Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos. [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande.]
O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.
Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho. Foi também um dos principais dirigentes estudantis durante a crise académica de 1962.
Foto: © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados.
Cartaz do Colóquio O (as)salto da memória", 27 de outubro de 2016, FSCH / NOVA, Lisboa
1. Reprodução de excerto, com a devida vénia, de notícia da Lusa, publicada no DN - Diário de Notícias, de ontem, "Mais de oito mil soldados desertaram da Guerra Colonial"
(...) O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação dos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.
"Este número, baseado em fontes militares, é um número que peca por defeito e refere-se ao período entre 1961 e 1973. É bastante acima de oito mil e é um número importante porque, até agora, não tínhamos dados sobre o pessoal já incorporado", disse à Lusa Miguel Cardina, um dos autores da análise histórica sobre o fenómeno da deserção da Guerra Colonial.
Miguel Cardina antecipou à Lusa algumas das conclusões do estudo que será apresentado na próxima quinta-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas [da Universidade NOVA de Lisboa], em Lisboa.
"Tínhamos algumas referências a números mas eram parcelares e faziam eco de um certo tipo de deserções. O que nós vamos mostrar é que a deserção é um fenómeno mais complexo do que aquilo que se considerava", explicou.
Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, vão apresentar os dados finais do estudo no colóquio "O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio", que se realiza na quinta-feira, no qual será também apresentada documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial.
De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial "pode pecar por defeito" porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.
O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.
Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários - jovens que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação - e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.
"Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspeção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país", indicou o historiador do CES.
Para Miguel Cardina, o "processo de afastamento e fuga" da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores - porque não existiam números conhecidos até ao momento - mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.
"Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores", explicou.
Segundo o historiador, o "fenómeno dos faltosos" cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a "fugir da guerra" mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, "a guerra podia ser" uma das motivações para o ato de emigrar.
A primeira conclusão do estudo indica, sobretudo, que a Guerra Colonial tem ainda aspetos de natureza historiográfica que é preciso aprofundar e torna evidente que a temática do exílio, da deserção e da recusa da guerra precisa de ser estudada. (...)
Sobre os militares que desertaram, Miguel Cardina indicou que "todas as histórias de fuga são individuais" e que, por isso, devem ser tidos em conta os portugueses que vão para a África e que desertam das colónias, refugiando-se em Argel ou na Europa, assim como os africanos incorporados nas forças portuguesas.
Cardina frisou que, nos anos finais do conflito colonial, há um fenómeno de africanização das tropas, "porque havia pouca gente e, por isso, havia necessidade de soldados para a guerra", verificando-se que muitos africanos incorporados na tropa portuguesa constituem, em muitos casos, um fluxo específico de deserção.
O colóquio é organizado pela Associação dos Exilados Portugueses (AEP61-74) [, tem página no Facebook, aqui], Centro de Documentação 25 de Abril, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) e Instituto de História Contemporânea.
Vão estar presentes, além de Miguel Cardina e Susana Martins, os historiadores Rui Bebiano, do Centro de Documentação 25 de Abril, Victor Pereira, da Universidade de Pau, em França, e os historiadores Irene Pimentel, Sónia Ferreira, Sónia Vespeira de Almeida e Cristina Santinho.
O presidente da Associação de Exilados Políticos Portugueses, Fernando Cardoso, disse à Lusa que a questão dos desertores da Guerra Colonial (1961-1974) deve ser "analisada com profundidade" porque ainda divide a sociedade portuguesa. (...)
2. Recorte do Expresso, com data de ontem > Centro de Documentação 25 Abril divulga material sobre desertores da Guerra Colonial
(...) O Centro de Documentação 25 de Abril está a preparar documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial para divulgar durante o colóquio sobre a deserção, na próxima quinta-feira, em Lisboa.
“Basicamente, são documentos, muitos deles pessoais e de organizações que se destinavam a apoiar politicamente e pessoalmente os desertores, e que não são conhecidos. Muitas destas organizações resultaram de circunstâncias que já passaram e que só existiram enquanto foram necessárias”, disse à Lusa Rui Bebiano, historiador e diretor do Centro de Documentação 25 de Abril.
O historiador é um dos participantes no colóquio “O (as)salto da memória: história, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio”, que vai decorrer na próxima quinta-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa.
A divulgação inicial de material respeitante à deserção da Guerra Colonial (1961-1975) - através do site do Centro de Documentação 25 de Abril - está integrada nos trabalhos do colóquio e organiza documentos pessoais e de material de países estrangeiros que apoiavam os movimentos de libertação nas antigas colónias portuguesas, assim como os militares que decidiram desertar.
“Nós temos o espólio de organizações de apoio aos desertores na Suécia, na Holanda e em França e temos materiais que nos foram cedidos por exilados e desertores, e é isso que vamos apresentar nesta exposição virtual”, acrescentou Rui Bebiano.
Além da apresentação do material de arquivo, o diretor do Centro de Documentação 25 de Abril vai também fazer uma comunicação que levanta a interrogação sobre se os desertores da Guerra Colonial foram heróis ou traidores.
“Pretendo refletir sobre esta divisão entre aquelas pessoas que consideram os desertores como heróis e aqueles que vêm os desertores como traidores. Há aqui duas vertentes: há pessoas que pensam que o desertor abandonou o teatro de guerra por medo, porque não queria morrer ou ficar ferido. Essas pessoas continuam a pensar da mesma maneira, ainda hoje”, referiu Rui Bebiano, sublinhando que a sociedade portuguesa ignora os motivos da deserção assim como a realidade vivida pelos exilados e desertores antes de 1974.
“É preciso desfazer a ideia de que o desertor ia para uma bela vida no estrangeiro porque, na verdade, foi uma vida de dificuldades e de privações”, afirmou o historiador.
“A animosidade em relação aos desertores – que perdura nos dias de hoje - deve-se à ausência de memória. Não se conhecem as razões que levaram as pessoas a desertar e desconhece-se como foi a vida que essas pessoas levaram a partir do momento em que escolheram não combater, e isso é muito importante. É por isso que este colóquio faz todo o sentido”, disse Rui Bebiano, considerando que se trata de um assunto “esquecido” pela sociedade portuguesa. (**)
“O importante é a compreensão, quer em relação àqueles que decidiram desertar como também em relação a todos os que quiseram combater”, concluiu. (...) (***)
(Excerto reproduzido com a devida vénia...)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
(*) Vd. poste de 14 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
(...) [João Bonifácio:] Pessoalmente, acho que cada um de nós tem o direito a demonstrar o seu ponto de vista, mesmo que negativo. Depois do 25 de Abril, penso que todos os que foram obrigados pelo antigo regime de Salazar e Marcelo Caetano, a refugiar-se em certos países da Europa, puderam todos, ou quase todos, regressar a Portugal e restabelecer as suas vidas junto aos seus familiares.
Por isso, penso que este tema, por muito complicado que seja, deverá ser discutido abertamente por todos os que sintam ter as suas ideias quanto aos chamados desertores. Hoje, e depois de ler neste blogue que o Amigo Luís em tão boa hora iniciou, ter lido das dificuldades de tantos militares, que por pouco não foram apanhados à mão e até fugiram para o mato, para não falar do abandono total por parte dos chefes da guerra em abandonar estes nossos irmãos, até já fiz a pergunta se eu não deveria ter feito o mesmo. (...)
(...) [Paul Raposo:] Quem fugiu, foi por medo, conveniência, comodismo, etc. Uma coisa é certa, por política é que não foi. Esta de, à ultima da hora, vir dizer que se era antifacista, não cola. Se havia assim tantos, então no tempo da outra senhora onde andavam? Andavam a mamar à custa do regime e, para se branquearem, viraram resistentes para aranjarem novos tachos. Cambada de oportunistas.
Atenção, não me compete criticar ninguém, mas galos e perús não são todos uns. Bem me custou o embarque, fugir era mais fácil. (...)
(...) J. L. Vacas de Carvalho:] Uma parte da minha consciência diz que não devemos fazer juízos de valor sobre as causas que levaram um português a desertar. pode ter sido por razões familiares, razões de consciência ou por outras razões que não me compete a mim julgar ou criticar. Outra parte de mim diz-me que eles simplesmente fugiram, tiveram medo, acobardaram-se. Ponto final. Admiti-los no nosso blogue é uma traição a quem lá esteve e que por quem lá morreu. No entanto o nosso Presidente no seu mais alto critério assim o decidirá.(...)
(**) "Desertores" é um dos temas fraturantes do nosso blogue, que é um blogue de combatentes, dos que cumpriram o dever como portugueses, independentemente das reservas ou objeções (políticas, ideológicas, religiosas, morais, etc.) que podia, ter ou não em relação àquela guerra.
Temos, mesmo assim, cerca de meia centenas de referências com o marcador "desertores"... Em prosa,. em verso: vd. por exemplo poste de 2 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13680: Manuscrito(s) (Luís Graça) (40): Selfies /autorretratos: o meu amigo F..., pintor, e eu... Queria que fôssemos, a salto, até Paris, em 1965...
Temos, mesmo assim, cerca de meia centenas de referências com o marcador "desertores"... Em prosa,. em verso: vd. por exemplo poste de 2 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13680: Manuscrito(s) (Luís Graça) (40): Selfies /autorretratos: o meu amigo F..., pintor, e eu... Queria que fôssemos, a salto, até Paris, em 1965...
(***) Último poste da série > 21 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16510: Recortes de imprensa (82): A notícia da morte de Amílcar Cabral e as cinco razões apresentadas para uma eventual explicação do crime, dadas pelo "Diário de Lisboa", de 22/1/1973, jornal vespertino conotado com a oposição democrática ao Estado Novo. que se pubicou entre 1921 e 1990