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quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25845: Em busca de... (327): Esclarecimentos sobre a morte do meu amigo Ilídio Fidalgo Rodrigues de Jesus, Soldado Básico da CCAÇ 2382 (Juvenal José Danado, ex-Fur Mil Sap Inf)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Danado, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS / BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1970/71) com data de 12 de Agosto de 2024, enviada ao blogue através do Formulário de Contacto do Blogger:

Camarada e amigo Luís Graça:
Sendo possível, gostaria que o texto seguinte fosse publicado no nosso blogue.
Muito obrigado pela atenção e aquele abraço.



CCaç 2382 / Buba

Ilídio Fidalgo Rodrigues de Jesus (o Esgota-Pipas), mortalmente atingido no ataque a Buba, em 14/02/1969

Li um texto publicado neste blogue em 28 de maio de 20161, no qual o companheiro e furriel miliciano Manuel Traquina, fala do Ilídio Fidalgo Rodrigues de Jesus, soldado ferido durante o ataque a Buba de 14/02/1969, ferimento que lhe provocou a morte.

O texto interessou-me sobremaneira, porque o Ruço (alcunha por que toda a gente na aldeia tratava o Ilídio) era um querido amigo com quem convivi e partilhei muitas brincadeiras na infância e na adolescência. Somos os dois naturais de Aires, aldeia do concelho de Palmela. Jogámos muitas vezes à bola no Largo da Fonte e no olival contíguo à sede do Grupo Desportivo Airense, andámos aos pássaros (ele era exímio com a fisga), estivemos em bailaricos, nadámos no tanque de rega da quinta para onde me mudei aos 13 anos, parodiámos muito, fomos amigos, irmãos de coração.

O Ruço tinha o nome próprio do pai e pertencia a uma irmandade de cinco, contando com ele. O pai era trabalhador rural, como a maior parte dos pais da aldeia, e a família tinha poucos recursos, razão pela qual o Ruço nunca foi à escola, começando a trabalhar muito cedo, a pastar ovelhas.

Fiquei admirado quando li que ele «foi dispensado das saídas para o mato e colocado como ajudante de cozinheiro». Sendo analfabeto (não foi à escola), ele teria de ser básico, «especialidade» que o livraria das saídas para o mato, reservadas a atiradores, pessoal de transmissões, de enfermagem e informações, sapadores. E normalmente, segundo creio, os básicos ajudavam nas cozinhas.

A minha comissão (Batalhão 2892 - 1969/71) foi passada entre Aldeia Formosa, Nhala e Buba. A história que eu apurei, nas indagações que fiz em Buba, foi a seguinte: o meu amigo trabalhava na messe de sargentos, como ajudante de cozinheiro; durante um ataque noturno correu para se abrigar na messe, uma granada explodiu por cima da porta onde ia a entrar, e ele foi atingido por estilhaços que o vitimaram, dias depois, já em Bissau.

Gostaria que o Manuel Traquina ou qualquer outro membro da Companhia 2382 fizesse o favor de me esclarecer, com os pormenores possíveis, deixando desde já os meus agradecimentos.

Um grande abraço aos companheiros da 2382, a todos quantos visitam o nosso blogue e aos que o mantêm atualizado e vivo.

Cumprimentos,
Juvenal José Cordeiro Danado

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Notas do editor

1- Vd. post de 28 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)

Último post da série de 13 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25838: Em busca de... (326): Camaradas do malogrado Fur Mil Op Esp Dinis César de Castro, da CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, que morreu em combate, no dia 12 de Outubro de 1970, durante a emboscada a uma coluna auto no itinerário Mansoa-Infandre

domingo, 30 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25702: Fichas de unidade (36): CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)



Guiné > Região de Quínara > Buba > CCAÇ 2382 (1968/70) > Dia do "santo patacão", o do pagamento do pré. Cap Mil Art Gomes de Araújo, sentado, alf mil Curado, de pé, à direita, o sargento Boiça, à esquerda  e o fur Mil Henrique, ao centro, em segundo plano. 

A foto é do nosso camarada Manuel Traquina, retirada e editada, com a devida vénia, do seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" (Abrantes: Palha de Abrantes, 2009, pág. 130).




Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!

Companhia de Caçadores nº 2382

Identificação: CCaç 2382

Unidade Mob: RI2 - Abrantes

Crndt: Cap Mil Art Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo

Divisa: "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"

Partida: Embarque em 1mai68; desembarque em 6mai68

Regresso: Embarque em 3abr70

Síntese da Actividade Operacional

Em 18mai68, seguiu para Bula, a fim de efectuar a instrução de aperfeiçoamento
operacional com a CCaç 2312, sob orientação do BCav 1915, tendo tomado parte em operações realizadas nas regiões de Blequisse, Ponta Consolação e Bajope, nas quais obteve excelentes resultados. 

Entretanto, a referida instrução foi interrompida por razões operacionais e a subunidade seguiu para Aldeia Formosa, por fracções, em 3jun68 (dois pelotões) e em 8jun68, a fim de reforçar o dispositivo do BArt 1896 e depois do COSAF/COP 1, em face de pressão inimiga então verificada na região do Forreá.

Em 7jun68, dois pelotões ocuparam Contabane e em 11jun68, o comando e os outros dois pelotões instalaram-se em Mampatá; no entanto, em 18Jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando um pelotão
destacado em Mampatá. 

Em 1jul68, por evacuação de Contabane, voltou de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá.

Em 13jul68, substituíu temporariamente a CArt 1612 no subsector de Aldeia Formosa até à chegada da CCaç 2381, em 8ag068, com os seus pelotões disseminados por Nhala, Mampatá, Chamarra e Patê Embalá, este até 3ag068 e depois deslocado para Buba, em reforço do BCaç 2834.

Em 12ag068, a subunidade foi então transferida para Buba, com um pelotão destacado em Nhala, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2834, e depois do COP 4, quando criado, com a missão de intervenção e reserva; nesta função, efetuou diversas operações na zona de acção e exerceu o seu esforço na contrapenetração, tendo capturado elevadas quantidades de armamento e material e de que se destaca uma emboscada efectuada a uma coluna de reabastecimentos inimiga, no rio Chinconhe, em 22nov68.

Em 290ut69 e 8nov69, foi rendida, por frações, pela CCaç 2616 e recolheu a Bissau, a fim de se integrar no BArt 2866 e colaborar na segurança e  protecção das instalações e das populações, tendo ainda um pelotão destacado em Sanfim e João Landim.

Em14mar70, foi substituída pela CArt 2411, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 96 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM). 

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 367/368.

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 d maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25466: Fichas de unidade (35): BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70)

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. Mo final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

sábado, 22 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Pelo adiante vos contarei a alegria que tive em encontrar um soldado a quem dei recruta na ilha de S. Miguel, de outubro a dezembro de 1967, uma amizade indefetível, não nos víamos há umas boas décadas, o prazenteiro andou-me a mostrar as belezas da ilha de Sta. Maria, ele é do Santo Espírito, este encontro foi primeiro milagre; o segundo ocorreu no dia seguinte, alguém que me questiona à hora do pequeno-almoço, o mais importante de tudo é que ele nos acompanha lá onde vive, entre Nova Iorque e Boston, fiquei a conhecer a família, a quem fui apresentado, espontaneamente decidimos tirar uma fotografia, tão eloquente quanto a nossa Tabanca é Grande. E ouvi com pormenores o que se passou em Contabane, em 22 de junho de 1968.

Um abraço do
Mário



Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane

Mário Beja Santos

Hora do pequeno-almoço, 17 de junho de 2024, Hotel Colombo, Vila do Porto. Mordiscando com apetite uns ovos mexidos com bacon, antevendo as delícias panorâmicas que me serão proporcionadas durante um passeio a uma boa parte da ilha de Sta. Maria, eis que se aproxima da mesa alguém que pede desculpa pela interrupção, não leve a mal, o senhor lembra-me alguém que escreve num blogue que eu frequento regularmente lá na América, estou aqui de visita porque a minha mulher nasceu e viveu aqui bem perto, trouxemos a família para conhecer a terra natal da mãe da avó, é que eu estive na guerra da Guiné e o senhor lembra-me alguém, não se ofenda se não for essa pessoa.

Então levanto-me, confirmo que ele está certo, é o soldado condutor Hermínio Marques, escrevo à pressa CCAÇ 2382, andarilharam por Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, mas ele quer falar-me de Contabane, uma flagelação que durou três horas, ficou tudo reduzido a um caco, perdeu os seus haveres, sobrou uma mala de cartão toda empapada, cada um dos que lá estavam ficou com o que tinha vestido. Contagiou-me a alegria deste homem cuja existência, como compreenderão, ignorava completamente, para amenizar o ambiente falei-lhe de um telefonema que há muitos anos recebi do João Crisóstomo, ele tinha adquirido no aeroporto um dos volumes do meu Diário da Guiné, estava profundamente emocionado, prometi que nos iriamos conhecer quando viesse a Portugal.

O Hermínio leva-me junto da família, sinto-me como tivesse chegado da Lua, falo-lhes da Guiné e do que vivemos, a mulher do Hermínio vai-me respondendo, o resto da família parece ignorar a língua portuguesa. Estamos todos num embaraço, o Hermínio insiste que eu tenho de saber o que viveram em Contabane, a mulher leva-me a um corredor e mostra-me uma casa lá no alto, era a casa dos avós, e é nisto que Hermínio insiste, vamos tirar uma fotografia, peço licença para a divulgar no blogue, então porque não? Prometemos voltar à fala, ao fundo da sala alguém põe um dedo em cima de um relógio, e eu não quero partir para a Praia Formosa, Farol da Maia e Baía de S. Lourenço sem o estômago aconchegado. Novo abraço, fico a saber que o Hermínio vive entre Nova Iorque e Boston, nasceu na região de Viseu, só me faltou perguntar-lhe se também vai levar a família ou já a levou à sua terra natal.
Vila do Porto, Santa Maria, Açores, 17 de Junho de 2024 - Mário Beja Santos e Hermínio Martins

Vou passar a manhã dividido entre este encontro e o espetáculo de uma ilha desconhecida, aonde quero voltar, eu tenho a impressão que já lera um texto do Manuel Traquina[1], nosso confrade, sobre a destruição de Contabane, no meio da conversa o Hermínio falava-me nos Palhaços, na irreverência que o Capitão Carlos Nery caprichara para uso do estandarte, é facto que é uma completa desobediência aos preceitos castrenses, é quase uma diversão.[2]


E pronto, que o Hermínio e os seus gozem de muita saúde e que ele nos acompanhe lá dos EUA, da minha parte, e até poder, deste lado do oceano endosso-lhe notícias do que vou fazendo, com lembranças da Guiné.

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Notas do editor

[1] - Vd. post de 19 DE AGOSTO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

[2] - Vd. post de 8 DE JUNHO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6561: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (3): Fui o criador do emblema da Companhia, e gosto

Último post da série de 29 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25575: (De) Caras (208): António Baldé, ex-1º cabo , CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70), e CART 11 (Paunca, 1970/71): "Eu tinha um sonho: ser apicultor no Cantanhez"...

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18332: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (31): Abrantes, sede do antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2, mais tarde Escola Prática de Cavalaria (2006) e hoje Regimento de Apoio Militar de Emergência



Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 >  Hoje  Regimento de Apoio Militar de Emergência


Abrantes > O antigo RI 2 - Regimento de Infantaria 2 >  Já foi Escola Prática de Cavalaria (2006)

Fotos: © Manuel Traquina (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abrantes > RI 2 -  Regimento de Infantaria 2 > 1970 > A unidade mobilizadora de muitos batalhões que passaram pelo TO da Guiné como foi o caso  do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)... Durante a guerra do ultramar, o RI2 incorporou, treina e mobilizou um total de 52.000 homens para os diverso Teatros de Operações. Mais concretamente, foi a unidade mobilizadora de  63 batalhões, 30 companhias independentes e 82 pelotões de apoio.

Na foto, em primeiro plano, o nosso camarada Otacílio Luz Henriques, a caminho da "peluda"...

Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Abrantes > RI 2 -  Regimento de Infantaria 2 > 1969 > Vista aérea.

 Foto: Unidades do Exército Português > Regimento de Infantaria nº 2  (página  de Nuno Chaves, em construção) (com a devida vénia...)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Traquina, deixada ontem na página do Facebok da Tabanca Grande:


Para aqueles que passaram pelo Regimento de Infantaria de Abrantes vão estas fotos.

O RI2, como em tempos o conhecemos, e por onde passaram largos milhares de militares, agora virou RAME - Regimento de Apoio Militar de Emergência. 

Com um número de militares muito reduzido em relação aos tempos de guerra, foi já também Escola Prática de Cavalaria [, em 2006].

2. Comentário do editor LG:

No seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" [Edições Palha de Abrantes, 2009), o Manuel Traquina tem um pequeno capítulo dedicado ao RI 2. unidade que mobilizou a sua companhia, a CCAÇ 2382...E dai partiram para a Guiné... O Manuel Traquina "jogava em casa", já que era natural do concelho (, Souto, a 20 km da sede)...

Sobre a sua terra diz o seguinte:

"Curioso é que ainda hoje a cidade de Abrantes seja lembrada por muitos que por aqui passaram e, também, por alguns que aqui arranjaram madrinha de guerra, namorada e noiva... casaram e por aqui ficaram" (p. 31).

Meu caro Manuel, a minha companhia, a CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) foi mobilizada pelo RI 2. Aliás, éramos meia dúzia de gatos pingados (graduados e especialistas, uma meia centena). Formámos companhia, tirámos a Escola Preparatória de Quadros e fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, também "à pedrada", como vocês,  no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM), que ficava no concelho vizinho de Constança... A cerimónia de despedida foi junto à capela do CMSM, E dali fomos diretamente, de comboio (, tenho a ideia que de noite, quase como "clandestinos"...) para o Cais da Rocha Conde de Óbidos. Embarcámos no T/T Niassa em 24 de maio de 1969...

Da tua terra, Abrantes, não tenho memórias, desse tempo. Ou varreram-se-me as memórias, de todo.. Posso dizer que passei por Abrantes como cão por vinha vindimada... com os (des)acordes da fanfarra do RI 2 muito ao longe...


3. Recorde-se que o Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes [, foto atual, acima]. Aliás,  nasceu no Souto, Abrantes, em 1945. 

Frequentou o Curso de Sargento Milicianos (CSM), nas Caldas da Rainha, no 1º trimestre de 1967. Em 30 de Março, dava início à especialidade de Mecânico Auto, na Escola Prática de Serviço e Material (EPSM), em Sacavém. Fez ainda estágio no Centro de Instrução de Condutores Auto nº 3 (CICA3) em Elvas. Em finais de Agosto, é transferido para o Depósito Geral de Material de Guerra (DGMG), em Beirolas. Quinze dias depois, a 13 de setembro, é mobilizado para a Guiné. A 19 de fevereiro de 1968, apresenta-se no RI 2, em Abrantes, a fim de integrar a CCAÇ 2382. Passados dois meses e meio, a 1 de Maio de 1968, parte no Niassa, com destino a Bissau, aonde desembarca a 6.

Na Guiné, passou pelos seguintes aquartelamentos: Brá, Bula, Aldeia Formosa e Bula. Regressa a Portugal em Abril de 1970, no mesmo T/T Niassa.

Depois da ‘peluda’, trabalhou em Angola, no Serviço de Emprego. Regressa Portugal, em 1975, na sequência do processo de descolonização. Em Abrantes, foi técnico de emprego, do Centro de Emprego local. Está actualmente aposentado do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFO). Tem página no Facebook > Manuel Batista Traquina.

Publicou "Os Tempo de Guerra, De Abrantes à Guiné”,  Edição Palha de Abrantes, 2009. E, mais recentemente,. em 2017, na Chiado Editora, "Angola que eu conheci: de Abrantes a Luanda"

(*) Último poste da série > 27 de abril de 2017 > Guiné 63/74 - P17290: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (30): Tavira, CISMI, onde há 48 anos frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos (António Tavares)

Vd. também 28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)

(...) Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... 

E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa [, Ponte de Sor], o que me agradou.

Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto. (...)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18226: Memória dos lugares (370): Buba e o espaldão do morteiro 81 onde eu dormia... (Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138, Buba, Aldeia Formosa, NHala, Mampatá e Empada, 1969/71)


Guiné > Região de Quínara > Buba > s/d > Espaldão de morteiro 81... na margem direita do Rio Grande de Buba.

Foto: cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05360.000.325  (*)


1. Comentário  (*) do Manuel Fernando Dias Oliveira ("Brasinha"), ex-Soldado Apontador de Morteiro do Pel Mort 2138, (Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá e Empada, 1969/71),  membro da nossa Tabanca Grande desfde 17/9/2016 (**):

Boa noite a todos os membros desta Tabanca Grande e outros ex-combatentes que se interessam pelas histórias reais, passadas naquele tempo e que alguns desejam que as mesmas sejam apagadas.

Muito bem, vamos esclarecer o que aqui está sendo comentado. Essa foto é REAL, está (va) mesmo junto ao arame farpado que cercava o aquartelamento [de Buba], para dar cobertura aos desembarques das Lanchas da Marinha que nos reabasteciam periodicamente. 

Dado não haver estradas para Aldeia Formosa (hoje Quebo) a partir de Bissau, Buba era o ponto fulcral para desembarque e abastecimento daquela zona que abrangia, Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa. De Buba partiam as Colunas Auto que transportavam os géneros, armas e munições. 

O citado abrigo (espaldão) era habitado por quatro elementos que dormiam sobre as granadas dos morteiros:

lº Cabo António Silva Guerra (falecido recentemente);
Jorge Augusto dos Santos Franco (falecido pouco tempo após o término da comissão);
António Mendes de Freitas;
e Manuel Fernando Dias Oliveira ("Brasinha"), que sou eu. 

Como bem disse um camarada no seu comentário, essa foto certamente foi tirada no pós-guerra. O ataque ao qual se refere o Capitão Nery, foi comandado pelo [cubano] Peralta e pelo  Nino Vieira, ataque esse que foi lançado pela parte superior da pista de aterragem de aeronaves, tendo as tropas inimigas estado muito próximo do arame farpado. Teve especial desempenho o Esquadrão de Morteiros, junto à Pista. foi o nosso baptismo de fogo e a despedida da Companhia comandada pelo Cap Mil Nery [, CCAÇ 2382].

Precisamente um ano depois, tivemos novo ataque, de igual poderio de fogo, desta feita pelo lado do Rio onde foi a vez do Esquadrão junto ao mesmo (que está na foto). Dessa vez, saiu-nos o primeiro prémio da Lotaria. Levamos com um obus no espaldão que, por uma unha negra, não caiu dentro do espaldão, que mandaria tudo pelos ares. Vou tentar anexar fotos do acontecimento aqui relatado, bem como, uma tirada após a nossa comissão, pelo furriel miliciano António Cruz.

2. Comentário (*) do nosso camarada Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que vive em Abrantes [, foto atual, à direita] 

Este abrigo de morteiro é em Buba, situava-se na parte de trás das instalações dos sargentos, estive várias vezes neste local e, não há dúvida de que a foto deve ter sido tirada depois da saída dos portugueses, porque antes estava limpo, não havia capim. Vou ver se tenho uma foto! (***)

____________



(***)  Último poste da série >  4  de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18172: Memória dos lugares (369): Fajonquito (1961) ou... Gam Sancó (1940, 1914, 1906, 1889)? (Armando Tavares da Silva)

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17906: Os Nossos Enfermeiros (11): O 1.º Sargento Enfermeiro Reformado José Bragança Ferreira, HM 241, Bissau, 1970/72... Com 86 anos, vive em Abrantes e dedica-se ao voluntariado. Foi homenageado, em 2013, pelo Rotary Club de Abrantes


Clicar na imagem para leitura mais confortável

Com a devida vénia ao Jornal de Abrantes, edição de dezembro de 2013 >
Entrevista por Hália Costa Santos, pag. 2


1. Mensagem de 8 do corrente, do nosso amigo e camarada (ex-
Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Aurro, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que vive em Abrantes [, foto atual, à direita]


Amigo Luís,
Agradeço esta publicação.

Estou certo que muitos se recordam de enfermeiro Bragança.

Um abraço.
Traquina


2. Os Nossos Enfermeiros > O Enfermeiro Bragança

Muitos daqueles que nos anos 70/72 passaram pelo hospital militar 241 em Bissau, decerto lembram o Primeiro Sargento Enfermeiro José Bragança Ferreira. 

Agora com 86 anos,  reside nesta cidade de Abrantes, exercendo a sua actividade como voluntário em várias instituições (Liga dos Amigos do Hospital de  Abrantes, Centro Social Interparoquial de Abrantes, entre outras). 

O Rotary Club de Abrantes,  no ano de 2013, decidiu homenageá-lo como o “Profissional do Ano”. É conhecido na cidade como o "enfermeiro Bragança". Ver aqui entrevista dada então ao "Jornal de Abrantes", em dezembro de 2013.

 O enfermeiro Bragança,  depois de uma comissão em Angola e outra em Moçambique (onde nasceu um dos seus filhos), viria a ser colocado no Hospital Militar de Bissau [HM 241] (1970/72).

No jantar realizado em sua homenagem, referiu-se àqueles anos passados no HM 241, como sendo o ponto alto da sua carreira. Colocado nas enfermarias de Cirurgia  A e 2,  onde era responsável por 40 doentes, recorda que de um modo geral não tinha horário, tudo dependia do número de sinistrados que os helicópteros ali “descarregavam”, quase sempre com diagnósticos “poliestilhaçados”,  outros amputados e alguns até com perda de visão. 

Recorda que por vezes era chocante ver o militar da cama ao lado a ler a carta da família ao amigo que tinha acabado de perder a visão em combate. 

Segundo a sua opinião, naqueles anos aquele hospital possuía a melhor aparelhagem hospitalar e, também o melhor pessoal médico e de enfermagem,  pelo que qualquer militar gravemente ferido ansiava por ser evacuado, pois sabia que naquele hospital poderia estar a sua salvação.  Em caso de evacuação Ypsilon,  dizia-se ou pensava-se: "Se chegar ao hospital vivo,  já não morro".

Recordamos que as evacuações no interior da Guiné por vezes não eram fáceis, no período nocturno era quase impossível, de um modo geral os helicópteros de noite não tinham condições e, por vezes também o terreno e o clima condicionavam as evacuações. 

A todos aqueles que com ele trabalharam e também aqueles a quem prestou os seus cuidados,  ele envia um grande abraço.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17528: (De) Caras (82): O 1º cabo Alfredo Ferreira, o "Geada", da Murteira / Cadaval, o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... Era um camarada divertido e generoso, que não negava um pão a ninguém. O pão de Buba tinha fama, até o gen Spínola chegou a levar pão para casa... Recorde-se entretanto uma efeméride: fez 49 anos, em 22 de junho, que a tabanca de Contabane ficou totalmente destruída num ataque do PAIGC (Manuel Traquina / José Manuel Cancela)


Foto nº 1 > O "Geada", o padeiro da CCAÇ 2382, o 1º cabo Alfredo Ferreira, à esquerda, com um "balaio"


 Foto nº 2 > Militar não identificado, no WC, com  um pedaço de tecido dos sacos de farinha 
 a servir de "saia"

Fotos (e legendas): ©  Manuel Traquina (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem de Manuel Traquina, com data de 25 do corrente:

Amigo Luís Graça, aí vão duas fotos. A foto individual [nº 2] com a "farda de trabalho" penso que seja o "Geada" (será?) (*). A outra  [foto nº 1] são alguns dos ajudantes de cozinha de Buba, de que não recordo os nomes.

Um abraço,
Traquina



2. Comentário do José Manuel Cancela, com data de 26:

Olá, amigo Traquina. A foto de um só [nº 2] não é o "Geada", nem estou a ver quem seja.

Mas na foto do trio [nº 1] ,o primeiro da esquerda, é realmente o "Geada"  (**),  o segundo é o Guimarães,  mais conhecido, entre nós, pelo "Periquito", e o terceiro é o Zé Henriques,que também pertencia ao meu pelotão, tal como os outros, mas infelizmente já falecido.......

Um abraço e um bj. para a tua Fátima...


3. Observações dos camaradas sobre o Alfredo Ferreira:

(i) Manuel Traquina, 22/6/2017

(...) Vou ver se tenho a foto de um padeiro de Buba, que calculo seja do "Geada"... Era um bom elemento, sempre bem disposto!

O pão de Buba era óptimo, mas anteriormente quando estivemos em Mampatá, aí tivemos que construir o forno, depois numa visita do General António Spínola. Ele e o seu ajudante de campo, o cap Bruno (se a memória não me falha) gostaram tanto do pão que pediram se havia para levar alguns para Bissau, e acho que não foi só uma vez.

O pão de Bissau creio que era à base de farinha de arroz, deixava muito a desejar...

Já agora recordo que hoje, dia 22 de junho, foi um dia que ficou na memória de muitos. Foi na noite deste dia do ano de 1968 que na aldeia de Contabane, próximo de Aldeia Formosa, dois pelotões da CCaç 2382 sofreram o ataque que reduziu a aldeia a cinzas, depois foi uma trovoada que tudo transformou em lama. A CCaç 2382 estava havia pouco mais de um mês na Guiné. Muitos ficaram apenas com a roupa que tinham vestida e a G3 na mão. (...) (***)

(ii) José Manuel Cancela, 25/6/2017

(...) Não te cheguei a responder, no último mail que te mandei, acerca do tecido dos sacos de farinha, que o Geada distribuía às "beijudas" para confeccionarem tangas ou saiotes ... Como já deves ter adivinhado, era um modo de fazermos... acção psicossocial...

Como era a minha companhia que estava a tomar conta do quartel [de Buba], havia alguns postos, com uma certa relevância, nesta matéria, e não só o padeiro: o  dos géneros, as cantinas, as messes, e outros, que também tinham os favores das "beijudas".

No que respeita ao pão, o "Geada" era realmente um especialista, era a arte dele. E, coisa admirável, raramente recusava um pão, quando estava a sair do forno, a qualquer camarada.  (...)

(iii) José Manuel Cancela, 24/6/2017

(...) Se calhar o tempo acaba por trair a nossa memória. O meu camarada "Geada" nunca foi apontador de qualquer morteiro, não quero dizer que não o tivesse feito esporadicamente, mas a arma que lhe estava distribuída, quando saíamos do quartel, era uma G3 de fita, não me recordo do nome certo desta arma [HK 21].

O apontador do morteiro 60 era um camarada chamado Silva, que nos safou aquando do ataque à aldeia de Contabane, perto do Quebo, fez precisamente antes de ontem, Quarenta e Nove Anos!!! (...) (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (108): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)

22 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17502: Memória dos lugares (360): Murteira, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval: monumento aos 61 ex-combatentes da guerra do ultramar (1954-1975): Cabo Verde (1), Angola (31), Índia (2), Timor (1) , Moçambique (12) e Guiné (14) (Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1968/69)

(**) Último poste da série > 29 de junho de 2017 >  Guiné 61/74 - P17522: (De) Caras (88): O fur mil inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal, Cabo Verde, foi gravemente ferido pelo primeiro fornilho acionado no CTIG, às 9h00 do dia 3 de julho de 1963, na estrada São João-Fulacunda, vindo a morrer no HMP, em Lisboa, no dia 16, devido às graves queimaduras. Eu era o comandante da coluna (António Manuel de Nazareth Rodrigues Abrantes, ex-alf mi inf, CCAÇ 423, São João e Tite, 1963/65)

(***) Vd. postes de:

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

27 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6479: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (2): Noite longa em Contabane

29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6489: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (15): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (109): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)


Distintivo da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70).  Cortesia de Manuel Traquina que descreve o distintivo nestes termos:

"Este era o distintivo da Companhia. Continha na parte central, a figura de um militar com aspecto de veterano de guerra, já com o camuflado e botas um pouco danificados, e a sua inseparável G3.
"Na mão direita segura aquilo a que chamávamos a 'pica', que não era mais que uma vareta de aço afiada e que servia como o nome indica para picar o terreno susceptível de ocultar uma mina. Na extremidade da referida 'pica' encontra-se uma pequena caixa que representa uma mina anti-carro.
Sendo a CCaç 2382 uma Companhia Independente, nos quatro ângulos do distintivo encontram-se as iniciais dos comandos a que pertenceu: o primeiro é o Regimento de Infantaria 2,  de Abrantes,  onde a companhia se formou e foi mobilizada; o segundo é o COSAF -  Comando Operacional de Aldeia Formosa; o terceiro, Batalhão de Caçadores 2834,  ao qual a companhia esteva adida e o quarto, o COP4 (Comando Operacional nº4, sedeado em Buba).

"As duas inscrições laterais poderão levantar algumas interrogações: 'Por Estradas Nunca Picadas'. Esta pequena frase diz-nos que a companhia andou por locais até ali ainda não pesquisados; 'Por Picadas Nunca Estradas' aqui pretende-se dizer o que foi uma realidade, que os militares andaram pelo mato por caminhos que nunca foram estradas.

"Mas voltando à figura central, àquele a que chamámos 'o Zé do olho vivo', por ser uma figura mais ou menos engraçada, valeu-nos na Guiné o título da Companhia dos Palhaços. ".Manuel Batista Traquina".



1. Há dias, na Lourinhã, fui visitar uma das minhas irmãs, a do meio (tenho três, mais novas do que eu). A mana Z... tem um filho, o A..., que está num país árabe a tentar a sua sorte como talentoso adjunto de treinador profissional de futebol. A sua conpanheira, I..., é do Cadaval, concelho vizinho.

Manuel Traquina
Os pais da moça foram-me apresentados. Na hora do chá, conversa puxa conversa, verifico que o pai, Alfredo Ferreira, estivera na Guiné na guerra colonial:
- Quando?
- 1968/70.
- Somos contemporâneos, o meu amigo é mais velho um ano do que eu...
- Pois, sou de 46!
- E eu de 47!... E a sua companhia, já agora, ainda se lembra o número ?
- A 2382, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, Contabane... Éramos a companhia do "Zé do Olho Vivo"! Companhia de Caçadores...
- Se me lembro!... Tenho gente dessa companhia no meu blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné... E o camarada foi operacional? Qual era o posto?
- 1º cabo atirador de infantaria... Mas, como era preciso alguém para
Carlos Nery [, o cap mil Araújo]
fazer o pão, fiquei eu, como padeiro.
- E o capitão?
- Carlos Nery Sousa Gomes de Araújo. Era miliciano.
- Incrível, é meu vizinho de Alfragide!... E quem mais, dos alferes e furriéis...?
- Olhe, o furriel mecânico Manuel Traquina que até escreveu o livro com histórias do pessoal da companhia. É de Abrantes.
- Já estive com ele num dos nossos encontros anuais...

... Emociona-se o ex-1º cabo Alberto Ribeiro C. Ferreira ao falar do ataque a Contabane e das colunas a Gadamael... E do ataque a Buba... E do monumento que foi edificado aos combatentes da sua terra, que regressaram todos, graças a Deus... Sessenta e seis!... Estamos a falar de Murteira, freguesia de Lamas, concelho do Cadaval... Ele escreveu (ou ajudou a escrever) as três quadras de homenagem que estão gravadas na pedra. Recita-me as quadras com um brilhozinho nos olhos. Fica exasperado por lhe faltar o primeiro verso da última quadra... Faz apelo à memória da esposa, a seu lado...

O meu cunhado, M...,   estava banzado com a nossa conversa e a familiaridade dos nomes das terras da Guiné, que ambos testemunhávamos, eu e o Alfredo: de Mampatá a Contabane, do Saltinho a Gandembel, de Buba a Quebo,  e ainda de João Landim a Bula, e o dia em que o Alfredo  ia morrendo afogado no rio Mansoa, agarrado a um frágil tronco de palmeira, ele que nem sabia nadar!...

Falei-lhe do blogue e das referências que temos à malta da companhia do "Zé Olho Vivo"... Não é pessoa de navegar na Net, mas vai todos aos anos aos convívios da CCAÇ 2382... Fala, com calor humano, dos tempos da Guiné e dos seus camaradas... Vê-se que a guerra e a camaradagem marcaram-no para sempre.

Fico a saber que, no regresso (ou ainda antes, logo em 1969), se estabeleceu por conta própria como industrial de panificação. Devido à lei do condicionamento industrial, na época,  o Grémio do setor só o deixou estabelecer-se em Alcoentre, no concelho próximo, Azambuja, transferindo-se mais tarde (presumo que depois do 25 de Abril) para a Vermelha, outra sede de freguesia do concelho de Cadaval. 

O negócio do pão prosperou ao ponto de a clientela se ter alargado a boa parte da região Oeste e à Grande Lisboa... Passou a condução dos negócios ao filho, líder hoje da Panificadora Regional da Vermelha, empresa que tem mais de meia centena de colaboradores e uma apreciável frota automóvel para distribuição diária de pão... que chega às nossas mesas através das redes de hipermercados  e supermercados  onde fazemos compras... Vê-se que sente orgulho na obra feita e na continuidade dada pelo filho (que "não quis continuar a estudar" e é hoje um empresário de sucesso)...

O Zé Manel Cancela
Falámos ainda de amigos do concelho do Cadaval, do Joaquim Pinto de Carvalho, hoje advogado, outro camarada da Guiné, natural do Cadaval, que tem um turismo rural em Vila Nova, a "ArtVila"... Falámos do Miguel Luís Evaristo Nobre, do Vilar, e da sua paixão pelos moinhos de vento... Falámos, inevitavelmente, da serra de Montejunto, e das terras ali à volta, como a "pitoresca" Pragança e o Pereiro (onde se cantam e pintam os Reis) ...

Prometemos, enfim, fazer um visita a Murteira, ao monumento local aos combatentes da guerra do Ultramar e, naturalmente, à casa deste camarada que já ficou avisado:
- Para a próxima, passamos a tratar-nos por tu, como camaradas que somos e continuamos a ser... Tratamo-nos por tu, na Tabanca Grande, do general ao soldado...

2. Não me ocorreu o nome do meu amigo e camarada de Penafiel, o Zé Manuel Cancela, ex-soldado apontador de metralhadora pesada, que também pertenceu à CCAÇ 2382... Na altura não tinha o portátil comigo, pelo que não deu para fazer pesquisas sobre a malta desta companhia que faz parte da nossa Tabanca Grande, e onde se incluem os nomes do Manuel Traquina (ex-furriel miliciano) e do Carlos Nery (ex-cap miliciano, por sinal meu vizinho de Alfragide), além do José Manuel Moreira Cancela e do Alberto Sousa e Silva (ex-soldado de transmissões) (e de quem não temos para já uma foto atualizada).

Apesar da máquina fotográfica andar sempre comigo, também não me ocorreu tirar uma foto... com o Alberto Ferreira e a esposa. A filha I... já a conhecia há uns tempos mas não assistiu a esta conversa. Também ela costumava acompanhar os pais nos convívios anuais da companhia. E conhece bem o Manuel Traquina.

De qualquer modo, pode-se dizer,  mais uma vez, e com toda a propriedade, que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande!

sábado, 28 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16141: In Memoriam (258): Soldado Ilídio Fidalgo Rodrigues, o "Esgota Pipas" da CCAÇ 2382, morto por um estilhaço de um projéctil IN (Manuel Traquina, ex-Fur Mil)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Traquina (ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2016:


Ilídio Fidalgo Rodrigues

O Infeliz “ Esgota Pipas”

Na tropa, de um modo geral todos têm um alcunha, na maior parte das vezes são chamados por esse alcunha, ou pelo número que lhee foi atribuído. Em muitos casos é pelo seu verdadeiro nome, que são menos conhecidos.

Neste caso o soldado de nome (Ilídio?) Elídio Fidalgo Rodrigues, foi ele próprio que escolheu a sua alcunha, nem mais nem menos “Esgota pipas”. Foi esta a alcunha que ele próprio escolheu.

Efectivamente, recordámo-lo na Guiné, ele gostava de beber o seu copo, a sua cerveja, porém não se poderia dizer que fosse grande bebedor! Poderemos dizer que esta alcunha, era mais uma brincadeira que outra coisa.

Era um bom rapaz, natural da zona de Palmela, considerado a figura típica da Companhia 2382, e que passou a ser conhecido por todos, pela sua simplicidade humorística, a tropa para ele não contava, cada passo que dava era por “brincadeira”.

Talvez por ser simples de mais, no aquartelamento de Buba ele foi dispensado das saídas para o ”mato”, e assim ficou como ajudante de cozinha. Mas a Guerra na Guiné era assim e, só porque a sua actividade se resumia a trabalhos auxiliares dentro do aquartelamento, não quer dizer que não corresse riscos.
Assim aconteceu na fatídica noite de 14 do mês de Fevereiro de 1969, em que o aquartelamento sofreu um dos maiores ataques.

Ao fim da tarde o soldado Ilídio ocupava-se da limpeza do refeitório quando rebentou o ataque, como habitual correu a abrigar-se na vala que circundava o refeitório, porém o infortúnio acompanhou-o e, muito perto explodiu um projéctil em que alguns estilhaços lhe atingiram seriamente um órgão vital.
Evacuado na manhã seguinte, passados dias veio a falecer no Hospital Militar de Bissau, sem tempo sequer para mais uma “laracha” com os amigos.

(Do livro “Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné” de Manuel Batista Traquina)


 Fuselagem do projéctil do inimigo que terá causado morte ao Ilídio

Alguns membros do Núcleo da Liga dos Combatentes de Pinhal Novo e da CÇaç 2382 junto à campa do infeliz Ilídio no cemitério de Palmela, por ocasião do Almoço / Convívio da Companhia que se realizou no dia 7 de maio em Fernão Ferro.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16057: In Memoriam (257): José Eduardo dos Santos Alves, o "Leça" (1950-2016), ex-sold cond auto, CART 6250, Mampatá (1972/74): homenagem da Tabanca Grande