado o estilo toscano e quiseste conhecer a Igreja de S. Croce e onde estão os túmulos de Michelangelo, Maquiavel, Galileo, Rossini e Cherubini. Recordo que mais tarde visitámos a catedral e o batistério, tu estavas louco de alegria com estes tesouros florentinos, ainda projetámos visitar S. Miniato al Monte, não fomos, tu pediste para visitar o Giardino di Boboli, depois eu passei um dia a trabalhar, ocasião que aproveitaste para visitar a Galeria dos Ofícios e o Museu Marino Marini, um escultor que tu tanto aprecias e que me ensinaste a gostar. Tirei alguns registos fotográficos nas poucas horas livres que tive, depois vim apressadamente com os meus colegas apanhar o comboio que nos deixou no aeroporto. Isto tudo para te dizer que Bruxelas me reserva bastante trabalho nos próximos dias, o Paulo falou com o Gilles Jacquemain quanto à hipótese de ficares a dar apoio informático num novo serviço da Comissão Europeia, parece-me ser um contrato promissor com a duração de um ano. Prometo dar-te notícias em breve, Gilles irá telefonar-me ainda durante esta semana.

Paulo e eu estamos sempre a debater o futuro, os nossos filhos estão sempre na linha da frente nas nossas preocupações, a nossa felicidade passa por vos ver bem, embora saibamos que a realização profissional nos tempos de hoje tem pouco a ver com o percurso que nos esperava quando saíamos das universidades, parecia que havia emprego para toda a gente, havia uma maior facilidade em adquirir competências, as remunerações eram mais elevadas, e já não falo do grau de estabilidade que tínhamos no horizonte, na vida laboral. Paulo e eu ganhámos um certo poder de aceitação de vivermos a nossa realização conjugal com tanta distância, confesso-te que nem sempre é fácil para mim, tenho felizmente este dossiê que me acompanha para toda a parte com o projeto do romance que foi o nosso ponto de partida, tu não podes imaginar como me inseri nele, tornou-se obra do casal, naquele dia que nos conhecemos ele disse-me mesmo que o romance se intitularia Rua do Eclipse.

Imagina o meu trabalho a compilar estes escritos, leio aerogramas para vários destinatários, consulto cartas e mapas, vejo fotografias, anoto dúvidas, procuro esclarecer-me pelo mail ou pelo telefone. Tudo parece bem encaminhado, faltam cerca de dois meses ou pouco mais para o fim da comissão do Paulo na Guiné, curiosamente ele já me disse que tem em mente um desfecho inesperado para toda esta obra. É no ajuntamento destes dias, semanas e meses que eu também vou adubando um amor sempre crescente pelo meu adorado companheiro. Estou agora num período em que ele voltou a Missirá, o pretexto foi a inauguração do gerador elétrico, comoveu-se muito, pedira insistentemente, e meses a fio, este benefício, chegou depois de ele sair do Cuor, mas estava muito feliz com a chegada de luz elétrica. Em Bambadinca, onde vive, está a processar-se a transferência de batalhões, é um tempo em que a guerrilha é muito intensa junto de povoados que estão em autodefesa, gente que é fiel a Portugal, que vive dentro de arame farpado, tem armas e munições, ripostam quando são atacados. O Paulo foi convocado para ir a Bissau testemunhar no julgamento de um soldado seu, um homem bom que teve a fatalidade de, por imprevidência, de desfechar os tiros quando subia para uma viatura num outro camarada, vai ser julgado por homicídio involuntário. Há um curioso aerograma em que Paulo conta que se reuniu com esse soldado e com um 1º cabo africano que podia traduzir para crioulo os argumentos em que os dois se deviam sintonizar: que esse soldado, de nome Quebá Sissé, não esquecesse que tinha uma muito boa folha de serviços, que quando fosse interrogado devia afirmar que era amigo devotado do falecido Uam Sambu, que tudo aquilo fora um azar monstro, que mesmo o comandante do pelotão podia confirmar que todo o seu comportamento anterior de homem de paz, que nunca perdia a cabeça, talvez naquele dia de manhã cedo estivesse ainda pouco desperto e ao subir a viatura, inadvertidamente, a sua espingarda passara da patilha de segurança para a posição de fogo, confessava a sua negligência, etc. e tal.

O intérprete, o cabo Domingos Silva, que também era testemunha, prometeu ao Paulo que iria ainda ensaiar com Quebá Sissé o que ele devia dizer ao juiz, não esquecendo de afirmar que se sentia completamente inocente e arrependido do seu deslize fatal – o Domingos observava a Paulo que tudo isto era uma conversa que não encaixava muito bem na cabeça de Quebá Sissé, enfim, problemas culturais. Encontrei no outro aerograma uma descrição do julgamento, para grande alívio de Paulo, Quebá ia dando respostas sensatas no seu português um tanto cantado, respondeu a tudo, confessou-se inocente e arrependido, como o Paulo lhe pedira no ensaio-geral. Não deixei de sorrir com a descrição que o Paulo faz do depoimento do Domingos, a gesticular e a falar muito alto, parecia um distinto ator amador, às vezes virava-se para a assistência, como se estivesse a pedir palmas. O depoimento de Paulo tinha que estar à altura de um comandante de pelotão: elogiou o militar que tinha um tratamento terno com as crianças, que era um prodígio de cozinheiro sem nunca regatear as obrigações dos reforços como sentinela, chegando a colaborar nas emboscadas e patrulhamentos, na medida do razoável, ele era cozinheiro; que todo o pelotão recebera com profunda mágoa e consternação a notícia daquele medonho acidente, tanta e tão profunda era a amizade que unia a vítima ao homicida involuntário. Ouvidas estas testemunhas o juiz preveniu que a sentença seria conhecida mais tarde, e foi bem benévola para o amável Quebá Sissé, ele já tinha estado engaiolado, acabou por sair em liberdade, como a sua comissão terminara voltou para a terra-natal, Farim. O Paulo nunca mais o viu, esteve a trabalhar na Guiné em 1991, procurou por ele, ninguém lhe conhecia o paradeiro.

Paulo voltou para Bambadinca, para os afazeres do costume, andava frequentemente numa localidade onde decorria um reordenamento chamada Nhabijões, um empreendimento de vulto, casas com arruamentos, mesquita, escola, fontanários, casas familiares assentes em quatro pilares de cibe, as paredes eram feitas com blocos de adobe, fazia-se uma trama com rachas de cibe mais finas para o telhado, onde se pregavam chapas de zinco. Há também um outro aerograma em que ele refere os odores deste novo povoado, tudo a cheirar a fresco. E no ponto em que me encontro, está a partir um batalhão e a chegar outro, é um período de transferência, quem chega bem à defesa, por precaução quer saber rigorosamente o que encontra, para não ter que dar contas à justiça. Também no pelotão do Paulo partem e chegam soldados.

Interrompo agora, houve um grande ataque a um povoado chamado Demba Taco, o Paulo patrulhava a vários quilómetros de distância, mandou informar Bambadinca que avançava em auxílio dos atacados, pedia apoio com viaturas, é já muito tarde, saio pelas seis e meia da manhã em direção ao Luxemburgo, vou ter um daqueles dias em que só se fala de Estatística ou de especialidades farmacêuticas, felizmente que vem aí o fim de semana, mal chegue a Bruxelas combino contigo um almoço ou um jantar, meu adorado filho. À tantôt, Maman.

(continua)

Praça da Senhoria, Florença
Palazzo Vecchio, Florença
Giardino di Boboli, Florença
Basílica de Santa Cruz, Florença
Museu de Marino Marini, Florença
Quebá Sissé, conhecido por “Doutor”, o cozinheiro de Missirá. Fotografia do início do março de 1969. Em 1 de janeiro de 1970, no mais estúpido dos acidentes, ao subir uma viatura, mete o dedo no gatilho e mata um camarada, Uam Sambu. Vai agora ser julgado em Bissau, Paulo é convocado como uma das suas testemunhas
Aqui foi o porto de Bambadinca, estamos no Geba estreito, em frente à bolanha de Finete
Restos de um Unimog 411, era a primeira mina nos Nhabijões, faleceu o condutor, de nome Soares
Rua do Eclipse, Bruxelas
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE OUTUBRO DE 2021 Guiné 61/74 - P22610: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (73): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22631: Memórias cruzadas nas 'matas' da Região do Óio-Morés: o caso da queda do "T-6 FAP 1694", em 14out1963, incluido no documentário "Labanta Negro!", realizado pelo italiano Piero Nelli, 28 meses depois (fev 1966) (Jorge Araújo)


Foto 2 - Citação: (1963) “Lay Sek junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC”, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_de_43815 - matrícula 1694 – com a devida vénia.
 

Foto 3 - Citação: (1963) “População junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC”, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_de_ 43566 - matrícula 1694 – com a devida vénia.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo. Vive presentemente num dos países das "Arábias"...Tem cerca de 300  referências no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS ‘MATAS’ DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS:

O CASO DA QUEDA DO «T-6 FAP 1694», EM 14OUT1963, INCLUÍDO EM DOCUMENTÁRIO PRODUZIDO PELO ITALIANO PIERO NELLI, VINTE E OITO MESES DEPOIS (FEV’1966)



Mapa da região do Óio-Morés com infografia da queda do «T-6 FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, ocorrida em 14Out1963. Identificando-se, com pontos a azul, três das bases existentes naquela região.


1. - INTRODUÇÃO

Já aqui demos conta, com veemente convicção, de que a quantidade de documentação histórica, relativa à «Guerra do Ultramar», que continua em silêncio nos arquivos é de tal monta que será difícil, a cada um de nós, dela ter conhecimento e, deste modo, encontrar respostas às dúvidas que persistem… teimosamente!

É dessa teimosia, que se traduz em revisões continuadas do trabalho histórico, emergente da “pesquisa” e do seu estudo, que nos tem permitido, por adição de “factos” ou “verdades parciais”, ir mais longe na objectividade histórica, pois esta deverá ser consistente.

Com efeito, em novo regresso `ss "matas da região do Óio-Morés”, através de «Memórias Cruzadas» com quase seis décadas, foi possível juntar mais algumas peças ao nosso «puzzle» da “guerra” (dos dois lados), na medida em que continuará incompleto. Estamo-nos a referir ao caso da queda do «T-6 FAP 1694», ocorrida naquela região em 14 de Outubro de 1963, 2.ª feira, pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, cujo corpo não foi recuperado.



Sobre o caso em apreço, o que temos a dizer de novo vai no sentido de, para além de confirmar o que deixámos expresso nos dois trabalhos já publicados anteriormente:

lhe adicionar o conteúdo de mais algumas imagens resgatadas do documentário «LABANTA NEGRO», produzido pelo italiano Piero Nelli, durante a sua visita à Guiné [Conacri], entre 02 e 15 de Fevereiro de 1966, a convite do Secretário-Geral do PAIGC.


Tradução do texto em italiano: “Diário de paz e guerra entre os partidários da 'província portuguesa ultramarina' da Guiné e Cabo Verde”.


Tradução do texto em italiano: “Este documentário foi aceite pelo Comité de Descolonização da ONU [Comité dos 24], reunido em Argel de 16 a 21 de Junho de 1966, como prova testemunhal sobre a situação da 'província portuguesa ultramarina' da Guiné e Cabo Verde”.

Fonte: Arquivo Audiovisivo del Movimento Operaio e Democratico > Documentario "Labanta Megro!"  (1966)

http://patrimonio.aamod.it/aamod-web/film/detail/IL8200001651/22/labanta-negro.html?startPage=0&idFondo (com a devida vénia)


Foto 1 - Exemplo de um T-6 (matrícula 1688)



2. - SÍNTESE DOS ANTECEDENTES JÁ PUBLICADOS

O interesse pelo aprofundamento desta ocorrência, de que deixei expresso na narrativa publicada em 25 de Julho de 2019 – P20010 – a que dei o nome de «O T-6 FAP 1694 e o Cap Pilav João Rebelo Valente, desaparecido em 14/10/1963, na região do Óio-Morés», nasce da interrogação, do “mistério” e do “conflito histórico”, suscitados pela discrepância observada entre as fontes consultadas em que, no primeiro caso, a causa da queda foi consequência de “voo de experiência do avião, embatendo no solo ao fazer acrobacia a baixa altitude”, conforme registo abaixo:

No segundo caso, o acidente é descrito onde a mesma aeronave “ao colidir com o solo após manobra acrobática, em Olossato”, provocou a morte do Capitão Piloto aviador João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, facto que pode ser comprovado a seguir:



A recuperação das duas imagens que se apresentam abaixo [fotos 2 e 3], servem para testemunhar que a aeronave «T-6 FAP 1694» se despenhou na região do Óio e, segundo Pedro Pires (1934-), “muito próximo da base [Central] do Osvaldo Vieira, perto da tabanca de Morés.”

No mesmo sentido segue o conteúdo do relatório, da missão atribuída a Lourenço Gomes (1922-1999), realizada a bases da Região Norte da Guiné, entre 8 e 18 de Outubro de 1963, e publicado em narrativa de 8 de Julho de 2020 – P21151 – onde refere a sua chegada à “base do camarada Ambrósio Djassi” [Osvaldo Vieira; 1938-1974] no dia 09Out63, 4.ª feira, tendo depois visitado as três bases do Óio [Morés (Central), Fajonquito e Maqué] assinaladas a azul na infografia acima.

Depois, no dia 14Out63, 2.ª feira, perante a sua presença, os aviões portugueses ao tentarem atacar a base [Central do Morés], do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira], os camaradas abateram três aviões inimigos [apenas um: o «T-6 FAP 1694», do Cap Pilav João Rebelo Valente]. (…) Nós tivemos nove mortos e oito feridos. Esses feridos deviam ser transferidos comigo para Samine [no Senegal], mas tiveram que voltar para o Óio, porque os portugueses descobriram uma cambança por onde deveríamos passar e tentaram apanhar-nos nesse mesmo sítio. (Vd.fotos nºs 2e 3, acima)


3. - O «T-6 FAP 1694» NO «LABANTA NEGRO» - DOCUMENTÁRIO REALIZADO PELO ITALIANO PIERO NELLI EM FEVEREIRO DE 1966

De acordo com o referido na introdução, o citado documentário foi [apresentado e] aceite pelo Comité de Descolonização da ONU, reunido em Argel de 16 a 21 de Junho de 1966, como [primeira] prova testemunhal [de informação e propaganda audiovisual do PAIGC] sobre a situação da “província portuguesa ultramarina” da Guiné e Cabo Verde [três anos e meio depois do início do conflito].

Este documentário produzido a preto e branco, em 1966, com uma duração de 39’ [curta-metragem], está alojado no sítio da «FUNDAÇÂO AAMOD» (Arquivo audiovisual do movimento operário e democrático), instituição italiana fundada em 13 de Fevereiro de 1985, em Roma, cujo logo se apresenta abaixo.



A sequência dos sete planos (fotogramas) que seguidamente se reproduz, serve exclusivamente para enquadrar a temática relacionada com a aeronave em título, tendo sido obtida a partir do visionamento do documentário supracitado, em particular no roteiro incluído na caminhada efectuada pela equipa técnica dirigida por Piero Nelli, na região do Óio (Base Central do Morés), iniciada a 04 de Fevereiro de 1966, 6.ª feira, como se demonstra no plano (fotograma) seguinte:


No documentário, as filmagens reportadas ao «T-6 FAP 1694» têm uma duração de 1 minuto (entre os 17’43” e 18’43”).


3.1 - OS SETE PLANOS DO «T-6 1694», RESGATADOS DO DOCUMENTÁRIO «LABANTA NEGRO!», NO ROTEIRO DO ÓIO (MORÉS), EM FEVEREIRO DE 1966


Plano 1 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!"; documentário do italiano Piero Nelli (1966) ( A preto e branco, sonoro, duração: c. 39 minutos)


Plano 2 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!»; documentário do italiano Piero Nelli (1966)


Plano 3 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!»; documentário do italiano Piero Nelli/(1966)


Plano 4 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro»!; documentário do italiano Piero Nelli (1966)


Plano 5 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!»; documentário do italiano Piero Nelli (1966)


Plano 6 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!»; documentário do italiano Piero Nelli (1966)


Plano 7 – Região do Óio em Fev’66 - Destroços do «T-6 FAP 1694» em «Labanta Negro!»; documentário do italiano Piero Nelli (1966)

O vídeo (38' 44'') pode ser vistio aqui na íntegra, neste link. no You Tube. É  narrado em italiano. Aconselhável vê-lo em ecrã inteiro e ativar as legendas em italiano,

► Fontes consultadas:

Ø CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.046. Título: Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região do Óio. Assunto: Relatório assinado por Lourenço Gomes sobre a sua visita ao interior, região de Óio. Visita aos locais onde foram abatidos os aviões portugueses; ataque à base de Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Necessidade de medicamentos no interior. Material de Guerra. Despesas. Viatura para transporte dos feridos. Envio dos militares portuguesas, Fernandes Vaz e Fernando Fortes, para a base de Abel Djassi. Em anexo documento assinado por Pedro Pires, datado de 21 de Outubro de 1963, com as informações colhidas das declarações de Biagué. Data: Quinta, 24 de Outubro de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Ø Arquivo Audiovisivo del Movimento Operaio e Democratico > Documentario "Labanta Megro!"  (1966)

http://patrimonio.aamod.it/aamod-web/film/detail/IL8200001651/22/labanta-negro.html?startPage=0&idFondo


Termino agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
12MAI2021
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