quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22629: In Memoriam (413): Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil, CART 2339 (Mansambo, 1968/69)... Homenageando também um casal que sempre soube, em vida, amparar-se mutuamemnte, "na saúde e na doença" (Luís Graça)


Fundão > 27 de Janeiro de 2007 >  O Torcato Mendonça (TM) que eu conheci, pessoalmente,no Fundão, sua terra adotiva... Foi lá que casou com a Ana Lurdes e onde nasceram os seus filhos, dois rapazes. O TM  que encintrou para a nossa Tabanca Grande em 2006, participou pelo menos em cinco dos nossos encontros nacionais, de 2007 a 2011.


Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Ana, que veio a conduzir do Fundão, para acompanhar o seu José (alter ego do Torcato Mendonça). 

A Ana Lourdes de Mendonça foi coordenadora dos serviços administrativos do conceituado Jornal do Fundão (que alguns de nós assinávamos na Guiné, ao tempo da guerra, a par do Comércio do Funchal, do Notícias da Amadora e outros).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Agora que o nosso querido amigo, camarada e colaborador Torcato Mendonça deixou a Terra da Alegria (*), e nos deixou tristes, inconsoláveis e mais pobres, vou recuperar escritos antigos em que falo dos dois, do José e da Ana, um casal por quem sempre tive admiração e carinho porque souberam, ao longo da sua vida em comum,  amparar-se um ao outro "na saúde e na doença". A Ana, felizmente, continua viva e vai por certo continuar a acompnhar o nosso blogue (**)


Em 17 de maio de 2008, veio de longe, do Fundão, das faldas da Gardunha, a conduzir, com o seu José ao lado (que pode mas não deve fazer tantos quilómetros ao volante), só para estar com os seus (dele) camaradas da Guiné... Le coeur oblige, mon bijou... E o que tem de ser tem muita força, diz o provérbio: a doença, traiçoeira, que vem trazer negrura às nossas vidas, apreensão aos que nos amam, incerteza aos que nos rodeiam, finitude aos nossos projectos, angústia para o jantar, pesadelos às tantas da madrugada...

Nem um ai nem um ui: a Ana (Mendonça, por casamento) viveu, em silêncio, o seu drama, individual e familiar... No píncaro do Verão... Por uns tempos, o José desapareceu (ou melhor não apareceu, recolheu-se, não se expôs, preparou-se, como nos duros tempos de Mansambo, da CART 2339, mobilizou toda a sua energia para fazer face à devastação)....

Como é que a nós, distraídos com as nossas blogarias - tu, Carlos, tu, Virgínio, eu, Luís - , não nos ocorreu que algo estava errado nessa pesada cortina de silêncio, puxada pela mão do Torcato Mendonça, o TM, um homem com lugar ao sul e que gostava de pensar em voz alta ? 

Em meados de dezembro de 2008,  escrevi-lhe, ao TM,  o seguinte:

"Um bj para a tua Ana, que é uma mulher de armas e que já sei que voltou ao trabalho... A vida é dura, José, aqui ou em Mansambo... Mas também pode ser bela, se tiver afecto(s): amor, paixão, amizade, camaradagem, emoção, compaixão, poesia... 

Diverte-te, se puderes: 'Esta vida são dois dias e o Carnaval são três'... Mas há, pelo menos, uma certeza: 'Quem de novo não morre de velho não escapa'... 

Uma coisa que a guerra da Guiné não nos deu, foi serenidade... Pelo contrário, trouxe-nos inquietude (que é mais do que inquietação). Em contrapartida, aprendemos a enfrentar a morte e a não temê-la: 'Temer a morte é morrer duas vezes' ... E tu és, para nós todos, um exemplo vivo e corajoso, de como um homem pode sorrir à morte com meia cara ou meio coração, parafraseando o título da narrativa autobiográfica do grande escritor José Rodrigues Miguéis, um lisboeta de Alfama (1901) que morreu longe da Pátria, da Mátria e da Fátria (Manhattan, N.Y., 1980). 

Que esta tertúlia, a nossa Tabanca Grande, seja, ao menos para ti, um pouco da Fátria perdida em Mansambo, em Bambadinca e em tantos lugares da Guiné onde sofremos e fomos solidários"...

A Ana, que voltou ao seu José, passou a acompanhar desde então com solicitude mas também com a máxima das discrições as nossas blogarias... E o Natal de 2008 surpreendeu-me (e emocionou-me) com o seguinte cartão do José onde se podia ler:

"Luís Graça: Um beijo agradecido pela simpatia posta na mensagem (de força) enviada através do Torcato e que eu li. Votos de um Feliz Natal extensivo a toda a Família. Ana Lourdes de Mendonça"...

Somos, afinal, um blogue de afectos e de histórias, mas também de gente solidária... Por um momento, por uma vez ao menos, eu senti que valeu (ou valia)  a pena esta tontaria de querer juntar o fio de tantas meadas, de destar tantos nós da memória, de inquirir estas tantas vidas que foram/são as nossas (parafraseando o belo título do antigo blogue do Virgínio Briote)... Por um dia senti que também podemos fazer bem a alguém...

Senti que as palavras também podem matar, também podem ferir, também podem destruir; senti que as palavras vêm muito antes das balas, e que são as palavras que nomeiam a morte e desencadeiam a guerra, muito antes dos obuzes e dos aviões e dos carros de combate, das minas e armadilhas...Mas também senti que as palavras, em seu sítio, também podem dar conforto, animar, dar força... Senti-me feliz por saber que a Ana, que eu mal conhecia, passava os testes todos de sobrevivência... e estava apta, apartir de então,  para enfrentar o futuro, pronta para o que desse e viesse...

Em de dezembro de 2008, voltámos a pôr a Ana a sorrir, na nossa fotogaleria, como no dia 17 de Maio de 2008, na Ortigosa... E desejámos-lhe Boas Festas:

"Boas Festas,  quentes e boas como as castanhas da tua Cova da Beira... Há castanhas na Gardunha ? Por mim, só conhecia as cerejas, que são as melhores do mundo. E o requeijão... Ah! o requeijão do Fundão. Ah!, e o Torcato, o José, o Mendonça, o Viriato (o santo patrono da CART 2339)!... Ah!, e agora a Ana, mulher da vida do José, e nossa camariga."

Nessa altura aumentou o meu conhecimento (e reconhecimento) da geografia do amor, da amizade, da solidariedade, da humanidade... E por isso eu pedia paar lhe escreverem o nome, no quadro escuro, a giz, onde listamos as nossas mulheres, as nossas companheiras de uma vida, as nossas camarigas: Ana, simplesmente Ana.. Um exemplo de tenacidade e de coragem, para todos nós. 

E mais disse: 

"Temos orgulho em ti, José!... Temos orgulho em ti, Ana. Deixa-me, José, deixa-me, Ana, oferecer-vos, por fim, este poema do meu modesto poemário... Para ler nos dias de chuva miudinha e de tristeza, quando só apetece colar a cara à vidraça da janela virada para o absurdo da doença, do azar, da morte, com o maciço central da Serra da Estrela a aniquilar-nos... No fim, perceberás, Ana, e tu, José, o sentido do título. ("Poemombro, ou o ombro amigo", de Luís Graça,  2004. revisto em 2008) (**) .


PS - O TM (Torcato Mendonça) comentou seca e laconicamente: "Luís,  depois escrevo...agora não, agora não... abraço-te...somente...forte...sentido... desculpa se te molho o casaco...é uma lágrima de facto... recebe o meu abraço Amigo TM

19 de dezembro de 2008 às 10:03 (**)
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