sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3652: Blogoterapia (83): Voltamos a pôr a Ana (e o José...) a sorrir, na nossa fotogaleria (Luís Graça)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Veio de mais longe, do Fundão, das fraldas da Gardunha, a conduzir, com o seu José ao lado (que pode mas não deve fazer tantos quilómetros ao volante), só para estar com os seus (dele) camaradas da Guiné... Le coeur oblige, mon bijou... E o que tem de ser tem muita força, diz o provérbio: a doença, traiçoeira, que vem trazer negrura às nossas vidas, apreensão aos que nos amam, incerteza aos que nos rodeiam, finitude aos nossos projectos, angústia para o jantar, pesadelos às tantas da madrugada...

Nem um ai nem um ui: a Ana (Mendonça, por casamento) viveu, em silêncio, o seu drama, individual e familiar... No píncaro do Verão... Por uns tempos, o José desapareceu (ou melhor não apareceu, recolheu-se, não se expôs, preparou-se, como nos duros tempos de Mansambo, mobilizou toda a sua energia para fazer face à devastação)....

Como é que a nós, distraídos com as nossas blogarias - tu, Carlos, tu, Virgínio, eu, Luís - , não nos ocorreu que algo estava errado nessa pesada cortina de silêncio, puxada pela mão do TM, um homem com lugar ao sul e que gosta de pensar em voz alta ? ...

Há dias escrevi-lhe:

"Um bj para a tua Ana, que é uma mulher de armas e que já sei que voltou ao trabalho... A vida é dura, José, aqui ou em Mansambo... Mas também pode ser bela, se tiver afecto(s): amor, paixão, amizade, camaradagem, emoção, compaixão, poesia... Diverte-te, se puderes: 'Esta vida são dois dias e o Carnaval são três'... Mas há, pelo menos, uma certeza: 'Quem de novo não morre de velho não escapa'... Uma coisa que a guerra da Guiné não nos deu, foi serenidade... Pelo contrário, trouxe-nos inquietude (que é mais do que inquietação). Em contrapartida, aprendemos a enfrentar a morte e a não temê-la: 'Temer a morte é morrer duas vezes' ... E tu és, para nós todos, um exemplo vivo e corajoso, de como um homem pode sorrir à morte com meia cara ou meio coração, parafraseando o título da narrativa autobiográfica do grande escritor José Rodrigues Miguéis, um lisboeta de Alfama (1901) que morreu longe da Pátria, da Mátria e da Fátria (Manhattan, N.Y., 1980). Que esta tertúlia seja, ao menos para ti, um pouco da Fátria perdida em Mansambo, em Bambadinca e em tantos lugares da Guiné onde sofremos e fomos solidários"...
A Ana, que voltou ao seu JF, acompanha agora com solicitude mas também com a máxima das discrições as nossas blogarias... E há dias surpreendeu-me (e emocionou-me) com o seguinte cartão do JF onde se podia ler:

"Luís Graça: Um beijo agradecido pela simpatia posta na mensagem (de força) enviada através do Torcato e que eu li. Votos de um Feliz Natal extensivo a toda a Família. Ana Lurdes Mendonça"...
Somos, afinal, um blogue de afectos e de histórias, mas também de gente solidária... Por um momento, por uma vez ao menos, senti que valeu a pena esta tontaria de querer juntar o fio das tantas meadas, de inquirir estas tantas vidas que foram/são as nossas (parafraseando o belo título do blogie do Virgínio Briote)... Por um dia senti que também podemos fazer bem a alguém...

Senti que as palavras também podem matar, também pode ferir, também podem destruir; senti que as palavras vêm muito antes das balas, e que são as palavras que nomeiam a morte e a guerra; mas também senti que as palavras, em seu sítio, tamnbém podem dar conforto, animar, dar força... Senti-me feliz por saber que a Ana, que eu mal conheço, passou os testes todos de sobrevivência... e está apta agora para enfrentar o futuro, pronta para o que der e vier...

Hoje voltamos a pôr a Ana a sorrir, na nossa fotogaleria, como no dia 17 de Maio de 2008... Boas Festas, Ana... Quentes e boas como as castanhas da tua Cova da Beira... Há castanhas na Gardunha ? Por mim, só conhecia as cerejas, que são as melhores do mundo. E o requeijão... Ah! o requeijão do Fundão. Ah!, e o Torcato, o José, o Mendonça, o Viriato (o santo patrono da CART 2339)!... Ah!, e agora a Ana, mulher da vida do José, e nossa camariga (como diria o Tunes ou Mexia).

Hoje aumenta o meu conhecimento (e reconhecimento) da geografia do amor, da amizade, da solidariedade, da humanidade... Escrevam-lhe o nome, no quadro escuro, a giz, onde listamos as nossas mulheres, as nossas companheiras de uma vida, as nossas camarigas: Ana, simplesmente... Um exemplo de tenacidade e de coragem, para todos nós. Temos orgulho em ti, José!... Temos orgulho em ti, Ana.

Deixa-me, José, deixa-me, Ana, oferecer-vos, por fim, este poema do meu modesto poemário... Para ler nos dias de chuva miudinha e de tristeza, quando só apetece colar a cara à vidraça da janela virada para o absurdo da doença, do azar, da morte, com o maciço central da Serra da Estrela a aniquilar-nos... No fim, perceberás, Ana, e tu, José, o sentido do título..

Poemombro ou um ombro amigo

Às vezes a gente pensa
que o mundo vai desabar.
Às vezes a gente julga
que o céu vai cair
em cima das nossas cabeças.

Às vezes a gente deixa de ver.
E de sentir.
E até de pensar.
Às vezes a gente vê que não há luz.
Que estamos num túnel.
Que não há luz ao fundo do túnel.
Que há alguém que te diz:
- É o fim! Acabou-se!
Ou então:
- É bom que esqueças,
desiste,
parte para outra!

Às vezes a gente tem dúvidas.
E pergunta se vale a pena.
Se valeu a pena.
Às vezes a gente até duvida
do amor e da amizade
dos que nos amam e gostam de nós.
Às vezes a coisa parece que está feia.
Às vezes parece que tudo é feio.
Que a coisa está preta e feia.
A vida, o país, o mundo à nossa volta.
Os outros.
O marido ou a mulher.
Os filhos
Os amigos.
Os colegas de trabalho.
Os vizinhos.
Os concidadãos.
Os homens e as mulheres do teu país.
A humanidade,
por fim globalizada.

Às vezes dá-te uma enorme vontade de chorar.
E de parar no caminho.
E de chorar numa pedra do caminho.
Às vezes a gente quer desistir de caminhar.
A gente sente que lhe faltam as forças.
E que já foi longe de mais.
Que não nascemos para caminhantes.
Que já fizemos a nossa parte.
Que já cumprimos o nosso papel.
Que as pernas estão cansadas.
As pernas.
O corpo.
A alma.
Os músculos.
Os ossos.
Que andamos a caminhar há muito tempo.
Que já demos a volta ao mundo,
não sei quantas vezes.

Às vezes a gente apercebe-se
que tem uma enorme vontade de chorar.
Mas que não tem lágrimas para o fazer.
Não tem sequer forças para o fazer.

E é então que nos dá uma raiva danada.
Telúrica.
Fulminante.
Brutal.
Uma raiva de vulcão.
E descobrimos o terrível vulcão que há em nós.
E a gente, de repente,
dá de novo à chave de ignição.
... E retoma o caminho.

Querida amiga,
querido amigo:
Eu sei que não podemos competir com os vulcões.
Que só explodem de mil em mil anos.
Ou de cem mil em cem mil, tanto faz.
E que são uma força bruta da natureza.
Brutal.
Fulminante.
Telúrica.
Mas temos o direito de explodir.
De dizer o que nos vai na alma.
Temos o direito ao nosso vulcão.
Tu tens direito ao teu vulcão.
Tens direito mesmo ao teu vulcãozinho.
O direito de mostrar o que te dói
no corpo e na alma.
De chorar.
De chorar de raiva.
Ou mesmo baixinho.

A única diferença,
além da escala de tempo,
é que os vulcões não têm uma ombro amigo.
Para chorar.
Para encostar a cabeça e chorar.
No dia dos teus anos,
Ou em qualquer outro dia da semana.
Em qualquer outro dia do ano.
Sempre que te apetecer.
Sempre que te der raiva de chorar.

Se os/as amigos/as têm algum préstimo
é justamente para saber ouvir.
Ouvir, escutar, entender
mais do que falar,
analisar
ou compreender.
Para estar contigo.
Simplesmente para estar
ao pé de ti.
Ou para te segredar ao ouvido
qualquer coisa que te faça sorrir.
Ao ouvido, baixinho.
E sobretudo para te oferecer
o ombro amigo.
Pode até ter pouco préstimo
mas sempre é mais macio e quente
do que a pedra do caminho.

Foto, poema e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

8 comentários:

Anónimo disse...

Luis depois escrevo...agora não, agora não... abraço-te...somente...forte...sentido... desculpa se te molho o casaco...é uma lágrima de facto...recebe o meu abraço Amigo TM

Anónimo disse...

Luís
Quanto sentimento...quanta nobreza...quanto reconhecimento...nestas tão belas palavras...na amizade...
Não sei como me expressar
Um abraço
Jorge Picado

António Matos disse...

Luis, depois de te ler, e passados alguns segundos, comecei a sentir o relaxar dos músculos que entretanto se foram contraindo ao sabor da tua verve.
Não te conheço, nem a ti nem aos destinatários deste que faz parte do teu espólio poemário, mas aqui te deixo a impressão de que és superiormente dotado para traduzires em escrita poética os sentimentos que o coração te dita.
Parabéns e um grande abraço extensivo à Ana e ao José.
António Matos

Anónimo disse...

No fundo do mais intimo de cada um, vamos buscar as forças que nos impelem a lutar pela vida, e se não for por nós é pelo menos para agradarmos aos que nos amam.
E assim da nossa vontade, somada à vontade dos que nos amam e lutam por nós, nasce a força que leva de vencida a provação que nos atormenta e renasce a vida, doação de amor.

Luis, que belo ter assim amigos.

Abraço camarigo
do
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Tanto altruísmo meu Deus!
Não podia ficar insensível a um poema tão bonito e tão bem adequado.
Não conheço a Ana nem o José mas sei que o José podia ser eu e a Ana a minha mulher.
Obrigado Luís.
A tua personaliddade não pára de crescer no meu conceito.

António Matos disse...

Luis, o teu poema continua a tocar de perto os corações mais dados a esta coisa do amor, e o dos combatentes duma guerra que conseguiram escapar às malhas do empedernimento causado pelos ódios circunstanciais, pertencem, definitivamente, àquele grupo.
Os meus conceitos e crenças espirituais levam-me a estar grato a Quem me permite discernir e fruir duma lucidez ora pragmática ora brotando sensibilidade solidária que nos leva, por vezes, à lágrima.
É neste sentido que te peço autorização para um miserável "abuso" da tua propriedade intelectual e me permitas, agora, dedicar este teu poema a um amigo em situação semelhante à Ana e ao José.
Bem hajas.
António Matos

Luís Graça disse...

António: Usa e abusa do meu/teu/nosso ombro amigo... LG

Anónimo disse...

No Espaço da Esperança e da Felecidade o segredo da Graditão, está na Alegria da Doação aos Outros.

Eis o conteúdo do teu poema!

Parabéns Luís!

Que ele leve a certeza onde haja dúvida, e a esperança onde exista desespero.

Mário Fitas