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segunda-feira, 19 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26817: Notas de leitura (1798): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Importa exaltar o meritório de trabalho do Coronel Nuno Mira Vaz, dá-nos um amplo enquadramento do desempenho dos paraquedistas nos três teatros de operações, no caso que mais nos toca, a Guiné, oferece-nos uma visão do que mais relevante esta tropa de elite ali praticou, entre 1963 e 1974. O autor deve ser leitor atento do nosso blogue, nele foi colher diferentes testemunhos daqueles momentos cruciais, como o de Gandembel, o nosso confrade Idálio Reis invoca o papel determinante que eles tiveram, designadamente nos ataques do PAIGC em dezembro de 1968; tropa que andou nos trilhos mais difíceis, no Morés e no Sul, esteve nos palcos de Guidage e de Gadamael, nos terríveis meses de maio e junho de 1973; e convém não esquecer que o BCP 12 infligiu ao PAIGC duros golpes no decurso da Operação Grande Empresa, na reocupação do Cantanhez. Um livro para ler e guardar.

Um abraço do
Mário



Paraquedistas em combate na Guiné (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2019, abarca o histórico da participação dos paraquedistas nos teatros de Angola, Guiné e Moçambique, e não esquece a extremosa e indispensável intervenção das enfermeiras no decurso da guerra. Houve um grupo de trabalho que desafiou o autor a coligir a obra destinada a guardar a memória desta tropa de elite.

No texto anterior, procedeu-se a uma síntese dos acontecimentos ocorridos em Angola em 1961, partiram a 16 de março com destino à Base Aérea n.º 9, em Luanda, era o primeiro contingente, o autor dá nota do desempenho da força paraquedista, refere as operações com salto em paraquedas, onde foi possível praticar tais iniciativas, não deixando de mencionar aquela que foi a mais emblemática e temerária mas que não se concretizou, e que tinha a ver com a reunião em Cap Skirring onde decorreu uma reunião entre o General Spínola e o Presidente Senghor. Como necessário, o leitor acompanha a atividade operacional dos paraquedistas em Angola.

Reportando-nos à Guiné, deu-se a visão da intervenção dos paraquedistas desde 1963 até à sua presença em Gandembel, em dezembro de 1968. O autor cita algumas expressões que o nosso confrade Idálio Reis, presença marcante em Gandembel, deixa no blogue:
“Os paraquedistas eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor (…) a sua ação foi de uma extraordinária valia, revelou-se fundamental para o futuro dos homens da minha Companhia, muito em especial no aspeto anímico, e inclusive conseguiu também criar um clima de muito maior segurança para as demais tropas fixas e imóveis que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel (…) Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da autoestima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe consegue dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que a sentiram.”

Estamos agora na era de Spínola, a reformulação da atividade operacional também atingiu as forças paraquedistas: foram criados Comandos Operacionais, Comandos de Agrupamentos de Operacionais e Comandos Operacionais Temporários. Deu-se seguimento ao projeto “Por Uma Guiné Melhor”, as populações das zonas mais disputadas eram transferidas para aldeamentos em locais estrategicamente escolhidos. Um coronel paraquedista foi escolhido para comandar o Comando de Agrupamento Operacional n.º 1, em Teixeira Pinto, em 1969, os paraquedistas alcançaram resultados assinaláveis. Eles também estiveram presentes na Operação Titão, a 24 de abril de 1969, na região do Morés, houve guerrilheiros capturados, bem como muito material de guerra. Em 13 de junho de 1969, eles irão intervir na Operação Orfeu, assalto à base de Choquemone, nos resultados, um número assinalável de material capturável.

A Operação Jove, executada nos dias 17 e 18 de novembro de 1969, no corredor de Guileje, deu como resultado a captura do capitão cubano Pedro Rodriguez Peralta. Irão realizar-se outras operações no corredor de Guileje. Em território bem distante, na região de Pirada, estamos em julho de 1970, decorrerá a Operação Elefante Roxo, o PAIGC tinha lançado um violento ataque ao aquartelamento, com fogos de canhão sem recuo, lança-granadas foguete, metralhadoras e armas ligeiras, procurava-se infiltrar elementos na povoação, a guerrilha tentou assaltar as instalações da DGS, uma secção de paraquedistas impediu que o assalto se concretizasse, contra-atacando e perseguindo os guerrilheiros.

Em janeiro de 1972, os paraquedistas voltam ao Morés em vários agrupamentos, batem o terreno, capturam material e provocam baixas à guerrilha. Por essa altura, o Comando-Chefe decidiu realizar entre a fronteira com a Guiné-Conacri e Salancaur Jate, perto do corredor de Guileje, a Operação Muralha Quimérica, entrou-se em acampamentos e apreendeu-se material. As forças paraquedistas tiveram um papel determinante na reocupação do Cantanhez, este local, severamente fustigado em 1968, dava sinais de que o PAIGC voltara a ocupá-lo. A Operação Grande Empresa envolveu forças de intervenção, entre elas três Companhias de Caçadores Paraquedistas, forças de quadrícula, várias companhias de caçadores e um pelotão de artilharia, forças de apoio, a Marinha e Força Aérea. Os páras participaram na implantação de aquartelamentos em Cadique, Caboxanque, Cafal Balanta, etc. Observa o autor que em maio de 1973, apesar de todos os progressos alcançados ninguém podia afirmar que se vivia em paz no Cantanhez. Todo este esforço se acabou por diluir com as ofensivas do PAIGC na região de Guileje e Gadamael e no norte, em Guidage, nesta altura a guerrilha já operava com os mísseis terra-ar Strela.

Mais uma vez os paraquedistas vão intervir em pontos convulsivos. Depois da retirada de Guileje, em 22 de maio, o PAIGC cerca Gadamael, vêm os paraquedistas, chegam a 3 de junho, desembarcam debaixo de uma concentração de artilharia e morteiros, os paraquedistas vão encontrar Gadamael em estado de grande devastação, o PAIGC pressiona, uma companhia de paraquedistas patrulha. Em 23 de junho, vários grupos de combate de paraquedistas saem de Gadamael e vão rumo a Cacoca, é a Operação Cobra Ondulante, vão desarticular um “quartel” do PAIGC. Os combates a norte foram igualmente ferozes, o PAIGC preparou o cerco de Guidage com um efetivo de 650 homens, provoca o inferno, quase que destrói o aquartelamento, faz repelir as colunas de reabastecimento. Os paraquedistas irão apoiar a Operação Ametista Real, a missão é estabelecer e garantir a segurança de um corredor por onde se fará a recolha do Batalhão de Comandos Africanos, na sequência do assalto a Cumbamori, e partem depois para Guidage, pelo caminho serão emboscados, a resposta é rápida, a guerrilha provoca baixas aos paraquedistas. A 30 de maio, uma companhia de paraquedistas, os destacamentos de Fuzileiros e o remanescente do Batalhão de Comandos Africanos deslocam-se para Binta, a companhia de paraquedistas saíra 17 dias antes para apoiar a Operação Ametista Real, trazia vestida a mesma roupa e menos quatro dos seus homens.

O autor chama a atenção que o empenhamento operacional no Cantanhez tinha exigido aos paraquedistas um esforço enorme. Os homens regressaram a Bissalanca mais magros, fisicamente cansados pelas consecutivas ações de combate e psicologicamente afetados pelos bombardeamentos suportados em noites insones. Mas voltaram às operações em junho. A última ação de combate com expressão relevante ocorreu em 30 de janeiro de 1974, na região de Bissum, os paraquedistas procederam a uma batida, encontraram uma canoa com armas, capturaram elementos do PAIGC e abateram outro. Em 10 de abril de 1968 foi concedida a medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe ao Batalhão de Caçadores de Paraquedistas n.º 12, o diploma legal destaca as reais qualidades desta tropa de elite: “O Batalhão tem-se destacado, através dos seus oficiais, sargentos e praças, que formam um grupo equilibrado e homogéneo, exemplo da tropa de intervenção como uma verdadeira unidade de elite, contribuindo, de maneira decisiva para a viragem da situação no sul da província, honrando, assim, as Forças Paraquedistas e tendo a sua atuação na província considerada brilhante e altamente honrosa, resultando prestígio para a Força Aérea e admiração e reconhecimento das outras Forças Armadas.”

Cumpre dizer que o autor dedica um amplo capítulo à presença dos paraquedistas em Moçambique e um tocante capítulo às enfermeiras de camuflado.

Uma importante investigação que traz luz à performance dos paraquedistas nos três teatros da guerra colonial.

Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz
Fez uma comissão em Angola, duas comissões na Guiné e uma em Moçambique. Condecorado com a Cruz de Guerra, de 1.ª classe
Testemunho de paraquedista recolhido do jornal Correio da Manhã, não consta o nome, fez comissão na Guiné de 1966 a 1968 no 1.º pelotão da Companhia de Caçadores Paraquedistas 122:

“Faltavam oito dias para regressarmos a Lisboa com a nossa missão cumprida. Entre nós já ninguém pensava na guerra, os dias eram contados a cada instante. Mas o inesperado aconteceu. O nosso Comandante Coronel Sigfredo Ventura da Costa Campos mandou formar a companhia de caçadores paraquedistas 122 e disse o que passo a citar: "Meus senhores, nós vamos embora daqui a oito dias, mas os camaradas que nos veem substitui, vão precisar de um mês para ficarem 100% operacionais. O problema é que os rapazes de Tite estão constantemente a ser atacados. Eu sei onde estão as armas pesadas com que eles os flagelam... Vocês querem ir lá buscá-las?" - E aqueles 120 rapazes responderam em uníssono, "Queremos!".


Fomos de novo cumprir com o nosso dever e trouxemos os canhões sem recuo, os morteiros 82 e armas ligeiras; e para além de algumas baixas infligidas, ainda trouxemos ferido o irmão do chefe do grupo que ali atuava. E assim aliviámos os nossos irmãos, pelo menos por algum tempo. No final fomos condecorados com a medalha de Cruz de guerra de primeira classe coletiva. Mas se me perguntassem se faltou alguma coisa... Bem, diria que faltou alguém com bom senso dizer: Obrigado, Pá! A Pátria está-te agradecida!”

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Notas do editor:
Post anterior de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26806: Notas de leitura (1797): "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado em Lisboa em 1881, no tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores… (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25810: Notas de leitura (1715): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Quando se lêem as implicações que o ajustamento estrutural teve em Kandjadja, uma comunidade a 100 quilómetros de Bissau e a 30 de Farim, parece que estamos a ver todas as comunidades rurais da Guiné-Bissau, o desalento, as expetativas frustradas, a diluição da presença do PAIGC, a manutenção da multiplicidade cultural que permitia uma vida em apaziguamento entre Mandingas, Fulas e Balantas, a desagregação do sistema escolar criado pelo PAIGC e encarado pelo sistema tradicional como a "escola dos brancos" e também sob a forte alegação de que os pais não encontravam razão para enviar os filhos à escola, preferiam que os filhos trabalhassem ali ou no Senegal; a dissolução atingiu também a saúde pública. Em finais de 1988, escreve Lars Rudebeck, ofereceu-se forte resistência ao aumento de impostos, e não se aceitou em perder a tradição do povo fazer queimadas para conseguir novas terras cultiváveis. As populações também voltavam as costas às exigências do Governo de não trocar o peso guineense no mercado negro pelo franco CFA. Este trabalho de campo do eminente investigador sueco anda muito próximo de um outro que já aqui analisámos, da autoria de Joshua Forrest, sobre a influência gradual que o sistema de linhagens foi tendo na vida das comunidades rurais a partir de um momento em que a via da democracia participativa se foi apagando.

Um abraço do
Mário



Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (3)

Mário Beja Santos

Entro numa loja de comércio justo ligada ao CIDAC, à procura de uma publicação sobre Cabo Verde e encontro a tradução portuguesa de um documento de que há muito ando no encalço: o que representou o ajustamento estrutural em três países africanos de língua portuguesa que foram insurgentes (esclarecedor documento de Kenneth Hermele) e a profunda análise que Lars Rudebeck faz do que significou o ajustamento estrutural numa aldeia a cerca de 100 quilómetros de Bissau, foi matéria de um seminário que decorreu na Universidade de Uppsala em maio de 1989, organizado por AKUT.

Nos dois textos anteriores, fizeram-se apontamentos, um sobre o ensaio de Kenneth Hermele intitulado Ajustamento Estrutural e Alianças Políticas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, o segundo da autoria de Lars Rudebeck sobre o ajustamento estrutural em Kandjadja, vamos hoje concluir o ensaio deste renomado investigador abordando as implicações políticas e socioculturais do ajustamento estrutural na referida povoação.

Rudebeck visitara Kandjadja no início de 1986, tomou em consideração a própria análise dos habitantes, queixavam-se da falta de apoio, da ausência do Estado, isto a despeito de formalmente a população estar politicamente organizada, ter comité de base, o chefe da aldeia era o Presidente da secção do Partido. Este chefe da aldeia era militante do PAIGC durante a guerra da libertação, mas a maior parte da sua autoridade tem raízes locais nas tradições culturais e na estrutura do poder da comunidade Mandinga, ou seja, ele funcionava como mediador entre um Estado que apregoava a modernização e a força da tradição e das lutas pela sobrevivência. Como o investigador sueco observa: “Quanto menos o Estado cumprir as suas promessas de desenvolvimento mais dependente Kaba fica da sua autoridade derivada das raízes locais, e consequentemente menos capacidade tem para mobilizar a população local para atividades que ela não aceita espontaneamente – tais como pagar impostos ou mandar os seus filhos à escola estatal.” Houve uma deterioração da legitimidade original do partido, antes de Kaba houve outros representantes, mas eram sempre considerados como estranhos. Enfim, muito pouco da autoridade política de Kaba em Kandjadja parece derivar do Partido e do Estado.

Rudebeck reflete sobre a multiplicidade cultural do país, há a Kandjadja-Mandinga, a três quilómetros de distância fica Kandjadja-Fula e a cerca de um quilómetro Kandjadja-Balanta, há problemas religiosos, de estrutura social e de modos de produção distintos que o autor abreviadamente analisa. Refere, igualmente, que, por volta de 1984, surgiu uma espécie de movimento revivalista, primeiramente no sul entre o povo Balanta, criticando a ignorância, a corrupção, o despotismo dos velhos, a feitiçaria. Este movimento é chamado Yanque Yanque, iniciado por uma mulher profeta e mobilizando especialmente gente jovem. Apesar da crítica feita pelo movimento se dirigir especialmente à sociedade Balanta em si mesma, ele foi alvo de grande suspeita por parte do Governo e mesmo acusado de ter relações com uma tentativa de golpe de Estado em que teria estado envolvido o vice-presidente Paulo Correia, tal acusação é pura especulação, assim como muitos aspetos da alegada tentativa de golpe de Estado. Devido à grande influência Mandiga em Kandjada, este movimento Yanque Yanque não foi muito ativo.

E fala do funcionamento da escola. “Em 1976, quando visitei Kandjadja pela primeira vez, a escola era provavelmente a instituição mais revolucionária da aldeia, apesar de ser mais no sentido ideológico. Três professores, jovens e muito motivados, dois dos quais tinham vivido com a guerrilha desde a infância, ensinavam cerca de duzentos alunos, o ensino era uma combinação de disciplinas convencionais e de ensino político sobre a História e o significado da luta de libertação nacional.” A comunidade não reagiu bem, sentiu que havia uma rivalidade com a escola corânica. “O professor era um jovem de cerca de vinte anos, da mesma idade que os seus colegas na escola estatal, na qual estava ao mesmo tempo matriculado no segundo ano. A população de Kandjadja chamava à escola estatal, exatamente como ainda o faz catorze anos depois, ‘a escola dos europeus’ ou ‘dos brancos’ porque é aí que as coisas ‘modernas’ ou ‘europeias’ são ensinadas. Desde então, tem havido um declínio constante da extensão das atividades e do nível de autoridade da escola oficial na comunidade. Em 1976, havia quatro classes na escola primária (mais um grupo preparatório), nos anos seguintes, só três classes e em 1988, o único professor que restava afirmou que só iria ensinar duas classes em 1989.”

Igualmente Rudebeck observa que há consenso entre os observadores e estudiosos da Guiné-Bissau que o sistema escolar oficial da Guiné-Bissau sofreu durante toda a década de 1980 uma situação de crise e degradação incapaz de dar resposta às expetativas da população ou aquilo a que se poderá chamar as necessidades de desenvolvimento do país. Rudebeck tomou nota de que a escola da aldeia vai reduzida a uma pequena palhota, tinha somente dezasseis alunos (dez eram de Kandjadja-Fula, um de Kandjadja-Balanta e somente cinco da aldeia Mandinga, onde a própria escola se situa). O professor tinha sérios problemas em convencer os pais de origem Mandinga a mandarem os filhos à escola, aumentara a desconfiança em relação à “escola dos brancos”. O professor confessou que a escola estava num estado desastroso, já propusera às autoridades educacionais o encerramento da escola por falta de apoio da comunidade, mas recebeu ordem para continuar. O chefe da aldeia, Kaba, apoia os esforços feitos pelo professor, mas está muito pressionado pelos velhos que não têm nenhuma confiança na escola nova. O professor analisa a situação da seguinte maneira:

“Os pais não encontram razão para enviar os seus filhos à escola, visto que lá eles não aprendem nada que possa melhorar a situação da família, pelo menos a curto prazo. A escola constitui um obstáculo ao trabalho em casa e nos campos. Nos primeiros anos após a independência ainda se acreditava que a escola levaria a melhoramentos, que as crianças iriam aprender coisas úteis a ganhar dinheiro. Mas agora eles compreendem que não é assim, por isso, eles preferem que os filhos trabalhem aqui ou no Senegal".

O olhar do investigador dirige-se agora para a saúde pública. Em 1976 existia na povoação um embrião de um sistema de saúde pública que funcionava, havia uma enfermeira que três vezes por semana, de manhã, atendia doentes a quem dava cloroquina ou aspirina ou que administrava tratamentos gerais. Os casos sérios podiam ser mandados, a pé, para os dois pequenos hospitais em Morés ou Mansabá. Durante os anos seguintes, o sistema foi-se desintegrando manualmente, substituído pela medicina tradicional, ruiu o posto médico. No início de 1988 apareceu um programa de “saúde base” apoiado pela UNICEF, fora decidido que a população construiria e pagaria um posto de saúde. A ideia do programa de “saúde base” é criar uma rede de agente de saúde base locais, as pessoas iriam pagar 50 pesos por cada consulta e esse dinheiro ficaria em Kandjadja para ser utilizado na compra de medicamentos. Em dezembro desse ano chegou uma brigada de saúde para vacinar mulheres e crianças. Este programa de “saúde base” não recebe financiamento do Estado guineense, tem financiamento que vem diretamente do estrangeiro. Com as medidas do ajustamento estrutural acreditava-se que as agências estrangeiras de assistência iriam passar a ficar como encarregadas das funções de assistência social.

Por último, Rudebeck analisa o povo de Kandjadja em face do Estado, detalha longamente as conversas havidas acerca do aumento de impostos, como estes foram inicialmente contestados e, por último, suavizados pela Assembleia Nacional Popular. A contestação das tentativas de controlo por parte do Governo eram enormes. Existe uma resistência em relação ao pagamento de impostos porque aqueles que os pagam não reconhecem que recebem algo de volta. Aos olhos dos camponeses, a floresta tem de ser queimada enquanto não houver uma alternativa de método acessível para cultivar a terra. Em suma, o ajustamento estrutural era encarado pela população que tinham impressão que o Estado e a nação não ofereciam nenhuma alternativa real para os indivíduos e para o desenvolvimento, não trouxe razões concretas para se ter esperança num futuro melhor em Kandjadja. O que há de francamente novo é que os homens jovens da aldeia vajam mais livremente do que à volta de 1980. O poder do Estado estava à perder a sua legitimidade. “O povo regressa às suas raízes históricas e às experiências já vividas e demonstradas para sobreviver e para encontrar consolo. Mas o que encontra não chega para preencher o vazio do momento presente. Estão a surgir novas fendas. Através delas, novas alianças, novas bases de legitimidade, até agora só vagamente pressentidas.”


Kenneth Hermele
Lars Rudebeck
O antigo hospital militar n.º 241, imagem do Triplov, com a devida vénia
A casa comercial Taufick-Saad, imagem do Triplov, com a devida vénia
Fevereiro de 1965, o governador Arnaldo Schulz passa revista a uma unidade da Mocidade Portuguesa, no ato inaugural de uma escola, Arquivos da RTP, com a devida vénia
Nino Vieira e Luís Cabral na Suécia, 1973, imagem retirada do blogue Herdeiro de Aécio, com a devida vénia
Nota de 100 Pesos da Guiné-Bissau, emissão de 1975, reverso da nota na face está a efígie de Domingos Ramos
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Notas do editor:

Post anterior de 29 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25789: Notas de leitura (1713): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 2 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25803: Notas de leitura (1714): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25735: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (51): Operação Jaguar Vermelho - I: dia 26 de Maio de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO - I

Para quem não sabe, informo que a Operação Jaguar Vermelho1 foi uma grande operação na zona do MORÉS, que ficava a cerca de 5 ou 6 Km, em linha recta, dos nossos quartéis do OLOSSATO, onde estava a minha CCAV 2721 e de MANSABÁ, onde estava a CART 2732, do Carlos Vinhal.

Durante um mês, aproximadamente, os nossos aviões Fiats e T-6 iam lá várias vezes largar as bombas.
E eram bombas de "pouca potência".
Eram tão "fraquinhas" que quando rebentavam, até as casas do Olossato tremiam e muita população que vivia sob controle do PAIGC se ia entregar nos nossos quartéis.
E assim chegou o dia 26 de Maio de 1970.
Localização do MORÉS - Região do Oio - no triângulo formado pelos itinerários Mansoa-Bissorã-Mansabá-Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné


1970/MAIO/26 ÀS 09H00M

Às 9H00M o meu grupo de combate (4.º GComb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de BISSANCAGE, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de MORÉS para MADINA MANDIGA.
O alferes Silva decidiu emboscar neste local.
Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º grupo de combate, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados.
Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.
Neste contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (FR) que, por precipitação ou por medo fez fogo para o local onde estava o alferes e os soldados milícias e só parou o fogo quando o alferes e os soldados da milícia gritaram para parar o fogo.
Não sei se o alferes tinha avisado o que se estava a passar, mas o soldado "tinha" que saber que estavam ali os nossos militares.

Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:
- "Furriel, se turra apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço = corta-nos o pescoço OU mata-nos) mas se apanhar pessoal branco trata-o bem".

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25715: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (50): Ataque ao quartel no dia 12 de Maio de 1970

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25371: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Batalhas com o PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


BATALHAS COM O PAIGC

1970/MAIO/14 - EMBOSCADA NO TRILHO DO MAQUÉ
O 2.º grupo de combate a sul do Maqué emboscou 2 guerrilheiros.
Apanhou 1 elemento ferido e 1 arma PPSH
O outro guerrilheiro fugiu.

1970/MAIO/26 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
4.º grupo de combate em Bissancage.
Emboscamos 2 guerrilheiros.
Ferimos e apanhamos 1 guerrilheiro.
O outro foi ferido, mas fugiu.
Foi morto 1 soldado da milícia, por fogo da nossa tropa.

1970/MAIO/27 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
1.º grupo de combate em Bissancage.
Matou 1 IN.
3 carregadores fugiram, deixando rastos de sangue.
Foi capturada 1 espingarda SIMONOV.

1970/MAIO/31 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
2.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
Grupo de combate de milícias.
Trilho Morés/Madina Mandinga.
Às 06h30, 1 grupo de guerrilheiros accionou uma armadilha montada pelo 4.º grupo de combate, na véspera. Fizeram fogo com armas ligeiras, RPG e morteiro 61 para ver se denunciávamos a nossa presença. A nossa chefia caiu nesse logro, respondendo ao fogo deles e denunciando a nossa presença.
Às 10h00, quando esperávamos o reabastecimento de água, fomos atacados com morteiros, RPG e costureirinhas. Pelo poder de fogo deviam ser um grupo grande e bem armado.
Neste ataque tivemos vários feridos, entre eles:
- Capitão Moura Borges (Comandante da Companhia), com gravidade;
- Alferes Silva (comandante do meu 4.º grupo de combate), com estilhaços;
- Vários soldados e milícias com estilhaços.
- o capitão e o alferes foram evacuados por helicóptero para o Hospital Militar.

1970/JULHO/08 - PATRULHAMENTO A IRACUNDA E MANACA
1.º grupo de combate.
2.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Atacaram grupo IN que os perseguia.

1970/JULHO/13 - OPERAÇÃO BACARÁ
Golpe de mão a Amina Dala.
Helicanhão em alerta no Olossato.
1.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Depois do 4.º grupo de combate fazer o golpe de mão, foi perseguido por um grupo de guerrilheiros.
Houve recontro com o IN, que vinha armado com RPG, armas automáticas e morteiros 61.
Pedida a presença do helicanhão o IN fugiu e deixou-nos chegar em paz ao Olossato.
Precisávamos bem desta protecção, porque o 4.º grupo de combate trazia cerca de 40 elementos recuperados.

1970/JULHO/17 - PATRULHAMENTO OFENSIVO A CANCUNCO
1.º grupo de combate.
? grupo de combate.
Atacou um grupo IN com 10 a 15 guerrilheiros, que ripostou com RPG e armas automáticas.
Sem consequências para as nossas tropas.

1970/DEZEMBRO/30 - GOLPE DE MÃO A CANJAJA
2 grupos de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCP 121
Confronto com 2 elementos da população armados.
Captura de 1 espingarda Mauser.
No regresso o IN bateu a zona com morteiro 61.

1971/MARÇO/29 - OPERAÇÃO URTIGA NEGRA (Patrulhamento ofensivo).
Às 07h30 as nossas tropas foram flageladas com armas pesadas e ligeiras.
Às 13h30 as NT detectaram e atacaram 1 grupo IN com 15 elementos.
Sem consequências para as nossas tropas.

1971/MAIO/?? - PATRULHAMENTO OFENSIVO A MARECUNDA
1 grupo de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCAV 3378
As nossas tropas foram flageladas com 2 granadas de morteiro 82, da região de Bancolene.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25337: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Ataques ao Quartel do Olossato e Nhacra

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25221: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: IV. Excertos do relatório da Op Safira Solitária (Morés, 20-24Dez71)

 

João de Almeida Bruno: em 20-24Dez71, já major, comandou a Op Safira Solitária. E será, com este posto, o primeiro cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné entre nov72 e e jul73.0

O PAIGC, em comunicado em francês, dactilografado,  datado da noite de 4 de janeiro de 1972 (sic), diz que esta operação  mobilizou 800 inimigos, que tentaram em vão penetrar no coração do Morés (considerado um dos grandes santuários da guerrilha),  mas  que se saldou por uma retumbante derrota, com mais de 100 soldados colonialistas mortos !... E, no final, acrescenta-se, para nissov espanto: "o comandante da operação suicidou-se!"... (Iremos, em próximo poste, traduzir e reproduzir este delirante comunicado da propaganda do partido do Amílcar Cabral; e uma peça de antologia!)


 

Capa do livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) 




O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


1. Ainda com base no manuscrito, digitalizado, do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il., edição esgotada) (*), estamos a  publicar alguns "Anexos" (pp. 287-299).

O nosso camarada e amigo Virgínio Brioe, o editor literário ou "copydesk" desta obra , facultou-nos uma cópia digital. (O Virgínio, com a sua santa paciência e a sua grande generosidade, gastou mais de um ano a ajudar o Amadu a pòr as suas memórias direitinhas em formato word, a pedido da Associação dos Comandos, a quem, de resto, manifestamos também o nosso apreço e gratidão...).

O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais  de 120 referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar. As folhas manuscritaas foram entregues ao Virgínio Briote com a autorização para as transcrever (e eventualmente publicar no nosso blogue). Desconhecemos o seu conteúdo, mas já incentivámos o nosso coeditor jubilado a fazer um derradeiro esforço para transcrever, em word, o manuscrito do II volume (que ficou incompleto). E ele prometei-nos que ia começar a fazê-lo, "para a semana"...

 Reprduz-se a seguir o relatório (resumido) da Op Safira Solitária, Morés, 20-24Dez1971

Anexos

IV. Excerto do Relatório da operação “Safira Solitária” [1]


De 20DEZ71 a 24DEZ71, na região de Morés


- Cmdt: Major Almeida Bruno

- Adjunto Operacional: Tenente Saiegh/Cmdt 1ª CCmdsAfri

Forças envolvidas: 1ª e 2ª CCmdsAfri

- Agrupamento Alfa – Tenente Saiegh/Cmdt 1ª CCmdsAfri/4 GrsCmds (100H)

- Agrupamento Bravo – Alferes Carolino Barbosa/2º CCmdsAFRI4/4 GrsCmds (100H)

- Agrupamento Charlie (Reserva) – Alferes Candé/2ª CCmdsAfri/2 GrsCmds da 1º e 2ª CCmdsAfri (40H)


Desenrolar da acção:


  • Dia 21Dez71


- 0900 – IN emboscou NT entre ponto 9 e 10. Causados 04 mortos ao IN. NT sofreram 01 ferido grave e 05 ligeiros;

- 0945 – NT flageladas com mort. 82 em Santambato;

- 1030 – NT assaltaram o objectivo 40, tendo sido abatidos 68 elementos IN;

- 1100 – NT emboscaram Gr IN, causando 06 mortos, no objectivo 40;

- 1125 – NT flageladas com mort. 82 em Gã Fará;

- 1345 – Em encontro frontal das NT com Gr IN, estes sofreram 04 mortos e as NT 05 feridos ligeiros, junto ao objectivo 41;

- 1500 – NT foram emboscadas pelo IN sem resultados junto ao ponto 41;

- 1530 – Junto do objectivo 33, o IN sofreu 06 mortos e as NT sofreram 01 morto e 01 ferido ligeiro;

- 1630 – Capturados 09 elementos da população no ponto 29;

- 1700 – NT emboscadas pelo IN na cambança 7, sem resultados.

  • Dia 22Dez71

- 0600 – IN emboscou NT junto do objectivo 25 e sofreu 01 morto;

- 0730 – NT assaltaram um objectivo junto do ponto 25 e abateram 17 elementos IN;

- 0900 – IN emboscou no objectivo 25. IN sofreu 03 mortos e NT 01 ferido grave;

- 1030 – IN emboscou NT junto ao objectivo 25, sofrendo 43 mortos e apreendidas 02 GR. RPG-2. NT sofreram 01 ferido grave e 01 ligeiro;

- 1050 – 20 elementos IN abatidos junto do ponto 25;

- 1200 – Assaltado o objectivo 17, tendo o IN sofrido 28 mortos;

- 1250 – Junto do objectivo 17, em assalto ao acampamento, abatidos 42 elementos;

- 1300 – Por TMAN (helis) colocados a N do objectivo 40, 2 Grs. Cmds, antecedidos de ATIP;

- 1500 – NT abateram, em progressão, 06 elementos IN junto do ponto 24;

- 1600 – NT capturaram 19 elementos da população no ponto 35 e apreenderam 01 Esp. Aut. Simonov e 01 canhangulo;

- 1630 – No objectivo 40, NT emboscaram GR. IN, causando 04 mortos e capturando 02 Esp. Aut. Kalashnicov e 05 carregadores. NT sofreram 02 mortos e 03 feridos ligeiros;

- 1700 – NT emboscaram GR. IN junto do ponto 29, causando 04 mortos e capturando 01 Esp. Mosyn Nagan M/44. NT sofreram 02 feridos ligeiros;

- 2000 – Junto do objectivo 40, NT emboscaram Gr IN, causando 05 mortos.

  • Dia 23Dez71

- 0645 – NT foram emboscadas pelo IN, junto ponto 17, causando às NT 02 feridos ligeiros. IN sofreu 05 mortos e a captura de 01 Esp. Aut. Simonov.

- 0900 – Interceptado numeroso grupo na bolanha do objectivo 25, tendo o Gr IN sofrido 43 mortos.

- 1100 – NT emboscaram Gr IN junto ao objectivo 25, tendo abatido 28 elementos.

- 2130 – Forte gr. IN apoiado por barragem de fogos de morteiro 82 tentou assalto às posições NT, causando-nos 04 mortos, 09 feridos graves e 23 ligeiros, tendo sofrido baixas não confirmadas.

  • Dia 24Dez71

- 0100 – Forte Gr IN voltou a tentar assalto às posições NT, causando 01 morto, 03 feridos graves e 06 ligeiros. IN sofreu baixas não confirmadas.


NT: baixas em combate:

Mortos: 08


- Soldado Adulai Djaló (1ªCCA)

- Soldado Vicente Malef (1ªCCA)

- Soldado Aliu Djaquité (1ªCCA)

- Soldado Mamadu Camará (2ªCCA)

- Soldado Carlos Aliu Mané (2ªCCA)

- Soldado Quintino Gomes (2ªCCA)

- Soldado Deneba Denibo (2ªCCA)

- Soldado Mil Anso Seidi

Feridos graves: 15

Feridos ligeiros: 44


IN: 

Mortos confirmados: 217 (+ um nº indeterminado)
Capturados (População):  28


O que diz a CECA (2015): 

Operação "Safira Solitária" - 20 a 24Dez71

Na região de Morés-Santambato- Tambato-Gã Farã- Talicó-Cambajo--larom-Siure, Secyor 04 e COP 6, forças da 1ª e 2ª CCmds Afr efectuaram
uma nomadização. 

O lN reagiu por 21 vezes à penetração e progressão das NT, com maior intensidade nas regiões de Cubonge e Morés.

Foram causados ao lN 54 mortos confirmados, bastantes feridos e 283 elementos da milícias locais, todos armados, também mortos que reagiram à acção das NF. 

As NT sofreram 8 mortos, 15 feridos graves e 44 ligeiros. Recuperados 28 elementos da população, 2 esp autom "Simonov", 2 esp autom "Kalashnikov" com cinco carregadores, 1 esp "Mosin-Nagant",  met lig  "MG-42", 1 "longa" e 2 gran de LGFog  "RPG-2".

Foi destruído um acampamento lN.

Fonte: Excertos de: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operaciona. Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pág. 46.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor VB:
Blogue 
[1] Nota do editor: em “Uma noite nos cajueiros em Morés” (pp8. 212/224): Vd. poste de


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Nota do editor LG:

Último poste da série > 22 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25199: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Anexos: III. Lista dos "meus companheiros do Batalhão de Comandos, que morreram em combate, acidentes ou por doença" (n=59)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto permite uma grande angular sobre o período de 1966/1967, finalmente Schulz dispõe de meios aéreos julgados suficientemente eficazes para travar a guerrilha, dá-se uma reorganização da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, o comando unificado é entregue ao coronel Abecasis, os meios aéreos trouxeram muito mais segurança à atividade operacional, abonam os diferentes testemunhos; acontece, porém, que a atividade da guerrilha intensificou-se, houve reorganização do PAIGC e das FARP e em igual período a atividade da insurgência não só se intensificou como alargou o seu espaço de ação. Há também testemunhos de que o helicanhão deixou inicialmente a atividade da guerrilha atemorizada, foi forçada a adaptações táticas.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria deste primeiro capítulo, os autores recordaram as grandes dificuldades sentidas em encontrar diferentes tipos de aeronaves à altura das necessidades do território e da natureza da guerrilha guineense. Entendeu o Comando-Chefe, nos finais de 1966, que as principais dificuldades estavam supridas, o Fiat e o Alouette III, também adaptado a helicanhão, iriam fazer recuar a guerrilha. É neste contexto que se dá a remodelação no comando da Zona Aérea da Guiné, fundem-se os Comandos desta e da Base Aérea 12, com o estabelecimento do Centro Conjunto do Apoio Aéreo, é este o final do capítulo I.

Entre as primeiras ações do Coronel Abecasis como Comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, criou-se o Centro Conjunto de Apoio Aéreo como autoridade de controlo orientada para operações aéreas táticas e operações de apoio às forças de superfície, ficou localizada em Bissalanca e tinha o indicativo de Marte, o Deus grego da guerra. Este Centro Conjunto foi responsável por priorizar as solicitações de apoio aéreo, atribuindo às aeronaves o cumprimento de solicitações que aprovava, gerindo também as conexões de comunicação indispensáveis. Esta organização foi essencial para planear, programar e potenciar com responsabilidade os meios aéreos, conclui o historiador da FAP Luís Alves de Fraga. Criou-se em Nova Lamego a secção conjunta de apoio aéreo para agilizar operações no setor Leste. Ao ligar-se o Centro Conjunto e as forças apoiadas, a aeronaves como DO-27 passaram a ser utilizadas como postos de comando volante, sobrevoando as áreas de operações e fornecendo uma visão tática às forças em intervenção na superfície, e fazendo de elo de comunicação entre as unidades terrestre e os meios de apoio aéreo. 115 aeronaves utilizavam rádio no PCV, ajustando as frequências e assim facilitando a rapidez no apoio aéreo. Apesar das incompatibilidades entre os recursos terrestres e os aéreos quanto a equipamentos de rádio, as forças portuguesas conseguiram um nível satisfatório de comunicações táticas mediante arranjos, garantindo apoio de fogo, reabastecimento de emergência ou evacuação de feridos em tempos que podiam chegar a 20 minutos. O Coronel Abecasis também orientou a criação de um Centro de Campanha de Exploração Fotográfica, sediado na Base Aérea 12, no outono de 1966.

Apesar da variedade de equipamento fotográfico utilizado durante as missões de reconhecimento – câmaras portáteis transportadas a bordo de aeronaves leves. O Centro de Campanha de Exploração Fotográfica desenvolveu uma “capacidade notável” para interpretar imagens pontuais, analisar fotografias e organizar conjuntos de imagens detalhadas dos objetivos visados para as operações. No final de 1966, a FAP tinha instalado uma frota de 50 aeronaves na Base Aérea, complementada por vários campos auxiliares, apoiada por uma estrutura de comando e controlo mais eficiente. O contingente da FAP na Guiné parecia capaz de poder intervir em todas as funções operacionais relevantes, dispunha da sua própria “infantaria”, os paraquedistas. A capacidade de desempenho da Zona Aérea ganhara muito com o G.21 e o Alouette III. Tudo parecia, depois de quatro anos de intensa luta de guerrilhas, que as Forças Armadas estavam em condições de contrariar a insurgência na Guiné.


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Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta

“Os criminosos colonialistas utilizaram aviões a jato, helicópteros modernos, bombas de fragmentação, bombas napalm e de fósforo, [mas] não conseguiram travar a nossa luta. No entanto, conseguiram aumentar ainda mais o ódio do nosso povo ao domínio colonial português.” (Amílcar Cabral, 2 de janeiro de 1968)

O PAIGC, tal como o seu inimigo português, estava a viver um período de crescimento e reorganização. Em 1966, o movimento nacionalista evoluiu para uma insurgência generalizada que ameaçava de forma credível o controlo sobre grande parte do território, se bem que mantivesse a estrutura militar adotada no Congresso de Cassacá, 1964, estrutura que incorporava o Exército Popular, a Guerrilha Popular e a Milícia Popular. O seu conjunto compunha as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Em novembro de 1966, houve restruturação do PAIGC e das FARP, estabeleceu-se um Conselho de Guerra no nível mais alto do partido, afastou-se a milícia da cadeia de comandos das FARP. Através do Conselho de Guerra, as FARP dirigiam o Exército Popular e a Guerrilha nos níveis de Frente, Região e Setor, enquanto as Milícias passaram a ficar subordinadas ao Bureau Político, através de uma hierarquia geográfica semelhante. O Bureau Político manteve a supervisão das FARP através de comissários que exerciam uma autoridade operacional através de um arranjo de vice-comando.

A componente militar regular do PAIGC, o Exército Popular, tinha um efetivo aproximado de 3000 combatentes a tempo cheio, operando dentro da Guiné Portuguesa ou ocupando santuários transfronteiriços para formação, recuperação ou reabastecimento. Eram forças organizadas em grupos de 22 a 24 pessoas, geralmente combinadas e empregadas como bigrupos, com o dobro desse tamanho. Quando reforçados por exigência de equipamento pesado ou atividade de pessoas especializado, os bigrupos podiam chegar a 66 combatentes. As unidades irregulares da Guerrilha Popular tinham um efetivo superior a 6000 combatentes adicionados ao quadro miltiar do PAIGC, tinham funções de mão de obra, com funções defensivas, mas disponíveis para reforçar as operações de grande dimensão. No total, as Forças Armadas Portuguesas na Guiné enfrentavam até 1000 oponentes armados, excluindo as milícias, que cada ano que passava estavam mais bem treinadas e equipadas.

No plano militar do PAIGC para 1966-67, o secretário-geral e líder-estratega, Amílcar Cabral, anunciou que estas forças iriam “intensificar, desenvolver e estender a luta por todo o país” para “forçar o inimigo a lutar em toda a parte.” Com o objetivo de espalhar a rebelião, o PAIGC estabeleceu três Inter-Regiões (Norte, Sul e Leste) divididas em 13 regiões e 32 zonas ou setores. Cada Inter-Região tinha, pelo menos, um bigrupo do Exército Popular e 250 guerrilheiros, com unidades adicionais atribuídas a nível regional ou de “Frente”. A cada setor foi atribuído artilharia (canhão sem recuo e morteiros), sapadores e/ou metralhadores antiaéreas de acordo com as condições táticas ou o planeamento operacional.

As intenções estratégicas de Cabral tornaram-se rapidamente evidentes para os comandantes portugueses. As principais áreas de preocupação para as forças militares portuguesas incluíam o Oio, zona do noroeste da Guiné, a região central de Xime-Xitole, o litoral sul e as três “áreas de base” centrais do PAIGC no Morés, Injassane e Cafal. Havia também a preocupação com a capacidade do PAIGC em infiltrar pessoal e material através de corredores, facilidade essa que permitiu aos rebeldes lançar operações de “grande intensificação da ação militar”, isto no final da primavera e do verão de 1966, procurando interromper linhas de comunicações e flagelando as forças portuguesas no Oeste e no Sul, particularmente. No Sul da Guiné, na Península de Quitafine, tinham aumentado as defesas antiaéreas, o que dificultavam os esforços da Zona Aérea para proteger os postos avançados sitiados, o que levou a que o chefe de Estado-Maior do exército expressasse a sua preocupação de que houvesse guarnições que corressem o risco de serem tomadas pelo PAIGC. O número médio mensal das atividades do PAIGC quase triplicou, chegando a 293 flagelações e outros atos hostis em maio de 1966.

O ritmo acelerado da insurgência refletiu-se num aumento de baixas – cresceram de 258 mortos e feridos em 1963 para 1226 em 1966.
Um T-6 Harvard francês usado na guerra da Argélia e, mais tarde, vendido a Portugal (EALA/ECPAD)
Um Alouette III com um canhão Matra MG151 instalado na porta lateral do Alouette III (Coleção Costa Neves)
Outra perspetiva do canhão (Coleção Serrano Rosa)
Os Alouette III em linha, na Base Aérea 12 (Coleção Alberto Cruz)
Os Fiat (os “Tigres”) estavam integrados na Esquadra 121 conjuntamente com os T-6 e os Do-27 (Coleção Alberto Cruz)
Organograma da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (novembro de 1966)
Forças do Exército Popular em patrulhamento (Reg Lancaster/Express Hulton Archive/Getty Images)
Milícia popular em vigilância num posto avançado rebelde, perto de Cacine (UPI)
Amílcar Cabral, o carismático Secretário-Geral do PAIGC (Ben Martin/Getty Images)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 22 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24854: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (17): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés



"A MINHA IDA À GUERRA"

17 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

João Moreira


Formatura do 4.º Grupo de Combate
Furrieis Silva, Moreira e Pereira


JUNHO DE 1970

INCLUINDO A OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

O MEU COMENTÁRIO AO DIA 01 DE JUNHO DE 1970

OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO

1970/JUNHO/01

Em CANFANDA emboscamos os 3 grupos de combate ao longo do trilho, conforme o plano estabelecido.
Às 10H30 ouviu-se um helicóptero que pelo rádio chamou "leão?" que era o nosso nome de código, e identificou-se como "leão 1" dizendo que ia pousar.
Com todos os acontecimentos anteriores eu não sabia qual era o nosso nome de código.
Perguntei ao "transmissões" quem era o "leão 1" e ele também não sabia.
Mandei-o dizer para não pousar, porque íamos montar segurança.
Resposta imediata do helicóptero: "Vou pousar. Não preciso de segurança".

Entretanto aparece o alferes Pimentel com 1 secção e pediu-me outra secção para montar segurança ao heli que trazia o general Spínola.
Quando chegamos ao local, para montar segurança, já o heli tinha pousado.
Do heli saiu o general Spínola, um brigadeiro (penso que era o 2.º Comandante das Forças Armadas, o capitão Almeida Bruno (ajudante de campo do general Spínola) e um alferes (penso que era o piloto do heli - Jorge Félix?).
O general Spínola perguntou para que era aquele pessoal que ia connosco.
Como o alferes Pimentel disse que era para montar segurança, mandou-os regressar ao local da emboscada, dizendo que ele não precisava de segurança.

Quis saber como tinham acontecido as coisas e qual era o moral do pessoal da Companhia, após o ataque que sofremos na véspera.
Deu-nos notícias do estado do capitão Moura Borges.
Disse que antes de vir para a Operação, que continuava a decorrer, tinha ido ao Hospital Militar ver e informar-se sobre o estado do capitão Moura Borges.
Informou-nos que já tinha sido operado e que tinha corrido bem.
Iria ser transferido para o Hospital Militar de Lisboa, para a recuperação ser mais rápida, porque o clima húmido da Guiné não era favorável a esta situação.

Durante a conversa com o general Spínola, o brigadeiro veio ter comigo para saber onde estava instalada a nossa Companhia.
Apontei-lhe o local e disse-lhe que era ali o trilho indicado para a Companhia fazer a emboscada.
Para meu espanto, o brigadeiro mandou-me buscar o pessoal da Companhia, para o nosso general passar revista.
FELIZMENTE PARA MIM, o capitão Almeida Bruno assistiu à conversa/ordem que o brigadeiro me deu.
Achei um grande disparate, mas cumpri a ordem do brigadeiro - QUEM ERA O FURRIEL "PERIQUITO" QUE NÃO CUMPRIA A ORDEM RECEBIDA DUM BRIGADEIRO?
Contrariado, fui buscar o pessoal da companhia e dirigi-me para junto do heli, onde estava a decorrer o nosso encontro.
Quando chegamos junto do heli, o general Spínola perguntou-me quem me mandou ir buscar os soldados.
Apeteceu-me dizer que tinha sido o brigadeiro - o que era verdade - mas ao mesmo tempo pensei na gravidade de um furriel "periquito" estar a acusar um brigadeiro. E AQUI VALEU-ME A AJUDA DO CAPITÃO ALMEIDA BRUNO.

Contornou parte do círculo que formávamos e colocou-se virado para mim a apontar para o brigadeiro. Fez isto várias vezes, mas eu continuava a ter medo das consequências. Bastava o brigadeiro dizer que não me deu essa ordem e eu é que ficava como mentiroso.
O capitão Almeida Bruno, viu o meu "desespero", contornou novamente parte do círculo e quando passou por trás de mim, bateu-me nas costas e disse: "DIZ QUE FOI O BRIGADEIRO" Com este "apoio", decidi e respondi ao general Spínola:
"MEU COMANDANTE, FOI O NOSSO BRIGADEIRO QUE ME DEU ORDEM PARA LEVANTAR A EMBOSCADA E TRAZER O PESSOAL PARA AQUI, PARA O MEU COMANDANTE PASSAR REVISTA".
Resposta do general Spínola: "O NOSSO BRIGADEIRO AQUI NÃO MANDA NADA. VOLTA A INSTALAR O PESSOAL NO TRILHO, E EU É QUE VOU LÁ VISITÁ-LO, PARA NÃO ARRISCAR A SEGURANÇA DELES".

DESTA JÁ ME SAFEI, PENSEI EU.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24836: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (16): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés

domingo, 12 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24843: S(c)em Comentários (15): Ainda a propósito da Operação Jaguar Vermelho, levada a efeito entre 26MAI e 11JUN70, na Região do Morés, com a participação da CART 2732 (Carlos Vinhal)

Localização do MORÉS - Região do Oio - no triângulo formado pelos itinerários Mansoa-Bissorã-Mansabá-Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Recorte da pág. 486 do 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional - Tomo II - Guiné - Livro II da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974)


1. Ainda a propósito da Operação Jaguar Vermelho, levada a efeito entre 26MAI e 11JUN70, na Região do Morés, transcreve-se o constante nas páginas da HU da CART 2732:

DA HU DA CART 2732, CAP II / FASC 1 /PÁG 6 E 7:

26 DE MAIO DE 1970 - INÍCIO DA OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO"

Na 1.ª Fase, de 25 a 26MAI, 02 GCOMB emboscaram em MAMBONCÓ sem resultados.

Em 30MAI, a CART a 4 GCOMB reforçada com 01 SEC do PEL MIL 250, deslocou-se para a Regiãi de CÃ QUEBO. Ao entrar na mata de CÃ QUEBO, foram detectados 02 elementos IN armados. As NT abriram fogo sem que estes fossem atingidos. Fez-se uma batida a numerosos trilhos e vestígios da fuga IN. Montada uma emboscada sem resultado. Às 19h00 encontro com um grupo IN armado com armas aur. e mort. 60. As NT abriram fogo pondo em debandada o grupo IN, e, por ser escuro, não se efectuou batida.

Em 31MAI às 05H00 iniciou-se a batida à procura de casas de mato cuja localização aproximada se adivinhava. Em FARIM 1A5 encontradas 4 tabancas que foram destruídas, tendo sido apanhados 2 carregadores de arma aut. e material sem significado. Às 18H00, golpe de mão a um aldeamento com cerca de 100 casas, já abandonado, onde foram capturadas munições de armas ligeiras e utmsílios domésticos. Em FARIM 1A5 montou-se uma emboscada e apareceram 2 el IN que fugiram depois de as NT abrirem fogo sobre os mesmos. Fez-se uma batida e então o IN estimado em 2 grupos fortemente armados, emboscou as NT causando um ferido (milícia), e 1 praça do Pel Caç Nat partiu um dedo ao fazer fogo de morteiro.

Em 01JUN foi pedido fogo de artilharia pois ouviam-se vozes e tinha-se que passar a bolanha para o regresso a MANSABÁ onde se chegou pelas 15H00.

Na 2.ª fase, de 03 a 05JUN, 2 GCOMB montaram emboscada em FARIM 1F3 sem resultados.

Em 07, a Companhia a 4 GCOMB deslocou-se em meios auto para MAMBONCÓ. As NT dirigiram-se para BIGINE. Encontraram em seguida o trilho CAI-MORÉS que não tinha nenhuns vestígios de passagem. Montaram emboscada e pernoitaram na zona. No dia seguinte dirigiram-se a TAMBATO. Dirigiram-se depois à bolanha de MANSOA 9I3 para serem reabastecidos de água e fazerem a evacuação de 3 doentes. Cerca das 16H00 à ordem iniciaram o regresso à estrada CUTIA-MANSABÁ onde chegaram às 17H30.

Posição relativa de Mansabá-Cã Quebo-Bigine e Cai. © Infografia da Carta de Farim 1:50.000 (Luís Graça & Camaradas da Guiné)
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Notas do editor

Vd. poste de 9 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24836: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (16): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés

Último poste da série de 10 de Novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24838: S(c)em Comentários (14): Os fulas, que se alistaram nas forças armadas portuguesas, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo (Cherno Baldé, Bissau)