quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16615: O que é feito de ti, camarada ? (6): Carlos Filipe Coelho (ex-Soldado Radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)... Um resistente, duplamente resistente... Faz hoje anos... Parabéns, amigo, e até sempre! (Juvenal Amado)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, à civil... Um homem gentil que aqui aprendeu a amar aquela terra e aquela gente...




A caminho da Guiné, num dos navios da nossa marinha mercante, o "Angra do Heroísmo", que largou do Tejo em 18/12/1971, cheio que nem um ovo...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador, uma especialidade pouco usual...



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) > Carlos Filipe, radiomontador 




Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O Carlos Filipe, radiomontador, da CCS/BCAÇ (Galomaro, 1972/74) esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado, com hepatite,  para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.


Fotos © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Mensagem, com data de 9 do corrente, do  Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas,  CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74; autor de "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem - Guiné, 1971 - 1974"  (Lisboa: Chiado Editora, 2015, 308 pp.)


Carlos,  mando aqui alguma coisa escrita para o poste do Carlos Filipe. Também envio fotos que tenho dele e junto a talhe de foice,  porque falo do Jamba,  uma foto em que o Catroga trata do filho dele.

Um abraço, Juvenal
Encontramo-nos a miúde na Amadora [,onde vive, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente...]

Bebemos um café numa esplanada muito agradável perto da casa dele. Falamos de tudo mas em especial da Guiné, da sua situação interna, da sua classe politica, do seu injustiçado e sofrido povo.

Não consegue esconder desgosto por ver o partido de Amilcar Cabral não ser melhor que os demais, depois de tantas lutas, também ele se afunda na corrupção, no lodo dos interesses instalados e dos que se querem instalar.

Soubemos há tempos que o quartel de Galomaro foi transformado em armazém serração, que faz parte da praga que abate as suas florestas e que por isso não se pode filmar nem fotografar. As provas do crime, aguardam por embarque para Bissau em Bambadinca, ou no Xime. No Geba,  rio que cruzamos cheios de dúvidas e ansiedades das chegadas e alegrias das partidas, cumprirão mais uma etapa que levará a madeira das milhares de árvores abatidas para a China.

Para trás fica a destruição do meio ambiente, a sua fauna e flora. A Guiné que nós conhecemos, é só um resquício na nossa memória, é como vermos alguém morrer jovem e belo, vamos sempre lembrá-lo assim.

Acabamos por lembrar Galomaro mais o Regála, o Jamba [, foto à esquerda,] que era do PAIGC na clandestinidade, andava dentro do quartel por onde queria e lhe apetecia, a alegria das lavadeiras, Bafatá com os seus restaurantes e o seu comércio vibrante, a piscina, a praça, os vendedores de óculos de sol e relógios das melhores marcas “suíças” que só trabalhavam o tempo de sair da cidade....

As loucuras dos almoços às 10 da manhã, com whisky e charutos para rematar, pois a coluna tinha que sair com o correio o mais tardar às 11,30. Bebíamos mais uma para a viagem no caminho já à saída de Bafatá à esquerda,  numa tasca que,  segundo diziam.  eram de um individuo de Alfeizerão, que jogava com um pau de dois bicos e nem um copo de água dava à malta. Mandava-nos ir beber ao poço e era se queríamos.

Carlos ri-se da minha forma de falar, relembrar,  e dos rodeios que faço para lá chegar. Há dias levei-lhe um emblema do nosso batalhão. Só para ver aquele olhar iluminar-se e aquele corpo magro que resiste ao sofrimento crescer um palmo, metaforicamente falando, valeu apena.

Telefonou-me no dia 4 deste mês e eu não dei por isso. Quando reparei telefonei-lhe logo mas já não me atendeu. Tenho-lhe telefonado todos os dias sem conseguir falar com ele. Não me admiro,  pois por vezes está semanas e meses sem falar comigo, até que um dia vejo que é ele,  atendo, fico a saber, pela sua voz sumida e fraca, que esteve internado, ou que a quimio o deitou abaixo de tal maneira que nem comer nem beber consegue.

Volto-me a encontrar com ele e lá voltamos à Guiné e ao blogue dele,  Bissau Resiste, onde ele se digladia com guineenses e não só, de tendências e religiões várias. Facto que lhe grajeia amigos e possivelmente mais inimigos.

Fico a pensar onde vai buscar semelhante força.

Não sei quando vou falar com ele novamente, não sei se lhe consigo dar os parabéns pelo seu aniversário pessoalmente, mas nem por isso quero deixar esquecido e vou beber um copo à sua resistência e força, que o faz vencer todos os dias mais um dia.

Parabéns, Carlos Filipe.  recebe um abraço deste teu camarada, que o 3872 juntou e a Guiné uniu.

Até sempre, amigo.

Juvenal


Um resistente: o Carlos Filipe Coelho (ex-soldado radiomontador, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74) ... Foto atual... Vive na Amadora, sozinho, viúvo, com uma filha a viver no Cacém, e doente, doente de longa duração, mas resistente, duplamente resistente, um lutador...Tem 22 referências no nosso blogue.... Mas no seu blogue, "Bissau Resiste", tem mais de 7 mil postes publicados, em 4 anos, desde meados de 2013...




Cabeçalho do blogue do Carlos Filipe, "Bissau Resiste", criado em agosto de 2013 e atualizado até ao início de outubro de 2016. Tem mais de 70 seguidores. O nº de postes anuais é notável:  2016 (926); 2015 (3215); 2014 (2391); 2013 (790).


 2. Comentário do editor:

Caro Juvenal, és um grande ser humano. O que fazes pelo teu (e nosso)  amigo e camarada, é digno de registo, é um exemplo para todos nós, É isso a camaradagem e a solidariedade humana. É também esse espírito da Tabanca Grande.

Sim, eu sabia que Carlos Filipe estava (ou esteve) doente, há uns anos atrás.  Mas não sabia era o resto da história nem lo prognóstico da doença...  Há estoicismo e dignidade na maneira como o Carlos tem enfrentado a adversidade e fintado a morte.

Se conseguires estar com ele,  hoje, no dia do seu aniversário natalício, dá-lhe um abraço, de todos nós,  do tamanho do poilão da Tabanca Grande e bebe um copo com ele, por ele, por ti  e por todos nós, que merecemos viver mais uns aninhos cá na terra, para compensar os que perdemos na guerra... Mesmo de muletas... por que como diz o provérbio popular "mais vale andar neste mundo de muletas  do que no outro em carretas"... (LG)
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6 comentários:

Mário Beja Santos disse...

Meu estimado Carlos Filipe, Sempre que posso, mando-lhe mails, uma forma de companhia. É pela informação do Juvenal Amado que fico a saber que está doente e bastante limitado. Enviar-lhe-ei hoje novo mail com os meus contactos telefónicos, pode ser que a minha companhia lhe traga algum alívio. E aqui lhe deixo os votos sinceros de alegrias aniversariantes, um voto de restabelecimento e de grande coragem, vejo que está sujeito a uma grande intempérie. Um abraço do Mário

Anónimo disse...

Carlos, meu camarada da Guiné... Não sei o que é pior, se a doença, o envelhecimento ou a solidão, ou as três coisas juntas... Evita a solidão, já que a doença e o envelhecimento são ou vão ser as nossas companheiras de jornada pelo resto da picada fora... Por favor, procura a companhia dos camaradas e amigos que ainda te podem ajudar... A solidão, mais do que o resto, pode ser um casulo onde a gente se enrosca, numa armadilha mortal...

Eu sei que tens o teu blogue, e que és o último dos moicanos, que a tua/nossa Guiné (ou sua elite dirigente) há muito que perdeu o norte, a bússola, as cartas de marear, o barco... Mas tu não podes viver, sozinho, essa tragédia, de um país, de um povo... Os guineenses, povo bom e grande, hão de encontrar o seu rumo e hão de ter um dia dirigentes à altura da sua bondade e grandeza,

Carlos, tens no Juvenal um amigo e camarada que te apoia e muito te estima... Por sorte, é agora teu vizinho. Não desistas, os nossos sonhos precisam de muitas vidas para serem sonhados e realizados...

Um dia, sem dor, e com esperança, para ti... Na Guiné, também contávamos um dia de cada vez...Não tínhamos calendário... Um abraço fraterno, Luís Graça.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Juvenal, só um pequeno comentário lateral a este texto magnífico: se calhar estás (ou estávamos, nós, os militares) a ser injusto(s) para com o sr. Teófilo, o tal comerciante,que ficava à saída da cidade (vila, ainda no meu tempo, em 1969...), e que tinha fama de não dar um copo de água a ninguém e, pior ainda, de ser um "turra", ou de até de "jogar com um pau de dois bicos"... Nunca saberemos ao certo, mas há um camaradam, nosso, que conviveu com ele... O Manuel da Mata, que vive hoje no Crato...Relê o que ele escreveu... Ele e outros...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search?q=te%C3%B3filo+%2B+Bafat%C3%A1

Juvenal Amado disse...

Luís na verdade eu não faço uma afirmação quanto a ele ser "contribuinte" para a causa da independência mas que diziam que ele era, isso é verdade. Na verdade, não me custa acreditar que os comerciantes no mato ou na orla das cidades, que estavam mais desprotegidos quanto a possíveis represálias, que poderiam pôr em risco as suas vidas ainda que fosse só a nível económico.
Em Galomaro falava-se do Regála como tendo boas relacções com o PAIGC o que veio a provar depois. Se o Regála ia nas colunas estávamos descansados, pois ele fazia esses caminhos sozinho e que deixava uns sacos de bianda e mancarra na picada como tributo,

Também se falava que Galomaro nunca seria atacado por ele lá morar e ter a seu o seu negócio lá. Bem Galomaro foi violentamente atacado ao arame no dia 1 de Dezembro de 72 e viemos a saber, que ele e família tinham ido para Bissau a um consulta médica e que não estavam lá nesse dia.

Mas eu nunca poderei provar sobre juramento que isto era verdade. Quanto ao Jamba já foi outra coisa pois o nosso médico Pereira Coelho encontrou-o a seguir à independência fardado a rigor.

Um abraço

Manuel Reis disse...

Parabéns Carlos! Não te conheço pessoalmente, mas basta-me saber que foste um combatente da Guiné, para te considerar um bom amigo. Depreendo que a tua luta continuou aqui e pelos comentários de alguns camaradas não posso deixar de enaltecer a tua grandeza, a tua força e a tua dignidade.

O Juvenal já não me surpreende pelo conhecimento que tenho dele. Um homem bom, sempre disponível para ajudar os que mais necessitam e de que me orgulho de o ter por amigo.

Sou da opinião que a guerra continuaria com a mesma violência de outrora,em termos psíquicos e anímicos, acaso não exististe este espírito de solidariedade e de fraternidade, que manifestamos através da escrita e da convivência pessoal. São os nossos portos de abrigo.

Um abraço.

Manuel Reis

Unknown disse...

Amigos, fiquei muito sensibilizado c/ a vossa afetuosa manifestação neste dia. Muito obrigado pela vossa consideração e estima.

Mesmo não vos contactando, recordo frequentemente muitos de vocês por um motivo ou outro…
São 66 anos de uma vida de vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, mas valeu a pena considerando minha pequena e modesta dimensão neste país.

Sendo que estes últimos oito anos, foram piores do que ir buscar água para Galomaro às “Duas fontes”…

Muito obrigado a todos. Um abraço para todos e para cada um.
Carlos Filipe, 21/10/2016