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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21813: Fotos à procura de... uma legenda (139): "Canoa turra"?... Apreendida ao PAIGC?... Em que sítio, Jabadá ou Gampará?... (Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74)

Guiné > Região de Quínara > Jabadá [?] > 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Canoa apreendida ao PAIGC, em dia de banho, na margem esquerda do Geba.

Foto (e legenda): © José Elias / Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Carlos Barros;

[, (i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra"; 

(ii)  foram os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

 (iii) mora em Esposende; 

(iv) é professor reformado; 

(v) é autor da série "Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra";

 (vi)  é membro da Tabanca Grande, nº 815;

 (vii) tem cerca de duas dezenas de  referências no nosso blogue]


Data - terça, 1/09/2020, 23:41

Assunto - Canoa apreendida ao PAIGC


Caro amigo,

Junto esta foto, que me enviou o meu amigo José Elias, ex-Furriel Auto, em que os militares, no Rio Geba, divertem-se com uma canoa apreendida ao PAIGC, penso que em 1973. 

"Dia de banho. Encontramos esta canoa dos turras", escreveu ele.  Eu, na altura, estava em Tite.

Um abraço,  CMLB



2. Comentário do editor LG:

Carlos, como a foto vem com uma legenda muita  lacónica, vou pedir-te que, com a ajuda dos leitores, acrescentes algo mais... 

A foto vinha um bocado estragada, com excesso de luz na parte superior esquerda... Teve que ser editada.  Dá para perceber que a canoa estava, provavelmente, escondida no meio do tarrafe, na margem esquerda do rio Geba [, segundo o Elias,].

Se foi "apreendida", não se sabe onde, nem como, nem quando, nem por quem das NT...

Vê-se também que era de boa construção, aguentando uns bons 800 quilos de "banhistas" (12 vezes 70 kg em média, cada um...). Conto 12, incluindo um elemento, sentado na popa,,, 

A informação sobre a localização é vaga, mas tem que ser na margem esquerda do rio Geba (região de Quínara), e neste caso tanto pode ser Jabadá (onde estava aquartelada a 1ª C/BART 6520/72) como Gampará (na foz do rio Corubal)... 

Decididamente não pode ser em Nova Sintra (onde estava o grosso da 2ª C/BART 6520/72), mas também não era Tite (sede do batalhão), onde estava, nessa ocasião, o Carlos Barros... 

O fur mil mec auto  José Elias pertencia à mesma companhia do Carlos Barros, mas pode ter ido tanto a Jabadá como a Gampará, nalguma coluna logística... 

Em contrapartida, em novembro e dezembro   de 1973 , o furriel Barros estava instalado em Gampará, com o 3º Gr Comb.

Jabadá  já tinha sido ocupada pelas NT em 1966... enquanto Gampará só o terá sido em 1972... 

Outra questão: seria mesmo uma "canoa turra" , abandonada ou escondida no tarrafe ?  Em Jabadá, parece-me  menos provável.. Possivelmente seria antes de alguém da população local, não ?

Os locais de  "cambança" do PAIGC eram mais para leste, entre a foz do rio Corubal / Ponta Varela e o Enxalé, quando o rio Geba começava a estreitar... 

Mas Gampará não devia ser, na época (finais de 1973 ?), o melhor sítio "resort" turístico da Guiné, pelo contrário devia ser pouco indicado para a rapaziada tomar  banho  no rio...

Quem tem trágicas memórias de Gampará é  o nosso camarada Victor Tavares e os seus camarasas da CCP 121 / BCP 12 que, um ano e tal anos, em 4/3/1972, sofreram 6 mortos e 12 feridos, no decurso da Op Pato Azul. Deve ser dessa época a "reconquista" da península de Gampará. (****)

 Em que é que ficamos, Carlos Barros ? Arranja lá uma legenda mais completa para a foto com a ajuda do Elias e dos nossos leitores...




Para melhor compreensão da organização e do papel dos "corredores" , mostra-se a imagem supra que define como o PAIGC tinha distribuídas as suas Frentes de Luta. Pertence ao Supintrep  n.º 31, de 13 de fevereiro de 1971.

Infografia:  A. Marques Lopes (2007) / Supintrep nº 31 (1971) (***)



Guiné > Mapa geral da Província (1961) > Escala 1/ 500 mil > Posição relativa de  Tite, Nova Sintra, Fulacunda, Jabadá e Gampará, na região de Quínara

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
 

Guiné > Região de Quinara > Fulacunda > Mapa de Fulacunda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gampará e da Ponta do Inglês na Foz do Rio Corubal

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)


Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta de Jabadá, na margem esquerda do Rio Geba, a meia distância entre Bissau e Porto Gole (situados na maregm direita). Dada a largura do rio, e as patrulhas da Marinha, não era o ponto mais indicado para as "cambanças", em canoa, dos guerrilheiros do PAIGC...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
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Notas do editor:

(*) Vd. psote de 6 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21694: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (15): Os pobres pelicanos...

(**) Último poste da série > 18 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21778: Fotos à procura de...uma legenda (131): um desertor do PAIGC, uma ave de grande porte e o manual do oficial miliciano, uma raridade (Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74)


(****) Vd.poste de 21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19936: Notas de leitura (1192): “Cambança Final”, por Alberto Branquinho; Sítio do Livro, 2013 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Há uma consigna permanente na obra do Alberto Branquinho, tenho para mim que ele usa a cambança como o termo da maleabilidade entre o seguro e o inseguro, o destemor e o medo, a rapidíssima alteração de situação, estar a meter uma garfada à boca e cair a primeira morteirada entre duas fileiras de arame farpado, pode-se cambar o rio, uma conversa totalmente inusitada junto ao monumento dedicado aos nossos mortos, ali bem perto da Torre de Belém, pode-se cambar naquele quartel que tem mesquita e chefe religioso, camba-se quando se sonha com o estrelejar dos rebentamentos e alguém comenta que parece o S. João no Porto, carago.
Temos aqui Alberto Branquinho no seu melhor e que Deus o conserve com o seu engenho e arte.

Um abraço do
Mário


Sempre zombeteiro, sempre em cambança, dentro das guerras: Alberto Branquinho

Beja Santos

De “Cambança - Morte e vida em maré baixa”, por Alberto Branquinho, publicado em 2009, fez-se oportunamente referência. Temos, desde 2013, “Cambança Final”, Sítio do Livro, eu desconhecia a obra, é uma revisão aumentada da obra anterior, o confrade Alberto Branquinho merece felicitações por estes contos breves, registos assombrados ou coloridos e águas-fortes onde prima uma forte contenção, um rigor económico na explanação das situações e uma simplicidade descritiva que recomendam a releitura nos dias seguintes, são trechos que possuem todos os aliciantes indispensáveis para uma proveitosa releitura. 

E não é só a simplicidade, é a universalidade, quem por ali viveu e combateu entra rapidamente nesta sala de espelhos onde nos reconhecemos. Quando ele fala na apresentação de um lugar, pode ser uma vila com casas de pedra e tijolo, casas comerciais em uso ou depois de abandonadas ao serviço das nossas tropas; há população nas moranças, alfaiates e lavadeiras, um funcionário colonial e até um agente da PIDE. Aconteceu connosco, vivemos nesses lugares.

 O confrade Alberto Branquinho sabe urdir atmosferas onde cabe a população sobre duplo controlo, o horror dos destroços humanos ou a explosão de uma mina anticarro, há mesmo pedaços de carne que não se podem identificar, faz-se a dedução no destino, após a contagem do pessoal, e fica tudo dito, não se sofre mais nem menos, fica só o apontamento de que naquela guerra tais coisas aconteceram. E aconteceram connosco. Há até mesmo uma memória de guerra quando se vai visitar o Monumento aos Combatentes do Ultramar junto à Torre de Belém, dá-se um encontro, alguém entra imprevistamente em diálogo, acende-se o tumulto da guerra. Não ficamos imunes àquela conversa tão descabelada.

Feito o preâmbulo, diga-se em abono da verdade que a escrita de Alberto Branquinho tem marca de água, é um compósito de situações pícaras ou bizarras (como ele gosta de observar) onde ele tem a faculdade de se distanciar e até de expurgar o que seguramente experimentou: o lodo, a sede, os equívocos da comunicação, o prazer inexcedível em beber uma coisa tão boa que se chama água, os comportamentos mais imprevisíveis na reação a uma flagelação, as muitas digressões entre quartéis, a atmosfera na messe de oficiais, aquele major de operações que decidiu ir ao terreno, desconfiado que a malta se andava a desenfiar e que regressou feito em chaga. E há a aculturação, as superstições, a ação psico, o turra que se faz guia para descontentamento de muitos, eram operações que se podiam evitar se ele tivesse levado um balázio lá no mato. Também acontece o inaudito, ser posto na mesa um arroz de jagudis, o desconsolo daquele cozinheiro que via tão frequentemente o seu ambiente de trabalho rebentado à morteirada.

O confrade Branquinho pela-se por discretear à volta da metáfora da cambança, o ir e voltar, a maré-alta e a maré-baixa, como ele descreve cheio de intenção e rematar com uma tirada humorística, veja-se:

“Tudo era planeado de modo a que a tropa chegasse junto ao rio quando a maré estava no seu pleno, evitando, assim, terem de chafurdar (e perder tempo) nos dez ou quinte metros de lodo na maré-baixa, em cada margem.
A canoa, que tinha cerca de doze metros de comprimento e oitenta centímetros de largura, aguardava próximo da margem, agarrada pelo remador. Baloiçava com a entrada de cada passageiro e sua carga, metendo uns golos de água.
Com o rio iluminado pelas estrelas, os homens embarcavam em grupos de dez a doze, carregados de G3, cartucheiras, cantil, bazuca, granadas, metralhadora, fitas de munições e os bolsos cheios de peças de rações de combate.
Completado o embarque, o remador empurrava a canoa água dentro, depois entrava nela e, com um único remo, fixada a ré, fazia-a seguir silenciosamente, a caminho da outra margem.
Alguns iriam rezando, encomendando a alma a Deus, mas tensos e silenciosos, olhando em volta, tentando, talvez, localizar algum crocodilo noctívago. Qualquer pequeno baloiçar ou movimento involuntário para um lado era perigoso, porque havia, sempre, a tentativa de o compensar para o lado contrário e fazia a água galgar as bordas da canoa. O risco da carga ser baldeada estava sempre presente e era tanto maior quanto mais bruscos os movimentos fossem.
Chegados à outra margem, o remador saltava para a água e puxava a canoa para uma posição paralela à margem, para facilitar a saída da tropa. Depois regressava à margem de onde viera e as travessias repetiam-se até passarem os últimos homens.
Numa dessas travessias nocturnas, um furriel que fora o último a entrar na canoa, que constatou que os soldados, seus companheiros de viagem, não acatavam a ordem para se sentarem no fundo a canoa e teimavam em seguir de cócoras, com cada mão agarrada em cada lado, para não molharem os fundilhos. Puxou a culatra da G3 atrás e berrou-lhes:
- Eu não sei nadar. Quero toda a gente com o cu sentado no fundo, porque, se esta merda vira, varo-vos a todos.”

Alberto Branquinho é um ás na tragicomédia, aquele Cabo Tomé que fazia 23 anos, e que andava completamente bêbado, preocupou muita gente, só que veio a flagelação, cada um foi para o seu posto e o remate deste curto conto insinua drama onde houvera a turbulência da borracheira:

“Os primeiros que voltaram à caserna viram o Cabo Tomé, mesmo à entrada, nu, deitado de costas, de olhos abertos, como que olhando o tecto de zinco retorcido, enquanto um fio de sangue lhe escorria do lado esquerdo da boca, passava pelo pescoço e fazia uma poça de sangue debaixo da cabeça”.

Só um mestre pode ser tão fulminante no termo de um enredo que começa na mais vertiginosa paródia que o burlesco permite. Há páginas impagáveis que é de rir e chorar por mais, como aquele Cabo Abel a quem coube em Bissau fazer policiamento aos bairros dos indígenas, e segue-se a peripécia, sem mais palavras:

“De entre as casas, caminhando por uma vereda que passava ao pé do grupo de militares em que estava o Cabo Abel, surgiu uma rapariga negra, que vestia uma bata impecavelmente branca, trazendo consigo os livros escolares, agarrados contra o peito. O Cabo Abel levantou-se e com a G3 a tiracolo, segurou o cigarro com a mão esquerda e com a direita barrou-lhe o caminho:
- Bajuda, bô cá pude passa!
A moça, que teria catorze ou quinze anos, parou por um momento, encarou o Cabo Abel nos olhos e perguntou-lhe:
- Porquê você não fala comigo português direito?”

Alberto Branquinho fez bem ter regressado com esta oferenda com feitiços e despojos, com as confusões do capelão, da criança que se recupera de um acampamento inimigo que foi completamente destruído, das relações amorosas entre a Cadi e o Eusébio e do que todos vamos fazer (ou pensávamos vir fazer) quando regressássemos à peluda.
É livro para estar em permanência nas nossas estantes.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19925: Notas de leitura (1191): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (12) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17799: Fotos à procura de... uma legenda (91): Equilibristas ou artistas de circo na cambança dos cursos de água, esquálidos e esgrouviados...Os bravos do Cachil, entre eles o ten mil médico Rogério Leitão (1935-2010) (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 > 

Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 > 23 de janeiro de 1964 > Op Tridente > Travessia de uma ponte improvisada, no seguinte do desembarque numa zona próxima de Cachil... Na foto o ten mil médico, Rogério Leitão (1935-2010), natural de Aveiro
Foto (e legenda): © Victor Neto / José Colaço  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > 1964 >

Abrigo "Cova do Comando" da CCAÇ 557 no Cachil. Alguém chamou a esta subunidade, que também participou na Op Tridente (jan/mar 1964) "a esquálida e esgroviada Companhia de Caçadores 557".  Por detrás desta foto estão cinquenta e cinco dias a ração de combate, cerca sessenta dias sem mudar de roupa nem tomar banho. Se a água era racionada para beber pensem bem no que seria em termos de higiene, excepção à secção que fazia escolta à lancha de reabastecimento de água e géneros, que aproveitava a ida a Catió para fazerem um pouco de higiene pessoal "e outras necessidades fisiológicas".

Legenda: a começar da esquerda para a direita o 1.º Cabo Enfermeiro Leiria; 1.º Cabo Radiotelegrafista Joaquim Robalo Dias; Dr. Rogério Leitão, que já partiu; atrás o 1.º Cabo Enfermeiro António Salvador, e por último, de quico, a sair do buraco, eu, Soldado de Transmissões José Colaço.

As barbas com cerca de 90 dias. Os cabelos já tinham levado um corte para melhor se aguentar o calor. Aquela "divisória" entre o 1.º Cabo Dias e Dr. Rogério, é uma cobra que durante a noite se lembrou de nos assaltar o abrigo e que só de manhã com a luz do dia foi detectada a um canto da cova. Foi condenada à morte pela catana de um milícia.

Foto (e legenda): © José Colaço (2015). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008:.

Data: 26 de setembro de 2017 às 00:51

Assunto: Equilibristas ou artista de circo

Equilibristas ou artistas de circo

Caríssimo amigo Luís Graça,  ao consultar o poste P17792, dei com a foto do Luís Mourato de uma vida de equilibrista na cambança de pequenos cursos de água. (*)

A fotografia fez-me um clique!  Eu tenho nos meus arquivos de fotos da Guiné uma foto com estas características mas a minha foto tem direito a recordar o equilibrista.
Estávamos no dia 23 de Janeiro de 1964 em Catió e a ordem de serviço foi a CCAÇ  557 embarcar nas lanchas LDP e LDM da marinha onde se iria juntar ao 7.º destacamento de fuzileiros do 1.º tenente Ribeiro Pacheco para ocuparem a zona do Cachil (Operação Tridente).

Tudo ok até ao desembarque na zona próximo do Cachil onde aconteceu o tal atribulado desembarque em que alguns fuzileiros tiveram que ser puxados por uma corda já que,  devido ao lodo movediço, estavam quase a submergir. Mas,  com alguns fuzileiros em terra, com a ajuda de uma catana e as facas de mato,  cortou-se tarrafo,  partiu-se ramos de árvores e fez-se uma passadeira por cima do lodo para o pessoal passar.

Desembarque resolvido, e logo a ordem vinda de um navio patrulha através de um megafone foi: para a frente é que é o caminho, não perdoar!.

Marchamos aí cerca de 500 metros a 1 km, mais ou menos,  encontrarmos a tal ponte de que envio foto em anexo:  o artista ou equilibrista que está na imagem a atravessar a geringonça ou baloiço já não se encontra entre nós,  é o nosso saudoso e amigo Dr. Rogério Leitão [1935-2010], tenente médico miliciano [ foto à direita] (**), mas de um em um todos ficaram bem na primeira prova,  muito ajudou a juventude dos vinte anos.

Foto,  com a devida vénia, do álbum  do ex-furriel Victor Neto, CCAÇ  557

Abraço,
José Botelho Colaço,
soldado de transmissões
CCAÇ 557
(1963/65)
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de setembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17792: Fotos à procura de... uma legenda (90): uma vida precária de equilibrista na cambança de pequenos cursos de água ... (Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf, CCAÇ 4740, Cufar, 1.º semestre de 1973)

(**) 13 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)

sábado, 17 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3753: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (17): com a arma na mão e o credo na boca. (Alberto Branquinho)

NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (17)

CAMBANÇA – II

Sempre que havia uma operação para norte do aquartelamento era necessário atravessar o rio, que distava, em linha recta, uns três ou quatro quilómetros.
A companhia saía, de noite, para sul, virava a leste ou oeste (como manobra de diversão), serpenteava pelo terreno uns quilómetros, até que invertia para norte, a caminho do rio.

No local da travessia o rio tinha cerca de duzentos metros de largo. Tudo era planeado de modo a que chegássemos junto ao rio quando a maré estava no seu pleno para evitar chafurdar (e perder tempo) nos dez ou quinze metros do lodo da maré baixa.

Com o rio iluminado pelas estrelas, os homens, em grupos de dez, carregados de G-3, cartucheiras, cantil, bazuca, granadas, metralhadora, embarcavam na canoa, que teria dez a doze metros de comprimento e um metro de largura.

A canoa aguardava encostada à margem, agarrada pelo remador. Baloiçava com a entrada de cada um dos passageiros e respectiva carga e metia uns goles de água. Completado o embarque, o remador, homem idoso e experimentado, empurrava a canoa para dentro do rio, entrava e, com um único remo, fixado à ré, fazia-a seguir silenciosamente.

A meio do rio e no meio da noite só se viam as estrelas no céu ou reflectidas na água, bamboleantes, devido ao leve chapinhar do remo e da proa a rasgar a água.
Alguns iriam rezando, encomendando a alma a Deus, mas todos iam tensos e silenciosos, tentando, talvez, localizar na água algum crocodilo noctívago.
Qualquer pequeno baloiçar ou movimento (sempre seguido da tentativa de o compensar para o lado contrário), fazia a água quase galgar as bordas da canoa. O risco de baldear a carga estava sempre presente e maior era quanto mais bruscos fossem os movimentos.

Chegados à outra margem, o remador saia e puxava a canoa para uma posição paralela à margem, para o pessoal sair.
A canoa regressava vazia à margem de onde partira e as viagens sucediam-se até passarem os últimos homens.

No fim de cada travessia o remador retirava do fundo da canoa a maior quantidade possível de água, com a ajuda de uma lata velha que transportava pendurada no apoio do remo. Ficava sempre alguma água, que aumentava com as oscilações do embarque.

No regresso da operação, dois ou três dias depois, o pessoal, cansado, voltava a fazer a travessia do rio do mesmo modo, mas, agora, em pleno dia.

Foi no início de umas dessas travessias nocturnas que um furriel, porque os soldados não acatavam a ordem para se sentarem no fundo da canoa, teimando em seguir de cócoras e com as mãos agarradas de cada lado para não molharem os fundilhos, que, sentado em último lugar, puxou a culatra atrás e berrou:

- Eu não sei nadar. Quero toda a gente com o cu sentado no fundo. Se esta merda vira, varo-vos a todos.
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. Último artigo da série em

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3708: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (16): Uma retirada ordeira e silenciosa.

NÃO VENHO FALAR DE MIM … NEM DO MEU UMBIGO (16)

Alberto Branquinho

CAMBANÇA – I


O cabo cripto bateu à porta.
-Dá licença, meu capitão?
- Entra. Então?
- Já está pronto. Entregou uma folha de papel, dobrada em quatro.
O capitão olhou o papel.
- OK. Diz ao nosso alferes Lopes que chegue aqui.
O cabo já saía, mas o capitão chamou-o:
- E diz, também, para vir o nosso alferes Sousa.

Leu, então, a mensagem, analisando bem as palavras: “Elementos IN número quinze/vinte entram hoje noite zona cambança montante Rio Chibari. Emboscadas imediato.”
Fez o cálculo para a maré baixa – seria cerca das duas horas da manhã. Procurou o mapa donde constava a zona de cambança mencionada na mensagem e estendeu-o em cima da mesa. Ao de leve fez sobre ele riscos com um lápis. Procurou recordar a configuração do terreno – elevava-se um pouco para nordeste, com uma mancha verde bem acentuada nessa zona; depois, vegetação de tarrafe, seguida de mata não muito densa. Levantou os olhos do mapa e ficou a pensar. Apagou os traços que fizera no mapa e fez outros.
Chegaram os alferes. O capitão entregou-lhes a mensagem. Esperou um pouco.
- Vocês saem hoje depois do jantar, sem aviso prévio ao pessoal. Aí pelas oito horas. Evitem ser vistos pela população. Passem bem ao largo. Antes da meia-noite tenham o pessoal instalado. Você, Lopes, instala-se aqui (indicou o traço no mapa, paralelo ao rio). Próximo da vegetação de tarrafe.
Depois, voltando-se para o alferes Sousa:
- Você segue na retaguarda do Lopes e, ao chegar aqui – fez um arco de leste para nordeste – instala. Fica, portanto, na orla da mata, a fazer protecção à retaguarda.
Depois de instalados, informem todo o pessoal, principalmente os furriéis, da posição de cada um. Mantenham contacto rádio permanente.
Os três trocaram impressões para acerto da movimentação e sobre o percurso a seguir. Depois, cada um dos alferes foi falar com os furriéis sobre a hora da saída.
Pouco depois das oito horas da noite estavam os dois pelotões a sair pela porta leste. O capitão, depois de falar com os dois alferes, ficou a olhar a fila que desaparecia no escuro.

Chegados ao local, instalaram-se.
A lua estava em quarto crescente, a meio da inflação e em posição descendente no céu.
O pelotão que estava próximo do rio ocupava uma extensão de cem a cento e vinte metros, dois a dois, com uma metralhadora em cada um dos extremos da emboscada.
Já não havia lua e a vigília estava a tornar-se monótona.
Começou a ouvir-se, mais ou menos em frente ao espaço central da emboscada, a água a ser remexida, depois um pequeno marulhar, que aumentou de intensidade. Todo o pessoal se esticou, deitado, de arma aperrada e dedo no gatilho, à espera da ordem de fogo – que não veio. Os barulhos na água cessaram, mas o pessoal continuou tenso. O tempo foi passando, passando, voltou o cansaço a impor-se e as armas voltaram ao chão, encostadas aos corpos.
Mais tarde voltou o barulho de água. No início, a água agitou-se francamente, depois de forma suave e tudo acabou mais depressa do que na primeira vez. As mãos largaram, de novo, as armas e os corpos distenderam-se.
O tempo foi passando, lentamente.
O alferes Lopes encostou o relógio aos olhos – quase quatro horas
- Mais uma hora e “pico” e amanhece – pensou.
O céu foi clareando, clareando continuamente para o lado montante do rio.
Em primeiro lugar dois soldados, depois mais dois e, pouco depois, todos os que estavam mais no centro da emboscada sobre o rio, começaram a notar que, à beira da água, estavam umas pedras escuras, mais escuras que o lodo, que… afinal não eram pedras. Eram cabeças de crocodilos, Seriam uns cinco ou seis, a uma distância de quatro a cinco metros dos homens mais próximos. Estavam adormecidos, com a cabeça assente na margem lodosa.
Sem ordem do alferes, a emboscada começou a ser levantada, de forma ordeira e silenciosa, em rastejante marcha-atrás, que se converteu em marcha erecta alguns metros adiante. Então, o alferes Lopes contactou o outro pelotão, através do rádio “banana”, para encostarem à retaguarda da coluna.
__________

Notas de vb:

Último artigo da série em