1. Para os inúmeros apreciadores da poesia da nossa amiga Felismina Costa*, aqui deixamos mais trabalho chegado ao Blogue em mensagem do dia 11 de Julho de 2012:
QUEM SOMOS?
Somos robots?
Não!
Somos o choro, o riso, a voz
Que enche a casa, a escada, a rua
os transportes, as fábricas,
os escritórios, os campos!
Somos a voz que critica.
A força que edifica.
Somos o corpo curvado
Sobre a pá e o arado
pedindo à terra resposta.
Somos, o atento motorista.
O homem que vai ao leme.
O médico.
O malabarista.
O poeta enlouquecido.
O escritor de romances.
Alfaiates, cartomantes.
Peças soltas, indefinidas!
Somos juízes, dentistas…
Julgamos quem desconhecemos
porque assim o entendemos …
Somos tempo de chegada!
Somos tempo de partida!
Somos múltiplos personagens
num só corpo e numa só voz.
Conservamos, destruímos,
Refazemos, construímos.
Somos o eu, que se identifica sob um nome,
ser andante e petulante
que nada sabe da vida!
Somos seres que se constroem
Sobre manuais que herdamos
Todos os dias da vida!
Somos memórias, ideias
coisas bonitas e feias….
Somos PAZ e somos Guerra!
Somos a ciência viva
que procura sem descanso
a razão por que nasceu…
Que faço aqui? Digo eu!
E tu procuras a resposta
que insipidamente chega.
Que não satisfaz, não chega!
Quero mais!
Quero que tu me convenças.
Que desmistifiques minhas crenças.
Que esclareças minhas dúvidas.
Quero saber porque vim,
porque vivo e estou aqui
À tua espera… e porquê?
Felismina Mealha
Agualva, 19 de Abril de 2012
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9749: Blogpoesia (186): Registo (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10099: Blogpoesia (191): De Lisboa a Luanda, ou o puro azul do desejo (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 14 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10152: Patronos e Padroeiros (José Martins) (34): S. João Capistrano - Patrono dos Capelães Militares
1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 10 de Julho de 2012 trazendo até mais um Padroeiro, desta vez o dos Capelães Militares:
Boa noite Carissimos
O Padroeiro que hoje envio, é simultâneamente uma homenagem a todos os sacerdotes que, deixando as suas paróquias e após um curso mais ou menos intensivo, partiram junto com os soldados para uma guerra, que nunca pensaram estar nos seus horizontes, quanto mais nos seus dias, conformando os que ficavam e encomendando a Deus, os que partiam.
É o Patrono dos Capelães Militares.
Um abraço
José Martins
Filho de um fidalgo que acompanhou o Duque de Anjou, que se fixou naquelas paragens, João nasce a 23 de Junho de 1386, em Capestrano, pequena cidade no reino de Nápoles. Nada, ou muito pouco se sabe da sua infância e juventude, apenas que estudou humanidades na sua terra natal.
Mais tarde fez, na Universidade de Perússia, estudos de direito civil e canónico. Foi colocado numa cidade italiana como governador mas, devido a perseguição política, acabou preso.
Aos 30 anos, viúvo e desiludido com a vida e, inspirado em São Francisco, resolve acolher-se num mosteiro de Franciscanos – Ordem dos Frades Menores. Vendeu todos os seus bens, distribuindo o dinheiro pelos pobres. Ordenou-se sacerdote, adoptando o nome de João Capistrano e passou a cumprir todas as tarefas, confortando os doentes nos hospitais da cidade ou na pregação, com humildade e carinho.
Para com a Virgem Maria, João Capistrano tinha uma terna e profunda devoção a ponto de, quando falava sobre Ela, emocionava quem o ouvia, até às lágrimas.
Alguns “sinais” envolveram a sua vida e a sua presença entre os homens: No decorrer de um sermão sobre o Apocalipse, os assistentes puderam ver uma estrela sobre o espaço, lançando raios de luz sobre o pregador; noutra ocasião a chuva forte que caía parou ou os pássaros chilreando calaram-se, para não perturbar o sermão; vendo recusado o transporte para atravessar o Rio Pó, o santo fê-lo caminhando sobre as águas; pregando sobre as vaidades humanas, em Áquila, viu, com espanto, que no final as mulheres lançaram sobre uma grande fogueira os seus ornamentos sumptuários.
Um sermão em Praga, sobre o Juízo Final, teve como consequência o desejo de uma centena de jovens abraçar a vida religiosa; o mesmo tema provocou, quando apresentado na Morávia, a conversão de quatro mil hussitas.
A grande missão, de João Capistrano, foi-lhe atribuída pelo Papa Nicolau V (pontificado de 6 de Maio de 1447 a † 24 de Março de 1455), quando o nomeou Capelão da Cruzada que foi movida contra o Sultão Maomé II que, após conquistar Constantinopla em 1453, havia jurado colocar a bandeira Otomana no Capitólio de Roma. Com as suas exortações, plenas de fé, incentivou os cristãos a defenderem, pelas armas, a sua fé. Porém, com a morte do pontífice, a guerra foi adiada.
Após a eleição, como Pontífice, de Afonso de Bórgia em 8 de Abril de 1455 e que adoptou o nome de Calisto III († 6 de Agosto de 1458), retomou a organização da cruzada, reunindo um exército de perto de quarenta mil homens, recrutados na França, Itália, Polónia, Alemanha, Hungria entre outros, sob o comando de Ladislau (rei da Hungria), João Uniade (senhor da Transilvânia) e George (príncipe da Rússia).
Fizeram avançar as suas tropas sobre Belgrado, que se encontrava cercado pelo exército muçulmano, mas em número muito superior ao exército cristão.
Durante a deslocação em direcção ao local do combate, João Capistrano foi alertado, por uma flecha que caiu do céu. Na flecha vinha uma mensagem que tinha escrito: “Não temas; triunfarás sobre os turcos pela virtude de meu Nome e da Santa Cruz, que tu transportas”.
De facto, a arma que João transportava era apenas uma cruz, que agitava no ar, incitando os seus companheiros combatentes, de tal forma que levaram os muçulmanos de vencida, provocando imensas baixas estando entre elas o Sultão Maomé II que foi ferido. O capelão, João de Capistrano, apesar de sempre ter estado nos locais em que o combate foi mais renhido, como por milagre, não sofreu sequer um arranhão.
Cerca de três meses após estes acontecimentos, a 23 de Outubro de 1456, João de Capristano morria atingido por uma peste que assolou a região de Vilach, na Áustria.
Aqueles contra quem havia pregado, sabendo-o morto, procuraram a sua sepultura e lançaram os seus restos mortais ao rio Danúbio, donde os cristãos o resgataram e lhe deram sepultura em Elloc, perto de Viena.
Foi canonizado, em 1724, pelo Papa Bento XIII, tendo sido fixado o dia da sua festa litúrgica em 23 de Outubro. Os capelães militares costumam encontrar-se no dia do seu Patrono para o louvar e pedir a sua protecção.
José Marcelino Martins
9 de Julho de 2012
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10126: Patronos e Padroeiros (José Martins) (33): S. Cristóvão - Patrono dos Condutores
Boa noite Carissimos
O Padroeiro que hoje envio, é simultâneamente uma homenagem a todos os sacerdotes que, deixando as suas paróquias e após um curso mais ou menos intensivo, partiram junto com os soldados para uma guerra, que nunca pensaram estar nos seus horizontes, quanto mais nos seus dias, conformando os que ficavam e encomendando a Deus, os que partiam.
É o Patrono dos Capelães Militares.
Um abraço
José Martins
Patronos e Padroeiros XXXIV
Patrono dos Capelães Militares
São João Capistrano
Imagem: © As Cruzadas
Filho de um fidalgo que acompanhou o Duque de Anjou, que se fixou naquelas paragens, João nasce a 23 de Junho de 1386, em Capestrano, pequena cidade no reino de Nápoles. Nada, ou muito pouco se sabe da sua infância e juventude, apenas que estudou humanidades na sua terra natal.
Mais tarde fez, na Universidade de Perússia, estudos de direito civil e canónico. Foi colocado numa cidade italiana como governador mas, devido a perseguição política, acabou preso.
Aos 30 anos, viúvo e desiludido com a vida e, inspirado em São Francisco, resolve acolher-se num mosteiro de Franciscanos – Ordem dos Frades Menores. Vendeu todos os seus bens, distribuindo o dinheiro pelos pobres. Ordenou-se sacerdote, adoptando o nome de João Capistrano e passou a cumprir todas as tarefas, confortando os doentes nos hospitais da cidade ou na pregação, com humildade e carinho.
Para com a Virgem Maria, João Capistrano tinha uma terna e profunda devoção a ponto de, quando falava sobre Ela, emocionava quem o ouvia, até às lágrimas.
Alguns “sinais” envolveram a sua vida e a sua presença entre os homens: No decorrer de um sermão sobre o Apocalipse, os assistentes puderam ver uma estrela sobre o espaço, lançando raios de luz sobre o pregador; noutra ocasião a chuva forte que caía parou ou os pássaros chilreando calaram-se, para não perturbar o sermão; vendo recusado o transporte para atravessar o Rio Pó, o santo fê-lo caminhando sobre as águas; pregando sobre as vaidades humanas, em Áquila, viu, com espanto, que no final as mulheres lançaram sobre uma grande fogueira os seus ornamentos sumptuários.
Um sermão em Praga, sobre o Juízo Final, teve como consequência o desejo de uma centena de jovens abraçar a vida religiosa; o mesmo tema provocou, quando apresentado na Morávia, a conversão de quatro mil hussitas.
A grande missão, de João Capistrano, foi-lhe atribuída pelo Papa Nicolau V (pontificado de 6 de Maio de 1447 a † 24 de Março de 1455), quando o nomeou Capelão da Cruzada que foi movida contra o Sultão Maomé II que, após conquistar Constantinopla em 1453, havia jurado colocar a bandeira Otomana no Capitólio de Roma. Com as suas exortações, plenas de fé, incentivou os cristãos a defenderem, pelas armas, a sua fé. Porém, com a morte do pontífice, a guerra foi adiada.
Após a eleição, como Pontífice, de Afonso de Bórgia em 8 de Abril de 1455 e que adoptou o nome de Calisto III († 6 de Agosto de 1458), retomou a organização da cruzada, reunindo um exército de perto de quarenta mil homens, recrutados na França, Itália, Polónia, Alemanha, Hungria entre outros, sob o comando de Ladislau (rei da Hungria), João Uniade (senhor da Transilvânia) e George (príncipe da Rússia).
Fizeram avançar as suas tropas sobre Belgrado, que se encontrava cercado pelo exército muçulmano, mas em número muito superior ao exército cristão.
Durante a deslocação em direcção ao local do combate, João Capistrano foi alertado, por uma flecha que caiu do céu. Na flecha vinha uma mensagem que tinha escrito: “Não temas; triunfarás sobre os turcos pela virtude de meu Nome e da Santa Cruz, que tu transportas”.
De facto, a arma que João transportava era apenas uma cruz, que agitava no ar, incitando os seus companheiros combatentes, de tal forma que levaram os muçulmanos de vencida, provocando imensas baixas estando entre elas o Sultão Maomé II que foi ferido. O capelão, João de Capistrano, apesar de sempre ter estado nos locais em que o combate foi mais renhido, como por milagre, não sofreu sequer um arranhão.
Cerca de três meses após estes acontecimentos, a 23 de Outubro de 1456, João de Capristano morria atingido por uma peste que assolou a região de Vilach, na Áustria.
Aqueles contra quem havia pregado, sabendo-o morto, procuraram a sua sepultura e lançaram os seus restos mortais ao rio Danúbio, donde os cristãos o resgataram e lhe deram sepultura em Elloc, perto de Viena.
Foi canonizado, em 1724, pelo Papa Bento XIII, tendo sido fixado o dia da sua festa litúrgica em 23 de Outubro. Os capelães militares costumam encontrar-se no dia do seu Patrono para o louvar e pedir a sua protecção.
José Marcelino Martins
9 de Julho de 2012
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10126: Patronos e Padroeiros (José Martins) (33): S. Cristóvão - Patrono dos Condutores
Guiné 63/74 - P10151: Tabanca Grande (349): Abel Moreira dos Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69)
1. Mensagem de adesão à Tabanca Grande do nosso camarada e novo tertuliano Abel Moreira dos Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69:
Caros camaradas,
A convite do Carlos Vinhal, de quem sou vizinho desde há alguns anos mas com quem só travei conhecimento nos Convívios do pessoal da Guiné do Concelho de Matosinhos e nas cerimónias do 10 de Junho em Leça da Palmeira, aqui estou a apresentar-me à tertúlia deste Blogue.
Convém desde já avisar que estou ainda a dar os primeiros passos na informática pelo que, para já, o que aqui aparece publicado é entregue em mão ao Carlos. Espero em breve ser mais autónomo.
Vamos então à minha apresentação:
Chamo-me Abel Moreira dos Santos e fui Soldado Atirador da CART 1742.
Abro aqui um parênteses para dizer que fui Praça por opção, pois não entreguei as habilitações que tinha e que me permitiam aceder à classe de Sargentos; que quase fui Soldado Comando, não recebendo a boina por não querer trair uma amizade, no que fui retribuído, já que o camarada que eu não quis trair, teve atitude idêntica em relação a mim e, como eu, desistiu dos Comandos antes de terminado o curso. Talvez um dia conte o assunto mais em pormenor.
A minha Companhia embarcou para a Guiné no dia 22 de Julho de 1967, onde chegou no dia 30.
Estivemos sediados em Bissau até Setembro do mesmo ano, mês em fomos de malas aviadas para Nova Lamego, onde permanecemos cerca de 7 meses.
Fizemos várias operações naquela zona, da qual lembro locais tão emblemáticos da guerra da Guiné como Béli, Cheche, Gã Guiró e Madina do Boé.
Em Abril de 1968 a Companhia subiu ainda mais no mapa da Guiné, sendo colocada naquele cantinho muito ao Norte e a Leste chamado Buruntuma. Quando dominar o teclado contarei umas histórias daqueles tempos bem trágicos que jamais se apagarão da minha memória.
Quando fomos para a Guiné, a perspectiva era cumprir 18 meses de comissão, mas com a chegada à Província do então Brigadeiro António de Spínola, foram instituídos os 21 meses que acabaram por ser esticados até aos 23. Na verdade, só no início de Junho de 1969 deixamos Buruntuma com destino a Bissau onde aguardamos embarque que se efectivou a 6 desse mesmo mês.
A minha primeira intervenção neste Blogue foi para dar notícia do Convívio da minha Companhia em Leça da Palmeira em 2011, cuja organização foi da minha responsabilidade*.
Já este ano dei conta do VIII Encontro realizado no passado dia 26 de Maio na linda cidade minhota de Fafe.
Por agora é tudo quanto se me oferece dizer, esperando o vosso acolhimento e camaradagem.
Abel Santos
Ex-Soldado Atirador
CART 1742
Nova Lamego e Buruntuma
1967/69
2. Comentário de CV:
Caro camarada, amigo e vizinho Abel
Na verdade tantos anos a viver a pouco mais de 500 metros um do outro e não nos conhecíamos. Mas a Guiné tem esta magia, cria amizades e junta pessoas conhecidas e desconhecidas.
Alguém disse recentemente que nos reunimos nesta página por nostalgia da nossa juventude. Podemos concordar ou não com esta afirmação, porque quem é que não tem nostalgia do seu passado? Não gostávamos nós em pequenos ouvir as histórias dos nossos avós e dos nossos pais? E eles, salvo casos muito excepcionais, não tinham histórias de guerra para contar.
A menos que tenhamos feito algo do que nos envergonhemos, é bom recordar o passado, mesmo quando ele é doloroso.
Aqueles dois anos da nossa vida foram maus de mais para esquecer e já quase ninguém nos quer ouvir. Assim, aqui podemos desabafar e "ouvir" os nossos camaradas. Histórias contadas e recontadas, mas que se completam e se cruzam em cada (ex-)combatente.
Caro Abel, muito obrigado por te juntares a nós. Esperamos que em breve te tornes mestre na informática para poderes colaborar com as tuas histórias e fotografias, mas até lá já sabes que podes contar comigo para suprimir essa dificuldade.
Em nome da tertúlia deixo-te o tradicional abraço de boas-vindas.
O teu camarada
Carlos Vinhal
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8553: Convívios (356): 7.º Encontro da CART 1742 (Os Panteras), dia 28 de Maio de 2011, em Leça da Palmeira (Abel Santos)
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...
Caros camaradas,
A convite do Carlos Vinhal, de quem sou vizinho desde há alguns anos mas com quem só travei conhecimento nos Convívios do pessoal da Guiné do Concelho de Matosinhos e nas cerimónias do 10 de Junho em Leça da Palmeira, aqui estou a apresentar-me à tertúlia deste Blogue.
Convém desde já avisar que estou ainda a dar os primeiros passos na informática pelo que, para já, o que aqui aparece publicado é entregue em mão ao Carlos. Espero em breve ser mais autónomo.
Vamos então à minha apresentação:
Chamo-me Abel Moreira dos Santos e fui Soldado Atirador da CART 1742.
Abro aqui um parênteses para dizer que fui Praça por opção, pois não entreguei as habilitações que tinha e que me permitiam aceder à classe de Sargentos; que quase fui Soldado Comando, não recebendo a boina por não querer trair uma amizade, no que fui retribuído, já que o camarada que eu não quis trair, teve atitude idêntica em relação a mim e, como eu, desistiu dos Comandos antes de terminado o curso. Talvez um dia conte o assunto mais em pormenor.
A minha Companhia embarcou para a Guiné no dia 22 de Julho de 1967, onde chegou no dia 30.
Estivemos sediados em Bissau até Setembro do mesmo ano, mês em fomos de malas aviadas para Nova Lamego, onde permanecemos cerca de 7 meses.
Fizemos várias operações naquela zona, da qual lembro locais tão emblemáticos da guerra da Guiné como Béli, Cheche, Gã Guiró e Madina do Boé.
Em Abril de 1968 a Companhia subiu ainda mais no mapa da Guiné, sendo colocada naquele cantinho muito ao Norte e a Leste chamado Buruntuma. Quando dominar o teclado contarei umas histórias daqueles tempos bem trágicos que jamais se apagarão da minha memória.
Quando fomos para a Guiné, a perspectiva era cumprir 18 meses de comissão, mas com a chegada à Província do então Brigadeiro António de Spínola, foram instituídos os 21 meses que acabaram por ser esticados até aos 23. Na verdade, só no início de Junho de 1969 deixamos Buruntuma com destino a Bissau onde aguardamos embarque que se efectivou a 6 desse mesmo mês.
A minha primeira intervenção neste Blogue foi para dar notícia do Convívio da minha Companhia em Leça da Palmeira em 2011, cuja organização foi da minha responsabilidade*.
Já este ano dei conta do VIII Encontro realizado no passado dia 26 de Maio na linda cidade minhota de Fafe.
Por agora é tudo quanto se me oferece dizer, esperando o vosso acolhimento e camaradagem.
Abel Santos
Ex-Soldado Atirador
CART 1742
Nova Lamego e Buruntuma
1967/69
Julho de 1967 > Algures no alto mar a caminho da Guiné a bordo do navio Timor
Bissau, Julho de 1967 > No "600", acabadinho de chegar à Guiné
Bissau, Janeiro de 1969 > Junto à estátua do navegador Nuno Tristão
Reconhecimento pelos serviços prestados à Pátria
2. Comentário de CV:
Caro camarada, amigo e vizinho Abel
Na verdade tantos anos a viver a pouco mais de 500 metros um do outro e não nos conhecíamos. Mas a Guiné tem esta magia, cria amizades e junta pessoas conhecidas e desconhecidas.
Alguém disse recentemente que nos reunimos nesta página por nostalgia da nossa juventude. Podemos concordar ou não com esta afirmação, porque quem é que não tem nostalgia do seu passado? Não gostávamos nós em pequenos ouvir as histórias dos nossos avós e dos nossos pais? E eles, salvo casos muito excepcionais, não tinham histórias de guerra para contar.
A menos que tenhamos feito algo do que nos envergonhemos, é bom recordar o passado, mesmo quando ele é doloroso.
Aqueles dois anos da nossa vida foram maus de mais para esquecer e já quase ninguém nos quer ouvir. Assim, aqui podemos desabafar e "ouvir" os nossos camaradas. Histórias contadas e recontadas, mas que se completam e se cruzam em cada (ex-)combatente.
Caro Abel, muito obrigado por te juntares a nós. Esperamos que em breve te tornes mestre na informática para poderes colaborar com as tuas histórias e fotografias, mas até lá já sabes que podes contar comigo para suprimir essa dificuldade.
Em nome da tertúlia deixo-te o tradicional abraço de boas-vindas.
O teu camarada
Carlos Vinhal
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8553: Convívios (356): 7.º Encontro da CART 1742 (Os Panteras), dia 28 de Maio de 2011, em Leça da Palmeira (Abel Santos)
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10150: Camaradas da diáspora (11): Tony Borié, ex-1º cabo cripto, Comando de Agrupamento nº 16 (Mansoa, 1964/66), a viver na Flórida, EUA
Estados Unidos da América > s/d > O Tony Borié, de boné... Foro "tirada no estado de Pennsilvânia, onde vive o meu filho".
Estados Unidos da América > Flórida > s/d > O Tony Borié "com um peixe, que se chama African Pampano, numa das minhas pescarias aqui na Flórida".
Guiné > Região do Oio > Mansoa > Comando de Agrupamento nº 16 (1964/66) > O 1º cabo cripto Borié "sentado é em frente ao centro cripto, também no aquartelamento em Mansoa, já com o aquartelamento quasi acabado".
Fotos : © Tony Borié (2012). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem, com data de 5 do corrente, do António (aliás, Tony) Borié, nosso grã-tabanqueiro nº 564 (*)
Amigo Luis:
Obrigado pela tua atenção.
Já posso digitalizar as páginas do meu livro. Tenho material, do livro da Guiné, para te mandar quatro páginas por semana, talvez durante uns meses. Tenho outros livros escritos, não publicados, que se referem à minha experiência de emigrante, numa terra com costumes e língua diferentes.
A minha estadia na guerra da Guiné deu-me experiência e força anímica, para me adaptar a um país como os Estados Unidos, onde a princípio é difícil superar todas as anomalias que nos surgem, como a língua e os costumes. Quando aqui cheguei, com trinta anos, com responsabilidade de família, fui para a escola como uma criança de seis anos, frequentei a escola, até tirar classes na universidade, para me graduar profissionalmente, lavei carros, e tive os trabalhos mais pesados e sujos que havia. (**)
Os meus filhos têm cursos superiores. Foi difícil para qualquer pessoa, mas eu tinha sobrevivido à guerra da Guiné!. Portanto estava preparado.
Quanto a publicar [partes do meu livro], sim senhor, mas não agora. Deixa publicar alguns artigos no teu site, e ver como correm as coisas. Quando chegar o momento, tu serás, se o desejares, o meu contacto.
Luis, agora mudando o assunto, pois quando se começa a falar, nunca mais acabamos, o título do livro da Guiné, pode ser: "TERRA VERMELHA". O meu nome pode ser Tony Bori´r.
Vou começar pelo princípio do livro, e vou junto mandar-se quatro páginas. Por favor vê se as recebes bem e diz-me, em seguida. Um abraço do Tony.
________________
Notas do editor:
(*) vd. poste de 4 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10111: Tabanca Grande (347): António Borié, ex-1º cabo cripto, Cmd Agrup nº 16, Mansoa, 1964/66, há 40 anos nos EUA... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 564
(**) Último poste da série > 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9461: Camaradas da diáspora (10): Vasco Pires, ex-comandante do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72): saiu de Portugal em 1972
Guiné 63/74 - P10149: Memória dos lugares (187): Gabu, ontem e hoje (Tino Neves, ex- 1º cabo escrit, CCS / BCAÇ 2893, 1969/71)
Guiné > Região de Gabu > Gabu (Nova Lamego) > Memorial aos mortos do BCAÇ 2893 (1969/71)... A mesma pedra, virada ao contrário, irá servir - depois da independência - para lavrar uma homenagem ao "pai da Pátria", Amílcar Cabral (fotos abaixo)... Os mortos do batalhão foram os seguintes: (i) Sold J. Rodrigues e Sold A. Seixas (CCS); (ii) Sold J.Cavalheiro e Sold J. Paiva (CCAÇ 2618); (iii) Sold J. Conde (CCAÇ 2617); e (iv) Sold S. Fernandes e Sold A. Dias (CCAÇ 2619).
Foto : © Tino Neves (2012). Todos os direitos reservados
Guiné-Bissau > Região de Gabu > Gabu > Homenagem ao "pai da Pátria", Amílcar Cabral, lavrada na mesma pedra do memorial aos mortos do BCAÇ 2893...
Foto: © José Couto / Tino Neves (2006). Foto gentilmente cedida por José Couto (ex-furriel miliciano de transmissões, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71), camarada do Tino Neves.
1. Mensagem, com data de ontem,do nosso camarada Constantino (ou Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71=, membro da nossa Tabanca Grande desde 2006:
Olá Camaradas:
Aqui vos mando uma foto do memorial aos Mortos do Batalhão de Caçadores 2893, esta com alguns retoques e limpeza.
É aquela mesma que está no mesmo quartel de Nova Lamego, agora ao serviço do PAIGC, mas foi aproveitada para, no verso da mesma, ser inscrito um memorial ao Amilcar Cabral.
Ainda bem que ainda está inteira...
Já agora envio também alguns roncos.
Abraços
Tino Neves
Aqui vos mando uma foto do memorial aos Mortos do Batalhão de Caçadores 2893, esta com alguns retoques e limpeza.
É aquela mesma que está no mesmo quartel de Nova Lamego, agora ao serviço do PAIGC, mas foi aproveitada para, no verso da mesma, ser inscrito um memorial ao Amilcar Cabral.
Ainda bem que ainda está inteira...
Já agora envio também alguns roncos.
Abraços
Tino Neves
Guiné > Região de Gabu > Gabu (Nova Lamego) > Nas duas fotos de cima, duas bajudas (esculturais) do Gabu; em baixo, a figura de um feiticeiro...
Fotos: © Tino Neves (2012). Todos os direitos reservados
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 11 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10022: Memória dos lugares (186): Ainda sobre a "célebre ponte, em betão, inacabada", na estrada Cachungo-Cacheu, ao km 6 (Jorge Picado)
Guiné 63/74 - P10148: Notas de leitura (380): O Meu Diário, Guiné - 1964/1966, CCAÇ 674, de Inácio Maria Góis (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Maio de 2012:
Queridos amigos,
Confirmo que se trata do mais singular, detalhado diário de um combatente da Guiné.
Há uns anos atrás, o historiador René Pélissier perguntou ao blogue como podia ter acesso ao livro. Só agora é que me apercebi, depois de uma consulta ao Google. Seria bem útil que confrades como o JERO ou Belmiro Tavares, vizinhos de Binta, comentassem o diário de Inácio Maria Góis. É uma escrita singela e sem retoques, vê-se que ele ouve e escreve conforme lhe soa. Toca pela sinceridade e inocência.
Quando dou por estas pepitas de ouro, questiono quantas edições de autor andam por aí a exigir leitura obrigatória.
Um abraço do
Mário
O diário do soldado Inácio Maria Góis (2)
Beja Santos
O primeiro ataque vivido pela CCAÇ 674 em Fajonquito ocorreu em 24 de Agosto de 1964, pelas 9 da noite, todos pegam nas armas e vão para os abrigos improvisados. Enquanto os guerrilheiros gritam “Venham cá, seus filhos da puta”, os soldados respondem, é uma flagelação que dura várias horas, com intermitências. Mesmo quando saíram para fazer o reconhecimento, a pouco mais de 100 metros, foram emboscados. Seriam 10 da manhã quando os Fiat começaram a fazer diversas rajadas, o contingente da CCAÇ que tinha saído em reconhecimento continuou a ser alvejado pelos guerrilheiros. E termina assim o seu relato: “O combate terminou pelas 11 da manhã. Os guerrilheiros puseram-se em fuga mas mostraram que estavam ali para o que desse e viesse. Tentaram ver a nossa reação ou a nossa fraqueza, mas viram que nós não fraquejámos”. No dia seguinte um civil de etnia fula capturou um suposto guerrilheiro que o comandante de companhia submeteu a interrogatório. O soldado Inácio Góis diz ter presenciado um crime horrível: “A pouco mais de 300 metros do aquartelamento ele foi obrigado a pegar numa pá e abrir a sua própria sepultura; não compreendi a razão do que estava a fazer ao jovem guerrilheiro, já indefeso, de mãos atadas e com uma corda ao pescoço”. E depois descreve a execução do jovem guerrilheiro que tombou sobre a sua própria sepultura.
Em Fajonquito recorda festas e feiras em Porto Covo, quando escreve em 29 de Agosto o seu diário lembra-se dessas festividades e pensa que as famílias dos combatentes não esquecem os que estão longe. No final de Agosto há um patrulhamento a Sanjábará, nada encontraram. Na noite de 1 de Setembro voltam a fazer uma patrulha de reconhecimento a tabancas mais ou menos a quatro quilómetros de Fajonquito. O comandante da patrulha faz perguntas aos chefes de tabanca, de maneira sóbria eles respondem que não há presença de “bandidos”. E a 2 de Setembro temos nova flagelação, repete-se a ida para as valas, é uma nova flagelação intermitente, prolongou-se até ao amanhecer. No reconhecimento, não encontraram sinais do inimigo. A 8 de Setembro temos a terceira flagelação, também perto das 8 da noite. No seu diário, em 12 de Setembro, fala das abatises que aparecem em praticamente todos os itinerários. É no regresso que rebenta uma emboscada e ele escreve: “Quando chegámos junto dos nossos camaradas deparou-se-nos um cenário de horror, alguns deles encontravam-se feridos e estendidos na estrada. Havia sangue por todos os lados. Tentei socorrer os feridos com maior gravidade aplicando diversos pensos para o sangue estancar. Os guerrilheiros atacaram com rockets, lançaram sobre os nossos camaradas dezenas de granadas defensivas”. Há muitas lágrimas porque um furriel ficou ferido com gravidade, um alferes que fora atingido com estilhaços de granada, estavam todos muito abatidos e ele registou as expressões de alegria da força emboscada quando os viu chegar. No regresso a Fajonquito foram flagelados mas não houve feridos a lamentar.
Em Setembro, entende explicitar qual a missão da CCAÇ 674: controlar e deter a entrada dos guerrilheiros que vêm do Senegal pelas fronteiras de Cuntima, Sitató, Sare-Uale, Sare-Bacar, Dungal e Cambajú; além disso, há que fazer patrulhamentos, emboscadas até à fronteira do Senegal; a par disso, compete-lhe proteger e apoiar as populações que vivem em Fajonquito e nas imediações. É uma constante no seu diário as queixas sobre a comida. Voltam à região de Sanjabará(1) em meados de Outubro, há novamente árvores no meio da estrada, a estrada para Farim está intransitável. Todas as deslocações, incluindo a Paunca, Contuboel e Bafatá, aparecem referenciadas, não se conhece diário mais detalhado, desde os cuidados pessoais, às relações com os superiores, o estado de espírito dos camaradas. Um tema recorrente é a discrepância do que se come na mesa dos oficiais e na mesa das praças.
No final de Novembro dá-nos a saber que o soldado Guimarães fez mesas e bancos para as praças, já se come com alguma dignidade. Assim se chega ao Natal: “Hoje, dia de Natal, encontro-me deitado na minha camarata, olhando para o teto da caserna que é composto por uma dúzia de chapas de zinco. A luz que me alumia é composta por uma simples garrafa de cerveja com um pouco de petróleo e uma pequena torcida improvisada dentro da mesma, tudo parece muito triste e muito só”. As entradas referentes a Janeiro de 1965 são muito sóbrias: registos sobre a comida; ralhetes do comandante de companhia; decide casar-se e escreve à namorada. Em 6 de Fevereiro ficamos a saber que existe a Cruz do Calvário, a expressão pertence-lhe, fica a mais de 8 quilómetros de Fajonquito, frente à estrada que fazia ligação a Farim, é o nome que ele pôs à primeira serração, ali ainda existem vestígios de viaturas e numa das paredes lê-se que quem manda ali são os guerrilheiros do PAIGC. Será aí que se irá fazer um posto avançado, uma mortificação, os guerrilheiros irão tentar assaltar o posto, nunca conseguirão.
Inácio Góis faz amizades, procura estar atento aos usos e costumes da população de Fajonquito. Em Março, nova operação a Sanjábará, tudo decorreu sem incidentes. No regresso, fala do seu casamento: “No dia 15 de Fevereiro de 1959 recebi a primeira carta da jovem Maria Antónia a dizer que aceitava o nosso namoro. A seguir à resposta da aceitação do casamento, cada um de nós começou a tratar dos papéis, o que para mim me parecia um conto de fadas. Encontro-me na frente de combate e não sei o que me poderá acontecer, mas tenho fé em Deus, que sairei deste inferno com vida, se Deus me ajudar”. Depois patrulham demoradamente à volta de Cambaju. Há camaradas que lhe vão dizendo, quando o vêm escrever nos cadernos: “não te esqueças também de escrever o meu nome para que um dia nós o possamos ler em paz se tivermos a sorte de sairmos deste inferno com vida”. Dias depois, vamos vê-lo numa operação na região de Caresse. Não houve um único tiro, não encontraram traço de presença humana.
De Março para Abril, durante um mês, não há nenhum registo no diário. Mas em 16 de Abril ele informa-nos que seguiu numa patrulha de reconhecimento em direção a Sare-Uale, junto à fronteira do Senegal e voltam por Cambaju, nada a registar. A 22, dá-se o seu batismo na igreja de Bafatá, celebrou um padre franciscano que lhe disse: “Tenho a fé que tudo há de correr bem”. Em 9 de Maio vem a primeira notícia de uma mina anticarro, o 3º pelotão saiu em patrulha de reconhecimento, com destino a Sitató, foram 3 Unimogs e um jipe, vários militares ficaram feridos. E temo-lo agora a caminho de Sanjabará(1), nova mina anticarro, não houve sinistrados. Ele escreve: faz hoje um ano que cheguei à Guiné. No dia seguinte recebe uma carta da noiva a informá-lo que o casamento se vai realizar no dia 26 de Maio, na Igreja Matriz da Vila de Sines. A 27, emocionado, descreve o que se terá passado em Sines: “Quis o destino que à mesma hora em que se realizava o meu casamento eu encontrar-me a combater na região do Caresse. Nessas horas de muito sofrimento não tive tempo para pensar que a minha futura esposa se encontrava no altar da igreja, na presença do padre Joaquim Ferreira de Sousa".
Mais um mês de silêncio no diário, a 26 de Junho a CCAÇ 674 parte para uma operação em Sarinháco(2).
(Continua)
Notas:
(1) - Sare-Jambara
(2) - Sare-Nhaco
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10134: Notas de leitura (378): O Meu Diário, Guiné - 1964/1966, CCAÇ 674, de Inácio Maria Góis (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10142: Notas de leitura (379): "A Viagem do Tangomau - Memórias da Guerra Colonial que não se apagam", de Mário Beja Santos (Francisco Henriques da Silva)
Queridos amigos,
Confirmo que se trata do mais singular, detalhado diário de um combatente da Guiné.
Há uns anos atrás, o historiador René Pélissier perguntou ao blogue como podia ter acesso ao livro. Só agora é que me apercebi, depois de uma consulta ao Google. Seria bem útil que confrades como o JERO ou Belmiro Tavares, vizinhos de Binta, comentassem o diário de Inácio Maria Góis. É uma escrita singela e sem retoques, vê-se que ele ouve e escreve conforme lhe soa. Toca pela sinceridade e inocência.
Quando dou por estas pepitas de ouro, questiono quantas edições de autor andam por aí a exigir leitura obrigatória.
Um abraço do
Mário
O diário do soldado Inácio Maria Góis (2)
Beja Santos
O primeiro ataque vivido pela CCAÇ 674 em Fajonquito ocorreu em 24 de Agosto de 1964, pelas 9 da noite, todos pegam nas armas e vão para os abrigos improvisados. Enquanto os guerrilheiros gritam “Venham cá, seus filhos da puta”, os soldados respondem, é uma flagelação que dura várias horas, com intermitências. Mesmo quando saíram para fazer o reconhecimento, a pouco mais de 100 metros, foram emboscados. Seriam 10 da manhã quando os Fiat começaram a fazer diversas rajadas, o contingente da CCAÇ que tinha saído em reconhecimento continuou a ser alvejado pelos guerrilheiros. E termina assim o seu relato: “O combate terminou pelas 11 da manhã. Os guerrilheiros puseram-se em fuga mas mostraram que estavam ali para o que desse e viesse. Tentaram ver a nossa reação ou a nossa fraqueza, mas viram que nós não fraquejámos”. No dia seguinte um civil de etnia fula capturou um suposto guerrilheiro que o comandante de companhia submeteu a interrogatório. O soldado Inácio Góis diz ter presenciado um crime horrível: “A pouco mais de 300 metros do aquartelamento ele foi obrigado a pegar numa pá e abrir a sua própria sepultura; não compreendi a razão do que estava a fazer ao jovem guerrilheiro, já indefeso, de mãos atadas e com uma corda ao pescoço”. E depois descreve a execução do jovem guerrilheiro que tombou sobre a sua própria sepultura.
Em Fajonquito recorda festas e feiras em Porto Covo, quando escreve em 29 de Agosto o seu diário lembra-se dessas festividades e pensa que as famílias dos combatentes não esquecem os que estão longe. No final de Agosto há um patrulhamento a Sanjábará, nada encontraram. Na noite de 1 de Setembro voltam a fazer uma patrulha de reconhecimento a tabancas mais ou menos a quatro quilómetros de Fajonquito. O comandante da patrulha faz perguntas aos chefes de tabanca, de maneira sóbria eles respondem que não há presença de “bandidos”. E a 2 de Setembro temos nova flagelação, repete-se a ida para as valas, é uma nova flagelação intermitente, prolongou-se até ao amanhecer. No reconhecimento, não encontraram sinais do inimigo. A 8 de Setembro temos a terceira flagelação, também perto das 8 da noite. No seu diário, em 12 de Setembro, fala das abatises que aparecem em praticamente todos os itinerários. É no regresso que rebenta uma emboscada e ele escreve: “Quando chegámos junto dos nossos camaradas deparou-se-nos um cenário de horror, alguns deles encontravam-se feridos e estendidos na estrada. Havia sangue por todos os lados. Tentei socorrer os feridos com maior gravidade aplicando diversos pensos para o sangue estancar. Os guerrilheiros atacaram com rockets, lançaram sobre os nossos camaradas dezenas de granadas defensivas”. Há muitas lágrimas porque um furriel ficou ferido com gravidade, um alferes que fora atingido com estilhaços de granada, estavam todos muito abatidos e ele registou as expressões de alegria da força emboscada quando os viu chegar. No regresso a Fajonquito foram flagelados mas não houve feridos a lamentar.
Em Setembro, entende explicitar qual a missão da CCAÇ 674: controlar e deter a entrada dos guerrilheiros que vêm do Senegal pelas fronteiras de Cuntima, Sitató, Sare-Uale, Sare-Bacar, Dungal e Cambajú; além disso, há que fazer patrulhamentos, emboscadas até à fronteira do Senegal; a par disso, compete-lhe proteger e apoiar as populações que vivem em Fajonquito e nas imediações. É uma constante no seu diário as queixas sobre a comida. Voltam à região de Sanjabará(1) em meados de Outubro, há novamente árvores no meio da estrada, a estrada para Farim está intransitável. Todas as deslocações, incluindo a Paunca, Contuboel e Bafatá, aparecem referenciadas, não se conhece diário mais detalhado, desde os cuidados pessoais, às relações com os superiores, o estado de espírito dos camaradas. Um tema recorrente é a discrepância do que se come na mesa dos oficiais e na mesa das praças.
No final de Novembro dá-nos a saber que o soldado Guimarães fez mesas e bancos para as praças, já se come com alguma dignidade. Assim se chega ao Natal: “Hoje, dia de Natal, encontro-me deitado na minha camarata, olhando para o teto da caserna que é composto por uma dúzia de chapas de zinco. A luz que me alumia é composta por uma simples garrafa de cerveja com um pouco de petróleo e uma pequena torcida improvisada dentro da mesma, tudo parece muito triste e muito só”. As entradas referentes a Janeiro de 1965 são muito sóbrias: registos sobre a comida; ralhetes do comandante de companhia; decide casar-se e escreve à namorada. Em 6 de Fevereiro ficamos a saber que existe a Cruz do Calvário, a expressão pertence-lhe, fica a mais de 8 quilómetros de Fajonquito, frente à estrada que fazia ligação a Farim, é o nome que ele pôs à primeira serração, ali ainda existem vestígios de viaturas e numa das paredes lê-se que quem manda ali são os guerrilheiros do PAIGC. Será aí que se irá fazer um posto avançado, uma mortificação, os guerrilheiros irão tentar assaltar o posto, nunca conseguirão.
Inácio Góis faz amizades, procura estar atento aos usos e costumes da população de Fajonquito. Em Março, nova operação a Sanjábará, tudo decorreu sem incidentes. No regresso, fala do seu casamento: “No dia 15 de Fevereiro de 1959 recebi a primeira carta da jovem Maria Antónia a dizer que aceitava o nosso namoro. A seguir à resposta da aceitação do casamento, cada um de nós começou a tratar dos papéis, o que para mim me parecia um conto de fadas. Encontro-me na frente de combate e não sei o que me poderá acontecer, mas tenho fé em Deus, que sairei deste inferno com vida, se Deus me ajudar”. Depois patrulham demoradamente à volta de Cambaju. Há camaradas que lhe vão dizendo, quando o vêm escrever nos cadernos: “não te esqueças também de escrever o meu nome para que um dia nós o possamos ler em paz se tivermos a sorte de sairmos deste inferno com vida”. Dias depois, vamos vê-lo numa operação na região de Caresse. Não houve um único tiro, não encontraram traço de presença humana.
De Março para Abril, durante um mês, não há nenhum registo no diário. Mas em 16 de Abril ele informa-nos que seguiu numa patrulha de reconhecimento em direção a Sare-Uale, junto à fronteira do Senegal e voltam por Cambaju, nada a registar. A 22, dá-se o seu batismo na igreja de Bafatá, celebrou um padre franciscano que lhe disse: “Tenho a fé que tudo há de correr bem”. Em 9 de Maio vem a primeira notícia de uma mina anticarro, o 3º pelotão saiu em patrulha de reconhecimento, com destino a Sitató, foram 3 Unimogs e um jipe, vários militares ficaram feridos. E temo-lo agora a caminho de Sanjabará(1), nova mina anticarro, não houve sinistrados. Ele escreve: faz hoje um ano que cheguei à Guiné. No dia seguinte recebe uma carta da noiva a informá-lo que o casamento se vai realizar no dia 26 de Maio, na Igreja Matriz da Vila de Sines. A 27, emocionado, descreve o que se terá passado em Sines: “Quis o destino que à mesma hora em que se realizava o meu casamento eu encontrar-me a combater na região do Caresse. Nessas horas de muito sofrimento não tive tempo para pensar que a minha futura esposa se encontrava no altar da igreja, na presença do padre Joaquim Ferreira de Sousa".
Mais um mês de silêncio no diário, a 26 de Junho a CCAÇ 674 parte para uma operação em Sarinháco(2).
(Continua)
Notas:
(1) - Sare-Jambara
(2) - Sare-Nhaco
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10134: Notas de leitura (378): O Meu Diário, Guiné - 1964/1966, CCAÇ 674, de Inácio Maria Góis (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10142: Notas de leitura (379): "A Viagem do Tangomau - Memórias da Guerra Colonial que não se apagam", de Mário Beja Santos (Francisco Henriques da Silva)
Guiné 63/74 - P10147: Parabéns a você (449): António Tavares, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912 e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905
Para aceder aos poste dos nossos camaradas António Tavares e Rogério Ferreira, clicar nos seu nomes
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10143: Parabéns a você (445): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista (BCP 12) na situação de Reforma
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10146: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (36): Recordando o inesquecível amigo João, ex-1.º Cabo Mecânico da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72
1. Comentário do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé, deixado no poste P10119, lembrando o seu amigo João, ex-1.º Cabo Mecânico da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4514/72 (Fajonquito):
Caro Eduardo Ferreira,
Gostei de ler estas recordações das crianças de Mansambo em que me revejo inteiramente.
E lembrei-me do meu último amigo, o João, 1.º Cabo Mecânico, que pertenceu à última Companhia (BCAÇ 4514/72) que passou por Fajonquito (sector de Contuboel, região de Bafatá).
Quem o quisesse ver devia ir à sua oficina, onde passava o tempo a construir e a reconstruir os dois Unimogs, uma Berliet e uma velha GMC, herdados das anteriores Companhias.
O João fez parte do pelotão que devia entregar o aquartelamento ao PAIGC em Setembro de 1974. Muito amigo e voluntarioso tinha prometido oferecer-me a sua cama de tropa, mas era sem contar com as artimanhas dos guerrilheiros e novos senhores do país que, tão logo chegaram, puseram trancas (guardas) na porta d’armas e proibiram o acesso ao quartel.
Na véspera da sua partida, contornei a porta e os arames e enfiei-me lá dentro, o João estava à minha espera, comovido mas receoso com a minha presença. Ele sabia que eu viria, de qualquer maneira. Mandou-me subir para a viatura e pôs-se ao volante, atravessamos a porta d’armas sem parar, os guardas olharam, mas não puderam reagir, a tempo.
Ainda hoje, são visíveis as marcas deixadas nos zincos da nossa casa, pelo portal traseiro, do Unimog que manobrava para deixar na nossa varanda o espólio que trazia ao seu pequeno amigo: Um pequeno colchão de tropa, já negro de tanto uso e dois armários feitos de caixas de madeira, daquelas onde vinham batatas da metrópole.
Toda a família estava presente para assistir à despedida do nosso amigo branco. O João, homem tímido e parco em palavras, também, aproveitou para se despedir dos meus pais e da sua lavadeira que era, nem mais nem menos, a minha própria Irmã, mas que ele conhecia de longe, pois quem tratava de trazer e levar a roupa do quartel era eu e não a menina, quase adolescente.
No fim, o João, pesaroso e o nariz vermelho, disse-me:
- Olha rapaz, desculpe, não foi possível trazer a cama de ferro.
- Não era importante, amigo João, de qualquer modo, não ficaria com ela. Após a tua partida, decidiram entregar o colchão ao nosso pai maior, ou seja, ao irmão mais velho do meu pai, único local seguro contra a argúcia e malandragem dos agentes do PAIGC. Os armários serviram de lenha para cozinhar o mata bicho do dia seguinte. Era material do inimigo, muito perigoso para os tempos que corriam.
E, eu me lembro sempre desse dia, tendo guardado dentro de mim a recordação do gesto e a postura de um homem íntegro, amigo e irmão que cumpriu a sua palavra, à risca.
Certamente, também, assim sentiram as crianças de Mansambo... de Mansabá... de Cuntima... de Bajocunda... de Canjambari... e de muitos outros lugares da Guiné que, entretanto, se foram tornando homens e sobrevivem nesta terra à deriva, sem rumo nem destino.
Um dos meninos de Mansabá que frequentava a Messe de Sargentos. Apesar do tempo já passado, julgo que se chamava Braima. Que será feito dele?
Foto e Legenda de CV
Isto é nostalgia? - Sim, uma nostalgia saudável e humana e que brota de dentro do coração dos homens bons e valorosos.
Um grande abraço para si e a todos os amigos desta Tabanca.
Cherno Baldé
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9732: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (35): O Irã animista e o Djinné muçulmano
(*) Sobre a 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72:
(i) Mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15;
(ii) Unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72;
(iii) Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins
(iv) Assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 3549, em 15 de Junho de 1974
(v) Veio a iniciar o deslocamento para Bissau a partir de 30 de Agoosto de 1974,
(vi) Um pelotão efectuou a desactivação e entrega, ao PAIGC, do aquartelamento em 1 de Setembro de 1974.
Caro Eduardo Ferreira,
Gostei de ler estas recordações das crianças de Mansambo em que me revejo inteiramente.
E lembrei-me do meu último amigo, o João, 1.º Cabo Mecânico, que pertenceu à última Companhia (BCAÇ 4514/72) que passou por Fajonquito (sector de Contuboel, região de Bafatá).
Quem o quisesse ver devia ir à sua oficina, onde passava o tempo a construir e a reconstruir os dois Unimogs, uma Berliet e uma velha GMC, herdados das anteriores Companhias.
O João fez parte do pelotão que devia entregar o aquartelamento ao PAIGC em Setembro de 1974. Muito amigo e voluntarioso tinha prometido oferecer-me a sua cama de tropa, mas era sem contar com as artimanhas dos guerrilheiros e novos senhores do país que, tão logo chegaram, puseram trancas (guardas) na porta d’armas e proibiram o acesso ao quartel.
Na véspera da sua partida, contornei a porta e os arames e enfiei-me lá dentro, o João estava à minha espera, comovido mas receoso com a minha presença. Ele sabia que eu viria, de qualquer maneira. Mandou-me subir para a viatura e pôs-se ao volante, atravessamos a porta d’armas sem parar, os guardas olharam, mas não puderam reagir, a tempo.
Ainda hoje, são visíveis as marcas deixadas nos zincos da nossa casa, pelo portal traseiro, do Unimog que manobrava para deixar na nossa varanda o espólio que trazia ao seu pequeno amigo: Um pequeno colchão de tropa, já negro de tanto uso e dois armários feitos de caixas de madeira, daquelas onde vinham batatas da metrópole.
Toda a família estava presente para assistir à despedida do nosso amigo branco. O João, homem tímido e parco em palavras, também, aproveitou para se despedir dos meus pais e da sua lavadeira que era, nem mais nem menos, a minha própria Irmã, mas que ele conhecia de longe, pois quem tratava de trazer e levar a roupa do quartel era eu e não a menina, quase adolescente.
No fim, o João, pesaroso e o nariz vermelho, disse-me:
- Olha rapaz, desculpe, não foi possível trazer a cama de ferro.
- Não era importante, amigo João, de qualquer modo, não ficaria com ela. Após a tua partida, decidiram entregar o colchão ao nosso pai maior, ou seja, ao irmão mais velho do meu pai, único local seguro contra a argúcia e malandragem dos agentes do PAIGC. Os armários serviram de lenha para cozinhar o mata bicho do dia seguinte. Era material do inimigo, muito perigoso para os tempos que corriam.
E, eu me lembro sempre desse dia, tendo guardado dentro de mim a recordação do gesto e a postura de um homem íntegro, amigo e irmão que cumpriu a sua palavra, à risca.
Certamente, também, assim sentiram as crianças de Mansambo... de Mansabá... de Cuntima... de Bajocunda... de Canjambari... e de muitos outros lugares da Guiné que, entretanto, se foram tornando homens e sobrevivem nesta terra à deriva, sem rumo nem destino.
Um dos meninos de Mansabá que frequentava a Messe de Sargentos. Apesar do tempo já passado, julgo que se chamava Braima. Que será feito dele?
Foto e Legenda de CV
Isto é nostalgia? - Sim, uma nostalgia saudável e humana e que brota de dentro do coração dos homens bons e valorosos.
Um grande abraço para si e a todos os amigos desta Tabanca.
Cherno Baldé
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9732: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (35): O Irã animista e o Djinné muçulmano
(*) Sobre a 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4514/72:
(i) Mobilizada em Tomar no Regimento de Infantaria n.º 15;
(ii) Unidade orgânica do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72;
(iii) Comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins
(iv) Assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 3549, em 15 de Junho de 1974
(v) Veio a iniciar o deslocamento para Bissau a partir de 30 de Agoosto de 1974,
(vi) Um pelotão efectuou a desactivação e entrega, ao PAIGC, do aquartelamento em 1 de Setembro de 1974.
Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Restaurante O Viveiro, de Henrique e Cristina Silvério > 28 de junho de 2012 > O Horácio Fernandes, nascido em Ribamar em 1935... O nosso novo grã-tabanqueiro, registado sob o nº 565...
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Restaurante O Viveiro > 28 de junho de 2012 > O Horácio Fernandes e a Milita, que vivem no Porto... Ela é de Fafe. O casal têm 3 filhos, Ana , Joana e Ricardo (que vive em Inglaterra).
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Restaurante O Viveiro > 28 de junho de 2012 > A Vilma e o João Crisóstomo, oficiosamente noivos (com festa de arromba prometida, para abril de 2013, em Nova Iorque)
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Restaurante O Viveiro > 28 de junho de 2012 > O Luís Graça e a Vilma, falando em francês... A Vilma, que é eslovena, vive em Paris... mas conheceu o João Crisóstomo em Londres, há muitos anos...
Recorde-se que a Eslovénia (capital: Liubliana; superfície: c. 20 mil km2; população: c. 2 milhões; língua oficial: esloveno; moeda: euro) é um país balcânico, do sudeste da Europa, tendo feito parte sucessivamente de: (i) império romano, (ii) império bizantino, (iii) república de Veneza, (iv) ducado da Carantania (o actual norte esloveno), (v) sacro império romano-germânico, (vi) monarquia de Habsburgo, (vii) império austríaco (conhecido mais tarde como Áustria-Hungria), (viii) estado dos Eslovenos, Croatas e Sérvios, (ix) reino da Jugoslávia, e (x) república socialista federativa da Jugoslávia (1945-1991), até finalmente (xi) se tornar independente, em 1991, e passar a integrar a União Europeia (em 2004).
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > 28 de junho de 2012 > Restaurante O Viveiro, de Henrique e Cristina Silvério, telef. + 261 422 197 > Uma caldeirada que enche o corpo e a alma, diria o nosso gourmet Eça de Queirós, quer dizer satisfaz os seis sentidos: gosto, tacto, olfacto, vista e ouvido (comida ao som do mar)... além do pecado da gula!... Amigos e camaradas: vão lá e digam que vêm recomendados, da parte do professor Eduardo Jorge e da Tabanca Grande...
Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > 28 de junho de 2012 > Convivio > Da esquerda para a direita, (i) em primeiro plano: o Eduardo Jorge Ferreira, nosso anfitrião, guia e cicerone (apontando o local onde, nas arribas da praia, foram descobertos fósseis da época do Jurássico Superior - c. 150 milhões de anos - que levaram à identificação, em 1999, de uma nova espécie de dinossauro saurópode, o Dinheirosaurus lourinhanensis), e ainda o João Crisóstomo; (ii) em segundo plano, a Vilma, o Horácio Fernandes, a esposa Milita, a Alice Carneiro e a Carmo, irmã do Horácio...
1. O convívio já estava agendado desde 22 de maio de 2012, altura em que conheci pessoalmente, em Lisboa, o João Crisóstomo (*). Faltou o Beja Santos a este encontro oeste-estremenho e multiétnico, sugerido por mim e entusiasticamente apoiado pelo João Crisóstomo. E faltou porque não usa telemóvel, e desencontrámo-nos na cidade grande, no Campo Grande... Fiquei de lhe dar uma boleia...
Por seu turno, o João cumpriu a promessa, feita a mim, de trazer com ele o seu grande amigo de infância Horácio Fernandes, meu parente, que eu não via há 53 anos, ou seja desde a sua missa nova, em 15 de agosto de 1959 (**)...
De quem estou a falar ? Do antigo padre franciscano e ex-alferes miliciano capelão do BART 1913 (Catió, 1967/69), autor do livro Francisco Caboz: a construção e a desconstrução de um Padre (Porto, Papiro Editora, 2009, 187 pp.).
Na realidade o encontro pretendia atingir três objetivos: (i) conhecermos a noiva do João Crisóstomo, a Vilma, e ao mesmo tempo prima... do Mário Beja Santos (uma história comprida demais para se contar aqui e agora); (ii) abraçar o meu primo Horácio e conhecer a sua esposa e companheira, a Emília (ou Milita), mãe dos seus três filhos; e (iii) juntar o João e o Horácio, em Ribamar, terra a que os prendem muitas raízes, memórias e afetos... (O Horácio é de lá, o João passava lá férias, na "casa do Ti João Patas").
Os objetivos foram plenamente cumpridos, sob a superior e competentíssima direção do Eduardo Jorge (***), com exceção da apresentação, nesse dia, da Vilma ao primo Mário... Por outro lado, a Vilma teve de seguir para o aeroporto mais cedo - por voltas das 15h30 - por causa da greve, entretanto, cancelada, do pessoal da ANA...
Matei as saudades que tinha de matar, adorei falar com a minha nova amiga Vilma, conheci a Milita que é a doçura em pessoa, revi e abracei com emoção o meu primo, amigo e camarada Horácio Fernandes, revi a Carmitas, partilhei a alegria do João, do Eduardo e da Alice.
Foi um dia curto, mas memorável... Além disso, proveitoso para a nossa Tabanca Grande: o Horácio Fernandes aceitou, de bom grado, aceitar o meu convite e entrar pela porta grande da Tabanca Grande, autorizando-me além disso a publicar a parte do seu livro referente à passagem pela Guiné, como capelão militar...
A prova mais espantosa de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, fui encontrá-la neste convívio em Porto Dinheiro... Conversa puxa conversa, vim a saber através o Horácio esta coisa espantosa: de setembro de 1967 a maio de 1969, ele está em Catió, no BART 1913... Em maio de 1969, este batalhão acaba a sua comissão e regressa a casa... Como o Horácio é de rendição individual, e ainda lhe faltam alguns meses para terminar a sua comissão, é colocado em Bambadinca, num batalhão que não tinha capelão... Ora este batalhão não é nem nada mais nada menos o BCAÇ 2852 (1968/70)...
Em 28 de maio de 1969, Bambadinca fica ferro e fogo, o Horácio aguenta, estoicamente, o ataque... Eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 estávamos a chegar a Bissau no T/T Niassa... Em 2 de junho, passei por Bambadinca a caminho de Contuboel. Menos de dois meses depois, a minha companhia é colocada em Bambadinca, setor L1, como subunidade de intervenção. Nem eu nem o capelão Horácio Fernandes nos haveremos de encontrar nos meses em que estivemos no mesmo sítio, comendo e dormindo a escassos metros um do outro...
Eu por lá ficarei até março de 1971. O Horácio só até dezembro de 1969, altura em que foi acometido pelo paludismo e teve de ser evacuado, de heli, para o HM 241, em Bissau. Razões possíveis para o nosso desencontro em Bambnadinca: (i) eu tive um 2º semestre de 1969 de intensa atividade operacional; (ii) não ia à missa; (iii) já não via o Horácio desde 1959; (iv) o capelão passava boa parte do seu tempo das unidades de quadrícula do setor L1...
Mesmo assim, não me posso perdoar o facto de, a milhares de quilómetros de casa, nunca ter sabido da presença, em Bambadinca, de um conterrâneo meu, para mais meu parente...
O Horácio é hoje um pai estremoso e um avô babado... Tem, além disso, um CV profissional e humano que o honra, a si e aos seus: (i) padre (franciscano) e professor dos três níveis de ensino (básico, secundário e superior); (ii) orientador pedagógico, (iii) inspetor superior coordenador na Inspeção Geral da Educação: (iv) licenciado em história (Universidade do Porto); (v) mestre em Ciências da Educação (Universidade do Porto); (vii) doutor em Ciências da Educação (Universidade de Santiago de Compostela); (viii) autor de diversos livros didáticos na área das ciências sociais e humanas...
Sinto-me particularmente feliz e honrado por poder ser eu a apresentá-lo à Tabanca Grande e batisá-lo como grã tabanqueiro, sob o nº de registo 565. Sê-bem vindo, camarada! Vamos recuperar meio século de distância...
PS - Eu e o Horácio somos parentes... Porquê ? As nossas bisavós (paternas), Maria Anunciação e Maria Augusta, eram irmãs, nascidas na década de 1860, em Ribamar, Lourinhã... Os seus pais, nascidos por volta de 1830, eram Manuel Filipe e Maria Gertrudes... Os seus avós, nascidos no virar do séc. XVIII, eram Joaquim Filipe e Rosa Maria, pelo lado paterno, e Joaquim Antunes e Maria Rosa, pelo lado materno...
A nossa árvores genealógica (a grande família Maçarico) remonta à época dos Descobrimentos..., quando os nossos antepassados eram arrebanhados como pau para toda a obra e postos ao serviço das caravelas e das maus que demandavam os novos mundos que Portugal dava ao mundo... Incapazes de viver longe do mar, espalham-se hoje ao longo da costa portuguesa, em particular em dois núcleos, Ribamar-Lourinhã e em Mira, para além da diáspora (EUA, Canadá):
(...) "Ribamar na época dos Descobrimentos era já um importante centro de construção naval, tendo ainda existido até cerca de 1930 um estaleiro que situava no local onde está hoje a escola primária. E já nesses tempos idos os Maçaricos eram reconhecidos como especialistas nessa área tendo acompanhado diversas expedições navais. E provavelmente estabeleceram-se também noutras localidades onde existiam estaleiros, possível explicação para haver outras famílias Maçarico espalhadas pelo Pais, como por exemplo em Mira". (...)
(*) Sobre este nosso primeiro encontro, em Lisboa, escreveu o João Crisóstomo, em férias, o seguinte
(...) 25 de maio de 2012
Meus caros Beja Santos e Luis Graça: Costuma-se dizer que a vida é como um copo, meio cheio/ meio vazio, e que tudo depende de cada um de nós saber e querer escolher como a encarar. No meu caso tem sido bastante fácil escolher.... : Vocês os dois são mais dois elos de ouro que a vida me presenteou a tornar a minha vida numa experiência que eu gostaria pudesse ser de todos. Não seria perfeita (que também tenho comido muitas vezes o pão que o diabo amassou) mas no seu conjunto não me posso queixar, antes pelo contrário.
Os teus livros, e a tua amizade, meu caro Beja, têm sido como uma droga aditiva.... Leio, releio, vivo.... E quando apanho "mais um"... como este que me ofereceste agora, "A viagem do Tangomau", não te sei explicar... mas dou muitas graças ao Senhor (eu sei que, como eu, tu és crente e portanto sei que compreendes) por te ter encontrado, por seres agora de alguma maneira parte importante da minha vida.
E o mesmo posso dizer de ti, meu caro Luís Graça... O almoço no dia 22 contigo e com o Beja e as horas que se seguiram foram uma "experiência/vivência" que não vou esquecer . Já te "conhecia" um pouco pelo teu blogue. Os momentos que passei contigo vieram "esclarecer' que és exactamente o que eu gostaria de encontrar/confirmar. E estou-te duplamente grato porque através do teu blogue eu - e creio que muitos outros camaradas sentirão o mesmo - me fazes recordar, viver e fazer sentir duma maneira tão grande esta irmandade a que a nossa experiencia na Guiné quase nos obriga.
Obrigado, muito mesmo, meus caros. Espero/gostaria - e se tal acontece isso já é recompensa grande para mim - que este seja sentimento recíproco . E não tenho dúdidas que assim sucede pois assim o têm dito e mostrado. Um abraço grande pois de gratidão e muita amizade, sincera e desinteressada do João. (...)
(**) Mail de João Crisóstomo, com data de 24 de maio último:
(...) Caro Luís Graça: Primeiro: Um abraço grande de gratidão pelos momentos de emoção e satisfação imensa que me proporcionaste há dois dias. Como te expliquei e já sabias, não sou bom em "nets" e todas as coisas de Internet. Mas farei esforço seerio para me familiarizar melhor, especialmente com o teu/nosso blogue com o teu nome e camaradas da Guiné.
Como esperava não foi nada difícil convencer o Horácio a vir a Ribamar no dia 28 de Junho. Podes contactar o camarada e amigo que me falaste [, o Eduardo Jorge Ferreira,] e que pode começar a organizar..... Parto para Paris dia 29 de Maio, mas estarei de volta bem a tempo para esse encontro...
Não falamos num pormenor importante: as nossas "caras metades'... Acredito que é pergunta desnecessária, mas.... creio que como eu vocês se sentem mais completos com as nossas metades melhores presentes... Por mim, depois de tudo o que lhes contei, creio que não duvidam que a minha Vilma vai estar comigo (...)
(***) Mail, com data de 24 de maio p.p., que enviei ao Eduardo Jorge:
Eduardo:
Tenho uma proposta (indecente) para te fazer... Nas tuas costas, propus um encontro em Ribamar, Porto Dinheiro, Valmitão ou arredores, onde um grupo de amigos e camaradas da Guiné se pudesse juntar para "matar montes de saudades"... Marcámos um dia: 28 de junho, 5ª feira... Lá estarei nem que chova pedras e picaretas...
Tu és um "incontornável", como régulo dessas tabancas todas... Mas a surpresa é juntarmos o João Crisóstomo (que é da tua terra adotiva, e de quem seguramente já ouviste falar) e o Horácio Neto Fernandes, meu primo, que não vejo desde a sua missa nova (1959)...
Eles os dois - como o mundo é pequeno! - são dois grandes amigos de juventude... De certo que o conheces ou conheces a família... Ele é luso-americano, nova iorquino de gema, um "português das américas", um ser de eleição, e uma figura pública por ter organizado várias campanhas em defesa de boas causas (Foz Côa, Timor, Aristides Sousa
Mendes...). Esteve na Guiné por volta de 65/66, tal como Horácio (67/69), eu (69/71), tu (73/74) (...) Aliás, não há ninguém que este homem não conheça no mundo (é amigo pessoal do Chanana, do Ramos Horta, só para citar gente do outro lado do mundo)...
Diz-me se alinhas, qual a tua disponibilidade para esse dia, etc. Ele depois volta para os States... Podes ler aqui tudo sobre ele, J.C.:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Jo%C3%A3o%20Cris%C3%B3stomo
(...) Viste o poste sobre o Horácio ?
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/05/guine-6374-p9941-o-mundo-e-pequeno-e.html
(****) Último poste da série > 4 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10111: Tabanca Grande (347): António Borié, ex-1º cabo cripto, Cmd Agrup nº 16, Mansoa, 1964/66, há 40 anos nos EUA... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 564
Não falamos num pormenor importante: as nossas "caras metades'... Acredito que é pergunta desnecessária, mas.... creio que como eu vocês se sentem mais completos com as nossas metades melhores presentes... Por mim, depois de tudo o que lhes contei, creio que não duvidam que a minha Vilma vai estar comigo (...)
(***) Mail, com data de 24 de maio p.p., que enviei ao Eduardo Jorge:
Eduardo:
Tenho uma proposta (indecente) para te fazer... Nas tuas costas, propus um encontro em Ribamar, Porto Dinheiro, Valmitão ou arredores, onde um grupo de amigos e camaradas da Guiné se pudesse juntar para "matar montes de saudades"... Marcámos um dia: 28 de junho, 5ª feira... Lá estarei nem que chova pedras e picaretas...
Tu és um "incontornável", como régulo dessas tabancas todas... Mas a surpresa é juntarmos o João Crisóstomo (que é da tua terra adotiva, e de quem seguramente já ouviste falar) e o Horácio Neto Fernandes, meu primo, que não vejo desde a sua missa nova (1959)...
Eles os dois - como o mundo é pequeno! - são dois grandes amigos de juventude... De certo que o conheces ou conheces a família... Ele é luso-americano, nova iorquino de gema, um "português das américas", um ser de eleição, e uma figura pública por ter organizado várias campanhas em defesa de boas causas (Foz Côa, Timor, Aristides Sousa
Mendes...). Esteve na Guiné por volta de 65/66, tal como Horácio (67/69), eu (69/71), tu (73/74) (...) Aliás, não há ninguém que este homem não conheça no mundo (é amigo pessoal do Chanana, do Ramos Horta, só para citar gente do outro lado do mundo)...
Diz-me se alinhas, qual a tua disponibilidade para esse dia, etc. Ele depois volta para os States... Podes ler aqui tudo sobre ele, J.C.:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Jo%C3%A3o%20Cris%C3%B3stomo
(...) Viste o poste sobre o Horácio ?
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/05/guine-6374-p9941-o-mundo-e-pequeno-e.html
(****) Último poste da série > 4 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10111: Tabanca Grande (347): António Borié, ex-1º cabo cripto, Cmd Agrup nº 16, Mansoa, 1964/66, há 40 anos nos EUA... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 564
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Guiné 63/74 - P10144: In Memoriam (121): António Machado, 1.º Cabo Especialista MARME, e António Rodrigues, Capitão Pilav, que pereceram num acidente de helicóptero no dia 12 de Julho de 1969, em Bafatá (Jorge Narciso)
1. Homenagem do nosso camarada Jorge Narciso (ex-1.º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1968/69) aos seus camaradas da FAP, António Machado, 1.º Cabo Especialista MARME e António Rodrigues, Capitão Pilav, que pereceram num acidente de helicóptero no dia 12 de Julho de 1969 em Bafatá:
In Memoriam
Cap. Pilav António Rodrigues
1.º Cabo Especialista MARME António Machado
Mortos em acidente com um heli canhão em 12.Jul.69 em Bafatá
Em Fevereiro de 2010 e a propósito dum Poste da Tabanca Grande acerca da captura do Cap Peralta no corredor do Guileje, fiz um comentário posteriormente transformado em Poste (P5756) e também publicado no Blogue dos Especialistas da BA12 (VOO 1462) onde em determinada altura e por analogia com um facto relacionado com o helicanhão ali referido, escrevi:
… este voo no canhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mês de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiência passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhamento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafatá, com a morte do meu comandante: Major (a titulo póstumo) Rodrigues (Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamávamos - , Mecânico Armamento/Apontador.
Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possível desta outra dramática ocorrência…
E no sentido de “pagar” esta divida, por diversas vezes o tentei, de facto, mas por este ou aquele motivo o resultado sempre se me pareceu insatisfatório. Com o passar do tempo e à guisa de autodefesa, foi-se-me adensando a dúvida se tal falha se resumia a uma evidente falta de engenho e arte, ou se o registo era de tal forma profundo, complexo e pessoal que seria mesmo compreensivelmente transmissível.
Assim arrumado, que não escondido, numa gaveta da memória, eis que um clique o fez emergir e duma forma instintivamente reactiva soltou o registo que se foi escorreitamente compondo.
Concretizando:
No final do passado mês de Maio, o Virgínio Briote (co-editor da Tabanca Grande ), sabedor através do Victor Barata (editor principal do BA12), que eu poderia dar algum testemunho sobre este assunto, contactou-me referindo que a filha do Cap Rodrigues, de quem é (ou foi) aluno, por sabedora da sua relação com os assuntos relativos à Guerra da Guiné, lhe referiu o acidente que vitimou o Pai, manifestando interesse em saber mais pormenores, nomeadamente da parte de pessoas que tenham lidado de perto com ele.
E como atrás refiro, duma maneira quase automática as memórias foram fluindo, os dedos foram-nas traduzindo para o teclado e a resposta, antes tantas vezes tentada, ali estava plasmada no monitor. E assim praticamente sem revisão a enviei ao Virgínio Briote para que da forma que melhor entendesse dele desse conta à Dra. Alexandra.
Recebido o texto instou-me o Virgínio a que o propusesse para publicação, tal como estava, ao Especialistas da BA12. Ponderado o assunto revisto o que escrevi, decidi seguir o conselho e com a dilação até esta data para que o mesmo se assumisse como homenagem aqueles companheiros, recebi o assentimento não só do Victor Barata como do Carlos Vinhal da Tabanca Grande a quem coloquei a mesma proposta.
Assim e apenas com correcções no que ao português (grafia pré acordo), diz respeito e com uma melhor precisão de alguns dos factos, aqui vai o citado texto (entenda-se como de resposta à citada solicitação)
********************
Em ambas as fotos o Cap Pilav Rodrigues é o primeiro à direita
Fotos: © Fernando Caroto e Jorge Félix
Resumindo o relato dos factos à expressão mais simples, poderia simplesmente dizer que:
1. No regresso de uma operação com tropas paraquedistas, com base em Galomaro, os 6 helis participantes (5 de transporte + 1 canhão) dirigiram-se a Bafatá para reabastecimento, antes do regresso a Bissau,
2. Neles viajavam, como habitualmente nestes casos, para além dos 6 Pilotos, uma equipa de manutenção composta por 4 mecânicos da linha, um apontador de canhão e uma enfermeira paraquedista
3. As condições atmosféricas, que já não eram boas à saída de Galomaro, agravaram-se entretanto significativamente, nomeadamente com forte chuva.
4. Chegados a Bafatá, aterraram normalmente cinco dos helis, enquanto o do canhão, na manobra de aproximação, embateu com o rotor numa das espias de aço da antena de comunicações implantada junto à pista, tendo-se despenhado e sequentemente incendiado no embate com o solo.
5. Nele assim pereceram os:
Cap PilAv Rodrigues, comandante da Esquadra 122 (Alouette III) e o
1º Cabo Especialista MARME António Machado, apontador do canhão.
Disparada assim factualmente a "chapa" instantânea do sucedido, importa aduzir agora algumas reflexões pessoais fundadas numa memória que neste caso se mantém impressivamente nítida.
* Eu era um dos membros da equipa de manutenção, sendo talvez esta, com os meus 2 meses e meio de Guiné, a primeira operação deste tipo em que participei.
* Havendo outras modalidades de realização, nesta operação de um só dia, os helis saíram de Bissau de manhã, dirigindo-se a Galomaro, local onde estavam já colocados os elementos do BCP que a iam realizar.
* Deixada a equipa de manutenção e a enfermeira, de imediato embarcaram os "Paras", não me recordo se numa ou duas levas, para serem largados na Zona previamente definida, acção sempre protegida pelo helicanhão.
* Regressados à base da operação, os helis mantinham-se em alerta, ou para evacuações, ou para eventuais recolocações das tropas noutros locais da zona.
* Terminada a operação e em acção inversa à inicial, foram recolhidas as tropas, salvo erro novamente para Galomaro para seguirem por via terrestre para Bafatá.
* Por não se ter registado a necessidade de evacuações os helis mantiveram-se aterrados por um período largo e o pessoal, apesar de em alerta, ia naturalmente convivendo para matar o tempo.
* Em conversa com o Machado (apontador) sugeri a hipótese de, no regresso, voar no canhão, apenas como mera experiência. E dando consistência a essa ideia, com o seu apoio, foi pedida autorização ao Cap Rodrigues, que chefiava naturalmente a missão e coincidentemente pilotava o canhão, que de imediato deu o seu consentimento.
* Terminada a operação, era necessário embarcar, para além das ferramentas e outros meios de manutenção, também uma caixa de munições do canhão, que servia de reforço em caso de necessidade.
* E assim aconteceu, tendo eu e o Machado transportado manualmente a citada caixa para o heli n.º 1 que se encontrava no extremo contrário do alinhamento relativamente ao canhão, logo a uma distância talvez superior a 50 metros.
* Ali chegados e embarcada a caixa diz-me o Machado:
- Já podes ir. - Eis quando a chuva que tinha começado a sentir-se uns momentos antes se intensificou, tendo-lhe eu respondido com um sorriso amigável mas "meio sacaninha":
- Com esta chuva fica para a próxima vai antes tu - e entrei nesse heli, enquanto ele correndo se dirigiu ao canhão.
* Em formação mais ou menos ordenada lá seguimos até Bafatá.
* Ali já aterrados e alinhados os 5 helis de transporte na placa fronteira à antena de rádio, eu e outros tripulantes assistimos a aproximação do canhão, que voava afastado da restante formação, fazer a aproximação rodeando a antena pelo lado contrário, ao que nos encontrávamos, e... embater com o rotor numa das suas espias de sustentação, já muito próximo do solo.
* As fortíssimas sensações originadas pela visão desse momento jamais as esquecerei:
- O rotor (corpo do conjunto das 3 pás) soltou-se da estrutura, transformando abruptamente o ruído característico do voo do heli num silêncio esmagador.
- O corpo do heli rodou no sentido longitudinal enquanto, como que em desesperante câmara lenta, se despenhava junto à base da antena.
- Instintivamente alguns de nós correram para o local do impacto, saltando mesmo eu e um outro companheiro o arame farpado que protegia a área da antena.
- Fomos travados pelo quase imediato incêndio do aparelho e consequente deflagração das munições (balas de 20 mm, explosivas incendiárias) num matraquear que se prolongou por um período que parecia não ter fim.
- Quando finalmente cessou, permitindo-nos levantar a cabeça, a desgraça estava completamente consumada numa amalgama de destroços que envolviam os corpos adivinhadamente calcinados.
- Última e não menos forte sensação, a da recordação da minha última conversa com o Machado e o imaginar-me agora no seu lugar.
Passada essa terrível noite em Bafatá, regressámos na manhã seguinte para Bissau, logo após o embarque dos corpos, entretanto resgatados, no Dakota que os transportou para a Base.
O velório realizou-se nessa mesma noite na capela da BA12, nele participando por turnos toda a Esquadra 122. Lembro-me perfeitamente de durante o meu turno ter ficado de frente para a viúva do Cap Rodrigues de quem julgo ainda guardar a expressão amargurada.
********************
À margem do relato algumas notas de rodapé que julgo necessárias:
- Todos os acidentes possuem sempre algo de incompreensível, nomeadamente quando de meios aéreos se trata, com o conjunto de variáveis envolvidas (mecânicas, humanas, metereológicas, etc.) e a que só uma investigação e apuramento rigoroso de dados pode dar respostas mais ou menos conclusivas.
- O acima relatado não é naturalmente excepção, o testemunho que transmito, apesar da fidelidade da observação directa, não pretende de nenhuma forma retirar conclusões quanto a eventuais causas, que seguramente o inquérito realizado pela FAP e respectivo relatório (que não conheço), sistematisadamente terão feito.
- O que indelével e tragicamente fica é a perda efectiva, tão mais sentida quanto mais dramática é a forma e mais próximas nos são as vítimas.
Para eles o meu singelo preito de homenagem:
Ao Cap. Rodrigues a quem, apesar do breve tempo de convivência e voo, deu para perceber ser não só um excelente Piloto como um homem que mantinha com os que comandava uma relação de enorme cordialidade e respeito que eram aliás generalizadamente recíprocos. E que aqui quero partilhar com a Dra. Alexandra e sua família.
Ao Machadinho pela sua alegre e descomprometida camaradagem dos nossos 20 anos, que, na perda, algum insondável desígnio impediu eu tivesse tomado o funesto lugar e naturalmente à sua família independentemente de desta não tomarem conhecimento.
E finalmente alguns agradecimentos:
- Ao Virgínio Briote e à Dra. Alexandra por terem estado na base desta minha, digamos, “catarse”.
- Ao Jorge Félix e Fernando Caroto, meus companheiros e contemporâneos na Guiné, que cederam as fotos.
- Ao Edgar, co-testemunha e que comigo saltou o arame farpado da antena, com quem em troca de impressões melhor precisei alguns dados aqui transmitidos.
Jorge Narciso
Especialista MMA – BA 12 / Guiné 69/70
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10093: In Memoriam (120): Cor inf ref e escritor Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938 - Lisboa, 2012), comandante das CCAÇ 727 (1964/66) e CCAÇ 2316 (1968/69) (António Costa / Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P10143: Parabéns a você (448): António Dâmaso, Sargento-Mor Paraquedista (BCP 12) na situação de Reforma
Para aceder aos postes do nosso camarada António Dâmaso, clicar aqui
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10132: Parabéns a você (444): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enf.º da CART 2412; Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 e Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil da CCAÇ 3414
quarta-feira, 11 de julho de 2012
Guiné 63/74 - P10142: Notas de leitura (379): "A Viagem do Tangomau - Memórias da Guerra Colonial que não se apagam", de Mário Beja Santos (Francisco Henriques da Silva)
1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 10 de Julho de 2012:
Meus amigos,
Acabei de ler há já umas semanas, a "Viagem do "Tangomau" do Mário Beja Santos.
A meu ver, é um livro de arromba, com muita força, muito vigor e, sobretudo, muito sentimento, na medida em que, sendo como é, uma obra autobiográfica, percebe-se que está ali o grande acontecimento da sua vida, o que, aliás, também o foi para quase todos nós, saídos da pacatez do Portugal dos anos 60 e atirados, sem saber como nem porquê, para uma África desconhecida, que tínhamos dificuldade em localizar no mapa-mundi, mas que alegadamente era nossa. Por outro lado, para quem conheça minimamente o Tangomau, não é novidade para ninguém que os dois anos de comissão na Guiné-Bissau foram um dos eventos mais marcantes da sua vida. Com efeito, ele ali está, de corpo e alma, da primeira à última página. A sua perspectiva própria sobre a Guiné e os guineenses é uma visão muito humana, empenhada e, porque não dizê-lo, romântica, nalguns aspectos, até, de certo modo, mitificada.
O percurso do Tangomau é o do alferes-menino, trabalhador-estudante, urbano e culto que sai de Lisboa para, depois de várias etapas em Mafra, Ponta Delgada e Amadora, enfrentar em lugares ignotos da África Ocidental, uma realidade completamente desconhecida, em contacto com outras gentes, outros povos, outras culturas e, sobretudo, confrontar-se com a duríssima realidade da guerra, transformando-se num homem, na verdadeira acepção da palavra. É uma metamorfose que se processa ao longo de 3 anos de tropa dos quais dois de Guiné. Depois, já sexagenário, são as recordações do passado e a inevitável peregrinação aos locais de outrora e ao contacto com as gentes de então, que sobreviveram à passagem do tempo.
Porquê voltar? É o tal bichinho que de vez em quando nos morde e que não controlamos. A metamorfose completa-se: de menino a homem, de homem maduro a sénior e neste processo temos um mecanismo interveniente, despoletador e omnipresente - a Guiné e as suas gentes. Acresce que o livro está muito bem escrito. O discurso final de despedida é uma peça notável de oratória que merece ser lida e relida, uma pequena jóia, todavia não é crível que tenha sido proferido dessa forma, pois seria incompreensível para o auditório a que se destinava.
Em suma, é uma leitura que seduz e prende continuamente a atenção do leitor - para mais para quem, como nós - a "geração sacrificada" e já esquecida da grande maioria dos lusitanos -, vivemos situações semelhantes. As descrições de N'banké/Tangomau da Bissau actual e do próprio país pecam, a meu ver, por defeito, porquanto a realidade ultrapassa em pinceladas mais negras qualquer descrição possível. O país na prática não existe. É virtual. E a verdade tem de ser dita doa a quem doer, mas tal tarefa pode talvez ser confiada a outros que se debrucem sobre a Guiné-Bissau actual e sobre o gigantesco embuste que representaram 38 anos de violência contínua e de consequente subdesenvolvimento.
Alguns pontos merecem ser analisados e criticados. Detecta-se uma certa "overdose" no que concerne as descrições exaustivas das armas e mecanismos das mesmas, quando da recruta e especialidade do Tangomau em Mafra. Eu sei, de conhecimento directo, que o Tangomau passou alguns fins de semana no Convento, por não conseguir dominar completamente essas matérias esotéricas, mas, com a devida vénia e sem qualquer demérito para o resultado final que é excelente, há talvez algum excesso descritivo. A profusão de nomes de pessoas e de lugares é de tal ordem que confunde um pouco o leitor (já o dr. Leopoldo Amado o tinha referenciado, de forma simpática, note-se bem, quando da apresentação da obra). O autor podia, por um lado, reduzir a identificação das pessoas e, por outro, apresentar um mapa - ou vários - para que possamos orientar-nos no meio daquele emaranhado de aldeias e povoações, rios e bolanhas, florestas e savanas do Leste da Guiné. Eu que conheci o país, antes e depois da guerra, andei um bocado à deriva com certos lugares que não conseguia de todo em todo identificar.
Como nota final, as fotografias, em extra-texto, mesmo a preto e branco, ajudariam a situar melhor os eventos e as pessoas descritas. Eu fui um dos que disse "não vás," conhecendo como conheço, a Guiné-Bissau actual e as feridas não cicatrizadas do passado, mas o Tangomau foi.
O meu juízo final é, pois, muito, mas muito, positivo. É um livro indispensável em qualquer biblioteca sobre a guerra do Ultramar, colonial ou de libertação nacional - as designações ficam ao critério das opções político-ideológicas de cada um - e eu iria, mesmo, mais longe: a obra é relevante para uma estante de destaque sobre o Portugal contemporâneo, que a memória, não pode por forma alguma, apagar.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil., de infantaria CCAÇ 2402)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10125: Notas de leitura (377): Massacres em África, de Felícia Cabrita (Mário Beja Santos)
Meus amigos,
Acabei de ler há já umas semanas, a "Viagem do "Tangomau" do Mário Beja Santos.
A meu ver, é um livro de arromba, com muita força, muito vigor e, sobretudo, muito sentimento, na medida em que, sendo como é, uma obra autobiográfica, percebe-se que está ali o grande acontecimento da sua vida, o que, aliás, também o foi para quase todos nós, saídos da pacatez do Portugal dos anos 60 e atirados, sem saber como nem porquê, para uma África desconhecida, que tínhamos dificuldade em localizar no mapa-mundi, mas que alegadamente era nossa. Por outro lado, para quem conheça minimamente o Tangomau, não é novidade para ninguém que os dois anos de comissão na Guiné-Bissau foram um dos eventos mais marcantes da sua vida. Com efeito, ele ali está, de corpo e alma, da primeira à última página. A sua perspectiva própria sobre a Guiné e os guineenses é uma visão muito humana, empenhada e, porque não dizê-lo, romântica, nalguns aspectos, até, de certo modo, mitificada.
O percurso do Tangomau é o do alferes-menino, trabalhador-estudante, urbano e culto que sai de Lisboa para, depois de várias etapas em Mafra, Ponta Delgada e Amadora, enfrentar em lugares ignotos da África Ocidental, uma realidade completamente desconhecida, em contacto com outras gentes, outros povos, outras culturas e, sobretudo, confrontar-se com a duríssima realidade da guerra, transformando-se num homem, na verdadeira acepção da palavra. É uma metamorfose que se processa ao longo de 3 anos de tropa dos quais dois de Guiné. Depois, já sexagenário, são as recordações do passado e a inevitável peregrinação aos locais de outrora e ao contacto com as gentes de então, que sobreviveram à passagem do tempo.
Porquê voltar? É o tal bichinho que de vez em quando nos morde e que não controlamos. A metamorfose completa-se: de menino a homem, de homem maduro a sénior e neste processo temos um mecanismo interveniente, despoletador e omnipresente - a Guiné e as suas gentes. Acresce que o livro está muito bem escrito. O discurso final de despedida é uma peça notável de oratória que merece ser lida e relida, uma pequena jóia, todavia não é crível que tenha sido proferido dessa forma, pois seria incompreensível para o auditório a que se destinava.
Em suma, é uma leitura que seduz e prende continuamente a atenção do leitor - para mais para quem, como nós - a "geração sacrificada" e já esquecida da grande maioria dos lusitanos -, vivemos situações semelhantes. As descrições de N'banké/Tangomau da Bissau actual e do próprio país pecam, a meu ver, por defeito, porquanto a realidade ultrapassa em pinceladas mais negras qualquer descrição possível. O país na prática não existe. É virtual. E a verdade tem de ser dita doa a quem doer, mas tal tarefa pode talvez ser confiada a outros que se debrucem sobre a Guiné-Bissau actual e sobre o gigantesco embuste que representaram 38 anos de violência contínua e de consequente subdesenvolvimento.
Alguns pontos merecem ser analisados e criticados. Detecta-se uma certa "overdose" no que concerne as descrições exaustivas das armas e mecanismos das mesmas, quando da recruta e especialidade do Tangomau em Mafra. Eu sei, de conhecimento directo, que o Tangomau passou alguns fins de semana no Convento, por não conseguir dominar completamente essas matérias esotéricas, mas, com a devida vénia e sem qualquer demérito para o resultado final que é excelente, há talvez algum excesso descritivo. A profusão de nomes de pessoas e de lugares é de tal ordem que confunde um pouco o leitor (já o dr. Leopoldo Amado o tinha referenciado, de forma simpática, note-se bem, quando da apresentação da obra). O autor podia, por um lado, reduzir a identificação das pessoas e, por outro, apresentar um mapa - ou vários - para que possamos orientar-nos no meio daquele emaranhado de aldeias e povoações, rios e bolanhas, florestas e savanas do Leste da Guiné. Eu que conheci o país, antes e depois da guerra, andei um bocado à deriva com certos lugares que não conseguia de todo em todo identificar.
Como nota final, as fotografias, em extra-texto, mesmo a preto e branco, ajudariam a situar melhor os eventos e as pessoas descritas. Eu fui um dos que disse "não vás," conhecendo como conheço, a Guiné-Bissau actual e as feridas não cicatrizadas do passado, mas o Tangomau foi.
O meu juízo final é, pois, muito, mas muito, positivo. É um livro indispensável em qualquer biblioteca sobre a guerra do Ultramar, colonial ou de libertação nacional - as designações ficam ao critério das opções político-ideológicas de cada um - e eu iria, mesmo, mais longe: a obra é relevante para uma estante de destaque sobre o Portugal contemporâneo, que a memória, não pode por forma alguma, apagar.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil., de infantaria CCAÇ 2402)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10125: Notas de leitura (377): Massacres em África, de Felícia Cabrita (Mário Beja Santos)
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