Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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quinta-feira, 28 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27163: Felizmente ainda há verão em 2025 (26): O Meu Poema Azul (Versão do fim da tarde) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)
O MEU POEMA AZUL
(Versão do fim da tarde)
Não sei colher uma rosa
nem é grande a pena minha
não sei descer à cidade cantando
nem aprender sequer a pintar o tempo
à medida que a vida foi andando.
Não sei comer do prato dos outros
nem quero
não sinto inveja à beira da fartura
nem ouço o que a ausência tem para dizer
nas entrelinhas da secura.
Nunca sei parar o fluir dos dias e das noites
nem quebrar os ramos tortos da memória
trazendo às mãos tudo aquilo que não tive
e aos olhos tudo aquilo que não fui.
Dizem que no fim do dia ainda há um suspiro azul
quando a tarde se deita no colo da montanha
e o sol se dissolve no mar
onde repousam os que amaram sem medida
acreditando que as lágrimas eram vida.
Para além das sílabas e dos versos
sempre procurei a voz poderosa mais vizinha do silêncio…
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha
no suave perfume que o adivinha.
…Não sou capaz de recriar o brilho do poema azul...
e isso dá-me vontade de morrer.
O meu poema azul
lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto
junto ao rio dos teus olhos onde a vida se fez poema
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia
o meu poema azul…
nascido do infindo perfumado do teu nome
onde danças o secreto voo das aves
sobre o último verso que escrevi
quando a noite se fez de estrelas.
…Não sei recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.
Tentei para lá das sílabas e dos versos
encontrar meu barco à entrada do mar
onde repousa teu corpo entre algas e maresia
meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto que me viveu e me iludiu
que me prendeu ao lugar azul que procurei noite e dia
por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu
não tem asas nem olhos nem sentimento.
um poema apenas meu
neste solitário desejo do fim da tarde
que o trouxesse um dia o vento se vento houvesse
que a saudade o encontrasse onde ele estivesse
mas o meu poema azul já morreu.
E se me perguntam porque ao nascer já morreu
direi apenas
porque o pintei com o azul do céu.
E se me perguntam porque o escrevi com a cor do céu
direi apenas
foi no azul que sempre encontrei quem sou
e no azul do tempo onde perdi o meu poema
nunca o eco do teu nome se apagou.
…Nunca soube recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.
Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera
mas tão alto não cheguei
mais à mão molhei meus braços nus
no regato cristalino que corria por entre os dedos
num solo de cores e violino
e por entre a chama azul do instante
ficou meu poema suspenso da memória.
Nunca soube colher uma rosa nem descer à cidade cantando
sempre fui aquele que ontem dormiu sobre um poema azul
e das asas da ilusão se desprendia
sempre fui o mesmo que ontem se despiu
nos braços do poema que vivia
sempre fui aquele que ontem habitou em silêncio
o poema azul que acontecia
sempre fui aquele que sonhou em vão…
com o poema azul de mais um dia
sem saber que a fresca luz da manhã
sonho de esperança que não se alcança
há muito se fez noite de sombra e nostalgia.
…Nunca soube recriar o brilho do poema azul...
e isso sempre me deu vontade de morrer.
adão cruz
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Nota do editor
Último post da série de 27 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27158: Felizmente ainda há verão em 2025 (25): Cabo Verde, onde os sonhos proliferam e as águas azuis dão as bem-vindas aos visitantes (José Saúde, ex-Fur Mil Op Especiais)
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1 comentário:
Uma tela de palavras poema pintada a azul.
Obrigado Dr. Adão Cruz
Abraço
Eduardo Estrela
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