Mostrar mensagens com a etiqueta tropa especial. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta tropa especial. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4338: Tabanca Grande (140): Vítor Oliveira, ex-1.º Cabo Especialista da FAP, BA 12, 1967/69

1. Mensagem de Vítor Oliveira, 1.º Cabo Melec da FAP, BA 12, Guiné, 1967/69:

Amigo Luís
Aqui está o meu pedido de adesão.
1.º Cabo Especialista Melec - 1.ª de 1966
Estive na BA2 e Escola Militar Electromecânica entre 20 de Janeiro de 1966 e 19 de Abril de 1967.
No AB1 entre 20 de Abril e 8 de Outubro de 1967.
Na BA12 entre 9 de Outubro de 1967 e 31 de Maio de 1969.
Na BA4 entre 31 de Maio de 1969 e 12 de Janeiro de 1970.

Era conhecido na terra do branco pelo Canéças e na Guiné pelo Pichas.
Moro actualmente em Canéças. Estou reformado.
Um pormenor Benfiquista a sério.
Luís um abraço.


2. Honório e eu num abrigo em Madina de Boé. A nossa sorte

Estávamos em Nova Lamego a fazer proteção à coluna para Madina, quando um dia, pela manhã, carregam um caixão forrado a pano preto na DO para Madina. Aparece o Honório e diz-me:
- Pichas vamos a Madina.

Eu disse-lhe a gente lá nem tempo tinha para beber um copo. Quando íamos a Madina nem parávamos o motor.

No meio desta conversa apareceu um cabo do exército que pediu ao Honório se o levava, porque nunca tinha andado de avião. Ainda lhe perguntei se sabia onde se ia meter.

Bom, lá descolámos os três e eis que quando passávamos o rio, vinha uma coluna na direção do Cheche. O Honório quando a vê, toca de fazer as suas habilidades e o nosso cabo começa de gritar ao gregório, que não se podia estar dentro da DO.

Quando aterrámos, disse ao cabo para ir buscar água para lavar o avião.
Veio um alferes e um cabo num unimog que nos convidaram para irmos beber um copo. De repente ouvem-se uns tiros. Ao alferes e aos cabos nunca mais os vi. Eu e o Honório deitámo-nos debaixo da DO. O pessoal do quartel começou a chamar-nos. Levantámo-nos e lá vêm mais uns tiros. Ficámos debaixo do unimog e só à segunda tentativa conseguimos entrar no abrigo.

Abrigo esse em forma de L. Entrámos lá para dentro, para o fundo. Puxei dum cigarro, tremia como varas verdes, e o Honório a gozar comigo. Passada talvez meia hora e depois do pessoal do quartel ter mandado umas morteiradas lá para os montes, diz o Honório:
- Pichas vamos embora.

Perguntei pelo cabo, foram à sua procura e vi-o sair do abrigo em frente, havia salvo erro duas ou três tabancas. De novo se ouvem uns tiros e então ele entra a correr pelo abrigo dentro, dizendo-me que ali é que se estava bem.

Ao fim de mais uma hora, lá desatámos a correr para a DO. Foi chegar, pô-la a trabalhar e descolar, a rapar, direito ao monte.

Posso dizer que os nervos eram tantos que consegui fechar a porta da DO com o cinto de fora, meti a mão na janela, mas parti o acrilico da porta. Isto porque o inimigo tinha lá um artista a quem chamavam Osvald (que matou o Kennedy) e que punha o quartel em alvoroço.

Fui lá algumas vezes levar munições nas DO. Devemos ter sido os únicos da FA a conhecer aqueles abrigos.

Felizmente a sorte esteve do nosso lado.

Já agora gostava que me explicassem como é que aparece em livros editados fotografias de um T6G em reparação em Madina, uma vez que a pista mal dava para as DO e ficava no meio dos montes.

Um abraço
Vitor Oliveira

Este é T6G 1791 que um alferes periquito mandou para o capim perto de Madina

Aqui é pessoal a desmontar o todo o material que foi possivel.esta operação foi feita com a proteçção dos paraquedistas

Já não me lembro deste pessoal a não ser do sarg.ajudante Manuel Matacão

Este é o avião que o brigadeiro Hélio viu quando da retirada de Madina de má memória e que eu assisti

A carcaça ficou lá depois de incendiada


3. Comentário de CV:

Caro Vitor Oliveira, finalmente entraste nesta Tabanca de tropa, dita, macaca, onde se pode encontrar elementos da tropa especial, de que tu és um bom exemplo.

Muito obrigado por te juntares a nós e aos teus camaradas da FA que já colaboram neste Blogue.

Como sabes, além de Especialistas, temos Caçadores Pára-quedistas, Pilotos-aviadore e até uma Enfermeira Pára-quedista. Uma panóplia completa. Estás em família, portanto.

Temos cá umas fotos tuas que iremos publicar brevemente, logo mantém-te atento e poderás, mais tarde, enviares mais umas coisas para publicação.

Em nome da tertúlia e especialmente dos teu camaradas da FA, deixo-te um abraço.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4329: Tabanca Grande (139): Francisco Santos, ex-militar da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau, Bafatá - 1963/65)

segunda-feira, 30 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4110: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (6): 'No melhor pano cai a nódoa' (Amílcar Mendes / Pereira da Costa)

1. Mensagem do Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Comando, 38ª CCmds (Brá, 1972/74 (na foto, à esquerda, na mata do Morés, em 1972):

Assunto - Direito à indignação, com pedido de publicação:

Amigo Mário Pinto, entendo a sua indignação (*). Vi a entrevista e tambem acho que houve algum excesso. Conheço o Sr general Almeida Bruno ,comandou o meu Batalhão na Guiné,não venho defendê-lo e nem ele precisa, mas pode querer que como tropa especial numca eu ou os camaradas com quem trabalhei no TO ,tivemos a mais leve desconsideração pela tropa a quem chamavam de "tropa normal".

Pelo contrário, sempre os respeitei e admirava o sacrifício de sobreviver dia a dia nas condições mais miseráveis, enterrados em destacamentos no cú de Judas, em que o unico passatempo era contar os rebentamentos e contabilizar os estragos.Com armamente rudimentar faziam milagres frente ao inimigo, e se não faziam melhor era porque a instrução que recebiam era muito rudimentar.

Apenas lhe dou um exemplo: o destacamento que vivia na ponte de CAIUN, na estrada de Piche - Bruntuma é exemplo do que a "tropa normal" passava,e acredite, amigo Mário Pinto, que dentro da "tropa especial" havia muito manjerico que nem na "tropa normal" se safava.

Quanto ao comentário do Sr. General, as vezes "no melhor pano cai a nódoa"

Um grande abraço do Amílcar Mendes ex 1ª cabo Comando


2. Mensagem do António José Pereira da Costa (ex-Cap Art CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, hoje Cor Ref, director da Biblioteca do Exército, Coimbra):


Olá, Camarada

Será lugar comum dizer que o Gen Bruno foi infeliz no que disse. Porém não me parece legítimo que se possam generalizar as suas afirmações. Fico com a ideia de que ele se estava a referir ao momento da chegada do Gen Spínola (MAI 68) e não podia (e não estava a) referir-se à tropa, em geral. Claro que havia sítios e sítios, assim como havia unidades e unidades...

Eu estava na Guiné nessa altura e possa testemunhar as profundas alterações que se deram. Havia mesmo unidades com actividades baixas e que só esperavam que o tempo passasse e que a sorte os protegesse. Outras havia que se batiam bem e com resultados um dos quais era manter o IN em respeito. Claro que o factor sorte também é importante. Destas variáveis resultava um situação complexa e que seria abusivo generalizar. O Cmdt do meu batalhão foi um dos que "regressou" antecipadamente e era verdade que houve casos de Cmdt que não localizavam as respectivas companhias no mapa.

Creio que o Mário Pinto não deverá tomar "à letra" o que foi dito. De outro modo, a maioria de nós estaria indignada e muito.

Talvez eu possa parecer demasiado conciliador, mas do que conheço do Gen Bruno, ele não é pessoa que apouque o esforço genuíno dos outros que somos todos.
Um Ab.
___________

Nota de .G.:

(*) Vd. postes anteriores:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4094: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (5): Não esperava ouvir tal coisa (Manuel Amaro)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

sábado, 28 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael": não é indicado o dia, o mês e o ano, mas presume-se que seja Junho de 1973, por ocasião da batalha de Gadamael, em que Jorge participou com os pára-quedistas do BCP 12 , as CCP 121 e 123, a que ele chama "excepcionais" (*).

Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Canhão, a propósito do depoimento do Gen Almeida Bruno, no programa A Guerra, II Série, da autoria de Joaquim Furtado, que passou na RTP1, na passada na 4ª feira, da 25 de Março, e que está a causar indignação entre os membros da nossa Tabanca Grande e de outros camaradas que acompanham o nosso blogue:

Camarada Luís Graça:

Sou o Jorge Canhão, ex-Fur Mil da 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72, sediada em Mansoa.
Em relação ao email (**) que nos enviaste sobre o último episódio da guerra colonial (12), informo-te que tenho todos os episódios gravados, e espero gravar tudo o que falta.

Sobre o depoimento do Gen Almeida Bruno, vou transcrever o que ele disse:

"Eu digo-lhe com toda a franqueza, sem qualquer crítica aos meus camaradas, mas esta é a verdade e a verdade tem de se dizer. A maioria esmagadora eram BANDOS, que estavam atrás do arame farpado, à espera que o inimigo atacasse para se defenderem. Havia muito pouca iniciativa, com excepção, como lhe disse, dos pára-quedistas e dos fuzileiros, isso de facto, esses nunca perderam, nunca perderam o rumo". (Transcrito, tal como está na gravação)

É, no meu entender, uma maneira muito vergonhosa de adjectivar os milhares de militares que, nas mais penosas condições, combatiam em nome de alguns poucos e do sistema que governava o País e as colónias. Muitos não tinham água, a comida era pouca, repetida e muitas vezes de péssima qualidade. As condições de habitabilidade, excepto nos quartéis das cidades e vilas, eram as que todos sabemos.

O treino militar a que fomos sujeitos era inadequado, as balas eram contadas, as granadas..., enfim tudo era contado pois não se podia gastar mais que o estipulado, e de maneira insuficiente.

No teatro de guerra, aí sim começava o verdadeiro treino, mas esse já era para valer, e aí verificávamos toda a nossa inferioridade de material de guerra em relação ao PAIGC.

Foi por isto que "os bandos" passaram, mas foram esses bandos que, à custa do seu sangue, mantiveram esta guerra por cerca de 11 anos, para que os militares do ar condicionado acumulassem comissões atrás de comissões.

Por agora fico-me por aqui, acho que me alonguei um pouco, mas enfim... saiu.
Abraços

Jorge Canhão

___________

Notas de L.G.:

(*) 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(...) Chegámos à Guiné a 5/10/72, fizémos o IAO na zona do Cumeré e a 17/11/72 fomos para Mansoa.

A 18/6/73 deixámos o Batalhão e passámos a estar dependentes do COP 5 e do COT 9 como Companhia de Intervenção.

Fizémos operações nas zonas de Mansoa, Mansabá, Bissorã, Farim, Bula, Cacine e Gadamael, onde estivémos com as excepcionais Companhias de Paraquedistas 121 e 123.

A 12/5/74 deixámos de ser Companhia de Intervenção e regressámos ao Batalhão.

Em 26/8/74 embarcámos de avião para Portugal.

Em toda a comissão e após algumas centenas de operações, tivémos 2 mortos (um furriel e um soldado), 2 feridos graves (soldados) e uma dezena de ligeiros, entre oficiais, furriéis e praças. (...)


(**) Mails de Luís Graça, um copm data de 26 de Março e outro com data de 27, enviados a toda a Tabanca Grande:

Assunto - Direito à indignação:

Camaradas:

Quem viu ontem, do princípio ao fim, na RTP 1, o 'episódio' semanal de A Guerrra, do Joaquim Furtado, II Série ? Como estive em aulas até às 22h, só vi o fim, quando cheguei a casa...Estava-se a falar do desastre do Cheche, no Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969... (Temos no blogue um dossiê, bastante completo, sobre este trágico episódio da Guerra da Guiné).

Ainda reconheci o nosso camarada Paulo Raposo, mais novinho uns anos, em imagens de arquivo (presumo)... O Paulo pertencia à CCAÇ 2405, de Dulombi/Galomaro, que perdeu 17 homens (no total, foram 47 as vítimas)... Também ouvi de raspão o Cor Aparício (que comandava a outra companhia, que teve ainda mais baixas)... O Aparício repartiu culpas por toda a gente, à boa maneira de Pilatos...

Como perdi a maior parte do programa, não sei o que disse antes o Gen Almeida Bruno... E protanto não posso comentar.

Vejam, a seguir, o texto do nosso camarada Mário Pinto, que está indignado com as declarações do antigo ajudante de campo do Spínola... Alguém quer comentar, com vista uma eventual publicação no blogue ?

Um Alfa Bravo. Luís


Assunto - A Guerra, II Série - Programa de Joaquim Furtado > Último episódio (desastre do Corubal), que passou 4ª F, na RTP

Amigos e camaradas: Alguém gravou o episódio de 4ª feira ? Era importante, por causa das alegadamente polémicas e ofensivas palavras do Gen Bruno de Almeida (***) sobre a "tropa macaca"... Eu não vi, gostava de ver.


(**) A primeira mensagem, de protesto, foi-nos enviada , em 26 de Março, por Mário Pinto, ex-Fur Mil, CART 2519, Buba Mampatá, Aldeia Formosa (1969/71), e que não é formalmente membro da nossa Tabanca Grande:

Assunto - Direito à indignação

Ontem ao ver o programa Guerra do Ultramar na RTP1, fiquei indignado com a falta de respeito do Sr. General Almeida Bruno em relação aos nossos camaradas militares conhecidos por tropa macaca, como BANDO, que se limitavam a estar presentes dentro do arame farpado.

Sr. General, é preciso ter descaramento e ser insultuoso para criticar os nossos bravos militares que tão abnegadamente serviram a Pátria em condições de inferioridade táctica e material e desconhecendo o inimigo que defrontavam porque tiveram uma instrução deficiente, que é da sua responsabilidade e dos oficiais superiores que nos comandavam entre aspas. Porque estes, sim, é que estavam no arame farpado.

V. Exa. Sr. General, já se esqueceu que a guerra fora do arame farpado era comandada pelos milicianos e graças a eles lá fomos adiando o fim do Império Colonial.

Para terminar só posso acrescentar que fui ferido em combate e não dentro do arame farpado, louvado e premiado por actos de coragem e fui não foi dentro do arame farpado.

Cumprimentos, camarada Luis Graça

ex furriel Mário

domingo, 11 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1583: A verdade sobre a batalha de Bissau, entre fuzileiros e paraquedistas (José Ribeiro, BCP/CCP 122, 1967/68)

Guiné > Bissalanca > BCP 12 > CCP 122 (1967/68) > Faxinas ao batalhão .

Guiné > Bissalanca > BCP 12 > CCP 122 > O soldado paraquedista José Ribeiro. Pela escrita, vejo que é nortenho, possivelmente natural do Porto. E deve viver actualmente na Suiça, a avaliar pelo seu endereço de e-mail: zeporto@bluewin.ch. Bluewin é um dos mais conhecidos fornecedores de acesso à Internet, a operar na Suiíça.

Fotos: © José Ribeiro (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem enviado pelo José Ribeiro, ex-paraquedista (BCP 12, Guiné 1967/68):

Camarada e amigo Graça: aqui envio a cópia do documento que lhe falava no email anterior! Se o meu Amigo o entender publicar, tem toda a liberdade, o qual me faria imenso prazer.

José Ribeiro


Referência ao texto onde se publicam extractos de VICENTE, Carmo - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. pp. 25-30 (1).

Caros camaradas: Reservando os direitos do autor Vicente do Carmo, vou tentar também ajudar um pouquinho pois que há coisas que estão um pouco deturpadas, e creio que o meu amigo e companheiro desta batalha não me levará a mal.

Colega da mesma recruta, do curso de Pára-quedismo e curso de combate, partimos no mesmo dia para a Guiné, combatemos juntos, não por muito tempo pois ele [ o Vicente do Carmo,] voltou, passado uns meses para Tancos, onde o vim encontrar, à minha chegada, com o posto de 2° sargento, salvo erro. Tudo isto no espaço de dois anos entre o assentarmos praça e a minha chegada, a 23 de Maio de 1968.

Conta como comissão de serviço esta pequena passagem pela Guiné para amealhar uma 3ª comissão! Eu gostaria que a estadia em África fosse contada por meses e não por comissões ! Neste caso teríamos camaradas do Exército que estiveram igual tempo ou quase, em uma comissão que neste caso contou três!!!

O nosso relacionamento era o normal entre camaradas nos bons e maus momentos. Também gostaria de precisar que o Camarada Vicente já tinha irmãos 1° Sargentos nas Tropas Pára-quedistas.

Para me referir ao livro, aqui, bom, só tenho as minhas memórias (de quem só fez uma comissão na Guiné que eram precisamente 18 meses).

Amizades com os fuzos ?

Jamais do nosso tempo na Guiné fomos amigos dos Fuzos , inclusive só um Fuzo e sempre o mesmo ia ao nosso Batalhão. Amizades em Bissau concerteza que existiria, pois entre todos nós teríamos colegas da escola, vizinhos ou amigos e era tudo. Não tínhamos amizades tradicionais com tropas de outros ramos , até porque no Ano de 1966 tivemos também uma grande batalha na estrada entre Bissau e o nosso Batalhão, com os Comandos

Conhecidos arruaceiros como o famigerado Oitenta (3)... O 1° Cabo 80 não era arruaceiro, era um Pára-quedista e um bravo combatente.

Chicotes e cinturões

Este meu colega de guerra [, o Vicente do Carmmo,] nunca sentiu o que representa a boina verde para um Pára-quedista! Farras monumentais com os fuzos!? Concerteza que a guerra do Vicente era uma outra!

Concerteza que para se escrever um livro se tem que inventar, por estas razões temos que não olhar para os cambridges e direitos de não sei de quem para repor a verdade. É verdade que o cinturão nos era imposto, fazia parte da farda de saída que era a amarela, não era autorizado sairmos de camuflado.

Quanto aos chicotes, não eramos da cavalaria por esta razão poderia inventar outra mas como homens que éramos tinhamos sempre connosco o de nascença.

Quanto às correntes de bicicleta, não existia uma bicicleta naquele tempo na Guiné, esta nem tem cabidela, é escrever por escrever! Cabos de aço ? Cabe na cabeça de alguém irmos passear com cabos de aço em Bissau ???? E onde os ir procurar?

Quanto aos braços engessados, mais à frente explicarei!

Arruaceiros ? Eles eram os melhores de todos nós!

E quanto aos arruaceiros, valha-nos Deus que ele concidera os nossos bravos como o 80, o Latas , o Ribeiro , o Setúbal , o Almada , o 3 e tantos outros como arruaceiros !... Saberá o Vicente que estes eram aqueles que em quem mais confiavamos na guerra ?

Eram estes mesmos e não sei porquê os que utilizavam a MG em combate, eu nunca fui um arruaceiro mas também nunca virei a cara à luta, talvez tivese dado muita porrada mas também apanhei muita, até talvez tivesee apanhado mais que aquilo que dei , mas como diz o outro nunca fiz papel de cobarde e nisto tenho honra. Se fui um arruaceiro que me desculpem todos os boinas verdes mas foi para honrar as tropas Pára-quedistas.

A UDIB (boinas negras) contra o ASA Clube (boinas verdes)

Neste dia, sábado, faziamos 6 meses da nossa chegada á Guiné e como tinham vindo os manda-mais da marinha fazer queixa ao nosso comandante porque Páras tinha dado porrada nos marinheiros, o nosso comandante com todo o Batalhão reunido passou-nos um violento sabão e dos grandes, como manda a lei!

Para terminar o seu discurso o nosso Comandante disse algo do génereo: "Que já tinha ouvido em qualquer parte, talvez dos meus Pais, enquanto me vierem fazer queixa de vós, porque fosteis ao focinho aos outros tudo vai que vai, mas o dia que eu tenha o desgosto de ir eu mesmo pedir satisfações aos outros, aí ides apanhar uma porrada que não mais saireis da tropa"... Isto dito mais ou menos nestas palavras. E de manhã, não à noite e foi o nosso comandante, estando eu de serviço ao Batalhão !

Depois da malta destroçar , vejo a virem, da enfermaria um, colegas com os braços engessados - três, seis, dez - e aí eu perguntei o que se tinha passado... Rapidamente cheguei á conclusão que qualquer coisa não estava a bater bem. De tarde fui para Bissau com o meu cinturão porque era obrigado, e creio que quase todo o batalhão tinha metido dispença de formatura para a noite. Estas foram as nossas armas .

Uma manga verde, lançada ao acaso: o rastilho de uma tragédia

Uma manga verde foi o que o Vicente apanhou na cabeça, de certeza ! Como se fosse preciso tamanho disparate para todos nós começarmos à porrada! Se ela estava programada !!!

Por pudor, não contarei aqui o que me sucedeu mas, como costumo dizer, dei mas tambem apanhei. Muito ou pouco ? Não conta para a história, o mais que posso é lamentar o que se passou, que não se deveria ter passado. Mas crianças como nós éramos, nos nossos 18 aninhos - pois era a média de idade que tinhamos nós, os Pára-quedistas -, quem poderá nos atirar a pedra? Ou nos tratar de arruaceiros ? Quem? Os outros eram melhores ? Para a porrada, pelos vistos, não!

Uma batalha campal: fuzileiros armados de G-3 a granadas de mão

A verdade é que, tendo os marinheiros o quartel ali a uns metros do local, válidos,inválidos, feridos e aqueles em boa saúde, fugiram para o seu quartel e, como não poderia deixar de ser, ao entrarem aqueles valorosos soldados todos partidos e com o peso da derrota gerou-se o pânico !

E com os nervos à flor da pele alguém teve a infeliz ideia de dar ordem para que saisse o piquete da guarda. Se não tivessem saído estes, tinha tudo ficado por ali sem mais histórias como das outras vezes.

Escusado será dizer que alguns destes fusos foram desarmados por nós, não tendo nós mesmos feito uso destas armas, como nos tinham ensinado na instrução. Mantivemos a nossa dignidade e controle sobre a situação, de outra maneira estavamos hoje aqui a falar não de feridos e dois mortos mas de uma catástrofe nacional. E este parágrafo deve de ser muito bem estudado por todos os intervenientes!

Como resultado desta operação, fomos a companhia de caçadores paraquedistas 122 para um lugar célebre, onde anos depois foram mortos 3 Majores, o Bachil em tendas de campanha, durante um mês a fazer operações. A CCP 121 foi para um outro local.

Fuzos, a Campanhia ou outro nome que eles tinham, foram todos para Moçambique por terem sido dados como culpados (creio eu )! E para se evitarem outros confrontos.

Outros factos a corrigir

Queria também repor aqui umas verdades, caso do Comandante Civil e Militar o General Arnold Schulz voltou para Portugal em fins de Maio de 1968, neste caso um ano depois deste triste acontecimento que foi no dia 3/6/1967...

O Oitenta também não era enfermeiro nem nunca o foi!! E a seguir a este episódio o 80 terminou a comissão obrigatória e por conseguinte voltou para Portugal!

Obrigado pela atenção e saudações a todos os militares em especial os que se bateram em Africa, sem distinções de fardamentos.

José Ribeiro

Ex-paraquedista da CCP 122 (Guiné, 1967/68)

Comentário de L.G.

Obrigado, José, pelo teu contributo para esclarecer a verdade sobre a tristemente famosa Batalha de Bissau. Eu não conheço o Vicente do Carmo, nem ele sequer é membro da nossa tertúlia. Mas, se ele nos ler, naturalmente que também está no direito de te responder.

Em relação ao teu texto, gostaria de esclarecer a questão das datas: tu dizes que "este triste acontecimento" ocorreu em 3 de Junho de 1967, um ano antes da substituição do Schultz por Spínola. O Vicente do Carmo, no seu livro Gadamael, situa a batalha de Bissau em Janeiro de 1968.

Como sabes, aqui não nos interessa a polémica pela polémica, mas a verdade dos factos. Todos estamos a lutar contra a degenerescência dos nossos neurónios e o esquecimento (social) a que os outros portugueses nos votaram. Por isso, o teu depoimento é muito importante. Tu estiveste lá, na porrada, nas ruas de Bissau, não ouviste contar em segunda ou terceira mão (2)... Por outro lado, é bom lembrar que estes acontecimentos não eram isolados, que se repetiram em Bissau e aconteceram noutros sítios, com maior ou menor freqência e gravidade (3)... E, já agora, temos de evitar cair no erro do maniqueísmo, a divisão do mundo em bons e maus...

Espero que voltes a escrever-nos. E diz-me se queres passar a figurar na lista dos membros da nossa tertúlia. Só me falta uma foto tua, actual. Comfirma também o teu oposto e a tua unidade. Diz-me também quando chegaste à Guiné. Boa sorte, para ti.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

(2) Vd. outros posts:

13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1522: Bissau em estado de sítio por causa dos graves incidentes entre paraquedistas e fuzileiros em Janeiro de 1968 (Álvaro Mendonça)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(3) Vd. 10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1579: Buba: Graves incidentes entre camaradas, comandos e fuzileiros, em 19 de Abril de 1969 (Zé Teixeira)

sábado, 10 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1579: Buba: Graves incidentes entre camaradas, comandos e fuzileiros, em 19 de Abril de 1969 (Zé Teixeira)

Guiné > Região de Quínara > Buba > 1969 > O Zé Teixeira, em Buba, com um grupo de barbudos camaradas...


Foto: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.

Mensagem do José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):


Caríssimos:

Infelizmente não foi cena única naquela triste guerra (1). No meu diário escrevi (2):


Buba, 19 de Abril de 1969:


Pela primeira vez, num ano de guerra com diversos casos graves e mortais, vi camaradas meus serem varados por balas de armas manejadas por companheiros só porque já não se houve a voz da razão.

Um pequeno incidente de palavras entre um soldado da minha Companhia e um Comando Africano, quando tomavam banho originou uma luta entre Fuzileiros e Comandos com consequências graves. Parece está tudo louco.

Um Comando branco defendeu o Africano e alguns Fuzas intrometeram-se. A coisa azedou e surgiu uma cena de pancadaria de que resultaram algumas cabeças partidas e olhos negros. Aparece uma G3 a vomitar uma rajada e quatro meros espectadores ficam gravemente feridos. Uma perna desfeita, um braço cortado e o mais grave veio a falecer com uma bala na cabeça. Foi este o resultado de uma simples discussão.

Eu estava de saída para o mato e mal vi os feridos. Pela primeira vez na minha vida de guerra, chorei. Lágrimas de raiva ... e de sangue.

O que aconteceu na realidade: A minha companhia estava encarregue dos trabalhos de protecção na construção da estrada de Buba para Aldeia Formosa (Quebo). Os Comandos tinham chegado de um Patrulhamento. Os Fuzas também estavam a chegar de uma saída. Na altura Buba era um centro operacional em movimento constante. Toda a gente foi refrescar-se com um agradável duche fresquinho, pois água era coisa que não faltava. Água, minas e encontros desagradáveis com o IN era coisa que não faltava. Comida essa foi durante muito tempo feijão com chispe (amostras) ao almoço e arroz com chispe ao jantar.

Mesmo assim fazia-se fila para o duche, dada a quantidade de candidatos a colocarem a cabeça debaixo de água. No meu baptismo de fogo, nesta mesma terra, um ano antes, estavam cerca de três Companhias a tomar banho, no regresso de uma coluna, quando o IN atacou em pleno dia. Resultou que saltamos todos para a Vala, uns nus, outros ensaboados e outros molhados, tudo à molhada. Que espectáculo ! Coubemos todos e não houve feridos, pois o IN não acertou sequer com uma dentro do quartel, apesar de terem atacado de duas frentes distintas e ao mesmo tempo.

Voltando ao triste relato dos acontecimentos. Um camarada da minha Companhia estava no duche a cantarolar. Alguém do lado mandou-o cantarolar para a Puta que o pariu . Era um comando africano integrado na Companhia de comandos, com quem convíviamos há vários meses e a nossa relação era estupenda. Palavra puxa palavra e ao fim de algum tempo começa uma cena de batatada, pois há um fuza que se põe do lado do meu colega, que entretanto se afasta, bem como o outro contendor.

A luta centra-se entre Comandos e Fuzas. Não sei quem estava a ganhar, primeiro porque não gostava deste tipo de cenas, segundo porque estava a preparar-me para sair a fazer patrulhamento nocturo. De repente ouço uma rajada de G3. Naturalmente que após alguns segundos de expectativa, fui ver o que se passava, temendo o pior, e o pior tinha acontecido. Não me recordo quem foi, mas alguém, talvez cansado de levar tareia, afastou-se da contenda, foi à caserna e pegou na G3. A tragédia aconteceu.

Após a cura emotiva, resultante do tempo que já passou, penso hoje que cenas destas só eram possíveis devido ao estado de pressão emotiva que todos vivíamos. Não culpo ninguém, mas ainda sofro ao reviver esta e outras cenas entre camaradas e amigos, brancos e africanos, que de repente se exaltavam e passavam a vias de facto, tal era o estado de espírito em que nos encontrávamos. Abraços para todos e façam o favor de procurar ser felizes.

Zé Teixeira
Esquilo Sorridente

_________

Notas da L.G.:


(1) Vd. posts de:

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)


(2) Vd. post de 30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVI: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (10): Abril/Maio de 1969, 'Senhora, nem Tu me salvaste!'

domingo, 10 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1354: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene Rodrigues da Mata (1): De 1º Cabo Comando a Torre e Espada (Virgínio Briote)



Guiné > 1966 > Comandos a caminho de Bafatá, junto ao Dakota para operações na região do Xitole. O 1º Cabo Marcelino da Mata (hoje  tenente coronel graduado  na reforma, e com 69 anos de idade) é o primeiro da esquerda, na segunda fila (assinalado a vermelho). Dois dos actuais membros da nossa tertúlia também constam da foto: O Alf Mil Briote, o segundo, a contar da esquerda, da primeira fila (assinalado a verde); e o então Capitão Rubim (hoje coronel na reserva), o 6º da primeira fila, também a contar da esquerda (assinalado a amarelo).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em 4 de Outubro de 2006, recebi uma mensagem de e-mail da filha do Marcelino da Mata, Irene Rodrigues da Mata, a pedir a colaboração da nossa tertúlia:

Gostaria de saber se é possivel mandar-me informações sobre o meu pai, Marcelino da Mata. Gostaria de saber mais sobre ele, sobre as missões dele em África.

Para o ano o meu pai fará 70 anos e eu gostaria de lhe oferecer um bibliografia sobre ele e a vida e as missões dele .

Já conversei com alguns dos amigos do meu pai e eles concordaram em ajudar-me. Agradeceria muito se me pudesse ajudar neste trabalho, dando-me informações e fotos sobre ele.

O meu único problema é que eu estou a estudar em inglaterra, mas se me puder mandá las através de e-mail ou indicando-me sites onde poderia encontrar informação sobre ele, seria uma grande ajuda.

Fico lhe imensamente agradecida....
Irene Rodrigues da Mata.


2. Mandei, como de costume, a toda a tertúlia um pedido de colaboração, uma vez que já vários filhos de antigos combatentes nos contactaram a pedir ajuda. Alguns dos nossos tertulianos que o conheceram, de mais perto, na Guiné, já responderam à Irene Mata. Hoje começo por publicar o testemunho do Virgínio Briote, que mandou de imediato o seguinte e-mail à Irene.

Irene,

Conheci o teu Pai em Junho de 1965 em Bissau. O Marcelino já na altura era uma lenda da guerra que então se travava na Guiné. Nos comandos em Brá o então cabo Marcelino da Mata foi o 1º homem do grupo que eu comandava, os Diabólicos.

Estou a recolher fotos e documentos da época que eventualmente te possam interessar. Tenho muito gosto em o fazer e, desta forma, prestar também a minha homenagem a um homem não muito fácil e, por isso mesmo, muitas vezes incompreendido, mas com o qual mantive boas relações.

Entretanto podes procurar algumas imagens e alguns textos do Marcelino daqueles tempos no blogue, Tantas Vidas.

Um abraço,
vb


3. O editor do blogue fez um primeiro comentário, a 6 de Outubro, a este e-mail do Virgínio Brite:

Obrigado, Virgínio... Há muitos preconceitos contra o Marcelino da Mata... Não gostaria que o fuzilássemos, simbolicamente, aqui no blogue... É um nome incontornável da guerra colonial, um mito... A mim, que não o conheci, interessa-me o homem...

Achei bonito o gesto da filha... Tu que o conheceste, de tão perto, podes falar dele com o rigor, a isenção e a objectividade que nos faltam, a nós... Espero que isso possa ser também ocasião para uma (re)visita à tertúlia...

Entretanto, o que é feito de ti ? O Tantas Vidas parou em Julho... O que se passa ? Como vai a tua saúde ? Hoje fiz-te uma pequena homenagem, remetendo os nossos tertulianos para alguns dos teus "belos, intimistas e perturbantes" textos... Não há ninguém a falar das mulheres na guerra como tu... Acho que está na altura de arranjares uma editora e publicares uma selecção dos teus textos... Até 14 [de Outubro, na Ameira].


4. Novo pedido da Irene Mata, em 7 de Outubro de 2006, em resposta ao Virgínio Briote:

Sr. Virgínio, muito obrigada por me estar a ajudar.

Agradeço-lhe imenso por me ter mandado Informação sobre o meu pai. Estou muito impressionada pelo o que o meu pai fez e conquistou tanto aqui como na Guiné. Mas mais ainda estou contente por ele ter feito muitos amigos, de ter conhecido pessoas que o ajudaram e que lhe admiram.

Mas tenho uma dúvida: É verdade que o meu pai não pode entrar na Guine porque a PAIGC anda-lhe a perseguir e que tem um forno pronto para o meter la dentro ? Ou será que isso é só uma lenda ???

Eu ouvi essa historia quando era mais nova, mas, agora estou na dúvida... Será que me podia esclarecer, sff ?

Fico-lhe muito agradecida.


5. Entretanto, o Virgínio tinha respondido ao editor do blogue, a 7 de Outubro, nestes termos:

Caro Luís,

Claro que continuo a frequentar diariamente o foranada. É um gosto ver aparecer gente quase todos os dias. O Vinhais, o Beja, o Tino, o Marques dos Santos, o Vítor David, o Idálio, o Mexia, o Jorge Cabral que não conheço mas é como se o tratasse por tu quando leio as incríveis histórias que ele tão bem desenha, o Lema da Marinha, técnico e preciso nas descrições, o Pedro Lauret que já conhecia de nome, o Rebocho e os trabalhos dele com os corpos dos nossos camaradas que eu já nem sabia que houvesse gente desta por cá, as pontuadas do Tunes de vez em quando. Pessoal tão diferente, de comum apenas 24 meses passados há mais de 30 anos! Para a nossa história, a de Portugal, o foranada é uma obra inédita, até sinto pudor em palavrar.

O Tantas Vidas acabou. Eventualmente uma ou outra correcção, umas fotos para tratar e pronto. Amanhã vou a Esposende, procurar no sótão da casa da minha mãe algumas imagens do Marcelino da Mata para enviar à filha.

Obrigado Luís pelo teu cuidado, felizmente tenho-me aguentado. E ansioso por dar um abraço aos foranadas que aparecerem na Ameira, pena é que não veja o Tunes, o Beja Santos, o famoso Pira de Mansoa, o Mendes, o Coronel Lopes e tantos outros trabalhadores desta obra que tu tão bem coordenas.

Um abraço,
vb


6. Novo e-mail do Virgínio, dirigido à Irene:

Irene:

Gostei de ler a sua mensagem. Conheci o seu Pai, Marcelino da Mata, então 1º cabo do Exército, em Maio ou Junho de 1965. Vi-o em Brá, um aquartelamento do Exército Português a meia dúzia de kms de Bissau na estrada para o aeroporto de Bissalanca.

Era um jovem com bom aspecto, ar de reguila, aspecto enérgico. Ele tinha feito a opção pelo Estado Português e como militar teve que combater o PAIGC, o Partido que então encabeçava a luta armada contra o colonialismo português. Foi a decisão que tomou, tal como milhares de Guineenses e, por isso, passou a ser um inimigo do PAIGC.

Fez parte dos primeiros comandos que existiram na Guiné. Participou em inúmeras batalhas em praticamente todo o território. Foi sempre um militar muito valente e, por iso, várias vezes condecorado, desde a Cruz de Guerra (várias) até à Torre e Espada (a mais alta condecoração nacional e só atribuída em casos excepcionais).

Depois houve o 25 de Abril, ele estava na Guiné, a independência veio logo a seguir em Setembro de 1974 e o Marcelino, tal como vários militares que se distinguiram na luta ficou com a vida em perigo. Muitos dos que lá ficaram foram fuzilados e ele saiu da Guiné e fez muito bem porque se lá tivesse ficado já não era vivo há muito.

Penso que hoje, com tanto tempo passado, se ele regressasse ao chão que o viu nascer, nada lhe aconteceria. Mas a Irene sabe, as previsões só são isso. Nunca se sabe o que poderia suceder.

Quanto a essa história do forno, pode ser só isso, uma história apenas. E pronto Irene, podíamos estar aqui a falar do seu pai o dia todo e se calhar ainda nos esqueciamos de muita coisa.

E os seus estudos como vão? O que está a tirar?

Um abraço,
vb