Queridos amigos,
À volta do meu casebre de Reguengo Grande não disponho só de moinhos, peras e abóboras, vinhas e fráguas que vêm dos tempos jurássicos. Aqui perto o tal el-rei Junot teve a sua malquerença, tudo lhe correu mal na Roliça e no Vimeiro, o absurdo é que regressou de malas aviadas cheias de riquezas portuguesas. A boa estrela protegia o Duque de Wellington, mas não se livrou dos apupos que ele viu no parlamento britânico, dera-se o ouro ao bandido, uma absurda condescendência com o invasor ainda por cima destruidor, vinha naquele contingente um general maneta, de nome Loison, de triste memória. Assim começava o século XIX todo ele acompanhado de destruição, guerra civil, descrença nas instituições, o Brasil independente e então acordou-se para as riquezas de África, isto enquanto o nosso património edificado se arruinava a olhos vistos. Mas ao pé do meu casebre os franceses levaram coça, Napoleão ainda decretará mais duas invasões, conhecerá brutas derrotas, suficientes para não haver menção delas no Arco do Triunfo...
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (20):
Da Roliça até ao Vimeiro… E o derrotado Junot regressou a França com o nosso ouro e prata
Mário Beja Santos
Quem diria que este meu casebre, incrustado numa área protegida, está bem próximo de acontecimentos capitais ocorridos em 1808, o combate da Roliça e a batalha do Vimeiro? Há indicações nas proximidades que sugerem a visita ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, e bem perto do meu Reguengo Grande há sinalética que fala da Roliça e do seu interesse histórico. Tudo tem a ver com a primeira Invasão Francesa, Napoleão quis sufocar o poder económico e naval da Grã-Bretanha, decretou o Bloqueio Continental, o regente D. João disse sim, não ou quem dera, e Napoleão nomeou o general Jean Andoche Junot para nos reduzir a pó, era importante apanhar à mão a família real portuguesa e anular qualquer veleidade de independência nacional.
Irão dar-se aqui os primeiros passos gloriosos de um senhor que passará à História com o título de Duque de Wellington, e a primeira cena do primeiro ato ficará com o nome de refrega ou combate da Roliça, tudo se travou na localidade do mesmo nome em 17 de agosto de 1808. O tenente-general Sir Arthur Wellesley confronta-se com as forças francesas do general Henri-François Delaborde. Dia aziago para Napoleão, o Cerco de Saragoça era assumido pelos franceses como um fracasso, resistiram heroicamente, as tropas de Napoleão recuaram.
Combatemos ao lado dos britânicos, Bernardim Frei de Andrade era o comandante do corpo de forças portuguesas. Procurei aqui dar-vos algumas imagens esclarecedoras do campo de batalha, a Roliça fica na parte norte do concelho do Bombarral, o exército francês ocupou um pequeno planalto e para norte estende-se uma planície onde se deu a aproximação do exército anglo-luso. Houve vários movimentos estratégicos na Serra do Picoto e Planalto das Cesaredas, os franceses quiseram explorar a superioridade numérica. Os britânicos começaram a subir em relação às posições francesas. Os homens de uma brigada procuraram ultrapassar um regimento francês, foram atacados à retaguarda, apanhados de surpresa. Neste combate morre o tenente-coronel George Lake, foram feitos muitos prisioneiros e apreendidos estandartes que só serão recuperados dias mais tarde no Vimeiro. Os franceses retiram, acabou a refrega, os franceses perderam cerca de 600 homens, o exército anglo-luso tem 70 mortos, centenas de feridos e mais de 70 desaparecidos. A carreira europeia do duque começou aqui, tempos depois cometer-se-á o erro estratégico, ao assinar-se a Convenção de Sintra com Junot, de os deixar sair de Portugal com o nosso espólio, o Parlamento britânico entrou em fúria. Mas o significado da Roliça é muito mais do que simbólico: afinal, era possível bater os franceses em terra.
Travessa do Casal da Esperança, Reguengo Grande, Lourinhã, o paraíso do velho combatente
Monumento funerário do Tenente-Coronel George Lake
Legenda constante no monumento funerário
O ponto alto da Roliça, assistiu ao intenso dos combates
Aqui se combateu, por aqui se subiram estas veredas, num verdadeiro jogo do gato e do rato, muitos mortos e feridos, afinal os franceses não eram inexpugnáveisImagem da fachada da Sociedade Recreativa Sobralense, vinha dos plainos da Roliça e por aqui passei, dá gosto ver esta fachada curiosamente marcada por aspetos tradicionais e as linhas da Arte Deco. Posto isto, sigo para o Centro Interpretativo da Batalha do Vimeiro
Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Visita guiada ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro
Monumento comemorativo do I Centenário, o rei D. Manuel II esteve presente na inauguração, em 21 de agosto de 1908
Conjuntos de azulejos que se espalham pelo jardim circundante, mostrando aspetos alusivos à batalha, recomenda-se ao visitante que os observe atentamente, são belos e dão uma ajuda à compreensão da evolução da batalhaFoi neste extenso campo que se travou a Batalha do Vimeiro, em 21 de agosto de 1808, Junot está à frente de 13 mil homens, Wellington comanda o exército anglo-luso com cerca de 19 mil homens. Junot decidiu um ataque direto ao outeiro do Vimeiro (onde hoje se encontra um monumento comemorativo) e procurou uma manobra de envolvimento. Os confrontos mais importantes e decisivos aconteceram no outeiro. As tropas de Junot atacam e fracassam, vêm a possibilidade de fixar o inimigo na colina. Na localidade do Vimeiro travou-se uma sangrenta peleja que acabou com a retirada dos franceses, perseguidos pela cavalaria anglo-lusa. Sem conhecimento do que se estava a passar no flanco esquerdo, duas brigadas francesas confrontaram os britânicos nos altos da Ventosa e Fonte de Lima, tudo lhes correu mal. Junot entendeu propor a Wellington um acordo de cavalheiros, dará pelo nome de Convenção de Sintra. Diz-se em português que nunca se deve dar o tesouro ao bandido, ainda hoje é um enigma o que levou os britânicos a autorizar o vencido a partir para França com o nosso querido património. O dado fundamental é que acabara no continente europeu a invencibilidade francesa. E tudo às portas do meu casebre.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 9 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22613: Os nossos seres, saberes e lazeres (471): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (12) (Mário Beja Santos)
5 comentários:
Beja Santos traz aqui uma época da história das mais trágicas para o sempre debilitado Portugal.
Sempre foi custoso Portugal ter políticos que escolhessem bons caminhos para Portugal, sendo que nesta guerra que era entre os ingleses e franceses faltou alguém de valor para pôr aqueles dois monstros a fazer a guerra nas terras deles.
Assim como noutros momentos não tivemos gente à altura.
A partir desta invasão francesa, Portugal por 100 anos nunca mais acertou o passo.
Fui ver a vida do retornado a Portugal vindo do Brasil Dom João VI e vi que morreu em 1826.
Foram exatamente 100 anos a partir daí, até Portugal começar lentamente a acertar o passo, por algum tempo.
Obrigado Beja Santos por lembrar que o país foi espoliado do ouro pelos franceses com a conivência dos ingleses, sem falar que até os Espanhois no fim ainda foram compensados com Olivença, onde com a nossa Alqueva actual aquilo hoje era só oliveiras.
Viva, Mário!
A extensão e diversidade dos teus conteúdos e a tua militância pelo blogue não merecem reparos, antes encómios. Mas este tema também toca a Guiné.
Salvo erro ou melhor opinião, o responsável pela iníqua a Convenção de Sintra não foi o general Wellesley (Wellington), que era o comandante de campo, mas o general Dalrymple, comandante-chefe - ambos chamados a prestar contas da decisão ao Parlamento, muito pela influência do poeta Lord Byron, um notável filo-português.
O general Wellesley foi o comandante-chefe contra as invasões de Soult e Massena.
Salvo erro ou melhor opinião, esse general Dalrymple terá sido aquele tenente que "conquistou" e tentou colonizar e anexar Bolama à Inglaterra, questão resolvida a favor de Portugal pelo presidente dos USA, general Ulisses Grant.
Abr.
Realmente aquele acordo entre ingleses e franceses foi um ver se te avias.
Mas, o armistício é assinado pelo Wellesley, enquanto a Convenção de Sintra (Sintra por ser um local mais «sintrado») é pelo Dalrymple.
Aquilo é que foi aviar ouro e pratas das Igrejas e Conventos, pudera ou não fosse Portugal uma terra sem Palácios e Universidades.
Os ingleses fecharam os olhos, ou calhando ganharam "algum", ao rapinanço dos franceses e nunca mais pararam de nos "ajudar". Parece que a "grande ajuda" seria o Brasil como dote de não sei de quem. Até é contada uma das versões dos amigos e Peniche: os ingleses sediados em Peniche corriam definitivamente com os franceses e os portugueses davam o Brasil como dote de casamento duma princesa. Quem grandes amigos que eles eram 'um chouriço para quem lhes desse um porco'.
Abraço
Valdemar Queiroz
Esqueci-me (esta cabeça já não é o que era dantes) de referir que a batalha do Vimeiro, não fora os mortos e feridos dos dois lados, por causa da assinatura do armistício e da Convenção, aquela do "parecia que estava tudo combinado".
Também e referindo-me ao "Foram exatamente 100 anos a partir daí" repara o Rosinha com o ano de 1926. Provavelmente o Rosinha não vivia em Lisboa, mas no final dos anos 50 início dos 60, eu via, quando em dia de Feriado Nacional, içada a Bandeira Britânica na Estação do Rossio (CP), no Elevador de Santa Justa (Carris) e no prédio dos Telefones (APT/TLP), mas havia mais.
Valdemar Queiroz
Valdemar, sobre as bandeiras britânicas sabemos que as concessões em geral eram por 90 anos e contratos são contratos.
Esqueceste-te Valdemar, de mencionar teres lido que: ´
"sendo que nesta guerra que era entre os ingleses e franceses faltou alguém de valor para pôr aqueles dois monstros a fazer a guerra nas terras deles".
Infelizmente tornamos a ser embrulhados novamente pelas zangas desses dois monstros (1914/18) e novamente não tivemos ninguém à altura.
E houve uma outra hecatombe entre os dois, (1939/45)e nós bem conduzidos por entre os pingos, escapámos dessa vez.
Enviar um comentário