Gil Eanes, o anjo do mar = Gil Eanes, the angel of the sea / João David Batel Marques. - Viana do Castelo : Fundação Gil Eanes, 2019. - 131, [1] p. : il. ; 22 cm. - Ed. bilingue em português e inglês. - ISBN 978-989-99869-7-8
1. Nunca fui marinheiro nem pescador... Mas nasci à beira-mar. E o mar está no meu ADN, pelo lado paterno (o dos "Maçaricos", de Ribamar, Lourinhã). Tenho uma grande admiração pelos nossos antepassados que foram "empurrados" para o mar para sobreviverem e garantirem a independência do seu pequeno rectângulo. Foi o mar que nos salvou e e foi o mar que nos perdeu... Hoje estamos de costas virados para ele... Mas isso é outra história...
Tivemos uma grande frota bacalhoeira. Tivemos uma grande frota da marinha mercante... Nunca tivemos uma grande frota de guerra, pelo menos nos últimos dois séculos...
E tivemos o "navio-hospital" Gil Eanes, que eu já visitei duas vezes (a última muito recentemente), desde que foi colocado, em 1998, em exposição na antiga doca comercial de Viana do Castelo, transformado em espaço museológico.
É um motivo de orgulho para os vianenses e para todos nós, que já fomos uma grande potência marítima, mas temos um défice de memória nesta (com noutras matérias, incluindo a da guerra colonial / guerra do ultramar, que se desenrolou a milhares de quilómetrros da nossa casa paterna).
O Gil Eanes é também motivo de orgulho para as gentes do alto Minho porque foi justamente construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. (Temos no blogue vários camaradas que trabalharam nos ENVC, a começar pelo Sousa de Castro, o nosso grão- tabanqueiro nº 2 (e que trouzxe com ele mais caamaradas de trabalho e da guerra da Guiné.)
O Gil Eanes iniciou a sua atividade como navio-hospital em 1955, apoiando durante décadas (até 1973), a frota bacalhoeira portuguesa que atuava nos bancos da Terra Nova e Gronelândia.
Era um navio polivalente, tinha múltiplas funções, embora a principal fosse a assistência médico-hospitalar:
- estava equipado com bloco operatório;
- inha enfermaria para 74 doentes;
- dispunha de 2 médicos e de um equipa de enfermagem permanente (pág. 47).
Do Gil Eanes diremos ainda que, para além da assistência médica, exercia também outros tipos de assistência:
- religiosa (com capelão a bordo) (pág. 54);
- afetiva (correio, comunicação por rádio/fonia entre as tripulações da frota e as famílias) (pág. 55);
- material (transporte e fornecimento de isco, de diversos aprestos e material de pesca, mantimentos, gasóleo, água doce, ferros, amarras, etc.) (pág. 56);
- oficinal (reparação e manutenção de equipamentos) (pág. 57)...
Era também:
- navio capitania (pág. 58);
- navio quebra-gelos (pp. 58-64);
- navio rebocador (pp. 65/67).
Desativada a frota bacalhoeira, o Gil Eanes ficou a apodrecer, criminosamente, nas docas de Lisboa, durante muitos anos. Até ser resgatado e devolvido â sua cidade...
(,,,) Em 1998, a Fundação Gil Eanes (...) considerando-o património cultural e afetivo da cidade, resgatou-o da sucata por cerca de 250 mil euros, após uma inédita campanha que envolveu todos os estratos sociais vianenses.
Em 31 de Janeiro de 1998, foi recebido festivamente na Foz do Lima, onde, depois de limpo e restaurado, foi aberto ao público, assumindo-se como pólo de atratividade para Viana do Castelo.
A reconversão transformou-o num espaço museológico, integrando salas de exposição, sala de reuniões e loja de recordações." (...)
Mas isso é uma história para contar em próximo poste.
Em 132 páginas, e profusamente ilistrado, este livro fala-nos diretamente da epopeia do Gil Eanes que é também a da frota do bacalhau. Como se pode ler ma página da Fundação Gil Eanes, atual proprietária do navio:
(...) A história do Gil Eannes é, como a do Gonçalo da Ilustre Casa de Ramires, uma boa fatia da história de Portugal mas vista de Viana do Castelo.
Tudo começou com um povo de marinheiros que se habituou, desde que D. Dinis fez um tratado com o rei Inglaterra, a comer e a gostar de bacalhau. Ora, como o consumo crescia, houve um vianense que resolveu procurar noutras paragens o poiso do "fiel amigo". E, com a descoberta de Fagundes, que assim se chamava o ousado vianense, o "amigo" tornou a sua presença ainda mais "fiel" à nossa mesa. Mas os portugueses andavam agora ocupados com os açúcares, a Guerra da Restauração, o ouro e os diamantes, com as Índias, as Áfricas e os Brasis...
Quando isto falhou, passaram a vender vinho fino e madeira... E, se continuavam a comer bacalhau, era à "pérfida AIbion" que o compravam.
Até que, na reconstrução nacional por que em boa parte passou o fim do século XIX, surgiram capitalistas suficientemente empreendedores para armar navios destinados a pescar aquilo que se tomou um hábito alimentar insubstituível dos portugueses. O que também tornara o investimento por demais seguro: a mão de obra era barata e o consumo garantido.
Mas também as condições de trabalho eram péssimas (diríamos hoje desumanas). Pobres e mal alimentados, suportando um frio glacial a bordo dos lugres e dos dóris, os homens padeciam de doenças dos aparelhos digestivo e respiratório, furunculoses e reumatismo.
Como a safra era de cinco meses, os homens, além da falta de carinho das famílias, suportavam a doença meses a fio. E, se sobrevinha uma apendicite ou um acidente cardio-vascular... Tantos lá ficaram no mar frio onde tinham ido grangear o sustento dos filhos! (...)
(Continua)
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Último poste da série > 3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26838: Notas de leitura (1799): José Gomes Barbosa 'versus' Jorge Frederico Vellez Caroço no Boletim Official de 1 de julho de 1922 (Mário Beja Santos)