Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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segunda-feira, 6 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21144: Notas de leitura (1292): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2017:
Queridos amigos,
Lê-se este histórico do BCAÇ n.º 513, e temos que preitear o denodo e os sacrifícios que este contingentes provaram em Aldeia Formosa, na ocupação de regiões abandonadas como Gadamael, Guileje ou Mejo, na abertura de itinerários, e no esforço de cortar o corredor de Guileje, procurando algum domínio da chamada fronteira Sul.
Há algo de épico neste relatos, no destemor destes Pelotões Daimler e Fox, nos levantamentos de dezenas e dezenas de minas anticarro, nas flagelações, na reação às emboscadas. Um histórico que permite avaliar os duros combates que se travaram para fixar populações e tropas, naquele combate sempre atrabiliário entre combater forças de guerrilha que podia atuar tanto a partir de uma base externa como, como se comprovará, a partir de bases como Salancaur. Haverá um momento, a partir de 1968, em que se contestará este tipo de dispersão de forças, criticando a fundo a existência de aquartelamentos que marcavam presença mas que não possuíam capacidade ofensiva.
Lê-se agora à distância dos anos que foi esta fixação que teve o mérito de travar a avalancha de um PAIGC que sonhava em mostrar o Sul com uma total zona libertada.
Um abraço do
Mário
BCAÇ n.º 513, a divisa era “Ceder Nunca” (2)
Beja Santos
O livro intitula-se BC 513 História do Batalhão, por Artur Lagoela, edição de autor, 2000. Para quem esteja reticente e cético quando à importância destes documentos, mais a mais publicados muitas décadas depois dos acontecimentos vividos, recomendo vivamente a leitura deste histórico. E por razões muito simples: o investigador ou o simples leitor interessado vão aqui encontrar informações sobre o estado do Sul da Guiné em 1963 e como reagiram as nossas tropas a uma situação verdadeiramente caótica em que a guerrilha, por força da intimidação, do terror puro ou das muitíssimas formas de apoio que recebeu, se assenhoreou do terreno, havia que o repelir. E há algo de épico nas lutas travadas pelos diferentes contingentes BC n.º 513, num tempo em que as autometralhadoras puderam ter um papel relevante e os sapadores viveram assoberbados a detetar e a levantar minas antipessoal e anticarro.
Primeiro esforço de guerra, reocupar o Chão Fula, depois procurar atuar no corredor de Guileje, criar novos destacamentos, como o Mejo, Colibuia e Guileje. Escreve o autor que em toda a região não havia um único europeu, no meio de toda aquela desarticulação, uns procuraram apoio em Buba e Aldeia Formosa, muitos aderiram ao PAIGC e outros refugiaram-se na República da Guiné. Havia que convencer os Fulas a cultivar o arroz, que antes da guerra era cultivado pelos Balantas, pois bem, o Forreá autoabasteceu-se, quando o BC 513 deixou a zona Sul, 30 tabancas ficaram organizadas em autodefesa com redes de arame-farpado e com abrigos. Os Fulas armados atuaram na região de Incassol e causaram destruições ao inimigo. Em 29 de Novembro de 1964, Guileje foi pela primeira vez atacada, todas as casas da tabanca foram incendiadas e destruídas.
O autor descreve a situação geral na fronteira Sul, recorda que o rio Cacine com os seus inúmeros braços penetra até próximo de Guileje. A zona de fronteira é constituída por uma estreita faixa de terreno entre Cacine e Guileje. Nas regiões de Guileje e Aldeia Formosa formam-se dois corredouros terrestres de comunicação com o interior separado pelos rios Cumbijã e seus afluentes Balana e Balanazinho. Ao longo de toda a faixa terrestre entre Cacine e Guileje corre uma estrada que se prolonga através das pontes sobre os rios Balana e Balanazinho para Mampatá e Aldeia Formosa. Esta estrada liga as povoações de Cacine, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gadamael, Guileje, Gandembel (destruída) e Mampatá. A subversão armada manifestou-se na região de Sangonhá, onde os grupos aliciadores da FLING foram dominados e ultrapassados pelo PAIGC, este teve grande apoio dos Beafadas da região. Assaltos armados às casas comerciais de Gadamael Porto e Cacoca e outros atos de rebelião conduziram a região à colaboração integral com o inimigo, a autoridade portuguesa volatizou-se. A região Fula de Guileje foi abandonada.
Segue-se o histórico da progressão das forças do BC n.º 513. Em 17 de Dezembro de 1963 ocupou-se Gadamael, construindo-se aquartelamento a partir do nada. De 4 a 8 de Fevereiro do ano seguinte ocupou-se Guileje. Em 20 de Fevereiro abriu-se o itinerário Guileje - Gadamael. De 21 a 25 de Fevereiro ocupou-se Ganturé. De 7 de Março a 15 de Abril houve patrulhamentos nos itinerários Aldeia Formosa – Gadamael – Guileje – Mejo, as forças do PAIGC emboscaram por diversas vezes. Em 21 de Maio ocorreu a abertura o itinerário Gadamael – Sangonhá e ocupou-se Sangonhá que logo fio atacada com invulgar violência. Em 24 de Julho deu-se a abertura do itinerário Sangonhá – Cacoca. Deu-se por concluída a abertura do itinerário Aldeia Formosa – Cacoca ao longo de toda a fronteira Sul. Nos regulados de Guileje, Gadamael e Cacine as populações sentiram-se mais seguras. A CART n.º 496, instalada em Cacine passa a executar patrulhamentos na direção de Cameconde. Entre 30 de Novembro e 10 de Dezembro fez-se a abertura do itinerário Cacoca – Cacine e a ocupação de Cameconde. Dava-se por concluída a abertura do itinerário Cacine – Cacoca – Guileje – Mampatá – Aldeia Formosa – Buba. Para completar a ligação por estrada entre as companhias do designado Setor E, faltava abrir à circulação o troço Cacoca – Cacine. Diz o autor que o moral do inimigo era de prever que fosse elevado já que tinha até então oposto com êxito grande resistência à entrada das tropas de Cacine em Cameconde. O PAIGC alardeava que a tropa nunca entraria em Cameconde. É neste contexto que decorre a operação “Fecho”, perfura-se o itinerário Cacine – Cameconde com o apoio da Força Aérea, intervêm uma Companhia de Artilharia e um Pelotão de Reconhecimento, vai à frente o Pelotão Daimler 947 reforçado, seguem sapadores, enquanto as forças navais executam uma operação de diversão.
Haverá muito tiroteio, mas a estrada que segue para Cacoca foi aberta e o Comandante do Batalhão faz os seus comentários:
“a. A abertura do itinerário Cacoca – Cameconde – Cacine foi feita por duas colunas de Cavalaria, reforçadas, partindo simultaneamente uma de Cacoca e outra de Cacine. Todos os Pelotões de Reconhecimento de Cavalaria ao serviço do BC 513, estavam desejosos de tomar parte nesta operação com a qual se completava a missão geral que lhes fora atribuída de ligar por estrada Buba com Cacine. Não foi, porém, possível atribuir tal missão ao Pelotão FOX 888 que não convinha retirar da Aldeia Formosa. Este facto e o conhecimento das dificuldades criadas pelo IN ao movimento das nossas tropas no sentido Cacaca – Cameconde, levou-nos a decidir que desta vez a acção principal fosse feita no sentido Cacine – Cameconde e portanto em força, reservando para a outra coluna uma progressão mais lenta e cuidada. Isto obrigou a transferir previamente para Cacine, por barco, todos os materiais necessários à instalação das defesas iniciais e também o pessoal da CCS (sapadores) que tinha a missão de as construir. Ali se concentrou ainda um novo Pelotão de Reconhecimento de Cavalaria, o Pelotão Daimler 947.
b. A ocupação de Cameconde era uma velha aspiração da CART n.º 496. O moral da Companhia subiu muito com a sua realização.
c. Saliente-se o extraordinário esforço despendido pelo Pelotão FOX 963 que no dia 29 tivera de acorrer de Ganturé a Guileje em situação de emergência e no dia 30 se deslocou para Cacoca para logo no dia imediato executar a acção.
d. Contudo, as honras inteiras desta acção cabem ao Pelotão Daimler 947, que suportou todo o peso do inimigo com a maior coragem e decisão, acabando por expulsá-lo do seu último reduto”.
Mas a luta pelo domínio das comunicações do setor não tinha pausas. O PAIGC levava a efeito inúmeras emboscadas ao longo de todos os itinerários controlados pelas nossas tropas em especial no de Buba – Aldeia Formosa e Rio Balana – Gadamael, implantou minas, montou emboscadas, muitas vezes conjugadas com o rebentamento de fornilhos. Empenhou-se na destruição das principais pontes e pontões do setor. Na totalidade, o IN implantou 66 minas anticarro, das quais foram detetadas e levantadas 46.
Até 1965, data da sua transferência para a ilha de Bissau e região de Nhacra, o BCAÇ nº 513 averba inúmeras ações que irão ser descritas no próximo e último texto que dedicamos a uma unidade que teve um comportamento admirável num dos teatros de operações mais hostis, entre 1963 e 1965.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21120: Notas de leitura (1291): “BC 513 - História do Batalhão”, por Artur Lagoela, edição de autor, Junho de 2000 (1) (Mário Beja Santos)
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