domingo, 14 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)



Guiné > Bissau > 1974 > O repouso do guerreiro , herói de Gadamael> O Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, talvez o pirata de Guileje mais conhecido (seguramente o mais fotografado, o mais fotogénico e o mais divulgado no nosso blogue; a razão é simples: é o único exemplar da espécie). A sua companhia, a CCAV 8350, era a unidade de quadrícula de Guileje, quando o comandante do COP 5, o major de artilharia de Coutinho e Lima, tomou a dramática decisão de retirar, para Gadamael, em 22 de Maio de 1973, as nossas tropas (c. 200) e a população civil (c. 500) face ao cerco do PAIGC, iniciado cinco dias antes, em 18 de Maio (Op Amílcar Cabral).

Na segunda foto, a contar de cima, vemos o J. Casimiro Carvalho Orion, no cais do Pidjiguiti, em frente das LFG Orion, Lira e Argos...

Fotos: © José Casimiro Carvalho / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados

1. A revista Domingo do Correio da Manhã, na sua edição de hoje, 14 Dezembro 2008, traz uma reportagem sobre o nosso camarada J. Casimiro Carvalho, na secção A Minha Guerra. Com a devida vénia, publicam-se o texto, com algumas adaptações (Revisão do texto e subtítulos: L.G.).


A Minha Guerra - José Pereira de Carvalho - Guiné 1972/1974 > "Combati no inferno verdadeiro"


"Alombei com camaradas mortos, vi outros serem abatidos, socorri alguns em Guileje e Gadamael e evitei que dois soldados mais novos fossem para a matança.

"Fiz a recruta em Leiria, no Regimento de Infantaria 7, e de seguida fui escolhido para frequentar o Curso de Sargentos Milicianos nas Caldas da Rainha. Depois fui nomeado para Tavira, mas não cheguei a ir porque fui escolhido para tirar o Curso de Operações Especiais nos Rangers de Lamego, que terminei com 15,28 valores".
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Férias em Guileje


O relato, em jeito de narrativa autobiográfica continua assim:

"Mais tarde, em Estremoz, como cabo miliciano, dei instrução num pelotão da Companhia de Cavalaria 8351 (Os Tigres de Cumbijã). Fui nomeado para servir no Comando Territorial Independente da Guiné e transferido para a Companhia de Cavalaria 8350 (Os Piratas de Guileje).

"Embarcámos em Outubro de 1972 e, já em Bissau, seguimos para Cumeré, e duas semanas mais tarde embarcámos numa lancha de desembarque para Gadamael, donde seguimos para Guileje. Aqui, em sobreposição com Os Gringos, tivemos um período de muito trabalho em patrulhas. Mas passámos uns meses descansados. Andei a caçar pássaros com uma caçadeira que o chefe da tabanca me emprestava (só pagava os cartuchos). Apanhava aos 50 pardais com cada tiro e os jubis (miúdos) agarravam os que ficavam feridos. Era cada arrozada!"...


O inferno de Guileje

Os bons tempos de Guileje, dos primeiros meses, de finais de 1972 a princípios de 1973, vão rapidamente acabar, quando a direcção do PAIGC, na seqùência do assassinato do seu líder histórico, em 21 de Janeiro de 1973, decidiu lançar uma grande ofensiva contra Guidaje, a norte Guileje e Gadamael, a sul (Op Amílcar Cabral):

"Mas os tempos iriam piorar. Um dia, o alferes Lourenço, ao manusear uma granada duma armadilha, rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, ela explodiu-lhe na mão e matou-o instantaneamente. Já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este quase se partiu em dois. Que dor senti, chorei como nunca.

"Era o prenúncio do que nos esperava. Um dia fomos atacados pelo inimigo com canhões sem recuo, e um Fiat G91 da Força Aérea Portuguesa foi contactado pelo comandante capitão Abel Quintas, que lhe indicou o rumo das saídas (zona de explosão dos projécteis a saírem das bocas de fogo) e ele seguiu. Mais tarde soube que tinha sido abatido por um míssil Strella terra-ar. Intervieram os pára-quedistas e o grupo do Marcelino (‘Os Vingadores’ das Operações Especiais), numa confusão de tropas como nunca tinha visto. Pedi ao Marcelino para me levar na operação de resgate do piloto tenente Pessoa, que aceitou, mas o meu comandante não foi na conversa, não obstante o Marcelino ter dito que me trazia de regresso, nem que fosse às costas".


A retirada de Guileje e um outro inferno chamado Gadamael

Em 22 de Maio de 1973, o Fur Mil Op Esp Casimiro, da CCAV 8350, não estava em Guileje. Eis a razão por que isso aconteceu:

"Entretanto, fui nomeado para comandar os reabastecimentos, antes do isolamento, entre Cacine e Gadamael. Andava eu a curtir o Sol em lanchas de desembarque, quando Guileje, no Sul da Guiné, foi abandonada, por ordem do então major Coutinho e Lima – que por isso foi mandado prender pelo general Spínola -, seguindo as nossas tropas e a população para Gadamael Porto, a 18 km de distância, onde passados uns dias começou a matança no verdadeiro inferno.

"Foi um horror que a minha cabeça ainda hoje se recusa a qualificar e quantificar. Em Gadamael não havia casamatas (abrigos subterrâneos) como em Guileje, só valas. Os bombardeamentos eram tão intensos que nem dava para acreditar e, depois de ouvirmos as saídas, passavam apenas 22 ou 23 segundos até as granadas caírem em cima de nós. Num dos voos para uma vala, onde nos escondíamos, senti as nádegas húmidas e ao pôr a mão ficou encharcada em sangue. Gritei que estava ferido e fui evacuado num barco patrulha da Marinha para Cacine, onde verificaram que tinha um estilhaço de um morteiro de 122 mm. Como não havia necessidade de ser transferido para Bissau, fui nomeado chefe de limpeza.

"Quando começaram a chegar as vítimas deste holocausto, e como ouvia os meus camaradas a embrulhadar (bombardeados), deu-me um clique na cabeça, peguei numa Kalashnikov, virei-me para um oficial e disse: ‘ou me mandam já para Gadamael onde morrem os meus homens ou varro já esta m...’

"Não me lembro dos momentos seguintes, mas sei que depois me vi num Sintex (barco em forma de banheira de fibra de vidro), a caminho de Gadamael. Aqui, num dos bombardeamentos, já no fim, vi um soldado a cair e, ainda com o fumo no ar e o eco das explosões nos ouvidos, saí em correria louca, alombei com ele às costas e corri para a enfermaria. Ao colocá-lo no chão, vi que não tinha metade do crânio e os miolos escorriam pelas minhas costas.

"Nessa enfermaria jazia um militar morto por bombardeamentos em Guileje e que mais tarde foi enfiado em dois bidões soldados juntos, tal o estado do cadáver. Na enfermaria, os cadáveres eram tantos e o cheiro tão nauseabundo que era constantemente regada com creolina.

"Num dos ataques, o capitão Quintas (comandante de ‘Os Piratas de Guileje’, cujo nome e emblema foram criados por mim) foi ferido muito gravemente. Ajudei-o a chegar ao cais, debaixo de fogo, arranjei um Sintex e, como não tinha depósito, corri, debaixo dum bombardeamento terrível, a arranjar um. O barco seguiu então para Cacine levando mais feridos.

"Noutra altura, um oficial chamou meia dúzia de homens e mandou-os fazer uma patrulha ao longo de um rio e emboscarem-se numa zona de uma antiga pista de aviação. Eu, ao sair com o alferes Branco, reparei em dois soldados que estavam para ir e ordenei-lhes que ficassem porque ainda eram muito novos para morrer.

"Quando o alferes nos mandou emboscar, ouvi um barulho estranho vindo do mato, atirei-me ao chão e gritei que estávamos a ser atacados. Ainda vi a cara do alferes a ser atingida por uma rajada. Foi um tiroteio terrível. Um grupo de pára-quedistas foi em nosso socorro e quando chegou encontrou quatro corpos: o alferes Branco, o cabo Neves e os soldados Serafim e Anselmo.

"A minha companhia foi evacuada e esteve para regressar à Metrópole, mas foi decidido que devíamos fazer outra Instrução de Actividade Operacional. Eu fui para Prabis com 12 homens, outros para Quinhamel ou Bijemita, depois fomos para Colibuia-Cumbijã. Eu fui destacado para render o furriel Cláudio Moreira das Operações Especiais. Entretanto, aconteceu o 25 de Abril e fui para Paúnca para a Companhia de Caçadores 11 (‘Os Lacraus’), até ao fim da comissão".

O culto dos rangers

A reportagem do Correio da Manhã termina com uma nota biográfica sobre o nosso amigo e camarada, enquanto paisano:

"José Casimiro Pereira de Carvalho mora em Vermoim, na Maia, e é casado há 33 anos. Tem duas filhas, a Kika, de 31 anos (administrativa) e a Sofia, de 26 (economista). Tem uma neta, da primeira filha, com dois meses (Beatriz).

"Nasceu em Cedofeita, Porto. Completou o ciclo preparatório, trabalhou em hotelaria e quando foi para a tropa estava no Hotel Castor, no Porto. Quando regressou, era furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger). Convidado para seguir a vida militar, não aceitou e foi trabalhar como empregado de mesa no restaurante Barcarola.

"Entretanto, foi para a BT-GNR, onde esteve durante 26 anos, até à reforma, em 2003. Agora, passa o tempo a ajudar um amigo que trabalha em aço inox para mobiliário. Todos os anos a família vai a Lamego, aos Rangers, porque adora a instituição".


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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série:

8 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3584: Recortes de Imprensa (10): Os ficheiros secretos de Coutinho e Lima, no Correio da Manhã, de 7/12/08

3 comentários:

Anónimo disse...

Boas.
Depois de ler intensamente a sua reportagem, leva-me a concluir, que ou está muito mal contado ou que então é realmente tudo mentira.
Pode também ser uma pobre interpretação de jornalista mas não parece ser o caso. Começando por fazer o curso de sargentos e depois passar a ser cabo miliciano, bem, está aqui uma grande incoerência.Tirar o curso de operações especiais (seria comandos?!) para depois engrenar numa "companhia" de cavalaria ( seria esquadrão?!), não parece muito lógico, mas isso sou eu a pensar.Nem vou comentar a parte da caçadeira...O grupo do Marcelino, também não seria o Marcelino da Mata e não seria antes um grupo de COMANDOS em vez de Operações Especiais??!! Muitas incoerências... Quem percebe minimamente do assunto não pode de deixar reparar nestes pormenores. Nem vou comentar o resto da entrevista. Este tipo de histórias e da maneira que estão escritas vêm trazer uma névoa de incerteza dos acontecimentos vividos pelos verdadeiros heróis da nossa guerra colonial.
Não chamo mentiroso ao sr Carvalho mas que a história está muito mal contada está...
Saudações

Anónimo disse...

Caro Anónimo:
1. Naquele tempo os instruendos dos Cursos de Sargentos Mil, terminados os cursos com aproveitamento, saíam cabos mil como os cadetes dos cursos do of mil saíam aspirantes. À data de mobilização, os cabos mil eram promovidos a Furriéis Mil e os Asp a Alf Mil. Pode parecer incoerência, mas era assim.
2. O Curso de Op Esp, vulgo "Rangers",não tinha nada a haver com o Curso de Cmds. Os militares habilitados com o curso de Op Esp eram incorporados nas diversas unidades, de inf, art, cav...aliás, da mesma forma, p ex, que os habilitados com os cursos de minas e armadilhas reforçavam as diversa unidades mobilizadas,independentemente da arma.
3. De facto, o gr que resgatou o piloto Ten Pessoa, segundo os relatórios militares da época e, conforme ele, melhor que eu pode confirmar, foi o gr do Marcelino da Mata, ao que julgo, na altura, sargento. Não era um gr cmds, era um gr especial, embora o Marcelino tivesse sido um dos primeiros cmds do Ex Português.
3. Quanto às outras questões que levanta, só o Carvalho pode responder. No entanto, do que eu tenho conhecimento, o Furriel Carvalho, tal como os que estiveram em Guileje na altura, viveu um dos períodos mais críticos da guerra na Guiné.
Penso que as questões que levanta são perfeitamente legítimas e este meu comentário vai no sentido de dar uma ajuda ao esclarecimento.
Cumprimentos do vbriote

Anónimo disse...

obrigado V Briote pelos esclarecimentos dados ao sr ANONIMO
eu nem ia responder pois há certas coisas que nem merecem resposta.
quanto ao sr anonimo e como mostra ter muito poucos conhecimentos militares á altura dos factos terei muito prazer em lhe explicar e provar quase tudo do que afirmei.
no caso de deixar de ser anónimo na proxima concentração do pessoal do blogue e estou a convidá-lo a aparecer e pode ser que aprenda umas coisas com este pessoal e comigo. pelo menos a não ter frases como : mentiroso e mau contador de histórias.
um abraço
Jose Carvalho
ex furriel miliciano de OPERAÇÕES ESPECIAIS.


PS
o marcelino da mata de "os vingadores de operarações especiais" está comigo numa foto de há 3 anos em 10 de junho e com a memória de elefante que tem lembra-se bem do episódio do furriel carvalho em guileje (o que tirou o curso de sargentos).o editor do blogue pode publicar (mais uma vez) a nossa foto do 10 de junho
abraços.