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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25929: In Memoriam (509): Rui Baptista (1949-2023), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1971/74)

I N  M E M O R I A M

RUI BAPTISTA (1949-2023)
EX-FUR MIL INF DA CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872
CANCOLIM, 1971/74

Hoje, dia 10 de Setembro de 2024, completaria 75 anos o nosso camarada Rui Baptista. Numa consulta à sua página do facebook, deparei-me com uns posts do ano passado com a notícia da sua morte em Fevereiro de 2023.

Face à notícia de todo inesperada, em nome da tertúlia e dos editores, enviei a uma das suas filhas, à Ana, o nosso pesar pela perda do seu ente querido.

O Rui Baptista apresentou-se à tertúlia em 30 de Novembro de 2009 com a mensagem da qual transcrevmos parte:

Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:


Caro camarada Carlos Vinhal,

Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. 

De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.

Sou Rui Baptista, ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.

Actualmente estou reformado. Tenho 69 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.

Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso. Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.

Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.

Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.
Rui Baptista em Cancolim
Rui Baptista em Bissau a aguardar o regresso à Metrópole
Na Ilha da Madeira, escala do navio Niassa a caminho de Lisboa

********************

Renovamos aqui a nossa solidariedade à família enlutada.
Quanto a nós, antigos Combatentes, cada vez somos menos. Quantos camaradas da tertúlia já terão falecido sem que saibamos?

CV

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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25928: In Memoriam (508): Joaquim Nunes Sequeira (O Sintra) (1944-2024), ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Brá, 1965-67)

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25842: (In)citações (269): Quantos somos ainda? (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)

Galomaro, 1973 > 3.º Natal do BCAÇ 3872 na Guiné

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2024:


QUANTOS SOMOS AINDA?

Talvez 500.000? Hoje não passamos de um retrato para aí numa gaveta e já nem nós nos reconhecemos.

No ultimo almoço do 3872 dei por mim a perguntar ao Félix do Pel Rec por ele, só depois de ver o olhar dele percebi que tinha metido a pata na poça.
Entre as desculpas por o não reconhecido logo, deitei as culpa para a PDI que resulta sempre.

Falamos mais de doenças do que paródias e aproveitamos para dizer mal dos governos com alguma razão.

Nas redes sociais fala-se das facilidades e dificuldades que temos em beneficiar de alguns créditos onde desaguam promessas do poder político que vão passando de mão em mão.
Não queriam mais nada que fosse reconhecido o serviço que em tempos fomos obrigados a fazer mas nem por isso dignos de recompensa.

Há dias o José Marcelino Martins publicou no facebook uma efeméride relacionada quando se mudou de armas e bagagens para Canjude. Termo que sempre ouvi mas nunca com tamanha objectividade. O José já deve constatar que hoje mandam-no para outras partes.

Quando regressamos, ignoraram-nos, hoje dizem “lá vêm eles falar do mesmo”. Mas será que não se cansam?
Que sabem eles da nossa sede, do nosso calor, das nossas privações de pequenas coisas, das nossas saudades se os que lá estiveram nada fizeram e estes que já são netos dos combatentes nada sabem?

É comum falar-se da gratuitidade dos museus mas ao que parece, nos que estão em mãos privadas não temos esse direito. Que a maior concentração dessas instituições se encontra nas grandes cidades e também que nos falta a vontade para nos deslocar até eles, já que na maioria, hoje somos mais pilotos experimentais de sofá e as pernas também não ajudam. Nas grandes cidades os passes para transportes públicos dizem que funciona bem.

Eu, fico-me pelo os meus afazeres com a família a visitas ao médico que não se pode abusar delas, supermercado, tenho vasto conhecimento de tudo o que é parque infantil da região pelos motivos que nós avós sabemos. Construo baloiços que ele derrete à medida que cresce e mais pesa, vou com ele às terapias e rego as plantas, coisa que ele frequentemente usa como urinol e assim, tento salvá-las de morte certa.

Há dias li que os combatentes iam ter direito a medicamentos grátis mas só em 2026. Acho bem porque assim como assim, ainda morrem muitos e são uns tostões que se poupam, é que por cá ainda se poupa nos alfinetes para se gastar nas lagostas.

Mas também reparei que as esposas e viúvas não serão incluídas nessa benesse independentemente do rendimento familiar. É injusto porquanto nós sabemos que muitas milhares de esposas sofreram com a nossa ausência e tiveram uma vida de sofrimento depois do nosso regresso.
O stress pós traumático e o alcoolismo, atiraram essas mulheres e também os filhos para o inferno individual que cada veterano transportava.

E fala-se, fala-se e fala-se... E eles não ouvem não ouvem…

Já por diversas vezes foi chumbada uma proposta de dar 50 € a cada combatente, o que para a esmagadora maioria seria uma preciosa ajuda nas suas magras reformas. Entretanto os governantes falam em milhões e milhares de milhões para aqui e para ali, a verdade seja dita, parece que muito desse dinheiro (quando as cativações estão na ordem do dia) chegam tarde ou nunca aos organismos beneficiários.

Ficam com a fama e o resto não interessa nada, porque a oposição di que não e eles dizem que sim. Ficam empatados e nós lixados.
Mas fica a intenção que é muito importante.

Só por uma vez que fosse, gostava que o beneficio fosse anunciado e executado automaticamente. Bem sei que o pobre desconfia da fartura mas...

Um abraço e não desanimem porque água mole em pedra dura tanto dá até que encharca tudo.

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Nota do editor

Último post da série de 1 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25423: Estórias do Juvenal Amado (64): A estória de David Leão que queria ser mobilizado para Angola para combater o IN que lhe matou o irmão em 1963

Memorial aos Combatentes de Gondomar, inaugurado em 1971


1. Em mensagem de 17 de Abril de 2024, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos a estória do seu camarada de Batalhão, David Leão, que depois de ver morrer o seu irmão mais velho em Angola, acabou mobilizado para a Guiné.

Caros camaradas
Cá estou a enviar o que recolhi sobre o meu camarada David Leão, de Rio Tinto, que foi parar à Guiné com a esperança de ir para Angola.

Juvenal Amado



José Carlos Cordeiro Pinto, trolha de profissão, natural de Rio Tinto, morreu em combate em 1963, 12 dias depois de desembarcar em Angola.

Os pais receberam a dolorosa notícia e também documentação, que livraria de mobilização qualquer filho quando chegasse a altura de ser chamado à vida militar.

O irmão David Leão, oito anos depois é incorporado no exército em 1971 no R14 de Viseu, fez a especialidade de Sapador de Infantaria no BC 3 de Bragança, acabando colocado no BC 5 Lisboa.

Mobilizado, apresentou-se em Novembro de 1971 no RI 2 de Abrantes, para formar batalhão. Este seria o seu destino, o BCAÇ 3872 que iria para a Guiné.

A mãe perguntava-lhe se ele tinha metido os papéis que o livrariam de uma mobilização, ele dizia que sim, mas no íntimo esperava ser mobilizado para Angola e ter oportunidade de combater contra quem lhe tinha matado o irmão. Uma ideia um pouco romântica e de difícil concretização na verdade.

O Batalhão 3872 embarcou para a Guiné no Angra do Heroísmo no dia 18 de Dezembro de 1971 e o nosso David vai integrado no Pelotão de Sapadores.

A promessa feita à mãe não passou disso mesmo de uma promessa.

O nosso camarada passou por aquilo que os outros passaram. Picagens, colunas, emboscadas, patrulhas nocturnas, armadilhar sítios para evitar infiltrações do inimigo, etc. No fim da comissão, em Janeiro de 1974, todo o Pelotão de Sapadores acabou por ser enviado para Buruntuma onde, sobre as ordens de Marcelino da Mata, foi encarregue da minagem em redor do referido destacamento.

Não foram boas noticias pois já tínhamos acabado a comissão, mas a zona leste junto à fronteira estava a ferro e fogo, e o comando achou no maior secretismo, enviar uma coluna para levar esses elementos bem como o equipamento necessário para o efeito.

O esperado ataque acabou por não vir porque o PAIGC acabou por atacar com foguetões outros destacamentos. Se não estou em erro, Canquelifá foi um dos premiados com a atenção do IN.

Felizmente para todos o camaradas, tudo correu bem e o regresso fez-se a Galomaro já o 3872 está espera de ser rendido, o que aconteceu em Fevereiro, acabando por embarcar em Março para Bissau.

A 28 do mesmo mês embarcou no Niassa, desembarcando em Lisboa no dia 4 de Abril de 1974.

Bem, é mais uma história com gente dentro, com os seus desejos e anseios talvez com uma grande dose de ingenuidade.

David Leão, na foto, o terceiro a partir da direita, sentado no chão

O David é figura presente sempre que pode nos almoços da CCS, embora com grande dificuldade pois tem que pedir boleia a quem vá o que nem sempre é possível.

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Nota do editor

Último post da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20510: Estórias do Juvenal Amado (63): Galomaro, 1972 - Outros Natais

domingo, 21 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25096: Blogpoesia (795): "Os sítios que são só recordações", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS / BCAÇ 3872

Galomaro depois de forte chuvada. Foto: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)


1. Em mensagem de 20 de Janeiro de 2024, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este seu poema:


Os sítios que são só recordações

Vivíamos para o futuro
Como se estes momentos fossem um interlúdio
Um compasso de tempo
Sabíamos da beleza que nos rodeava
Não sei se estávamos tão presentes para ela
Estávamos obcecados por outras paragens.
Depois veio a saudade.
Fizemos planos para voltar
Chamemos-lhe quimera dos sentidos
Utopia que construímos
Nunca reencontraríamos a nossa juventude
Há muito perdida naqueles lugares.


Juvenal Sacadura Amado
09/01/2024

A caminho do Dulombi
Pôr-do-sol
Pôr-do-sol

Fotos: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)
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Notado editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24665: Blogpoesia (794): "Lágrima de Sol", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

sábado, 13 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25066: In Memoriam (493): Falecimento do Capitão Miliciano de Artª da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), engº Fernando Pires (Luís Dias)




1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), enviou-nos  a seguinte mensagem:





           Falecimento do meu capitão
 

Perder um companheiro que esteve connosco na guerra, mas especialmente alguém que era um bom amigo é imensamente doloroso. Fui hoje informado por um dos seus filhos, que o Engº FERNANDO PIRES, ex-Capitão Miliciano de Artª, que comandou a CCAÇ 3491, pertencente ao BCAÇ 3872, faleceu no dia 11 de Janeiro, no Hospital de Cascais, aos 81 anos, devido a problemas respiratórios. 

Antes do Natal, tinha falado com ele ao telefone e tínhamos combinado encontrar-nos no fim deste mês, pois ainda estava em convalescença de uma intervenção cirúrgica melindrosa. 

A história militar deste meu amigo é um "produto" daqueles tempos em que estávamos em três frentes de Guerra. O meu amigo esteve no Serviço Militar Obrigatório, em 1963, com a idade normal com que se era "chamado" e serviu o percurso normal de um oficial miliciano da especialidade de artilharia e teve a sorte, pensava ele, de não ter sido mobilizado para o Ultramar. Terminado o seu tempo de serviço, voltou à sua vida civil, trabalhava na EFACEC, namorava e tinha a sua vida organizada e um futuro promissor. Contudo, em 1971, foi "re-pescado" para ir para a Escola Prática de Infantaria - Mafra, tirar o Curso Para Capitães (CPC) e mais tarde vir a ser mobilizado para a Guiné a comandar uma companhia de caçadores, jovens "chavalos", onde, a seguir ao 1º Sargento Gama, era o mais velho, com cerca de 30 anos e eu o "puto" mais novo.

O Capitão Pires dirigia uma companhia (cerca de 150 elementos), também 2 pelotões de milícias e era responsável por 250 elementos da população que viviam numa Tabanca anexa ao nosso aquartelamento, isto no Dulombi, Leste da Guiné, região de Bafatá. Foi o nosso comandante entre 18 de Dezembro de 1971 e 4 de Abril de 1974 e dirigiu a companhia com competência e elevado brio profissional, sem nunca deixar de ser um excelente ser humano. Soube das dificuldades que era comandar tanta gente, pois eu próprio fui comandante da mesma, nas suas ausências e férias, o que me foi muito útil, quando fui nomeado comandante do CIM de Bambadinca, em Agosto de 1973.

Depois de terminada a nossa comissão e seguindo cada um o seu rumo, encontrávamo-nos, de quando em vez, mas após o 1º Convívio da companhia, realizado no então R.I. nº2, em Abrantes, de onde partíramos para a Guiné, almoçávamos muitas vezes e íamos aos convívios juntos. 


Na foto, em 1º plano, o Capitão Pires, com o General Spínola, estando eu em 2º plano, no dia da inauguração do nosso quartel em Abril de 1972.

Caro amigo Fernando Pires, que descanse em paz e até um dia destes, para voltarmos a falar da amizade que nos uniu nesta "vida". 

Luís Dias 
Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25055: In Memoriam (492): Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004), ex-cap mil inf, cmdt, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74); natural de Coimbra, e reputado hidrogeólogo a nível nacional e internacional

domingo, 3 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24913: Efemérides (421): À beira de fazer 52 anos do embarque do BCAÇ 3872 para a Guiné, admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Em mensagem de 29 de Novembro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), relembra o triste ano de 1971, quando embarcou para a Guiné:

Vai fazer 52 Anos

À beira de fazer 52 anos volvidos a 18 de Dezembro de 1971, sobre o embarque do Batalhão de Caçadores 3872 no Angra de Heroísmo para a Guiné, tento lembrar o acontecimento e o que senti e admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino.

Talvez os anos que a guerra já durava tivessem o efeito anestesiante nos nossos sentimentos e medos. Assim assentei praça à beirinha dos 21 anos esperançoso de que tudo ia correr bem, tudo parecia um sonho mesclado entre a dúvida, a ignorância e a curiosidade que aquela aventura me trazia para a qual eu não tive vontade própria. Como milhares de jovens não escolhi, escolheram por mim.

As alternativas eram difíceis como me lembro. Fugir da incorporação era muito doloroso pelo que, acarretava o julgamento público de cobardia também a perca de cidadania dos lugares e da família, do emprego e de toda uma vida até aí programada.

Também pesou o tipo de guerra em fogo lento em que os mortos não eram parangonas dos jornais mas sim pequenas notícias perdidas nas suas páginas. Quando morria ou voltava gravemente ferido algum filho da terra era quase noticiado a meia voz. O tempo se encarregava de nos distanciar dos dramas que a perda causava. Muitas as vezes se instalaram as dúvidas se era verdade ou se tinha sido assim que aconteceu e se um dia destes ele não aparecia por cá.

Não me despedi dos meus país como se não fosse a ultima vez que os via. Disse-lhes até para a semana, pois ainda cá vamos fazer o IAO e só depois saberíamos a data de embarque.

Formámos batalhão em Abrantes e aí conheci e comecei a criar laços com os camaradas com quem ia conviver nos próximos dois anos. Na altura não sabíamos que alguns não voltariam vivos, mas isso estava longe das preocupações pois como eu muitos deviam viver o dia-a-dia sem pensar no tempo e o que íamos encontrar. A realidade se encarregou de afugentar medos e comprovar muitos dos nossos receios. A realidade era muito diferente do que imaginei, não digo para melhor nem para pior, era simplesmente surreal e muito improvisado. E era surreal porque muitas das coisas não faziam sentido, estávamos mal preparados, íamos aprender a combater como os trolhas aprendem o ofício de pedreiro a alombar baldes de massa e tijolos.

Não abundava a confiança, por outro lado a vida fluía, bebíamos, jogávamos, discutíamos e cumpríamos as tarefas sem caracter de urgência, as centenas de vezes que as cumpríamos isolava-nos do perigo real, que estaria um dia à nossa espera de certeza com resultados funestos. Não aconteceu só aos outros.

Que jovens eram aqueles? O que deviam à Pátria que tão mal os tinha tratado, com trabalho infantil pesado nos campos e nas fábricas, falta de oportunidades para estudar e no fundo a ansiar pelo fim do serviço militar obrigatório para que os deixassem em paz e muitos milhares emigrarem em busca de oportunidade que este país não lhes dava?

Ligava-nos a língua, o sangue e a vontade de regressar sãos e salvos.

Quantos anseios ficaram por cumprir, quantos filhos conheceram os pais quando já andavam, quantos filhos não chegaram a conhecer os pais?
Dezembro de 1971 > Partida do BCAÇ 3872 para a Guiné no navio Angra do Heroísmo

Regressámos não como heróis libertadores, mas como fazendo parte da máquina opressiva que nos dominava. Fomos olhados de lado e escarneceram do nosso sofrimento. Tentamos esquecer o mais rapidamente possível, só nunca nos esquecemos uns dos outros.

Aquele tempo funcionou como uma grande família se tivesse formado, dela saíram milhares de irmãos, que ainda hoje são motivo para encontros onde brindamos ao tempo, outro tempo e a outra idade. De facto fomos mas nunca regressamos inteiramente de lá, mas relembrar o passado não implica vivermos presos a ele.

Estes 52 anos passaram a correr, não sentimos o peso físico das peripécias que ultrapassamos, são só datas, que passaram como escolhos no caminho, pois foi assim que ele foi feito.

Dezembro de 1971 > A bordo do Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Os relógios contaram tempo
O tempo marcou os dias
Os dias somaram calendários
Dos calendários desprenderam-se as folhas
E, nós ficamos nus
Despojados como Plátanos no Inverno
Porque os relógios nunca param

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24880: Efemérides (420): A 35ª CCmds (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73) partia, há 52 anos, às 11h00, para o CTIG no T/T Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, Aveiro)

domingo, 4 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23844: Blogoterapia (308): As desejadas férias e a angústia do regresso à Guiné (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

1. Em mensagem de 1 de Dezembro de 2022, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos das suas férias na metrópole e na angústia do regresso  Guiné.


As desejadas férias

Gozei os meus trinta e cinco de férias entre Outubro e Novembro de 1972.

As férias eram ansiosamente esperadas e assim eram, não muitas vezes, um pouco decepcionantes em relação às expectativas criadas. É como desejar muito uma coisa, que se transforma num balão e que esvazia lentamente. O facto de ter de regressar tirou muito do prazer de voltar a casa, abraçar os meus pais e irmãos, percorrer os locais beber um café na esplanada do Trindade, estar longe da bianda com estilhaços, das latas com cavala, da ração de combate, o pó da picada. Tudo sabia a ilusão estar ali.

Bem sei que praticamente todos os amigos da minha geração estavam a cumprir as suas comissões. Quando ia ao café,  era quase um estranho só os mais velhos ou mais novos me conheciam.

Por assim dizer a minha vida estava parada, não podia ou não queria ter esperança ou dar esperança, aos que me rodearam com todo o carinho e que tudo fizeram para não me sentir deslocado, mas de alguma forma eu também estava ausente como se não tivesse vindo todo no 727 da TAP . Parte de mim tinha ficado lá, junto dos camaradas nos dias tórridos, nos cheiros bem como nos sons que se expandiam pelo ar logo de madruga.

Hoje encontrei o recibo de uma prestação da minha viagem, 2.235$50 julgo que (pesos) escudos da Guiné. Uma pequena fortuna para aquele tempo, se fizer as contas custou todo o dinheiro que cá ficava depositado até à data.
Uma curiosidade era ter a data do meu desembarque e o fim da comissão para 17 de Setembro de 1973 . Uma espécie de futurologia falhada uma vez que só em finais de Março de 1974 o meu batalhão embarcou no Niassa de regresso a casa.

Vim mais o furriel Fonseca e um camarada do Dulombi a quem chamavam o “Espanhol”. Este camarada era uma pessoa extremamente alérgico a qualquer picada. Assim bastava ser picado por uma formiga daquelas pequeninas pretas para ficar complemente deformado. No avião sentiu-se indisposto e a hospedeira veio com um alka-seltzer. Bom, a reacção alérgica foi de tal ordem, que julgamos que ele não chegava vivo à ilha do Sal. Também viajou no mesmo avião o meu colega de escola primária, Augusto, que estava nos comandos.

Como todos imaginam foi uma festa com uns whiskies, porque o avião era coisa fina e não se bebia lá bejecas nem se comia mancarra.

Fui padrinho de casamento do meu irmão e assim à medida que se aproximava o regresso mais fechado eu me tornei e para os últimos dias eu só desejava desaparecer dali para fora e, já que tinha que ser regressar a Galomaro, que fosse o mais depressa possível.

Parece triste para quem tanto desejou a minha companhia saber que eu não conseguia viver com aquela espada suspensa sobre a cabeça.

Chegado a Bissau, outro problema se pôs que foi o de regressar a Galomaro,  o que não era fácil porque a grande via de acesso era o Geba e não se podia ir a nado. Após alguns dias consegui transporte numa LDG até ao Xime onde fui recolhido por uma coluna do meu batalhão.

Por estranho que pareça senti-me seguro como se o que acontecesse não fosse o esperado.
Foto da festa do meu regresso. Nessa noite atacaram Campata com pelo o menos seis mortos confirmados entre os guerrilheiros, dois milicias e varios feridos entre a população. Na foto estão o Ivo, o Catroga, o Silva, eu, o Passos, o Silva e o Ferreira.

Assim regressei a tempo de infelizmente assistir ao período mais difícil do meu destacamento, com ataques a aldeias em auto-defesa, com minas, com o primeiro morto na picada do Saltinho, com a morte do alferes Mota e por fim com o ataque ao arame no dia 1 de Dezembro.

Quando regressei de vez, voltei aos mesmos sítios e encontrei os que já tinham regressado. O ar era mais leve porque a minha ansiedade tinha desaparecido após deixar o Niassa, agora era para ficar.

Um abraço
Juvenal Amado

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23835: Blogoterapia (307): Nós e eles (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16)

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21535: (Ex)citações (378): Talvez por causa de Madina do Boé... (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR, CCS / BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da  autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 9 de Novembro de 2020:


TALVEZ POR CAUSA DE MADINA DO BOÉ

Talvez como consequência do abandono de Madina do Boé e o grande espaço de progressão que ficou livre até à zona de Galomaro, resultou em 5 mortos no local e mais 3 em consequência dos ferimentos, em emboscada feita à CCS/BCAÇ 2912 nas Duas Fontes em Outubro de 1971.

A CCAÇ 3491 - Dulombi - Fevereiro de 1972

Logo no período de transição teve um encontro de frente durante uma patrulha com IN, do qual só por milagre não resultaram baixas, mas cantis e casacos furados por balas, foram vários tal a violência de parte a parte.

CCAÇ 3489 - Cancolim - 1972/73

Depois seguiu-se Cancolim. Já depois de duas flagelações, a 2 de Março de 1972, Cancolim foi fortemente atacada com morteiros 82 mm tendo daí resultado a morte dos seguinte camaradas:

José António Paulo - 1.º Cabo Atirador - natural de Mirandela.
João Amado - Soldado Aux. Cozinheiro - natural de Carvide - Leiria.
Domingos do Espírito Santo Moreno - Soldado Atirador - natural de Macedo de Cavaleiros.

No final de 1972 a CCAÇ 3489 tinha 60 operacionais.

Não ficou por aí e, assim, morreram ainda em combate, alguns já em 1973:

António Martinho Vaz - Soldado Atirador - natural de Grijó da Parada - Bragança
Álvaro Geraldes Delgado Ferrão - Soldado Ap Morteiro -natural de Silvares - Fundão
Domingos Moreira da Rocha Peixoto - Soldado Atirador - natural de Alto da Vila - Duas Igrejas - Paredes
Califo Baldé - Soldado Milícia - natural de Anambé - Cabomba - Bafatá
Samba Seide - Soldado Milícia - natural de Anambé - Cabomba - Bafatá

Juntamos a este numero duas deserções (um capitão e um alferes) e a captura do Soldado António Manuel Rodrigues, que veio a fugir do cativeiro para o Saltinho já nós estávamos para embarcar para a Metrópole.

CCAÇ 3490 - Saltinho - 1972

Armandino da Silva Ribeiro - Alf Mil Inf - natural de Magueija - Lamego
Francisco de Oliveira dos Santos - Fur Mil Inf - natural de Ovar
Sérgio da Costa Pinto Rebelo - 1.º Cabo Ap Metralhadora - Vila Chã de São Roque - Oliveira de Azeméis
António Ferreira [da Cunha] - 1.º Cabo Radiotelegrafista - Cedofeita - Porto
Bernardino Ramos de Oliveira - Soldado Atirador - Pedroso - V. N. de Gaia
António Marques Pereira - Soldado Atirador - Fátima - V. N. de Ourém
António de Moura Moreira - Soldado Atirador - S. Cosme - Gondomar
Zózimo de Azevedo - Soldado Atirador - Alpendurada - Marco de Canaveses
António Oliveira Azevedo - Soldado - Moreira - Maia (**)
Demba Jau - Soldado Milícia - Cossé - Bafatá
Adulai Bari - Soldado Milícia - Pate Gibel - Galomaro - Bafatá
Serifo Baldé - Assalariado - Saltinho - Bafatá

Juntar o soldado António Baptista feito prisioneiro, bem como os diversos feridos com mais ou menor gravidade.

CCS/BCAÇ 3872 - 1972/73

Manuel Ribeiro Teixeira - 1.º Cabo Rec e Inf - natural Cimo da Vila - Varziela - Felgueiras - Vítima de mina antipessoal na estrada do Saltinho.
Mamassaliu Baldé - Soldado Milícia - natural de Cossé - Bafatá
Mama Samba Embaló - natural de Cossé
Ila Bari - Soldado Milícia - natural de Campata - Nossa Senhora da Graça - Bafatá
Alberto Araújo da Mota - Alf Mil TRMS - natural de Curral - Pico de Regalados - Vila Verde - Evacuado com hepatite, morre 2 dias depois em Bissau. 

Antes tinha sido evacuado o Soldado Radiomontador Carlos Filipe e aos 20 meses de comissão é igualmente evacuado com a mesma maleita o Alferes da ferrugem Amadeu.

Para fechar o ano de 1972 foi a CCS/BCAÇ 3872 violentamente atacada ao arame no dia 1 de Dezembro.

Em 1973 uma mina na estrada do Dulombi destrói Unimog e fere gravemente o meu camarada Falé que é evacuado e já não volta.

De referir o aparecimento de minas na estrada do Dulombi e ataques em Bangacia, Campata e Cansamba, tudo na região das Duas Fontes (entre 6 e 9 km de Galomaro).

Posteriormente a CCS bem como Cancolim foram reforçados com pelotões de Dulombi em retracção, que também reforçam operacionalmente Nova Lamego. Fomos também ajudados com grupos de intervenção independentes bem como com Paraquedistas.

Tendo o meu batalhão chegado à Guiné na véspera de Natal de 1971, a sua partida só se viria a efectivar em 28 de Março de 1974. Escrevo isto para situar o período das minhas narrativas e assim dar a perspectiva da alteração e da intensidade da guerra a que estivemos sujeitos. A violência, bem como o equipamento utilizado contra nós, foram assim sendo alterados de região para região.

Enquanto o alcance da nossa artilharia era ultrapassada largamente pelo o alcance da artilharia do PAIGC, também nos vimos privados da normal utilização de meios aéreos, pese a grande coragem com que os pilotos se forçaram a voar após serem confrontados com uma arma da qual ignoravam tudo, ou quase tudo.

E passo citar o TenGeneral António Martins de Matos no seu livro Voando Sobre Um Ninho De “Strelas”:

A guerra estava a entrar numa nova fase, nada de emboscadas e confrontos directos mas sim, de duelos de artilharia e seria de esperar o aparecimento de uma aviação rebelde/mercenária.

Duelos de artilharia? Interroga-se o autor. A grande maioria desses obuses  estavam no Sul, autênticos monos da II Guerra com alcance não superior a 14.000 metros. Na maioria dos quartéis da Guiné só tinham direito a morteiros 81 mm (4000 metros) e ainda 11 morteiros 105 mm espalhados por diversos sítios de alcance igual.

O PAIGC usava o 120 (5700 metros) depois haviam os foguetes 122 mm (20.000 metros) e a breve trecho emprestados por Sekou Touré, peças de 130 mm (27.000 metros) e enquanto a artilhara utilizada pela guerrilha só podia ser posta em causa pelo aparecimento da nossa força aérea. Estas últimas peças fariam fogo directamente do Senegal e da Guiné Conácri e sete dos nossos aquartelamentos ficariam assim debaixo de fogo.

Tudo isto para relembrar que aquela guerra era intensificada consoante interesse do PAIGC, uma fez que lhe chegavam abastecimentos cada vez de maior qualidade e quantidade, enquanto a nós há muito enfermávamos de uma penúria franciscana.

PS: Publico os nomes dos nossos mortos porque lembrá-los é honrá-los e é uma obrigação registar os nomes de quem na flor da idade nos deixou.

*******************

O António Tavares que pertenceu à CCS do BCAÇ 2912, que nós fomos render, sobre a emboscada das Duas Fontes fez-me chegar a correcção sobre o numero de mortos e assim: 

Na emboscada morreram 5 militares e posteriormente três dos feridos que foram evacuados vieram a falecer em resultado dos ferimentos.

Os mortos foram oito e não seis como eu tinha inicialmente escrito.

Da parte do ex-Alf Mil Luís Dias, que chegou a comandar a companhia do Dulombi, chegaram-me estas informações mais precisas sobre a actividade operacional do Batalhão 3872.

CURIOSIDADES OU NOTAS SOBRE A NOSSA ZONA

Podemos verificar que os 4 quartéis do Batalhão sofreram 22 ataques/flagelações (CCS-1; CCAÇ 3489 - 12; CCAÇ 3490 - 0 e CCAÇ3491 - 9) e que as Tabancas das nossas populações em redor dos nossos aquartelamentos sofreram 23 ataques/flagelações, sendo que 9 deles foram contra populações indefesas e num acto de salteadores de estrada, o IN roubou dinheiro e bens a 16 elementos da população que transitavam na picada Saltinho-Galomaro.

BCAÇ 3872

FLAGELAÇÕES E ATAQUES AOS NOSSOS QUARTÉIS

CCAÇ 3489 - CANCOLIM

8 Flagelações em 1972 (1 delas c/ 3 mortos, 5 feridos graves e 5 feridos ligeiros)
2 Flagelações em 1973
2 Flagelações em 1974

CCAÇ 3490 – SALTINHO

Não sofreram quaisquer ataques ou flagelações durante a comissão

CACAÇ 3491 – DULOMBI

3 Flagelações em 1972
4 Flagelações em 1973
2 Flagelações em 1974

CCS - GALOMARO

1 Ataque/flagelação em 1972 c/1 IN morto confirmado e prováveis feridos IN

MINAS ACTIVADAS E DETECTADAS

Cancolim: Mina A/P reforçada accionada c/1 morto e 1 ferido+mina A/C accionada c/12 feridos graves, 1 ferido ligeiro e 2 feridos pop.+2 minas A/P levantadas
Saltinho: 3 minas A/C levantadas e 1 A/P levantada
Dulombi: 2 minas A/C levantadas e 2 minas A/P levantadas
Galomaro: 1 mina A/P reforçada accionada c/1 morto+1 mina A/C reforçada accionada c/1 ferido grave

EMBOSCADAS/CONTACTOS/FLAGELAÇÕES AUTO

CCAÇ 3489 - 1 contacto com o IN, após flagelação ao quartel, em 1972+1 emboscada aos milícias em Anambé, em 1973 c/2 mortos e 1 ferido
CCAÇ 3490 - 1 emboscada no Quirafo c/ 9 mortos+1 milícia e 2 civis+1 militar capturado. 1 emboscada c/feridos e mortos do IN+1 contacto do IN c/milícias de Cansamange
CCAÇ 3491 - Flagelação numa operação no Fiofioli+1 emboscada/contacto com 4 feridos ligeiros nossos e mortos do IN (s/confirmação de quantos, mas a rádio do PAIGC referiu que tínhamos tido 8 mortos e eles também tinha tido mortos+1 emboscada/flagelação junto à recolha de águas no Dulombi+2 flagelações a coluna de escolta e protecção na estrada Piche-Buruntuma.
CCS - Contacto entre forças milícias e o IN, após ataque a Campata c/elemento IN capturado.

ATAQUES A TABANCAS EM AUTO-DEFESA E TABANCAS INDEFESAS

- Tabanca indefesa de Bambadinca/Cancolim, em 25/1/72;
- Tabanca indefesa de Mali Bula/Galomaro, em 1/2/72;
- Tabanca de Umaro Cossé/Galomaro, c/2 feridos civis, em 7/12/72;
- Tabanca de Campata/Galomaro, em 20/6/72;
- Tabanca indefesa de Sinchã Mamadu/Saltinho, na mesma data de 20/6/72;
- Tabancas indefesas de Sana Jau e Bonere/Saltinho, em 30/6/72;
- Tabanca de Cassamange/Saltinho, em 15/7/72;
- Tabanca indefesa de Guerleer/Galomaro, c/ morte de 3 prisioneiros civis e 1 ferido grave, em 27/7/72;
- Tabanca de Patê Gibele/Galomaro c/ 1 sarg. milícia morto+1 ferido grave e 2 feridos ligeiros da pop., em 11/8/72;
- Tabanca de Anambé/Cancolim c/1 morto (CCAÇ 3489)+3 feridos também da mesma CCAÇ, que ali estava de reforço, em 5/9/72;
- Tabanca de Sinchã Maunde Bucô/Saltinho, c/3 feridos IN confirmados, em 20/9/72;
- Tabanca de indefesa de Bujo Fulpe/Galomaro, em 26/9/72;
- Tabanca ainda indefesa de Bangacia/Galomaro, com 1 milícia e 2 civis mortos, no mesmo dia (26/9/72);
- Tabanca de Dulô Gengele/Galomaro, com 3 mortos IN confirmados e 3 mortos civis (que tinham sido feitos prisioneiros antes do ataque e que foram abatidos+1 ferido grave e 1 ferido ligeiro dos milícias e 4 feridos graves da pop e 5 feridos ligeiros da pop., em 17/10/72;
- Tabanca indefesa de Sarancho/Galomaro, com 2 mortos civis e 2 feridos civis;
- Tabanca indefesa de Samba Cumbera/Galomaro, c/1 ferido grave da pop., em 13/11/72;
- Tabanca de Cansamange/Saltinho, 17/12/72;
- Picada Saltinho-Galomaro c/16 elementos da pop. capturados e roubados dos seus haveres (dinheiro), em 18/1/73;
- Tabanca de Bangacia/Galomaro, c/2 mortos civis+2 feridos civis+2 feridos milícias, em 1/2/73;
- Tabanca de Campata/Galomaro, c/5 mortos do IN e 1 capturado+3 mortos milícias e 3 mortos civis, em 16/3/73;
- Tabanca de Sinchã Maunde Bucô/Saltinho, em 14/5/73;
- Tabanca de Bangacia/Galomaro, em 18/9/73;
- Tabanca de Madina Bucô, em 20/1/74.

09 de Novembro de 2020 às 21:26
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Nota do editor

Último poste da série de17 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21457: (Ex)citações (377): As visitas da D. Cecília Supico Pinto ao leste da Guiné (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

domingo, 29 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20510: Estórias do Juvenal Amado (63): Galomaro, 1972 - Outros Natais

1. Em mensagem de hoje, 29 de Dezembro de 2019, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos mais uma das suas estórias, esta passada no Natal de 1972.


OUTROS NATAIS

O Natal é uma época que traz ao de cima o que há melhor de nós e em que temos a sensibilidade mais à flor da pele.
É ponto assente.

Somos assaltados por recordações de Natais passados, diferentes, saborosos tendo em conta, que éramos mais jovens, onde muitos dos nossos entes queridos participavam e hoje são só recordação e saudade.

O consumismo e as televisões emboscadas espreitam para dentro das nossas compras divulgando o que compramos e o que vamos comer e por vezes onde o vamos comer.
As tragédias dos outros e para as quais não haverá nunca remédio, são sempre bem assunto para se escarrapachar se bem, que daí nada resulte na mudança da vida dessas pessoas para além dessa noite.

Para mim é um exercício marcado pela extrema falta de respeito para com os visados, que estão sós nessa noite da família. As razões que levaram à rua estas pessoas por vezes de extratos sociais bem diferentes, não são facilmente catalogados, embora nesta época se olhe para eles de forma diferente e haverá quem nunca olha para eles senão nesta altura. Mas fazer alguma coisa por eles também serve de expiação, conforta-nos, dá-nos uma visão de dever cumprido, quando afinal as nossas escolhas no tipo de sociedade cada vez mais desumanizada e materialista onde duvidamos cada vez mais das intenções dos outros, provocam essa mesma exclusão.
Diz-se que fazer algo pelo nosso vizinho ajuda a mudar o Mundo, pelos resultados é o mesmo que acreditar, que uma borboleta bate as asas na Ásia e provoca uma tempestade no Continente Americano.

Celebramos o nascimento de um menino pobre, perseguido e também refugiado, que os pais procuraram segurança para ele noutro país. No fundo é o que procuram os refugiados de todo o Mundo e, é doloroso defendermos esses valores e aplicarmos outros, condenando milhares de seres a vidas miseráveis à separação e à morte. Os meninos daquela terra, bem como de outras terras, continuam a ser perseguidos e mortos, perante a indiferença dos poderes vigentes, pese as grandes intenções nas palavras comovedoras dos discursos de ocasião.

As razão das migrações são profundas, talvez não seja o local indicado aqui para se aflorar o tema, se bem que ninguém é dono da razão absoluta e seria frutífero que cada um pensasse no assunto longe dos comentários facebookianos.

Após este intróito passo a contar uma história com 47 anos e da qual só tomei conhecimento neste ultimo dia de Natal.

********************

Estávamos Galomaro em 1972, tinha sido um ano ruim para o nosso Batalhão com mortos no Saltinho e Cancolim, e a CCS do 3872 também não tinha escapado, pois em Novembro tivemos um morto numa mina, passado uma semana outro por doença e mais uma semana um ataque ao arame felizmente sem consequências graves para nós.

Era segundo Natal à porta longe das nossas famílias e ainda não sabíamos que lá passaríamos outro.
O Furriel Sapador Fernandes estava de regresso das suas férias e de que se havia de ter lembrado em boa hora? Já que não tinha levado muita roupa e também não precisava de trazer pensou:
- E seu levasse alguma coisa de diferente para a malta?
Se assim o pensou melhor o fez e dirigindo-se a uma mercearia fina que havia em Mangualde, resolveu comprar frutas cristalizadas, pinhões, amêndoas, avelãs etc, ingredientes com os quais se confecciona o bolo-rei tão apreciado e tão ligado às nossas tradições natalícias.

Falou com o nosso Furriel Enfermeiro Graça, que estava ligado familiarmente ao ramo da panificação, que lhe deu algumas indicações e conselhos de como se fazia o afamado bolo.

E assim, no dia combinado com o padeiro Léo, que não faço ideia como é que foi ocupar esse posto uma vez que era carteiro na vida civil e na tropa pertencia ao Pel Rec. Sem desprimor para nenhum padeiro ele era excelente a confeccionar uns pães individuais, que para além de serem bem saborosos, nas sandes vendidas na cantina, acompanhavam as rações de combate e evitavam o desperdício, que acontecia com o pão grande que a malta do miolo fazia bolas para atirar uns aos outros.

O Léo disse que dava bem para mais de uma dúzia de bolos-reis o que encheu de satisfação o Fernandes.
Às escondidas pela noite dentro, o Furriel Sapador, que nada percebia de fazer pão, acabou como pasteleiro a confeccionar bolo-rei, que como se bem se sabe não é para todos.

E que bolo maravilhoso.
Sabia a tudo que tínhamos cá deixado, lembrava o perfume das nossas casas, transportava-nos para uma realidade bem diferente. Tudo mercê da inspiração de quem pensou nos cento e muitos homens naquele pontinho do Mundo, quando resolveu trocar outras coisas da maleta da TAP por aquela ideia solidária, que faz de nós camaradas mais que irmãos, como tão bem descreve o escritor António Lobo Antunes.

A surpresa foi geral, a felicidade estampada nos nossos rostos deve ter sido a melhor prenda que aquele jovem furriel, que também escondia uma apuradíssima sensibilidade, acusado de ser tão exigente com os seus soldados recebeu na vida.

Como eu, penso que a grande maioria não soube até ontem e se de facto se temos sabido naquela hora como bem diz o nosso camarada Luciano (ex-TRMS), o tínhamos atirado ao ar e carregado em ombros.

O nosso comandante também não escapou à satisfação geral e desconfiando da fartura, mandou chamar o Fernandes para saber como raio tinha sido aquilo feito? Ele contou-lhe e perguntou-lhe se tinha gostado. O rosto do Coronel José Maria de Castro e Lemos alargou-se num grande sorriso (coisa rara nele) disse que tinha sido a melhor prenda de Natal da sua vida.

Nunca mais me esqueci, mas só agora sei a verdadeira história e não resisto a contar o segredo daquela noite mágica em que aconteceu o milagre de bolo-rei na ceia de Natal em Galomaro, na zona Leste da Guiné, o que prova que o Natal não é só quando um homem quer, mas especialmente como o quer, e a prova disso foi o Fernandes fazer a diferença.

Um abraço

PS: - Pedi a devida autorização ao Fernandes, que para além de excelente fotografo é caçador inveterado e continua a exercer a profissão de topografo para além de cultivar amizades.

Bem haja por tudo.
Juvenal Amado


O Fur Mil Sapador António Maria Fernandes com o resultado de uma caçada

 O Fur Mil Sapador António Maria Fernandes com o 2.º Sarg Silva da "Ferrugem"

O Fur Mil Sapador António Maria Fernandes com o Pelotão de Sapadores. É o primeiro à direita, de pé.

Fur Mil Sap António Maria Fernandes com os Fur Mil Claudino, Sousa e Marques, e 2.º Sarg Silva

 Fur Mil Enfermeiro Graça

O famoso bolo-rei num prato

Além dos camaradas já ref. está também o Pereira Nina da Liga que me parece ter começado o processo da minha ida lá

O 3872 presente. Pereira, Dulombi; Alcains, CCS; Juvenal Amado; João Romano, Saltinho e Cansamba; Fernandes e Luciano, CCS
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19029: Estórias do Juvenal Amado (62): O Vilela, num conto com bolinha vermelha

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20470: Blogpoesia (651): A G3 e a ingratidão (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 2 de Dezembro de 2019:



A G3 E A INGRATIDÃO

Caros camaradas,

Vieram há tempos notícias de finalmente a G3 ia ser substituída no Exército Português.

A notícia tem o valor que tem, uma vez que a nós que carregamos com ela quase três anos isso agora para além do valor sentimental já não nos afecta. Decerto as milhares de G3, que foram usadas por nós já devem ter sido vendidas há muito tempo para alguns conflito regional, onde lhes continuaram a dar uso. Se assim não fosse muito me admiraria.

Tive três: Uma na recruta, outra na especialidade novinha em folha, finalmente a última com que privei na Guiné e fez precisamente no dia 1 de Dezembro 47 anos, que a usei com intuito de me defender de um ataque ao arame.

Por estranho que pareça a que me foi dada no Cumeré e que usei em zona de conflito, era a mais velha de todas com coronha mais protector do cano em madeira, a tinta preta mate que compunha a camuflagem evitando brilhos incómodos que já tinham passado por melhores dias. Julgo que era uma arma de 1962 por isso, com dez anos quando me chegou às mãos. Ao que julgo as armas também não se querem velhas.

Mas pronto, isto tudo para dizer que quando a entreguei foi um alívio e que até hoje não senti saudades. Compreenderei que este meu desprendimento cause a impressão de que eu sou mal-agradecido a muitos camaradas, que por alguma razão a idolatram por serviços prestados aos mesmos, mas opiniões são opiniões e eu, nunca escondi que preferia ter tido uma arma mais pequena, mais leve e com maior cadência de tiro para as eventualidades.

Será quase como ter saudades da caneta de molhar no tinteiro da escola primária, quando já temos uma caneta de tinta permanente mal comparado mas é um bocado assim. Mete algum dó ver os nossos militares em zona de conflito a correr atrás dos insurgentes em África, armados com aquele artigo já na linhagem dos canhangulos com dezenas de anos e não tem comparação com o moderno e sofisticado equipamento do exército, que parecem ombrear com a Guerra da Estrelas “Star Wars em amaricano” onde só os manhosos dos Jedi usavam uma arma “espada” que parece mais antiga que a G3.

Assim para quê mentir e dizer que não me juntava aos com ar guloso miravam as kalashnikov's com os seus carregadores curvos com mais doze munições que a G3, que de vez enquanto eram atavio de tropas de elite que nos visitavam em Galomaro? Quando fui entregar material de guerra a Bissau iam algumas na bagagem e, quando entrei no paiol onde eram guardadas, fiquei abismado com a quantidade delas reluzentes ao lado das PPSH e dos lança-roquetes, que eram para ali encaminhados depois de capturados.

Mas finalmente parece que é desta, tendo em conta que ainda lá estávamos e já se falava na sua substituição, se entretanto não for agora, será noutra altura, porque a esperança mesmo que legitima e a pressa não combinam.

Não verterei uma lágrima
Não tenho saudades de ti
Do desconforto do teu peso
Da forma como me sacudias o corpo
Do teu tamanho nada maneiro
Não prometeram melhor, bem sei
Mesmo assim dormi contigo na cama
Levei-te ao Libanês e comi contigo à mesa
Limpei-te e acariciei-te
Nunca esperei grandes veleidades
Só desejava que ao menos não me falhasses
Um dia meteste-me em trabalhos
Disparei-te sem querer
Surpreendias-me sempre com o teu estampido
Foi para o ar, mas mesmo assim imperdoável
Qual cavaleiro justiceiro o Castro, empunhou a bengala
Um brado ecoo pelo terreiro - estás lixado pá
Mas a bengala parou no ar
Castigado com reforços lá estiveste ao meu lado
Ingrato, entreguei-te para abate
A partir daí pude andar com as mãos nos bolsos
Nunca mais em ti pensei
Mesmo com o carregador sem balas
Imagem que perdura vi-te dar flor
Esta imagem que te reaproxima de mim.
No dia inicial e limpo*
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*Excerto do poema de Sofia de Mello Andersen, "25 de Abril"

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20457: Blogpoesia (650): "Igreja Matriz", "Palavras perdidas" e "Diametralmente oposto", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

terça-feira, 7 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19758: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (5): quem se lembra do fur mil op esp / ranger Eusébio, da CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872, Saltinho, 1972 /74 ?


Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > 1972 > Parada do quartel > O Pel Caç Nat 53, comandado pelo alf mil Paulo Santiago, estava aqui em reforço da unidade de quadrícula - originalmente a CCAÇ 2406, 1968/70, que pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca, depois a CCAÇ 2701 (1970/72) a que pertenceu o alf mil Martins Julião,  e a seguir a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), a companhia do cap mil Lourenço  e do alf mil Armandino, vítima da tragédia do Quirafo, em 17 de Abril de 1972. A CCAÇ 3490,por sua vez, foi rendida pela  3ª CCAÇ / BCAÇ 4518/72, em 7 de março de 1974.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Quinze anos a blogar desde 23/4/2004!... Vamos a caminho de 20 mil postes, faltam duzentos e poucos para se lá chegar... Está, na atura, de revistar alguns dos nossos postes mais antigos... a pensar sobretudo nos nossos leitores mais recentes e nos "periquitos" da Tabanca Grande... 

Hoje lembrámo.nos de reproduzir aqui  de um dos primeiros postes, o post XLIII (43, em numeração romana), com data de 4 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIII: Antologia (1): O que era ser periquito (*)...

Na altura o nosso editor LG escreveu, premonitoriamente, o seguinte:

"Há páginas na Net que correm o risco de desaparecer... Miseravelmente. Como aconteceu com as páginas no Portal Terrávista. O maior portal, em língua portuguesa, da segunda década de 1990.

"Algumas das páginas que encontramos na Net têm um maior ou menor interesse documental para a história da guerra colonial na África Portuguesa. Por exemplo, mostram, com maior ou menor propriedade, rigor e talento, o que era a vida de um tuga na Guiné. Por isso merecem ser objecto de antologia.

"Hoje seleciono aqui a página de um ranger, que esteve na Guiné entre 1971 e 1974. É um ranger convicto, endoutrinado, disciplinado, como mandava a puta da sapatilha. A guerra acabou, não serei eu seguramente a alimentar as idiotas rivalidades que levaram a troca de insultos e até a confrontos físicos, em Bissau, entre a tropa de elite (paras, comandos, fuzileiros, operações especiais) e o resto: a tropa-macaca (como a CCAÇ 12 ou a CCAÇ 3) ou os cassanhos (como a CART 1690, do Alferes Lopes)"


Bom, na altura (, em junho de 2005), essa página estava alojada num portal entretanto suspenso (Cidade Virtual). O seu endereço original era: http://sapo.telepac.pt/rangers/Guine/Guine1.htm

O sítio apresentava-se como a "página não-oficial" dos rangers, cuja associação (a Associação de Operações Especiais, criada em 1980, e com sede em Lamego) tinha um sítio próprio (,que, nesta data, 7 de maio de 2019, não está disponível, por estar "em manutenção": www.aoe.pt.

A página do ranger Eusébio passou, entretanto, a ficar alojada no portal Planeta Clix (http://rangers.planetaclix.pt//).  

Entre junho de 2005 e setembro de 2006, o nosso editor LG revisitou essa págima, mas "estranhamente, voltou há dias a eclipsar-se" (, ou seja, por volta de setembro de 2006)...  Daí o interesse em recuperar o seu conteúdo inicial (*),  até por que o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, que esteve no Saltinho entre 1972 e 1973, veio depois contestar alguns dos factos aqui descritos (**).

II. Mas vejamos o que nos contava o periquito e ranger Eusébio sobre a ida para (e estadia em) a Guiné, integrado, segundo tudo indica, na CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) (*):

1. Começa por escrever o nosso ranger:

"A viagem durou aproximadamente cinco dias a bordo do navio Niassa e decorreu sem incidentes, com chegada ao largo do porto de Bissau ao anoitecer do dia 24 de Dezembro de 1971.

"Ali aguardámos, fizemos a nossa ceia da noite de Natal e desembarcámos nas primeiras horas da manhã do dia 25 de Dezembro. A excitação do jantar, a ansiedade do desembarque, de conhecer aquela terra tantas vezes falada (com apreensão!), aquelas gentes, não deixou que alguém pregasse olho. Bebemos, conversámos, cantámos até ao amanhecer cinzento, tórrido. Cansados, desembarcámos quase em silêncio".


2. Do cais seguiram para o Cumeré:

"Uma vez desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento do Cumeré  que dista da cidade de Bissau uns 40 km por estrada e 12 km em linha recta, e onde permanecemos cerca de vinte dias.

"Este período foi destinado à habituação física, ao contacto com os naturais e, principalmente, ao primeiro encontro com a operacionalidade 'versus' realidade da guerra. Daqui fomos transferidos para as localidades do interior do território (denominado mato).

"Pelo Rio Geba acima, em lanchas de desembarque da Marinha [LDG], fomos levados até ao Xime onde desembarcamos já ao fim da tarde".


3. E a viagem continua, pelas estradas da zona leste (Xime, Bambadinca, Galomaro, Saltinho):

"Ali, no Xime, esperava-nos um esquadrão de cavalaria [, de Bafatá,] com os blindados chaimite que nos iriam escoltar até á próxima paragem, Bambadinca.

"Já noite, pernoitámos e ganhámos forças para o dia seguinte que, segundo os velhos (aqueles que já lá estavam, na Guiné), seria bem mais difícil pois o risco de flagelação à distância ou emboscadas era muito grande, ou quase certo. Iríamos ter de atravessar o Rio Pulom onde fatidicamente algumas vidas já se tinham perdido. É um local de selva densa, temível.

"Dirigimo-nos então para Galomaro onde deixámos uma Companhia (CCS) e, de seguida, para o Saltinho, sempre acompanhados de perto pelos caças Fiat e bombardeiros T6 da Força Aérea. A tensão era muita, uma grande prova de nervos, mas, felizmente, não chegámos a ser presenteados pela hospitalidade do PAIGC.

"Chegámos finalmente ao local [, o Saltinho,] onde eu iria passar a maior parte do meu tempo de comissão"
 .

4. No Saltinho, houve a receção da praxe:

(...) "Fomos recebidos pelos velhos [,  a CCAÇ 2701 (1970/72)],  como periquitos, com muita alegria e carinho. Estavam ansiosos pelo regresso às suas casas, e nós quase sentíamos inveja disso. Finalmente foram e assim ficámos entregues a nós próprios num misto de orgulho e saudade.

"Começámos então o nosso trabalho concentrados num objectivo: havemos de fazer um grande ronco, estar cá para receber os nossos periquitos e regressar.

"Para isso passamos de imediato à acção que não se fez tardar, com algumas escaramuças com o PAIGC de Amílcar Cabral e de Nino Vieira.

"A vida ali não sofria grandes alterações para além das constantes incursões pelo mato, as operações de maior ou menor envergadura, as emboscadas, as flagelações nocturnas, os apoios a outras unidades em perigo, o bater à zona, a preparação no terreno de mais uma coluna de reabastecimento, o pedir apoio aéreo ou artilharia, o montar e desmontar de minas e armadilhas, fazer fornilhos, esticar arame farpado, abrir e restaurar abrigos, as noites sem dormir... os ataques de abelhas, os mosquitos e outros mais, o calor abrasador, a micose insustentável,... o whisky, a cerveja... e muita saudade!


5. Descreve o quartel nestes termos:

"O aquartelamento do Saltinho era formado por abrigos em betão, capazes de resistir ao temível foguetão 122 mm, de origem soviética, cuja granada ao explodir produz cerca de 15.000 fragmentos mortais.

"Situava-se junto á fronteira com a Guiné-Conacri, na margem do Rio Corubal e constituía a defesa da ponte sobre o mesmo rio. Na outra margem tínhamos um destacamento [, Contabane ?]. Mais para lá era terra de ninguém. Havia por perto, a Norte (a uns 30 km), uma das principais bases de ataque do PAIGC, a base de Kambera.


6. Prossegue o nosso ranger Eusébio:

"A Sul, sensivelmente à mesma distância, a não menos importante base de Kandiafara que muitos e graves problemas causou aos nossos camaradas de Guileje e Gadamael Porto. A Sul do Saltinho, contavamos com o apoio dos obuses da eficaz artilharia do aquartelamento da Aldeia Formosa [hoje, Quebo].

"Água não faltava todo o ano (embora imprópria para consumo), de um rio que variava bruscamente o seu caudal conforme a época, seca ou das chuvas.

"Entretanto formei o meu grupo (GE) de nativos, por mim instruído e preparado para a execução de qualquer operação, reconhecimento ou acção irregular.

"Era um grupo constituído por naturais da etnia Fula e Futa Fula, homogéneo, com excelentes capacidades de combate, resistência física e grande camaradagem.

"Passámos juntos por situações de muito perigo como, por exemplo, em operações para além da nossa fronteira onde se tornava difícil qualquer apoio que não fosse o aéreo (quando possível!). Tomamos parte em grandes operações um pouco por toda a região de Bafatá, Galomaro, Bambadinca e Aldeia Formosa.

"Estávamos equipados com o tipo de armamento utilizado pelos guerrilheiros do PAIGC, desde a HK-47 (Kalashnikov) até ao temível lança granadas foguete RPG-7. Não havia dúvidas de que estas armas de origem soviética eram mais eficazes, tendo em conta as características da guerra que se travava (guerrilha), as acções a levar a cabo no terreno, assim como pela facilidade de manejo. No entanto o objectivo da utilização deste equipamento prendia-se sobretudo com a intenção de confundir o inimigo e obter daí as vantagens do efeito surpresa.

"Lamento sinceramente não saber qual o foi destino destes homens após a independência da Guiné. Pressuponho apenas que não terá sido o mais feliz, desgraçadamente.


7. Por fim, chega o fim da comissão e o regresso a casa:

"Terminado o tempo que a própria conjuntura determinou para a minha comissão (teoricamente 18 meses mas na prática dois anos e 94 dias), regressei à Metrópole novamente embarcado no navio Niassa cuja tripulação, pelo carinho e atenção que nos dispensaram, merece todo o apreço.

"A reintegração para mim não foi difícil. Com traumas da guerra não fiquei, caso contrário não me teria servido para nada a forte acção psicológica a que fui submetido durante a instrução do meu curso de Operações Especiais. Lá, no CIOE, formam-se Rangers, de Firme Vontade e Indómito Valor". (***)



III. Em 22 de setembro de 2006, o nosso editor LG mandou  um e-mail ao ranger Eusébio [eusebio@iol.pt]  com pedido para esclarecer alguns factos da sua descrição, mas não se obteve resposta.

O e-mail não foi devolvido, o que sugeria que o endereço estava correcto e eventualmente activo. Eis o que eu lhe dizia:

Eusébio:

1. As minhas saudações, na qualidade de editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

2. Antes de publicar o texto do ex-Alf Mil Paulo Santiago (que esteve consigo no Saltinho), gostaria de poder ouvir e publicar também a sua opinião ou ponto de vista. Escreva-me para este endereço de e-mail: lgraca@clix.pt [, que hoje já não existe]

Mantenhas.
Luís Graça


Ao fim destes anos todos (13 anos...) será que o Eusébio   ainda nos pode ler e esclarecer as nossas dúvidas ?  Se ele efetivamente pertenceu à CCAÇ 3490 (Saltinho, 19727/4), como tudo indica, é estranho não ter referido a tragédio do Quirafo,  com 11 mortos incluindo o alf mil op esp /ranger Armandino e um prisioneiro,  o António Batista da Silva, o "morto-vivo", levado pelo PAIGC para Conacri. Foram factos absolutamente cruciais da história do BCAÇ 3872 e da CCAÇ 3490 (*****).

Entretanto, será que alguém se lembra do fur mil op esp / ranger Eusébio da CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 ? (******) 

Em cada companhia, havia um alferes ranger e um furriel ranger... A menos que se trate de um "nome de guerra" ou "pseudónimo", o Eusébio deve  constar da lista do pessoal da CCAÇ 3490... Ao fim destes anos todos, seria interessante ter notícias dele...


__________

Notas de L.G.


[...] 1 - O batalhão de Galomaro [BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74] não pernoitou em Bambadinca, onde eu me encontrava naquela data.

2 - Contrariamente ao afirmado na página do Ranger, não tinha morrido ninguém no rio Pulom. A picada do Pulom foi aberta, melhor dizendo, foi um alargamento do carreiro dos djilas, entre Chumael e imediações de Galomaro, onde fiz segurança com o [Pel Caç Nat] 53.  Para o Saltinho era uma via de abastecimento mais segura e mais utilizável, mesmo durante as chuvas, em comparação com a via Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho. Não havia problema com minas, visto os carros do Jamil  e do Rachid, circularem no itinerário na maior das calmas. Coube-me a mim e ao alf Mota da CART 2701 inaugurarmos a picada em abril de 71 com uma ida a Bafatá, óptimo para quem estava no mato desde outubro de 70. Desde a abertura até agosto de 72 não houve,felizmente, qualquer incidente no Pulom.

3 - Falando verdade havia, é um facto, um grupo no Saltinho preparado para acções irregulares. Eram oito militares do 53, não foram fuzilados, por estranho que pareça, escolhidos pelo Marcelino [da Mata]. É também verdade fazerem operações para lá da fronteira, juntamente com outros, vindos de Bissau, mas, sempre sem qualquer enquadramento de militares brancos. Este grupo acabou por ser desactivado, ainda no meu tempo, devido a interferências do [capitão[ Lourenço, pensando que o grupo estava às ordens dele. [...]

4 - Havia armamento do IN para aqueles oito elementos, que eu utilizei algumas vezes em operações regulares.O [ranger] designa a Kalasch por HK 47, podia ter ido aos livros ver que é AK47. [...]

5 - [O ranger] fala dos Roncos. Esquece que o Ronco foi do PAIGC em 17 de Abril de 1972, com a tragédia do Quirafo. Foi a emboscada ao anoitecer em Madina Buco, hei-de contar, foi o ataque a Sincha Mamadú.

6 - Acredito que o ranger seja da companhia do Lourenço [, a CCAÇ 3490], sabe coisas do Saltinho que batem certo. O alferes ranger era o Armandino [...[

7 - A cara do tipo não me diz nada. Há uma foto de um militar branco frente a uma formatura de negros que não deve ter sido tirada no Saltinho. Deverá ser um pelotão de milícias. O armamento da foto é NT, não é IN. [...]

(***) Tudo indica que o ranger Eusébio pertencia à unidade de quadrícula, sedeada no Saltinho, a CCAÇ 3490 (, pertencente ao BCAÇ 3872, com sede em Galomaro, 1972/74), pessoal que desembarcou justamente na véspera do Natal de 1971.

A CCAÇ 3490 iniciou em 24 de janeiro de 1972 o treino operacional e sobreposição com a CCAÇ 2701, assumindo a responsabilidade do subsector em 11 de março de 1972, deslocando um pelotão para guarnecer o destacamento de Cansamba, no subsector de Galomaro. Foi rendida pela 3ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 7 de Março de 1974. Restantes  subunidades de quadrícula do BCAÇ 3872: CCAÇ 3489 (Cancolim), CCAÇ 3491 (Dulombi).

A CCAÇ 3492 estava no Xitole; a CCAÇ 3494, no Xime e depois em Mansambo; e a CCAÇ 3493 ficou aquartelada em Mansamba (e mais tarde, foi para o Sul, para Cobumba). A CCS e o comando do batalhão estavam em Galomaro.

(****) Último poste da série > 30 de abril de  2019 > Guiné 61/74 - P19731: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (4): "Os Roncos de Farim: 1966-1972", uma nota de leitura da brochura compilada pelo Carlos Silva

(*****)  Vd. poste de 17 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)