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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26747: (In)citações (268): O mês de Abril e as amêndoas amargas (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74) que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, que sofreu em 17 de Abril de 1972, uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74).

Foto: © Paulo Santiago


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 27 de Abril de 2025:

Meus amigos e camaradas
Aqui vai algumas recordações e pensamentos quase no fim deste Abril

Um abraço
Juvenal Amado



O MÊS DE ABRIL E AS AMÊNDOAS AMARGAS

A recordação das Pascoas da minha infância são as amêndoas de gesso que o senhor prior dava nas casas que contribuíam menos para a igreja.

Chupava-se algo adocicado até ao caroço que deitávamos fora por ser intragável daí o nome as amêndoas de gesso. Francamente, e a verdade seja dita, não éramos frequentadores da igreja e após ser obrigado na 1.ª classe a frequentá-la por imposição da senhora professora, que nos formava cá fora para entrarmos com grande solenidade dois a dois, de mãos dadas, para belo efeito. Entretanto saí dessa escola e nunca mais me apanharam. A verdade tem que ser dita só voltei a frequentar a igreja às entradas e saídas, embora me tenha envolvido em actividades num clube dirigido por dois padres muito jovens, que tinham um discurso muito próximo da juventude. O destino desses padres foi o que era de prever naquele tempo.

Mas este ano a Pascoa calhou em Abril, mês luminoso embora chuvoso, mas o corpo sente a Primavera e os cheiros diferentes no ar. Há cinquenta e três anos estava no Xime para embarcar na LDG com viaturas avariadas e diverso armamento deixado pelos guerrilheiros no seu encontro de frente com os nossos camaradas da 3491 do Dulombi. Foi o que se pode chamar milagre, por só terem havido uns camuflados cantis e quicos furados pelo o fogo de automáticas com que a malta piriquita foi obsequiada. Em contrapartida a reacção dos nossos camaradas pôs em debandada o IN, que deixaram diverso material de guerra no local.

Mas voltando ao Xime, já era costume nós irmos para lá sem data de regresso e assim se passaram algumas semanas em que as LDGs iam atulhadas e o meu equipamento lá continuava ao Sol sem saberem o que as viaturas continham. A Pascoa foi no Domingo 2 de Abril 1972, a LDG vinha neste dia, quando somos surpreendidos por uma coluna com quatro caixões. Uma coluna macabra e mais macabra a situação que a resultou. Segundo se veio a confirmar, um soldado entrou no gabinete do capitão com uma granada de mão, que deixou explodir, matando o capitão, um 1.º sargento e um furriel, para além dele próprio.

Escusado será falar no horror que o incidente nos causou. As urnas foram embarcadas e nós lá ficamos no cais a ver a embarcação desaparecer. Passados dias vem outra coluna de Pirada com mais um soldado que tinha descavilhado uma granada de mão, debaixo de um ataque de abelhas e na vez de uma granada de fumo, usou uma ofensiva com o triste resultado. Dessa vez embarquei com muito custo, pois as viaturas não trabalhavam nem tinham travões e quem andou por aquelas bandas sabe da rampa que se descia até entrar na embarcação, engrenei a marcha atrás e lá vou eu por ali abaixo três vezes com granadas de RPG na bagageira.

Foi um mês de Abril sangrento, pois no dia 17, na emboscada do Quirafo, perdemos uma dezena de camaradas da 3490 do Saltinho, facto já por aqui falado e documentado, em especial pelo os nossos camaradas Paulo Abrantes Santiago e o Marques.

Mas o mês de Abril voltou a sorrir quando desembarquei em Lisboa passados 27 meses de comissão, no dia 4, abracei os meus e senti-me em Paz.

20 dias depois no 25 de Abril dancei chorei e abracei toda a gente porque vinha aí o Futuro e o primeiro dia do resto das nossas vidas.

O mês deste ano deixa-nos com um acontecimento triste para católicos e não católicos com a morte do Papa Francisco, um Homem bom muito amado, amante da Paz, que deixa este Mundo num futuro incerto. Um arauto da inclusão das minorias, defensor de uma Igreja e um Mundo para todos. Que esteja em Paz.

Juvenal Sacadura Amado

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Nota do editor

Último post da série de 25 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26724: (In)citações (267): O Vinte e cinco de Abril é um poema universal (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

terça-feira, 29 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26741: Notas de leitura (1793): Um Trajeto de Vida, por Rui Sérgio; 5 Livros, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Há um bom par de anos, ao fazer determinada recensão, deplorei a imensidade de gralhas, no mínimo três por página, e ainda por cima a história era um tanto mirabolante e com dados etnográficos e etnológicos longe da verosimilhança. Caiu-me o Carmo e a Trindade, não se devem fazer reparos tais em ambiente de camaradagem, como se o trabalho da recensão fosse obra de amiguismos, nada de pôr a má literatura pelas ruas da amargura, havia que dourar a pílula. 

Aprendi com a lição, e com estes dois livros do Dr. Rui Sérgio o que posso dizer é que me surpreendeu que no meu tempo (1968/1970) ia-se a Galomaro de jipe entregar coisas e seguia-se para Bafatá para levantar o correio, era uma estopada, mas era tudo tomado como o recreio; a retirada de Madina do Boé deu imensa força ao PAIGC, e toda aquela região do Cossé, Badora e Duas Fontes tornou-se um vespeiro, a guerrilha atravessou o Corubal, inevitavelmente houve que fazer um forte investimento militar, Galomaro passou a ser sede de um batalhão, formaram-se pelotões de milícias para evitar mais desastres, a guerrilha destruía as tabancas Fulas. 

Nesse sentido, revela-se muito útil ver estas imagens que Rui Sérgio dá à estampa a propósito da sua estadia em Galomaro. Quanto a um trajeto de vida, limito-me a contar a história, não falo em nenhum pesadelo de gralhas nem na linguagem grosseira usada com os oficiais do quadro permanente que estiveram na Guiné.

Um abraço do
Mário



Rui Sérgio, médico em Galomaro, romancista com memórias guineenses

Mário Beja Santos

Graças ao apoio que me é dado pela Biblioteca da Liga dos Combatentes em Lisboa, tive acesso a duas obras de Rui Sérgio [foto à direita], aviso que há mais livros, todos eles publicados pela 5 Livros, no Porto. 

Começando por o livro mais recente, editado no início de 2023, ficamos a saber que este alferes miliciano médico estacionou sobretudo em Galomaro, então denominado setor L5, apoiou o BCAÇ 3872 e o BCAÇ 4518. 

A obra é fundamentalmente um álbum fotográfico, o autor não deixa de aludir à africanização da guerra, era no seu posto médico que se preparavam as unidades africanas para aprenderem a prestar os primeiros socorros. “Tinham todos de saber fazer um penso oclusivo, uma ligadura ou penso compressivo, um torniquete, um membro superior ou inferior, para impedir a sangria por feridas perfurantes, uma manápula, uma imobilização da tibiotársica. Saber injetar intramuscularmente substâncias farmacêuticas.” 

Seguem-se imagens associadas à reconstrução de aldeias, à atividade dos pelotões milícias na região de Galomaro, curso de primeiros socorros; e depois um conjunto apreciável de instantâneos sobre gente com quem Rui Sérgio conviveu, sobre a vida do quotidiano em Galomaro, imagens de lavadeiras, colunas de abastecimento, bem como imagens isoladas de Bagancia-Duas Fontes, Cancolim, Saltinho, Xitole e Dulombi.

O romance Um Trajeto de Vida foi publicado em finais de 2021, vamos ficar a saber que há um jovem que aos 24 anos tirou o seu curso superior de Medicina na Universidade do Porto com altas classificações, o autor dá-nos o retrato do Dr. Penedo Couto: 

“Nem gordo, nem magro, nem alto nem baixo, bem parecido, encafuado numas calças boca-de-sino, com um blazer de cor azul marinho de botões dourados e de trespasse sobre a camisa de riscas, com colarinho de bicos, com nó de gravata monocromática azul petróleo, envolvendo um pescoço de colo curto, segurando uma cabeça de testa alta, rosto redondo de lábios rasgados e mordisqueiros, com olhos castanhos-vivos e brilhantes a encimar uma face bem escanhoada, dividida por um nariz bem centrado de perfil helénico que confere uma harmonia estética que dá nas vistas.” 

Chama-se Rodrigo. É-nos apresentada a família, de posses, há motorista e há Jaguar, a criada de quartos é doida por este menino, ele tem uma irmã. O pai trabalha numa import-export. Há viagens, a gastronomia é farta e variada. Rodrigo irá conhecer Soraia Cruz, aluna das Belas Artes do Porto, seguem-se amores arrebatados em Paris, tiro e queda, há uma passeata por Londres, regresso a Paris, confirma-se uma atração sem limites, já estão no Porto, embora venham de famílias nitidamente conservadoras, resolvem viver juntos, a menina está grávida, o Rodrigo tem um internato exigente, nasce uma filha daquela paixão assolapada, a Bruna, em 10 de junho de 1971.

No Natal o Rodrigo recebe a convocatória para o serviço militar, soldado-cadete em Mafra, Rodrigo aproveita para dizer que Portugal era governado na altura em que começou a guerra por um líder de grande craveira e com um jogo de cintura e maleabilidade a todos os títulos invejáveis. Portugal era respeitado em qualquer parte do mundo e a nossa moeda muito apreciada. 

Finda a recruta fez a especialidade no Hospital da Estrela e na Escola de Saúde Militar em Lisboa. Numa tentativa pedagógica, com a preocupação de inserir o leitor sobre as doenças tropicais, vai falar-nos da Guiné e do centro de deteção de doenças parasitárias, segue de avião para Bissau, abre-se a porta do avião e é um calor de estufa, apresenta-se ao chefe de serviço de saúde civil. Ficamos a saber qual a atividade deste alferes miliciano médico. 

“O meu trabalho consistia em pesquisar em lâminas, da picada de sangue de militares, a maioria de regresso à metrópole, de manifestações palúdicas no cumprimento do serviço militar obrigatório.”

Fala-nos da cidade, não faltarão as comezainas, muitas ostras, militares por toda a parte. E o Rodrigo cheio de saudades da Soraia e da Bruna, dos pais, da irmã, das tias e dos amigos. Procura esclarecer-se sobre aquela guerra, diz ele orquestrada por países de Leste, Cuba e também pela Suécia. 

Rodrigo arranjou habitação, Binta fazia a limpeza da casa, iremos saber que se tinha perdido de amores por um soldado metropolitano, o João Madeira morreu mas deixou a Binta grávida. Havia um jardineiro, o Braima, e passou a ser importante na vida do Rodrigo o Joãozinho, o filho da Binta. Habituou-se às chuvas tropicais, à praga de gafanhotos, à multiplicidade de cores, cheiros e pregões.

O chefe dos serviços de saúde civil apresentou ao general Spínola o plano de deteção de doenças tropicais a quatro batalhões de regresso à metrópole, havia que ir a Teixeira Pinto, Bolama, Bambadinca e Nova Lamego, as primeiras correram muito bem, seguiram do Xime para Bambadinca e a 30 km de Nova Lamego houve emboscada. 

Enquanto faz o seu trabalho no Leste, Rodrigo cogita sobre as crueldades e os horrores da guerra, como é que é possível haver gente a instigar as guerras, como é que ele podia acreditar em gente cuja ideologia era fomentar guerras? As ideologias marxistas eram as principais fomentadoras da guerrilha, chineses, checos e russos fomentavam todo o tipo de atrocidades, os outros países não reagiam, havia muita gente interessada em vir comer os despojos. 

E regressa a Bissau, a Soraia vem visitar o seu apaixonado, o pai de Rodrigo também vem, seguem-se as preocupações de regularizar a situação do Joãozinho, legalizou-se a Binta Camará, o passo seguinte seria o pedido da pensão de sangue para o Joãozinho. Depois o casal e o pai de Rodrigo viajaram até aos Bijagós, o médico ia fazer a sua itinerância de saúde civil a Bubaque, foram umas férias deliciosas, mais comezaina com ostras fresquíssimas, presunto fatiado, não falta farinheira de Arganil e linguiça.

A guerra recrudescia, chegaram os mísseis terra-ar, surgiu a guerrilha urbana, isto é, estoirou uma bomba na esplanada de um restaurante em Bissau. Começaram os planos para levar a Binta Camará e o Joãozinho para a metrópole. Entretanto, estava em formação o Movimento dos Capitães, o autor fala numa tremenda rivalidade entre os milicianos que iriam fazer parte de um quadro especial de oficiais e os meninos da Academia, onde não faltavam os oficiais do ar condicionado, são tratados por cagarolas e traidores ao juramento que tinham feito para com a pátria. O autor informa que em Bissau se liam capítulos de um livro que o general Spínola tinha em preparação, onde se preconizava uma saída política para acabar com a guerra.

A família de Rodrigo regressa a Lisboa, o pai de Rodrigo viaja até à Madeira para falar com os pais do falecido João Madeira e dá-lhes a saber que há um neto e há a Binta Camará, mais comezaina, o casal madeirense houve a história com os olhos marejados de lágrimas, depois sentam-se todos à mesa e temos a lista do ágape: espetada de vitela em pau de louro, acompanhada de batata-doce e rodelas de ananás e banana frita, depois doce de maracujá e tudo regado com vinho maduro tinto do Douro.

A guerra toma nova dimensão, agudiza-se com os acontecimentos de Guidaje, Guileje e Gadamael. Na varanda da casa de Rodrigo discute-se o futuro da Guiné, ficamos a saber que os meninos da Academia Militar eram na sua maioria uns esquerdalhos. Rodrigo vem de férias em Agosto de 1973, os oficiais do quadro permanente já estão a movimentar-se, Soraia está novamente grávida, Rodrigo, em Bissau, fica a saber que Mariama, a substituta de Binta, gosta de Braima e Braima gosta de Mariama, haverá um final feliz para esta história. 

Rodrigo volta a fazer uma itinerância militar em Bafatá a fim de rastrear um batalhão que regressava à metrópole. Depois a vida volta ao normal e na varanda da casa dele discute-se o futuro da Guiné com outros personagens. O Rodrigo vai ser evacuado com uma hepatite. Virá o 25 de Abril, Rodrigo e família não se entendem com aquela revolução e toma-se a decisão de Rodrigo se ir especializar m oncologia hematológica e transplantes medulares num hospital parisiense.

E finda aqui a história.


Rápidos de Cusselinta, rio Corubal
O posto médico de Galomaro
Uma coluna de abastecimento ao Xitole
O médico Rui Sérgio no seu quarto em Galomaro

Cinco imagens tiradas do livro Para memória futura, Guiné 1973-1974, 2023
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Nota do editor

Último post da série de 25 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26726: Notas de leitura (1792): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: As turbulentas duas primeiras décadas na Guiné, ainda é difícil falar dela como colónia (6) – 2 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26515: S(C)em Comentários (59): Ainda a Op Trampolim Mágico, desembarque anfíbio na margem direita do rio Corubal (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74



Luís Dias

1. Comentário do poste P26513 (*):

A primeira grande operação em que me vi envolvido, quando comandava o 2º Gr Comb da CCAÇ 3491, integrado, juntamente com o 3º Gr Comb  também da minha companhia, no agrupamento "Castanho". 

Recordo que estivemos estacionados dentro de uma LDG, no meio do rio Geba, durante grande parte do dia, na véspera da Operação, que fomos atracar a Porto Gole, para pernoitar (onde penso ter bebido as cervejas mais frescas da minha vida, tal a sede). 

Que no dia seguinte, dentro da LDG lançada 
a toda a força,  fomos desembarcar na Ponta Luís Dias (engraçado ter o meu nome, mas, é claro, não tem a ver comigo), apoiados pelo fogo de artilharia da LDG e o bombardeamento dos aviões da FAP, estando a assistir ao desembarque o General Spínola. 

A operação foi decorrendo e devido a termos ficados parados, expostos ao sol (escaparam a este sacrifício os 2 Gr Comb  da nossa companhia, que eram os últimos do agrupamento e que, depois de ter perguntado ao Capitão que dirigia o agrupamento, o que se estava a passar - parados à espera de ordens (?)- decidi colocar os homens em locais junto de árvores que os protegessem do intenso calor. 

Interessa lembrar que a operação estava a ser levada a cabo, essencialmente, por forças do BART 3873 e BCAÇ 3872, que estavam na Guiné há pouco tempo e ainda não habituados a excessivo calor. 

A operação poderia ter corrido muito mal face à falta de água que se fez sentir, a diversas evacuações de pessoal desidratado e outros acontecimentos que não vou lembrar, porque a falta de água transtorna o cérebro de uma pessoa. 

O IN apercebeu-se da quantidade de homens e material empregue na operação e foi fugindo da zona deixando para trás velhos, mulheres e crianças, que foram levados pelas nossas forças. 

Não tivemos qualquer contacto e o IN apenas durante a noite lançou, à toa, morteiradas, com o intuito de conseguir saber onde estávamos instalados para dormir, mas sem, felizmente, qualquer sucesso e as tropas também decidiram não responder, para que eles não nos conseguissem localizar. 

A operação para o nosso agrupamento terminou em Mansambo, sendo recebidos pelo pessoal desse aquartelamento com jerricãs cheios de água, recebidos como um grande petisco, por todos nós.

Luís Dias, ex-alf mil,  CCAÇ 3491/BCAÇ3872 (Dulombi/Galomaro/Piche/Bambadinca/Nova Lamego/Pirada/Dulombi/Cumeré) | 
Guiné 24dez1971/28mar1974.


(Seleção. revisão / fixação de texto: LG)



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) (Escala 1/50 mil) > Posições relativas das NT (a negro): Fulacunda, Ganjauará, Porto Gole e sector L1  (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e do PAIGC (a vcrmelho): Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Mangai, Mina / Fiofioli....

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > 1969/71 > Croqui do Sector L1 > Vd. as posições do PAIGC ao longo da margem direita do rio Corubal: Poindom / Ponta do Inglês (1 bigrupo); Ponta Luís Dias (1 bigrupo); Mangai (artilharia e bazucas): Mina / Fiofioli (base principal, 2 bigrupos); Galo Corubal / Satecuta (1 bigrupo)... As NT tinham unidades de quadrícula em Bambadinca (+ 1 CCAÇ 12, em intervenção), Xime, Mansambo e Xitole (BCAÇ 2852 e depois BART 2917).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infografia: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26513: Imagens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte III: A CART 3494 no Xime para render a CART 2715

(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26477: S(C)em Comentários (58): A "Primavera Marcelista" ?...é um mito: eu estava em Coimbra e e apanhei em pleno a crise académica de 1969 (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74)

domingo, 8 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 – P26246: Armamento (12): Apresentação do livro "G3 - A Grande Arma Nacional" (Luís Dias)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Dias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):

Apresentação do livro "G3 A GRANDE ARMA NACIONAL"

Camaradas,

Estive ontem presente no lançamento deste livro e escrevi um pequeno texto sobre o evento. Se achares de interesse e útil para colocares no "Luís Graça & Camaradas da Guiné", estás à vontade. Grande abraço. Luís Dias

Ontem, por convite do autor, tive o grato prazer de assistir no Palácio dos Marqueses do Lavradio, no Campo de Santa Clara, em Lisboa, ao lançamento do livro, “G3 A GRANDE ARMA NACIONAL”, de Pedro Manuel Monteiro, editado pela “Conta Corrente”, onde dei um pequeno contributo sobre as diferenças em combate entre a HK G3A3 e as Kalashnikov, nos modelos AK-47, AKM e outros modelos das mesmas fabricados por países do Bloco Leste e pela China, que apoiavam na Guiné o PAIGC, que se enfrentavam no meu tempo de combatente na Guiné (1971-1974).

Na presidência da mesa encontrava-se o Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, o Tenente-General, Paulo Emanuel Maia Pereira. Na assistência diversos oficiais generais, oficiais superiores, quer ainda no activo, quer na reforma e muitos civis, entre eles, antigos funcionários do extinto INDEP.

No discurso do Tenente-General, houve um momento em que foi referida a presença e foi aplaudido de pé, uma pessoa por quem tenho grande admiração, o Coronel Tirocinado Comando, Raúl Folques que, no meu tempo de Guiné, foi o Comandante do Batalhão de Comandos, cargo onde substituiu o então Major Almeida Bruno e que, como se sabe, fez parte da 1ª companhia de comandos formada em Angola e que é um dos heróis de Portugal.

Nos anos da Guerra de África a espingarda automática HK G3 (também designada de espingarda de batalha, devido ao calibre potente que utilizava - 7,62x51mmNATO - e no formato convencional), terá passado pelas mãos de perto de um milhão de portugueses e foi a arma que Portugal escolheu, a partir de 1961, para enfrentar os movimentos independentistas nas províncias ultramarinas, iniciando-se em Portugal a sua produção, sob licença da Alemanha (então RFA), em 1962, e a sua atribuição oficial às forças armadas a partir de 1963. 

Foi esta espingarda, encimada no cano por um cravo, que se revelou um símbolo da Revolução de 25 de Abril de 1974, para toda a gente.

Após o fim da guerra em África, esta arma continuou a ser importante nas missões atribuídas às nossas forças armadas pela ONU ou no âmbito da UE, em diversas partes do mundo (Timor, Letónia, Roménia, República Centro-Africana, Moçambique, Guiné-Bissau, Somália, Mali, Afeganistão, Alemanha, Polónia e Kosovo).

As fábricas FMBP e INDEP terão produzido 442 197 G3, entre 1963 e 1988, segundo Relatórios de Contas destas fábricas referidos no livro em apreço e que serviu no nosso país por cerca de 60 anos, estando a ser substituída no Exército pela FN SCAR, modelo L e H e na Armada pela HK416. A G3, em conjunto com o mosquete “Brown Bess” de 1808, é arma recebida em maior quantidade pelo Exército Português, bem como uma das que é usada há mais tempo. 

A G3, era e é uma excepcional arma de guerra, com um projéctil poderoso – o 7,62x51mmNATO, que depois de ter sido trocado pelo calibre 5,56mmNATO, está novamente a ser recuperado, para novas gerações de espingardas de batalha e que tinha um som característico e forte que dava confiança a quem a usava. 

A G3 necessitava de alguns cuidados na limpeza (cabeça da culatra), mas em geral trabalhava bem, mesmo nas condições adversas em que foram utilizadas em África. Tinha o senão de ser uma arma grande e pesada para o tipo de guerra de guerrilha que enfrentávamos, mas também tinha um alcance útil superior às armas do inimigo e era também mais estável e precisa no tiro que as armas adversárias. 

O seu depósito de munições tinha uma capacidade inferior ao da kalashnikov mas, por outro lado, tinha um perfil mais baixo, evitando que o utilizador se elevasse demasiado, quando na posição de deitado, diminuindo significativamente a silhueta e, ao contrário da kalashnikov que possuía um carregador curvo e comprido, não tinha necessidade de se torcer para introduzir um novo carregador na arma. Também o comutador do tiro era mais simples de utilizar do que da arma preferencial rival e era silencioso, ao contrário do da AK-47 e AKM que faziam ruídos de clic, na movimentação para tiro a tiro e para fogo de rajada, o que no mato podia fazer a diferença.

O mecanismo operativo da espingarda automática HK-G3, apresentado em 1959 na então RFA é originário e semelhante ao da StG45 (Mauser) alemã, de 1945 e da CETME espanhola de 1952. O seu funcionamento é por inércia, actuando os gases sobre a superfície interna do invólucro e a culatra retarda a sua abertura (“Roller-delayed blowback”) pela acção conjunta dos roletes de travamento (alojados na cabeça da culatra), da massa da culatra e da mola recuperadora. O percutor está alojado no interior do bloco da culatra, dando-se a percussão pela pancada do cão (existente ao nível do gatilho) sobre a cauda do percutor. A alimentação é garantida pela mola do depósito (carregador). O extractor de garra, situado na cabeça da culatra, efectua a extracção da cápsula detonada no movimento de abertura da culatra e a ejecção dá-se quando a base da mesma encontra (ao nível do punho), um ejector de alavanca. Após o consumo das munições do depósito, a culatra não fica retida à retaguarda, como na FN FAL.

No tempo da Guerra de África, era conhecido o “amor” entre o combatente e a sua G3, apelidando-a, de “namorada”, a “minha querida”, a “minha amada” ou também por algum nome feminino de alguma mulher pela qual estivessem encantados. De facto, a maior parte dos militares dormiam com ela sempre ao lado, fosse no mato ou no quartel. Outros, fotografavam a arma e colocavam os dizeres “devo-te a vida”.

Luís Dias
ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
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Nota do editor

Último poste da série > 
12 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21534: Armamento (11): Material apreendido ao PAIGC em 1972 e 1973, em Galomaro e Dulombi (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25929: In Memoriam (509): Rui Baptista (1949-2023), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1971/74)

I N  M E M O R I A M

RUI BAPTISTA (1949-2023)
EX-FUR MIL INF DA CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872
CANCOLIM, 1971/74

Hoje, dia 10 de Setembro de 2024, completaria 75 anos o nosso camarada Rui Baptista. Numa consulta à sua página do facebook, deparei-me com uns posts do ano passado com a notícia da sua morte em Fevereiro de 2023.

Face à notícia de todo inesperada, em nome da tertúlia e dos editores, enviei a uma das suas filhas, à Ana, o nosso pesar pela perda do seu ente querido.

O Rui Baptista apresentou-se à tertúlia em 30 de Novembro de 2009 com a mensagem da qual transcrevmos parte:

Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:


Caro camarada Carlos Vinhal,

Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. 

De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.

Sou Rui Baptista, ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.

Actualmente estou reformado. Tenho 69 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.

Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso. Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.

Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.

Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.
Rui Baptista em Cancolim
Rui Baptista em Bissau a aguardar o regresso à Metrópole
Na Ilha da Madeira, escala do navio Niassa a caminho de Lisboa

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Renovamos aqui a nossa solidariedade à família enlutada.
Quanto a nós, antigos Combatentes, cada vez somos menos. Quantos camaradas da tertúlia já terão falecido sem que saibamos?

CV

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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25928: In Memoriam (508): Joaquim Nunes Sequeira (O Sintra) (1944-2024), ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Brá, 1965-67)

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25842: (In)citações (269): Quantos somos ainda? (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)

Galomaro, 1973 > 3.º Natal do BCAÇ 3872 na Guiné

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2024:


QUANTOS SOMOS AINDA?

Talvez 500.000? Hoje não passamos de um retrato para aí numa gaveta e já nem nós nos reconhecemos.

No ultimo almoço do 3872 dei por mim a perguntar ao Félix do Pel Rec por ele, só depois de ver o olhar dele percebi que tinha metido a pata na poça.
Entre as desculpas por o não reconhecido logo, deitei as culpa para a PDI que resulta sempre.

Falamos mais de doenças do que paródias e aproveitamos para dizer mal dos governos com alguma razão.

Nas redes sociais fala-se das facilidades e dificuldades que temos em beneficiar de alguns créditos onde desaguam promessas do poder político que vão passando de mão em mão.
Não queriam mais nada que fosse reconhecido o serviço que em tempos fomos obrigados a fazer mas nem por isso dignos de recompensa.

Há dias o José Marcelino Martins publicou no facebook uma efeméride relacionada quando se mudou de armas e bagagens para Canjude. Termo que sempre ouvi mas nunca com tamanha objectividade. O José já deve constatar que hoje mandam-no para outras partes.

Quando regressamos, ignoraram-nos, hoje dizem “lá vêm eles falar do mesmo”. Mas será que não se cansam?
Que sabem eles da nossa sede, do nosso calor, das nossas privações de pequenas coisas, das nossas saudades se os que lá estiveram nada fizeram e estes que já são netos dos combatentes nada sabem?

É comum falar-se da gratuitidade dos museus mas ao que parece, nos que estão em mãos privadas não temos esse direito. Que a maior concentração dessas instituições se encontra nas grandes cidades e também que nos falta a vontade para nos deslocar até eles, já que na maioria, hoje somos mais pilotos experimentais de sofá e as pernas também não ajudam. Nas grandes cidades os passes para transportes públicos dizem que funciona bem.

Eu, fico-me pelo os meus afazeres com a família a visitas ao médico que não se pode abusar delas, supermercado, tenho vasto conhecimento de tudo o que é parque infantil da região pelos motivos que nós avós sabemos. Construo baloiços que ele derrete à medida que cresce e mais pesa, vou com ele às terapias e rego as plantas, coisa que ele frequentemente usa como urinol e assim, tento salvá-las de morte certa.

Há dias li que os combatentes iam ter direito a medicamentos grátis mas só em 2026. Acho bem porque assim como assim, ainda morrem muitos e são uns tostões que se poupam, é que por cá ainda se poupa nos alfinetes para se gastar nas lagostas.

Mas também reparei que as esposas e viúvas não serão incluídas nessa benesse independentemente do rendimento familiar. É injusto porquanto nós sabemos que muitas milhares de esposas sofreram com a nossa ausência e tiveram uma vida de sofrimento depois do nosso regresso.
O stress pós traumático e o alcoolismo, atiraram essas mulheres e também os filhos para o inferno individual que cada veterano transportava.

E fala-se, fala-se e fala-se... E eles não ouvem não ouvem…

Já por diversas vezes foi chumbada uma proposta de dar 50 € a cada combatente, o que para a esmagadora maioria seria uma preciosa ajuda nas suas magras reformas. Entretanto os governantes falam em milhões e milhares de milhões para aqui e para ali, a verdade seja dita, parece que muito desse dinheiro (quando as cativações estão na ordem do dia) chegam tarde ou nunca aos organismos beneficiários.

Ficam com a fama e o resto não interessa nada, porque a oposição di que não e eles dizem que sim. Ficam empatados e nós lixados.
Mas fica a intenção que é muito importante.

Só por uma vez que fosse, gostava que o beneficio fosse anunciado e executado automaticamente. Bem sei que o pobre desconfia da fartura mas...

Um abraço e não desanimem porque água mole em pedra dura tanto dá até que encharca tudo.

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Nota do editor

Último post da série de 1 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25799: (In)citações (268): Horizontes da Memória (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25423: Estórias do Juvenal Amado (64): A estória de David Leão que queria ser mobilizado para Angola para combater o IN que lhe matou o irmão em 1963

Memorial aos Combatentes de Gondomar, inaugurado em 1971


1. Em mensagem de 17 de Abril de 2024, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos a estória do seu camarada de Batalhão, David Leão, que depois de ver morrer o seu irmão mais velho em Angola, acabou mobilizado para a Guiné.

Caros camaradas
Cá estou a enviar o que recolhi sobre o meu camarada David Leão, de Rio Tinto, que foi parar à Guiné com a esperança de ir para Angola.

Juvenal Amado



José Carlos Cordeiro Pinto, trolha de profissão, natural de Rio Tinto, morreu em combate em 1963, 12 dias depois de desembarcar em Angola.

Os pais receberam a dolorosa notícia e também documentação, que livraria de mobilização qualquer filho quando chegasse a altura de ser chamado à vida militar.

O irmão David Leão, oito anos depois é incorporado no exército em 1971 no R14 de Viseu, fez a especialidade de Sapador de Infantaria no BC 3 de Bragança, acabando colocado no BC 5 Lisboa.

Mobilizado, apresentou-se em Novembro de 1971 no RI 2 de Abrantes, para formar batalhão. Este seria o seu destino, o BCAÇ 3872 que iria para a Guiné.

A mãe perguntava-lhe se ele tinha metido os papéis que o livrariam de uma mobilização, ele dizia que sim, mas no íntimo esperava ser mobilizado para Angola e ter oportunidade de combater contra quem lhe tinha matado o irmão. Uma ideia um pouco romântica e de difícil concretização na verdade.

O Batalhão 3872 embarcou para a Guiné no Angra do Heroísmo no dia 18 de Dezembro de 1971 e o nosso David vai integrado no Pelotão de Sapadores.

A promessa feita à mãe não passou disso mesmo de uma promessa.

O nosso camarada passou por aquilo que os outros passaram. Picagens, colunas, emboscadas, patrulhas nocturnas, armadilhar sítios para evitar infiltrações do inimigo, etc. No fim da comissão, em Janeiro de 1974, todo o Pelotão de Sapadores acabou por ser enviado para Buruntuma onde, sobre as ordens de Marcelino da Mata, foi encarregue da minagem em redor do referido destacamento.

Não foram boas noticias pois já tínhamos acabado a comissão, mas a zona leste junto à fronteira estava a ferro e fogo, e o comando achou no maior secretismo, enviar uma coluna para levar esses elementos bem como o equipamento necessário para o efeito.

O esperado ataque acabou por não vir porque o PAIGC acabou por atacar com foguetões outros destacamentos. Se não estou em erro, Canquelifá foi um dos premiados com a atenção do IN.

Felizmente para todos o camaradas, tudo correu bem e o regresso fez-se a Galomaro já o 3872 está espera de ser rendido, o que aconteceu em Fevereiro, acabando por embarcar em Março para Bissau.

A 28 do mesmo mês embarcou no Niassa, desembarcando em Lisboa no dia 4 de Abril de 1974.

Bem, é mais uma história com gente dentro, com os seus desejos e anseios talvez com uma grande dose de ingenuidade.

David Leão, na foto, o terceiro a partir da direita, sentado no chão

O David é figura presente sempre que pode nos almoços da CCS, embora com grande dificuldade pois tem que pedir boleia a quem vá o que nem sempre é possível.

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Nota do editor

Último post da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20510: Estórias do Juvenal Amado (63): Galomaro, 1972 - Outros Natais

domingo, 21 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25096: Blogpoesia (795): "Os sítios que são só recordações", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS / BCAÇ 3872

Galomaro depois de forte chuvada. Foto: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)


1. Em mensagem de 20 de Janeiro de 2024, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este seu poema:


Os sítios que são só recordações

Vivíamos para o futuro
Como se estes momentos fossem um interlúdio
Um compasso de tempo
Sabíamos da beleza que nos rodeava
Não sei se estávamos tão presentes para ela
Estávamos obcecados por outras paragens.
Depois veio a saudade.
Fizemos planos para voltar
Chamemos-lhe quimera dos sentidos
Utopia que construímos
Nunca reencontraríamos a nossa juventude
Há muito perdida naqueles lugares.


Juvenal Sacadura Amado
09/01/2024

A caminho do Dulombi
Pôr-do-sol
Pôr-do-sol

Fotos: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)
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Notado editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24665: Blogpoesia (794): "Lágrima de Sol", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

sábado, 13 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25066: In Memoriam (493): Falecimento do Capitão Miliciano de Artª da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), engº Fernando Pires (Luís Dias)




1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), enviou-nos  a seguinte mensagem:





           Falecimento do meu capitão
 

Perder um companheiro que esteve connosco na guerra, mas especialmente alguém que era um bom amigo é imensamente doloroso. Fui hoje informado por um dos seus filhos, que o Engº FERNANDO PIRES, ex-Capitão Miliciano de Artª, que comandou a CCAÇ 3491, pertencente ao BCAÇ 3872, faleceu no dia 11 de Janeiro, no Hospital de Cascais, aos 81 anos, devido a problemas respiratórios. 

Antes do Natal, tinha falado com ele ao telefone e tínhamos combinado encontrar-nos no fim deste mês, pois ainda estava em convalescença de uma intervenção cirúrgica melindrosa. 

A história militar deste meu amigo é um "produto" daqueles tempos em que estávamos em três frentes de Guerra. O meu amigo esteve no Serviço Militar Obrigatório, em 1963, com a idade normal com que se era "chamado" e serviu o percurso normal de um oficial miliciano da especialidade de artilharia e teve a sorte, pensava ele, de não ter sido mobilizado para o Ultramar. Terminado o seu tempo de serviço, voltou à sua vida civil, trabalhava na EFACEC, namorava e tinha a sua vida organizada e um futuro promissor. Contudo, em 1971, foi "re-pescado" para ir para a Escola Prática de Infantaria - Mafra, tirar o Curso Para Capitães (CPC) e mais tarde vir a ser mobilizado para a Guiné a comandar uma companhia de caçadores, jovens "chavalos", onde, a seguir ao 1º Sargento Gama, era o mais velho, com cerca de 30 anos e eu o "puto" mais novo.

O Capitão Pires dirigia uma companhia (cerca de 150 elementos), também 2 pelotões de milícias e era responsável por 250 elementos da população que viviam numa Tabanca anexa ao nosso aquartelamento, isto no Dulombi, Leste da Guiné, região de Bafatá. Foi o nosso comandante entre 18 de Dezembro de 1971 e 4 de Abril de 1974 e dirigiu a companhia com competência e elevado brio profissional, sem nunca deixar de ser um excelente ser humano. Soube das dificuldades que era comandar tanta gente, pois eu próprio fui comandante da mesma, nas suas ausências e férias, o que me foi muito útil, quando fui nomeado comandante do CIM de Bambadinca, em Agosto de 1973.

Depois de terminada a nossa comissão e seguindo cada um o seu rumo, encontrávamo-nos, de quando em vez, mas após o 1º Convívio da companhia, realizado no então R.I. nº2, em Abrantes, de onde partíramos para a Guiné, almoçávamos muitas vezes e íamos aos convívios juntos. 


Na foto, em 1º plano, o Capitão Pires, com o General Spínola, estando eu em 2º plano, no dia da inauguração do nosso quartel em Abril de 1972.

Caro amigo Fernando Pires, que descanse em paz e até um dia destes, para voltarmos a falar da amizade que nos uniu nesta "vida". 

Luís Dias 
Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25055: In Memoriam (492): Fernando Peixinho de Cristo (1947-2004), ex-cap mil inf, cmdt, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74); natural de Coimbra, e reputado hidrogeólogo a nível nacional e internacional

domingo, 3 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24913: Efemérides (421): À beira de fazer 52 anos do embarque do BCAÇ 3872 para a Guiné, admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Em mensagem de 29 de Novembro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), relembra o triste ano de 1971, quando embarcou para a Guiné:

Vai fazer 52 Anos

À beira de fazer 52 anos volvidos a 18 de Dezembro de 1971, sobre o embarque do Batalhão de Caçadores 3872 no Angra de Heroísmo para a Guiné, tento lembrar o acontecimento e o que senti e admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino.

Talvez os anos que a guerra já durava tivessem o efeito anestesiante nos nossos sentimentos e medos. Assim assentei praça à beirinha dos 21 anos esperançoso de que tudo ia correr bem, tudo parecia um sonho mesclado entre a dúvida, a ignorância e a curiosidade que aquela aventura me trazia para a qual eu não tive vontade própria. Como milhares de jovens não escolhi, escolheram por mim.

As alternativas eram difíceis como me lembro. Fugir da incorporação era muito doloroso pelo que, acarretava o julgamento público de cobardia também a perca de cidadania dos lugares e da família, do emprego e de toda uma vida até aí programada.

Também pesou o tipo de guerra em fogo lento em que os mortos não eram parangonas dos jornais mas sim pequenas notícias perdidas nas suas páginas. Quando morria ou voltava gravemente ferido algum filho da terra era quase noticiado a meia voz. O tempo se encarregava de nos distanciar dos dramas que a perda causava. Muitas as vezes se instalaram as dúvidas se era verdade ou se tinha sido assim que aconteceu e se um dia destes ele não aparecia por cá.

Não me despedi dos meus país como se não fosse a ultima vez que os via. Disse-lhes até para a semana, pois ainda cá vamos fazer o IAO e só depois saberíamos a data de embarque.

Formámos batalhão em Abrantes e aí conheci e comecei a criar laços com os camaradas com quem ia conviver nos próximos dois anos. Na altura não sabíamos que alguns não voltariam vivos, mas isso estava longe das preocupações pois como eu muitos deviam viver o dia-a-dia sem pensar no tempo e o que íamos encontrar. A realidade se encarregou de afugentar medos e comprovar muitos dos nossos receios. A realidade era muito diferente do que imaginei, não digo para melhor nem para pior, era simplesmente surreal e muito improvisado. E era surreal porque muitas das coisas não faziam sentido, estávamos mal preparados, íamos aprender a combater como os trolhas aprendem o ofício de pedreiro a alombar baldes de massa e tijolos.

Não abundava a confiança, por outro lado a vida fluía, bebíamos, jogávamos, discutíamos e cumpríamos as tarefas sem caracter de urgência, as centenas de vezes que as cumpríamos isolava-nos do perigo real, que estaria um dia à nossa espera de certeza com resultados funestos. Não aconteceu só aos outros.

Que jovens eram aqueles? O que deviam à Pátria que tão mal os tinha tratado, com trabalho infantil pesado nos campos e nas fábricas, falta de oportunidades para estudar e no fundo a ansiar pelo fim do serviço militar obrigatório para que os deixassem em paz e muitos milhares emigrarem em busca de oportunidade que este país não lhes dava?

Ligava-nos a língua, o sangue e a vontade de regressar sãos e salvos.

Quantos anseios ficaram por cumprir, quantos filhos conheceram os pais quando já andavam, quantos filhos não chegaram a conhecer os pais?
Dezembro de 1971 > Partida do BCAÇ 3872 para a Guiné no navio Angra do Heroísmo

Regressámos não como heróis libertadores, mas como fazendo parte da máquina opressiva que nos dominava. Fomos olhados de lado e escarneceram do nosso sofrimento. Tentamos esquecer o mais rapidamente possível, só nunca nos esquecemos uns dos outros.

Aquele tempo funcionou como uma grande família se tivesse formado, dela saíram milhares de irmãos, que ainda hoje são motivo para encontros onde brindamos ao tempo, outro tempo e a outra idade. De facto fomos mas nunca regressamos inteiramente de lá, mas relembrar o passado não implica vivermos presos a ele.

Estes 52 anos passaram a correr, não sentimos o peso físico das peripécias que ultrapassamos, são só datas, que passaram como escolhos no caminho, pois foi assim que ele foi feito.

Dezembro de 1971 > A bordo do Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Os relógios contaram tempo
O tempo marcou os dias
Os dias somaram calendários
Dos calendários desprenderam-se as folhas
E, nós ficamos nus
Despojados como Plátanos no Inverno
Porque os relógios nunca param

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24880: Efemérides (420): A 35ª CCmds (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73) partia, há 52 anos, às 11h00, para o CTIG no T/T Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, Aveiro)

domingo, 4 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23844: Blogoterapia (308): As desejadas férias e a angústia do regresso à Guiné (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

1. Em mensagem de 1 de Dezembro de 2022, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos das suas férias na metrópole e na angústia do regresso  Guiné.


As desejadas férias

Gozei os meus trinta e cinco de férias entre Outubro e Novembro de 1972.

As férias eram ansiosamente esperadas e assim eram, não muitas vezes, um pouco decepcionantes em relação às expectativas criadas. É como desejar muito uma coisa, que se transforma num balão e que esvazia lentamente. O facto de ter de regressar tirou muito do prazer de voltar a casa, abraçar os meus pais e irmãos, percorrer os locais beber um café na esplanada do Trindade, estar longe da bianda com estilhaços, das latas com cavala, da ração de combate, o pó da picada. Tudo sabia a ilusão estar ali.

Bem sei que praticamente todos os amigos da minha geração estavam a cumprir as suas comissões. Quando ia ao café,  era quase um estranho só os mais velhos ou mais novos me conheciam.

Por assim dizer a minha vida estava parada, não podia ou não queria ter esperança ou dar esperança, aos que me rodearam com todo o carinho e que tudo fizeram para não me sentir deslocado, mas de alguma forma eu também estava ausente como se não tivesse vindo todo no 727 da TAP . Parte de mim tinha ficado lá, junto dos camaradas nos dias tórridos, nos cheiros bem como nos sons que se expandiam pelo ar logo de madruga.

Hoje encontrei o recibo de uma prestação da minha viagem, 2.235$50 julgo que (pesos) escudos da Guiné. Uma pequena fortuna para aquele tempo, se fizer as contas custou todo o dinheiro que cá ficava depositado até à data.
Uma curiosidade era ter a data do meu desembarque e o fim da comissão para 17 de Setembro de 1973 . Uma espécie de futurologia falhada uma vez que só em finais de Março de 1974 o meu batalhão embarcou no Niassa de regresso a casa.

Vim mais o furriel Fonseca e um camarada do Dulombi a quem chamavam o “Espanhol”. Este camarada era uma pessoa extremamente alérgico a qualquer picada. Assim bastava ser picado por uma formiga daquelas pequeninas pretas para ficar complemente deformado. No avião sentiu-se indisposto e a hospedeira veio com um alka-seltzer. Bom, a reacção alérgica foi de tal ordem, que julgamos que ele não chegava vivo à ilha do Sal. Também viajou no mesmo avião o meu colega de escola primária, Augusto, que estava nos comandos.

Como todos imaginam foi uma festa com uns whiskies, porque o avião era coisa fina e não se bebia lá bejecas nem se comia mancarra.

Fui padrinho de casamento do meu irmão e assim à medida que se aproximava o regresso mais fechado eu me tornei e para os últimos dias eu só desejava desaparecer dali para fora e, já que tinha que ser regressar a Galomaro, que fosse o mais depressa possível.

Parece triste para quem tanto desejou a minha companhia saber que eu não conseguia viver com aquela espada suspensa sobre a cabeça.

Chegado a Bissau, outro problema se pôs que foi o de regressar a Galomaro,  o que não era fácil porque a grande via de acesso era o Geba e não se podia ir a nado. Após alguns dias consegui transporte numa LDG até ao Xime onde fui recolhido por uma coluna do meu batalhão.

Por estranho que pareça senti-me seguro como se o que acontecesse não fosse o esperado.
Foto da festa do meu regresso. Nessa noite atacaram Campata com pelo o menos seis mortos confirmados entre os guerrilheiros, dois milicias e varios feridos entre a população. Na foto estão o Ivo, o Catroga, o Silva, eu, o Passos, o Silva e o Ferreira.

Assim regressei a tempo de infelizmente assistir ao período mais difícil do meu destacamento, com ataques a aldeias em auto-defesa, com minas, com o primeiro morto na picada do Saltinho, com a morte do alferes Mota e por fim com o ataque ao arame no dia 1 de Dezembro.

Quando regressei de vez, voltei aos mesmos sítios e encontrei os que já tinham regressado. O ar era mais leve porque a minha ansiedade tinha desaparecido após deixar o Niassa, agora era para ficar.

Um abraço
Juvenal Amado

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23835: Blogoterapia (307): Nós e eles (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16)